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apostila de álgebra - amilcar

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Tiago Vital

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A´lgebra
Amı´lcar Pacheco
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Matema´tica
E-mail address: amilcar@im.ufrj.br
Suma´rio
Cap´ıtulo 1. Preliminares 1
1.3. Relac¸a˜o de equivaleˆncia 2
1.9. Lema de Zorn e aplicac¸o˜es 3
Parte 1. Nu´meros Inteiros 5
Cap´ıtulo 2. Algoritmos Euclideanos 7
2.1. O algoritmo euclideano para nu´meros inteiros 7
2.5. Ma´ximo divisor comum 8
2.11. Ane´is e ideais 9
2.15. Exerc´ıcios 10
Cap´ıtulo 3. Fatorac¸a˜o de inteiros 13
3.1. Existeˆncia 13
3.4. Unicidade 13
3.8. MDC e fatorac¸a˜o 14
3.10. Aplicac¸o˜es 15
3.19. Func¸o˜es aritme´ticas elementares 17
Cap´ıtulo 4. Induc¸a˜o finita 21
4.1. Enunciados 21
4.4. Exemplos da induc¸a˜o na sua primeira forma 21
4.10. Exemplos da induc¸a˜o finita na sua segunda forma 22
Cap´ıtulo 5. Nu´meros primos 25
5.1. Infinidade de primos 25
5.4. Primos em progresso˜es aritme´ticas 26
5.7. Infinidade de compostos por func¸o˜es polinomiais 28
5.9. Nu´meros de Fermat e Mersenne 29
5.12. Contando nu´meros primos 29
5.20. Func¸a˜o zeta 32
Cap´ıtulo 6. Aritme´tica modular 37
6.1. Aritme´tica modular 37
6.9. Crite´rios de divisibilidade 39
6.13. Contando elementos invers´ıveis 40
Cap´ıtulo 7. Sistemas de congrueˆncia 41
7.1. Equac¸o˜es diofantinas 41
7.3. Equac¸o˜es lineares 41
7.7. Sistemas de equac¸o˜es lineares 42
iii
iv SUMA´RIO
7.10. Teorema Chineˆs dos Restos 43
7.13. Aplicac¸a˜o 43
Cap´ıtulo 8. Aplicac¸o˜es da teoria de grupos a` teoria elementar dos nu´meros 45
8.1. Primalidade de nu´meros de Mersenne 45
8.3. Primalidade de nu´meros de Fermat 45
8.5. Nu´meros de Carmichael 46
8.11. Teorema da raiz primitiva 47
Parte 2. Grupos 49
Cap´ıtulo 9. Teoria de Grupos I 51
9.1. Definic¸a˜o e exemplos 51
9.11. Subgrupos 54
9.17. Classes Laterais e Teorema de Lagrange 56
9.25. Ordem de elemento e expoente de grupo abeliano 57
Cap´ıtulo 10. Teoria de grupos II 61
10.1. Subgrupos normais e grupos quocientes 61
10.10. Homomorfismo de grupos 63
10.27. Produtos de grupos 66
10.33. Grupos metac´ıclicos 70
10.37. Classificac¸a˜o de grupos de ordem ≤ 11 72
Cap´ıtulo 11. Teoremas de Sylow 75
11.1. Represesentac¸o˜es de grupos 75
11.7. Os teoremas de Sylow 77
11.15. Exemplos 79
Cap´ıtulo 12. Grupos solu´veis 81
12.1. Teorema de Jordan-Ho¨lder 81
12.10. Grupos solu´veis 83
Cap´ıtulo 13. Grupos abelianos finitamente gerados 87
13.1. Mo´dulos sobre ane´is 87
13.3. Diagonalizac¸a˜o de matrizes 88
13.6. Geradores e relac¸o˜es para mo´dulos 89
13.11. O teorema de estrutura 91
Parte 3. Ane´is 93
Cap´ıtulo 14. Ane´is de polinoˆmios 95
14.1. Algoritmo da divisa˜o 95
14.3. Ma´ximo divisor comum de polinoˆmios 97
14.11. Fatorac¸a˜o u´nica de polinoˆmios 99
Cap´ıtulo 15. Ane´is e domı´nios 103
15.1. Domı´nios euclideanos 103
15.15. Domı´nios fatoriais 108
15.25. Fatores mu´ltiplos e resultante 110
15.34. Ane´is quocientes e teorema chineˆs dos restos 112
SUMA´RIO v
15.50. Aplicac¸o˜es 117
Parte 4. Corpos 119
Cap´ıtulo 16. Extenso˜es finitas 121
16.10. Exerc´ıcios 124
Cap´ıtulo 17. Extenso˜es alge´bricas 127
17.1. Elementos alge´bricos e transcendentes 127
17.4. Extenso˜es alge´bricas 128
17.12. Adjunc¸a˜o de ra´ızes 130
17.18. Fechos alge´bricos 131
Cap´ıtulo 18. Extenso˜es separa´veis 137
18.17. Corpos Finitos 141
Cap´ıtulo 19. Extenso˜es puramente insepara´veis 143
Cap´ıtulo 20. Corpos de decomposic¸a˜o e extenso˜es normais 147
20.17. Exemplos 150
Cap´ıtulo 21. Teoria de Galois 153
21.1. Correspondeˆncia de Galois 153
21.10. Extenso˜es e subgrupos normais 156
21.18. Coeficientes e ra´ızes 157
Cap´ıtulo 22. Extenso˜es ciclotoˆmicas 159
Cap´ıtulo 23. Extenso˜es c´ıclicas 163
Cap´ıtulo 24. Solubilidade por radicais 169
Parte 5. To´picos adicionais 173
Cap´ıtulo 25. O problema inverso de Galois 175
25.2. Grupo Sn 175
25.10. Grupo An 179
25.13. Me´todo geral 179
Cap´ıtulo 26. Teoria de Galois infinita 181
26.1. Limite inverso 181
26.7. Completamento de um grupo 182
26.9. Teoria de Galois infinita 183
Cap´ıtulo 27. Teoria de transcendeˆncia 185
27.1. Bases de trasncendeˆncia 185
27.2. Transcendeˆncia de e 185
27.3. Transcendeˆncia de pi 185
27.4. Elementos de teoria de transcenceˆncia 185
Bibliografia - Livros 187
Bibliografia - Artigos 189
CAP´ıTULO 1
Preliminares
Ao longo deste livro dentoraremos por N o conjunto dos nu´meros naturais, Z o
conjunto dos nu´meros inteiros, Q o conjunto dos nu´meros racionais, R o conjunto
dos nu´meros reais e C o conjunto dos nu´meros complexos. Para todo x ∈ C
denotamos por |x| seu valor absoluto usual, i.e., se x = a + bi com a, b ∈ R,
enta˜o |x| := √a2 + b2. Para todo x ∈ R denotamos seu valor absoluto usual por
|x| := x, se x ≥ 0, e |x| := −x, se x < 0.
Sejam S e T conjuntos. Uma func¸a˜o f : S → T e´ dita injetiva toda vez que
x 6= y implicar f(x) 6= f(y). Isto tambe´m equivale a dizer que se f(x) = f(y),
enta˜o x = y. A func¸a˜o f e´ dita sobrejetiva, se f(S) = T .
Lema 1.1. Sejam S′ e R conjuntos. Enta˜o existe um conjunto S′1 e bijec¸a˜o
ϕ0 : S
′ → S′1 tal que S′1 ∩R = ∅.
Axioma 1.2 (axioma da boa ordenac¸a˜o). Todo subconjunto na˜o vazio de N
possui um menor elemento.
Seja n ≥ 1 inteiro. Sejam x, y varia´veis. Considere o produto nota´vel
xn − yn = (x− y)(xn−1 + xn−2y + . . .+ xyn−2 + yn−1.
Podemos obter dele a soma de n termos de uma progressa˜o geome´trica de raza˜o q.
Digamos que os termos sejam a, aq, · · · , aqn−1 . Assim,
a+ aq + . . .+ aqn−1 = a
qn − 1
q − 1 .
Basta na fo´rmula anterior tomar x = q e y = 1.
Para inteiros 1 ≤ m ≤ n definimos o nu´mero binomial(
n
m
)
:=
n!
m!(n−m)! ,
onde n! := n(n− 1) . . . 1.
Lembre-se [Sp, p. 632] das seguintes expanso˜es em se´ries
1
1− x = 1 + x
2 + x3 + . . .+ xn + . . . ;
log(1− x) = x+ x
2
2!
+
x3
3!
+ . . .+
xn
n!
+ . . . .
Dado um nu´mero real x denotamos por dxe a parte inteira de x, ou seja, o
maior nu´mero inteiro menor ou igual a x.
Para todo inteiro n ≥ 1 e nu´mero primo p, a ordem p-a´dica ordp(n) de n e´
definida por pordp(n) e´ a poteˆncia exata de p que divide n.
1
2 1. PRELIMINARES
1.3. Relac¸a˜o de equivaleˆncia
Seja X um conjunto. Uma relac¸a˜o bina´ria R e´ um subconjunto de X × X.
Dado um par (a, b) ∈ R dizemos que a e´ relacionado a b e denotamos por aRb. Por
exemplo, podemos tomar como X o conjunto de retas do plano e como R a relac¸a˜o
de ortogonalidade.
Uma relac¸a˜o de equivaleˆncia em um conjunto X e´ uma relac¸a˜o bina´ria ∼ satis-
fazendo a`s seguintes condic¸o˜es:
(1) x ∼ x (reflexividade).
(2) Se x ∼ y, enta˜o y ∼ x (simetria).
(3) Se x ∼ y e y ∼ z, enta˜o x ∼ z (transitividade).
Exemplo 1.4. Seja X = Z e ∼ a relac¸a˜o ≡ (mod n) definida por: dados
a, b ∈ Z, a ≡ b (mod n) se e somente se n | (a − b), i.e., existe k ∈ Z tal que
a− b = kn. Isto define uma relac¸a˜o de equivaleˆncia. De fato,
(1) a− a = 0 = 0.n.
(2) Se a ≡ b (mod n), enta˜o existe k ∈ Z tal que a−b = kn, logo b−a = (−k)n
e b ≡ a (mod n).
(3) Se a ≡ b (mod n) e b ≡ c (mod n), enta˜o existem k, l ∈ Z tais que a−b =
kn e b− c = ln. Somando estas duas igualdades obtemos a− c = (k+ l)n,
logo a ≡ c (mod n).
Exemplo 1.5. Seja X = Z × Z − {0}. Definimos dois pares (a, b), (c, d) ∈ X
como equivalentes, denotando (a, b) ∼ (c, d) se e somente se ad = bc. Isto define
uma relac¸a˜o de equivaleˆncia. De fato,
(1) ab = ba, logo (a, b) ∼ (a, b).
(2) Suponha que (a, b) ∼ (c, d), i.e., ad = bc. Logo cb = da, i.e., (c, d) ∼ (a, b).
(3) Suponha que (a, b) ∼ (c, d) e (c, d) ∼ (e, f), i.e., ad = bc e cf = de. Logo
af = bcd f =
bcf
d =
bde
d = be, i.e., (a, b) ∼ (e, f).
Seja X um conjunto e ∼ uma relac¸a˜o de equivaleˆncia em X. Definimos a classe
[a] de um elemento a ∈ X por [a] = {b ∈ X | b ∼ a}. Note que [a] e´ um conjunto.
Lema 1.6. Seja X um conjunto e ∼ uma relac¸a˜o de equivaleˆncia em X. Dados
a, b ∈ X,temos que a ∼ b se e somente se [a] = [b].
Demonstrac¸a˜o. Suponha que [a] = [b]. Observe que a ∈ [a], pois a ∼ a.
Logo a ∈ [b], i.e., b ∼ a, portanto a ∼ b.
Reciprocamente, suponha a ∼ b e c ∈ [a], i.e., c ∼ a. Por transitividade, c ∼ b,
i.e., c ∈ [b]. Suponha d ∈ [b], i.e., d ∼ b. Por simetria, b ∼ a, por transitividade,
d ∼ a, i.e., d ∈ [a]. �
Corola´rio 1.7. Seja X um conjunto e ∼ um relac¸a˜o de equivaleˆncia em X.
Enta˜o a � b se e somente se [a] ∩ [b] = ∅.
Demonstrac¸a˜o. Note que se a ∼ b, enta˜o [a] ∩ [b] = [a] = [b] 6= ∅. Por outro
lado, se existisse c ∈ [a] ∩ [b], enta˜o c ∼ a e c ∼ b. Por simetria, a ∼ c e por
transitividade a ∼ b, o que e´ uma contradic¸a˜o. �
Corola´rio 1.8. Seja X um conjunto e e ∼ um relac¸a˜o de equivaleˆncia em X.
Enta˜o X =
·⋃
a[a], onde
·⋃
a[a] denota a unia˜o disjunta das classes de equivaleˆncia
em X.
1.9. LEMA DE ZORN E APLICAC¸O˜ES 3
Demonstrac¸a˜o. Observe que o lado direito esta´ claramente contido no lado
esquerdo. Reciprocamente, pelo corola´rio anterior dado x ∈ X existe uma u´nica
classe de equivaleˆncia [a] tal que x ∈ [a]. �
Seja X um conjunto e e ∼ um relac¸a˜o de equivaleˆncia em X. Definimos X :=
X/ ∼:= {[a] | a ∈ X} como o conjunto das classes de equivaleˆncia de ∼ em X. No
caso particular em que X = Z e ∼ e´ ≡ (mod n), denotamos a classe [a] de a ∈ Z
por a. Neste caso, X e´ denotado por Z/nZ.
1.9. Lema de Zorn e aplicac¸o˜es
Definic¸a˜o 1.10. Um conjunto M e´ dito parcialmente ordenado, se existe uma
relac¸a˜o ≤ em M satisfazendo a`s seguintes condic¸o˜es
(1) (reflexividade) a ≤ a, para todo a ∈M.
(2) (Transitividade) Dados a, b, c ∈M, se a ≤ b e b ≤ c, enta˜o a ≤ c.
(3) (Anti-simetria) Dados a, b ∈M, se a ≤ b e b ≤ a, enta˜o a = b.
Esta ordem sera´ dita total, se para quaisquer a, b ∈M temos a ≤ b ou b ≤ a. Neste
caso dizemos que M e´ um conjunto totalmente ordenado.
Definic¸a˜o 1.11. Seja M um conjunto parcialmente ordenado. Um elemento
m ∈ M e´ dito um elemento maximal de M, se dado a ∈ M tal que a ≤ m, enta˜o
a = m. Um elemento c ∈ M e´ dito um limite superior para M, se para todo
a ∈M temos a ≤ c. O conjunto M e´ dito indutivo, se todo subconjunto totalmente
ordenado L ⊂M possui limite superior. Neste caso, M 6= ∅.
Lema 1.12 (lema de Zorn). (ver [vWa, §69]) Todo conjunto parcialmente or-
denado indutivo possui elemento ma´ximo.
Lema 1.13 (lema de Krull). Seja R um anel comutativo com unidade. Todo
ideal na˜o nulo a de R esta´ contido em algum ideal maximal m de R.
Demonstrac¸a˜o. Considere o conjunto N de todos os ideais b ( R contendo
a. E´ imediato que este conjunto e´ parcialmente ordenado com respeito a` relac¸a˜o de
inclusa˜o de conjuntos. Seja L ⊂ N um subconjunto totalmente ordenado e
C :=
⋃
b∈L
b.
Segue de um exerc´ıcio do cap´ıulo de domı´nios euclideanos que C e´ um ideal de R.
Ale´m disto, este ideal e´ pro´prio, do contra´rio, existiria b ∈ L tal que 1 ∈ b, o que
contradiria b ( R. Por construc¸a˜o, o ideal C e´ um limite superior para L. Em
particular, pelo lema de Zorn, existe m elemento ma´ximo de N. Novamente por
construac¸a˜o m e´ maximal e conte´m a. �
Parte 1
Nu´meros Inteiros
CAP´ıTULO 2
Algoritmos Euclideanos
O objetivo deste cap´ıtulo e´ descrever o algoritmo euclideano que permite di-
vidir um nu´mero inteiro por outro, definir a noc¸a˜o de ma´ximo divisor comum de
nu´meros inteiros e provar o algoritmo euclideano estendido que da´ uma relac¸a˜o de
dependeˆncia linear entre o ma´ximo divisor comum e os nu´meros inteiros atrave´s da
noc¸a˜o de ideais.
2.1. O algoritmo euclideano para nu´meros inteiros
Definic¸a˜o 2.2. Sejam a, b ∈ Z. Dizemos que a divide b ou que b e´ divis´ıvel
por a e denotamos a | b se existe c ∈ Z tal que ac = b.
Proposic¸a˜o 2.3. A divisibilidade satisfaz as seguintes propriedades:
(1) (Cancelamento). Se c 6= 0 e ac | bc, enta˜o a | b.
(2) (Transitividade). Se a | b e b | c, enta˜o a | c.
Demonstrac¸a˜o. (1) Existe α ∈ Z tal que αac = bc, i.e., c(b− αa) = 0. Mas
o produto de dois inteiros e´ igual a zero implica em que um dos inteiros e´ nulo.
Observe que c 6= 0, assim b = ac, i.e., a | b.
(2) Existem α, β ∈ Z tais que b = αa e c = βb, substituindo a primeira
igualdade na segunda, obtemos c = βαa, i.e., a | c. �
Teorema 2.4 (algoritmo de Euclides). Sejam a, b ∈ Z com b 6= 0. Enta˜o
existem q, r ∈ Z tais que
a = bq + r, onde 0 ≤ |r| < |b|.
Se a, b ≥ 0, enta˜o q e r sa˜o unicamente determinados por a e b.
Demonstrac¸a˜o. Suponha inicialmente que a, b ≥ 0. Se a < b tome q = 0 e
r = a. Suponha que a ≥ b. Considere o conjunto S := {k ≥ 1 inteiro | kb > a}. Este
conjunto e´ um subconjunto na˜o vazio de N. Assim, pelo axioma da boa ordenac¸a˜o
(axioma 1.2) existe q + 1 ∈ S tal que q + 1 ≤ x para todo x ∈ S. Logo q /∈ S, i.e.,
a ≥ bq. Seja r := a− bq, portanto 0 ≤ r < (q + 1)b− b = b.
• Se a < 0 e b > 0, divida a′ := −a por b com quociente q′ e resto r′ e tome
q := −q′ e r := −r′.
• Se a < 0 e b < 0, divida a′ := −a por b′ := −b com quociente q′ e resto r′
e tome q := q′ e r := −r′.
• Se a > 0 e b < 0, divida a por b′ := −b com quociente q′ e resto r′ e tome
q := −q e r := r′.
Para provar a unicidade suponha que
a = bq1 + r1 = bq2 + r2, onde 0 ≤ r1, r2 < b.
7
8 2. ALGORITMOS EUCLIDEANOS
Basta provar que r1 = r2, pois neste caso bq1 = bq2 e como b 6= 0, pela propriedade
do cancelamento, q1 = q2. Suponha r1 < r2. Neste caso,
r2 − r1 = b(q1 − q2) ≥ b, mas r2 − r1 ≤ r2 < b.
Similarmente, na˜o podemos ter r1 > r2. �
2.5. Ma´ximo divisor comum
Definic¸a˜o 2.6. Sejam a, b ∈ Z. Dizemos que d ∈ Z e´ um ma´ximo divisor
comum de a e b, denotado por mdc(a, b) se
(1) d | a e d | b; (por isto d e´ dito um divisor comum de a e b.)
(2) Para todo d′ ∈ Z tal que d′ | a e d′ | b, d′ | d.
Observac¸a˜o 2.7. • A noc¸a˜o de mdc esta´ bem definida a menos de
sinal. De fato se e for um outro mdc de a e b, enta˜o por (2) e | d e d | e,
ou seja existem α, β ∈ Z tais que d = αe = αβd, portanto αβ = 1, i.e.,
α ∈ {±1}. Assim quando dizemos o mdc de a e b referimo-nos a` escolha
de d positiva.
• mdc(a, b) = mdc(−a,−b) (exerc´ıcio).
• Se b | a, enta˜o mdc(a, b) = b (idem).
• Denote por Da,b o conjunto dos divisores comuns positivos de a e b. Note
que para qualquer x ∈ Da,b temos que x ≤ min{a, b}. Assim, este con-
junto e´ finito. Fica novamente como exerc´ıcio verificar que mdc(a, b) e´
justamente o elemento ma´ximo de Da,b.
Lema 2.8. Sejam a, b ≥ 1 inteiros e a = bq + r onde 0 ≤ r < b a divisa˜o de a
por b. Enta˜o mdc(a, b) = mdc(b, r).
Demonstrac¸a˜o. Basta mostrar que os conjuntos Da,b e Db,r sa˜o coincidem.
De fato, neste caso seus elementos ma´ximos sa˜o iguais, o que prova o lema. Seja
e ∈ Da,b, digamos a = eα e b = eβ para α, β ∈ Z. Logo r = a − bq = e(α − βq),
i.e., e | r, i.e., e ∈ Db,r, i.e., Da,b ⊂ Db,r. Seja f ∈ Db,r, digamos b = fβ′ e r = fγ
para β′, γ ∈ Z. Enta˜o a = bq + r = f(β′q + γ), i.e., f | a, i.e., f ∈ Da,b, i.e.,
Db,r ⊂ Da,b. �
Teorema 2.9. Sejam a, b ≥ 1 inteiros. Consideremos a sequ¨eˆncia de diviso˜es
sucessivas:
(2.9.1)
a = bq1 + r1, 0 < r1 < b
b = r1q2 + r2, 0 < r2 < r1
...
...
rn−2 = rn−1qn + rn, 0 < rn < rn−1
rn−1 = rnqn+1,
onde rn e´ o u´ltimo resto na˜o nulo na sequ¨eˆncia de diviso˜es. Enta˜o mdc(a, b) = rn.
Demonstrac¸a˜o. Notemos inicialmente que em (2.9.1) ter´ıamos que ter um
primeiro resto nulo, rn+1, pois
b > r1 > r2 > · · · ≥ 1
e na˜o existe uma sequ¨eˆncia estritamente descendente infinita de nu´meros inteiros
positivos.
2.11. ANE´IS E IDEAIS 9
Pelo lema anterior aplicado a cada linha de (2.9.1) obtemos
mdc(a, b) = mdc(b, r1) = · · · = mdc(rn−1, rn).
Mas rn | rn−1, logo rn = mdc(rn, rn−1). A fortiori, rn = mdc(a, b). �
Teorema 2.10 (algoritmo euclideano estendido). Sejam a, b ≥ 1 inteiros e
d = mdc(a, b). Existem s, t ∈ Z tais que d = sa+ tb.
Demonstrac¸a˜o. Comec¸amos com a penu´ltima linha de(2.9.1),
rn = rn−2 + (−qn)rn−1,
tome A1 := −rn−1 e B1 := 1. Da linha seguinte temos
rn−1 = rn−3 + (−qn−1)rn−2,
assim
rn = B1rn−2 +A1rn−1 = B1rn−2 +A1(rn−3 + (−qn−1)rn−2).
Tome A2 := B1 −A1qn−1 e B2 := A1. A linha seguinte nos da´
rn−2 = rn−4 + (−qn−2)rn−3.
Substituindo na fo´rmula anterior,
rn = B2rn−3 +A2rn−2 = B2rn−3 +A2(rn−4 + (−qn−2)rn−3)
Tome A3 := B2 −A2qn−2 e B3 := A2. Repetindo o mesmo argumento obtemos
rn = Bn−2r1 +An−2r2.
Mas r2 = b+ (−q2)r1, donde
rn = Bn−2r1 +An−2(b+ (−q2)r1),
tome An−1 := Bn−2 −An−2q2 e Bn−1 := An−2. Finalmente a primeira divisa˜o nos
da´, r1 = a+ (−q1)b e sustituindo na fo´rmula anterior obtemos
rn = Bn−1b+An−1(a+ (−q1)b).
Basta tomar s := An−1 e t := Bn−1 −An−1q1. �
2.11. Ane´is e ideais
Nesta sec¸a˜o daremos uma outra demonstrac¸a˜o (conceitual) do algoritmo eu-
clideano estendido. Para isto precisamos da noc¸a˜o de ideais no conjunto Z dos
nu´meros inteiros.
O conjunto Z dos nu´meros inteiros possui duas func¸o˜es. A soma + : Z×Z→ Z
de nu´meros inteiros (a, b) 7→ a + b que associa ao par (a, b) sua soma a + b. E o
produto de inteiros · : Z × Z → Z dada por (a, b) 7→ ab que associa ao par (a, b) o
seu produto ab. Dados inteiros a, b, c as seguintes propriedades sa˜o satisfeitas:
(1) (Associatividade da soma) a+ (b+ c) = (a+ b) + c.
(2) (Comutatividade da soma) a+ b = b+ a.
(3) (Elemento neutro da soma) a+ 0 = 0.
(4) (Inverso da soma) Dado a ∈ Z existe b ∈ Z tal que a+ b = 0 e denotamos
b = −a.
(5) (Associatividade do produto) a(bc) = (ab)c.
(6) (Comutatividade do produto) ab = ba.
(7) (Elemento neutro do produto) 1a = a.
10 2. ALGORITMOS EUCLIDEANOS
(8) (Distributividade do produto em relac¸a˜o a` soma) a(b+ c) = ab+ ac. Por
satisfazer estas propriedades Z e´ dito um anel comutativo com unidade.
Ale´m disto a seguinte propriedade e´ satisfeita:
(9) (Cancelamento) Se ab = 0, enta˜o a = 0 ou b = 0. Por satisfazer esta
propriedade Z e´ dito um domı´nio de integridade.
Observac¸a˜o 2.12. Poder´ıamos perguntar sobre a existeˆncia do inverso em Z
com relac¸a˜o ao produto. Ou seja, suponhamos que a, b ∈ Z sa˜o tais que ab =
1. Suponha a ≥ 1. Neste caso b = 1a ∈ Z tambe´m e´ um inteiro positivo, mas
a u´nica possibilidade destra frac¸a˜o ser um nu´mero inteiro e´ a = 1 e neste caso
necessariamente b = 1. Se a < 0, seja a′ = −a e b′ = −b, logo ab = a′b′ = 1 e pelo
caso anterior a′ = 1 e b′ = 1, i.e., a = b = −1. Assim os u´nicos nu´meros inteiros
que admitem inverso sa˜o ±1.
Definic¸a˜o 2.13. Um subconjunto I ⊂ Z de Z e´ dito um ideal de Z, se as
seguintes condic¸o˜es sa˜o satisfeitas:
(1) 0 ∈ I.
(2) (I e´ fechado com relac¸a˜o a` soma) Dados a, b ∈ I, a+ b ∈ I.
(3) (I e´ esta´vel com relac¸a˜o a` multiplicac¸a˜o de elementos de Z) Dado a ∈ I e
r ∈ Z, enta˜o ra ∈ I.
Fica como exerc´ıcio mostrar que os seguintes conjuntos sa˜o ideais de Z :
• I := 2Z = {2k | k ∈ Z} (o conjunto dos nu´meros pares).
• Seja n ≥ 1 inteiro e I := nZ = {nk | k ∈ Z} o conjunto dos mu´ltiplos de
n.
• Sejam n1, · · · , nk ≥ 1 inteiros. Seja I := n1Z+ . . .+ nkZ = {n1a1 + . . .+
nkak | a1, · · · , ak ∈ Z} o conjunto dos nu´meros que sa˜o somas de mu´ltiplos
de n1 com mu´ltiplos de n2, etc., com mu´ltiplos de nk.
Proposic¸a˜o 2.14. Todo ideal I 6= (0) de Z e´ da forma dZ para algum d ≥ 1.
Por isto dizemos que I e´ um ideal principal e que Z e´ um domı´nio principal.
Demonstrac¸a˜o. Observemos que I ∩ N 6= ∅. Dado a ∈ I, se a ≥ 1 nada ha´
a fazer. Sena˜o, ou seja, dado a < 0 em I, enta˜o −a = (−1)a ∈ I pela propriedade
(3) de ideais, mas −a ≥ 1. Pelo axioma da boa ordenac¸a˜o existe d ∈ I ∩ N tal que
d ≤ k para todo k ∈ I ∩ N. Afirmamos que I = dZ.
De um lado, como d ∈ I, pela propriedade (3) de ideais, para todo k ∈ Z,
dk ∈ I, i.e., dZ ⊂ I. De outro lado, dado a ∈ I, digamos a ≥ 1, pelo algoritmo
euclideano, existem q, r ∈ Z tais que a = qn + r, onde 0 ≤ r < n. Se r > 0, enta˜o
r = a + (−q)n ∈ I, pois a, (−q)n ∈ I, mas isto contradiz o fato de d ser o menor
inteiro positivo em I. Assim, r = 0 e n | a, portanto a ∈ nZ. Se a < 0, a mesma
prova mostra que se a′ = −a, d | a′, logo d | a, e assim I ⊂ nZ. �
2.15. Exerc´ıcios
(1) Seja a ∈ Z. Mostre que a e´ par se e somente se a2 e´ par.
(2) Seja n > 1 inteiro. Mostre que:
(a) mdc(n, 2n+ 1) = 1.
(b) mdc(2n+ 1, 3n+ 1) = 1.
(c) mdc(n! + 1, (n+ 1)! + 1) = 1.
2.15. EXERCI´CIOS 11
(3) Sejam n > m ≥ 1 inteiros. Suponha que n = qm + r seja a divisa˜o de
n por m, onde 0 ≤ r < m. Mostre que 2n − 1 = (2m − 1)Q + R, onde
R = 2r − 1 e 0 ≤ R < (2m − 1).
(4) Sejam n > m ≥ 1 inteiros. O nu´mero F (n) = 22n + 1 e´ chamado o
n-e´simo nu´mero de Fermat. O objetivo deste exerc´ıcio e´ mostrar que
mdc(F (n), F (m)) = 1. Faremos isto por etapas.
(a) Utilizando que 22
m+1 −1 = (22m + 1)(22m −1) mostre uqe (22m −1) |
(22
n
+ 1) = F (n). Calcule o quociente desta divisa˜o.
(b) Utilize (a) para mostrar que o resto da divisa˜o de F (n) = 22
n
+1 por
F (m) = 22
m
+ 1 e´ 2.
(c) Utilize (b) para calcular mdc(F (n), F (m)).
(5) Sejam a, b ≥ 1 inteiros. Mostre que mdc(a, b) mmc(a, b) = ab.
CAP´ıTULO 3
Fatorac¸a˜o de inteiros
Neste cap´ıtulo mostramos que todo nu´mero inteiro fatora-se de forma u´nica
como produto de nu´meros primos
3.1. Existeˆncia
Definic¸a˜o 3.2. Seja p ≥ 2 inteiro. Dizemos que p e´ um nu´mero primo, se
para todo inteiro b ≥ 1 tal que b | p, enta˜o b = 1 ou b = p, i.e., os u´nicos divisores
positivos de p sa˜o 1 e p. Os nu´meros inteiros que na˜o primos sa˜o chamados de
nu´meros compostos, i.e., n ≥ 1 e´ composto se e somente se existem 1 < a, b < n
tais que n = ab.
Teorema 3.3 (teorema fundamental da aritme´tica - primeira versa˜o). Seja
n ≥ 1 inteiro, existem p1, · · · , pk nu´meros primos (na˜o necessariamente distintos)
tais que
n = p1 · · · pk.
Demonstrac¸a˜o. Se n e´ primo nada ha´ a fazer. Suponhamos que n seja com-
posto. Todo divisor d de n satisfaz d ≤ n, assim o conjunto dos divisores positivos
de n e´ finito. Seja p1 o menor divisor positivo de n. Afirmamos que p1 e´ primo.
Se p1 na˜o fosse primo, ter´ıamos que existem 1 < a, b < p1 tais que p1 = ab, em
particular a | n, mas isto contradiz a minimalidade de p1.
Seja n1 :=
n
p1
< n. Se n1 e´ igual a 1 ou primo, enta˜o n = n1p1 ja´ e´ a fatorac¸a˜o
procurada. Sena˜o, com o mesmo argumento anterior, o menor divisor positivo p2
de n1 e´ primo. Seja n2 :=
n1
p2
= np1p2 < n1. Se n2 e´ igual a 1 ou primo, enta˜o
n = n2p2p1 e´ a fatorac¸a˜o procurada. Sena˜o prosseguimos. Note que temos uma
sequ¨eˆncia estritamente decrescente n > n1 > n2 > · · · de inteiros positivos, assim
existe k ≥ 1 tal que nk = 1, i.e., n = p1 · · · pk. �
3.4. Unicidade
Lema 3.5. Seja p ≥ 2 um nu´mero primo e a, b ∈ Z \ {0}. Se p | ab, enta˜o p | a
ou p | b.
Demonstrac¸a˜o. Note que dado um nu´mero primo p, enta˜o mdc(a, p) = 1
equivale a p - a, pois os u´nicos divisores positivos de p sa˜o 1 e p. Suponha que
p - a, i.e., pelo algoritmo euclideano estendido, existem s, t ∈ Z tais que 1 = sa+ tp.
Multiplicando ambos os lados por b obtemos b = sab + tpb. Mas ab = αp, pois
p | ab, para algum α ∈ Z. Logo b = p(sα+ tb), i.e., p | b. �
Observac¸a˜o 3.6. O lema anterior pode ser estendido imediatamente para um
produto qualquer de inteiros, i.e., se p | a1 · · · an, enta˜o existe 1 ≤ i ≤ n tal que
p | ai.
13
14 3. FATORAC¸A˜O DE INTEIROS
Teorema 3.7 (teorema fundamental da aritme´tica - segunda versa˜o). Seja
n ≥ 1 inteiro, enta˜o existem u´nicos nu´meros primos
p1 < · · · < pr e inteiros e1, · · · , er ≥ 1
tais que
n = pe11 · · · perr .
Demonstrac¸a˜o. Ja´ provamos anteriormente a existeˆncia da fatorac¸a˜o, agru-
pando os primos e colocando-os em ordem temos a expressa˜o acima. Suponha que
existam outros primos
q1 < · · · < qs e inteiros f1, · · · , fs ≥ 1
tais que
n = pe11 · · · perr = qf11 · · · qfss .
Pela observac¸a˜o anterior temos que existe algum1 ≤ j ≤ s tal que p1 | qj . Mas
ambos sa˜o primos, logo p1 = qj . O mesmo argumento acima mostra que existe
1 ≤ i ≤ r tal que q1 = pi. Afirmamos que j = 1. Caso contra´rio, ou seja j > 1,
q1 = pi ≥ p1 = qj , o que contradiz a ordenac¸a˜o dos nu´meros primos q’s. Logo
j = 1. Afirmamos tambe´m que e1 = f1. Suponha, por exemplo, que e1 > f1. Neste
caso, cancelando pf11 dos dois lados da equac¸a˜o acima obtemos
pe1−f11 p
e2
2 · · · perr = qf22 · · · qfss .
Repetindo a argumentac¸a˜o anterior obtemos que q2 = pi para algum 1 < i ≤ r.
Mas dessa forma, o fator primo p1 do lado esquerdo na˜o cancelara´ com nenhum
fator primo do lado direito. Portanto, e1 = f1.
Isto nos fornece a igualdade
pe22 · · · perr = qf22 · · · qfss .
Pelo mesmo argumento anterior, p2 = q2 e e2 = f2. Assim sucessivamente conclui-
mos que o nu´mero de fatores primos em ambos os lados e´ igual, i.e., r = s e para
cada 1 ≤ i ≤ r, pi = qi e ei = fi. �
3.8. MDC e fatorac¸a˜o
Proposic¸a˜o 3.9. Sejam a, b ≥ 1 inteiros,
a = pe11 · · · pekk e b = pf11 · · · pfkk
suas fatorac¸o˜es, com ei, fi ≥ 0 para 0 ≤ i ≤ k. Seja gi = min{ei, fi} e
d = pg11 · · · pgkk .
Enta˜o d = mdc(a, b).
Demonstrac¸a˜o. Notemos que d e´ um divisor comum de a e b, pois
a = dpe1−g11 · · · pek−gkk e b = dpf1−g11 · · · pfk−gkk ,
uma vez que para cada i, fi − gi, ei − gi ≥ 0. Seja d′ ≥ 1 um divisor comum de a e
b, i.e.,
d = ph11 · · · phkk
para 0 ≤ hi ≤ ei, fi. Em particular, hi ≤ gi. Assim,
d = d′pg1−h11 · · · pgk−hkk .
�
3.10. APLICAC¸O˜ES 15
3.10. Aplicac¸o˜es
Proposic¸a˜o 3.11. Seja p ≥ 2 um nu´mero primo. Enta˜o √p /∈ Q.
Demonstrac¸a˜o. Seja x ∈ Q \ {0}. Enta˜o x = ab com a, b ∈ Z \ {0}. Note
que a = da′ e b = db′, onde d = mdc(a, b) e que mdc(a′, b′) = 1. Simplificando d
obtemos que x = a
′
b′ . Assim, dividindo pelo mdc, suporemos sempre que dado um
nu´mero x ∈ Q \ {0}, x e´ da forma ab com mdc(a, b) = 1.
Suponha que
√
p ∈ Q, i.e., existem a, b ∈ Z tais que √p = ab e mdc(a, b) = 1.
Logo a2 = pb2 e p | a2. Pelo lema 3.5 concluimos que p | a, digamos a = pα, para
algum α ∈ Z. Substituindo na igualdade anterior concluimos que p2α2 = pb2, i.e.,
pα2 = b2. Mas isto implica em p | b2. Novamente, pelo lema 3.5, obtemos que p | b,
mas isto e´ imposs´ıvel pois mdc(a, b) = 1. �
Definic¸a˜o 3.12. Seja n ≥ 1 inteiro. Dizemos que n e´ livre de quadrados se
sua fatorac¸a˜o e´ da forma
n = p1 · · · pk.
Lema 3.13. Seja n ≥ 1 inteiro, enta˜o existem Q, a ≥ 1 inteiros tais que n =
a2Q, onde Q e´ livre de quadrados.
Demonstrac¸a˜o. Fatoramos n como
n = pe11 · · · pekk .
Pelo algoritmo euclideano, para cada 1 ≤ i ≤ k, existem qi, ri ∈ Z tais que ei =
2qi + ri, onde 0 ≤ ri < 2. Assim
n = p2q11 p
r1
1 · · · p2qkk prkk
e tomando Q := pr11 · · · prkk , excluindo os primos com expoente zero, temos que Q e´
livre de quadrados. O que sobra e´ a2 com a := pq11 · · · pqkk , i.e., n = a2Q. �
Proposic¸a˜o 3.14. Seja n ≥ 1 inteiro livre de quadrados, enta˜o √n /∈ Q.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que
√
n = ab com a, b ∈ Z e mdc(a, b) = 1. Seja
n = p1 · · · pk
a fatorac¸a˜o de n. Enta˜o
a2 = p1 · · · pkb2.
Logo para cada 1 ≤ i ≤ r temos que pi | a2. Pelo lema 3.5 concluimos que pi | a,
digamos a = piαi para αi ∈ Z. Substituindo na igualdade anterior obtemos
p2iα
2
i = p1 · · · pkb2.
Simplificando pi na igualdade acima, obtemos
piα
2
i = p1 · · · pi−1pi+1 · · · pkb2 = cb2,
onde c := p1 · · · pi−1pi+1 · · · pk. Como pi - c, pois pi na˜o pode dividir nenhum dos
fatores de c uma vez que p1 < · · · < pk, ou seja sa˜o todos distintos, concluimos que
pi | b2. Novamente pelo lema 3.5 temos que pi | b, o que contradiz mdc(a, b) = 1. �
Proposic¸a˜o 3.15. Seja f ≥ 2 inteiro e p ≥ 2 primo. Enta˜o f√p /∈ Q.
16 3. FATORAC¸A˜O DE INTEIROS
Demonstrac¸a˜o. Suponha que f
√
p = ab com a, b ∈ Z e mdc(a, b) = 1. Enta˜o
af = pbf
e p | af . Pela observac¸a˜o 3.6 concluimos que p | a, digamos a = pα. Substituindo
na igualdade anterior obtemos
pfαf = pbf ,
simplificando a igualdade anterior por p, concluimos que
pf−1αf = bf .
Como f ≥ 2 temos que p aparece na fatorac¸a˜o do lado esquerdo, em particular,
p | bf . Novamente, pela observac¸a˜o 3.6 concluimos que p | b, mas isto contradiz
mdc(a, b) = 1. �
Definic¸a˜o 3.16. Sejam n ≥ 1 e f ≥ 2 inteiros. Dizemos que n e´ livre de
f -poteˆncias se a fatorac¸a˜o de n e´ da forma
n = pe11 · · · pekk
com 1 ≤ ei < f para todo 1 ≤ i ≤ k.
Lema 3.17. Seja n ≥ 1 inteiro, enta˜o existem Q, a ≥ 1 inteiros tais que n =
afQ com Q livre de f -poteˆncias.
Demonstrac¸a˜o. Seja
n = pe11 · · · pekk
a fatorac¸a˜o de n. Pelo algoritmo euclideano, para cada 1 ≤ i ≤ k, existem qi, ri ∈ Z
tais que ei = fqi + ri, onde 1 ≤ ei < f . Assim escrevemos
n = pfq11 p
r1
1 · · · pfqkk prkk .
Como anteriormente Q := pr11 · · · prkk e´ livre de f -poteˆncias e tomando a :=
pq11 · · · pfkk concluimos que n = afQ. �
Proposic¸a˜o 3.18. Sejam n ≥ 1 e f ≥ 2 inteiros. Suponhamos que n seja livre
de f -poteˆncias. Enta˜o f
√
n /∈ Q.
Demonstrac¸a˜o. Seja
n = pe11 · · · pekk
a fatorac¸a˜o de n, onde 1 ≤ ei < f para todo i ≤ i ≤ k. Suponhamos que f
√
n = ab
com a, b ∈ Z e mdc(a, b) = 1. Enta˜o
af = pe11 · · · pekk bf .
Logo para cada 1 ≤ i ≤ k pi | af . Pela observac¸a˜o 3.6 concluimos que pi | a,
digamos a = piαi para αi ∈ Z. Substituindo na igualdade anterior obtemos
pfi α
f
i = p
e1
1 · · · pekk bf .
Cancelando peii em ambos os lados da igualdade acima e denotando
c := pe11 · · · pei−1i−1 pei+1i+1 · · · pekk ,
obtemos
pf−eii α
f
i = cb
f .
Como anteriormente pi - c uma vez que pi na˜o divide nenhum fator de c. Logo
pi | bf . Novamente pela observac¸a˜o 3.6 concluimos que pi | b, mas isto contradiz
mdc(a, b) = 1. �
3.19. FUNC¸O˜ES ARITME´TICAS ELEMENTARES 17
3.19. Func¸o˜es aritme´ticas elementares
Para todo nu´mero inteiro n ≥ 1 denotemos por ν(n) o nu´mero de divisores
inteiros positivos de n e por σ(n) a soma de todos estes divisores, i.e.,
ν(n) := #{d ≥ 1 | d | n} e σ(n) :=
∑
d≥1,d|n
d.
Utilizaremos a fatorac¸a˜o u´nica para obter fo´rmulas expl´ıcitas para estes dois nu´-
meros.
Proposic¸a˜o 3.20. Seja n = pa11 · · · parr a fatorac¸a˜o de n em nu´meros primos.
Enta˜o
ν(n) = (a1 + 1) · · · (ar + 1) e σ(n) = p
a1+1
1 − 1
p1 − 1 · · ·
par+1r − 1
pr − 1 .
Demonstrac¸a˜o. Note que d | n se e somente se d fatora-se como
d = pb11 · · · pbrr com 0 ≤ bi ≤ ai para todo 1 ≤ i ≤ r.
Assim, os divisores positivos de n correspondem bijetivamente as r-uplas (b1, · · · , br)
satisfazendo a 0 ≤ bi ≤ ai para todo 1 ≤ i ≤ r. A quantidade destas r-uplas e´
exatamente (a1 + 1) · · · (ar + 1).
Para a segunda igualdade observe que
σ(n) =
∑
(b1,··· ,br)
pb11 · · · pbrr =
(∑
b1
pb11
)
· · ·
(∑
br
pbrr
)
e que cada soma no segundo membro e´ a soma dos termos de uma progressa˜o
geome´trica, disto segue a fo´rmula para σ(n). �
3.20.1. Func¸a˜o de Mœbius. Definimos a func¸a˜o de Mœbius µ : N\{0} → Z
por µ(1) := 1, µ(n) := 0, se n na˜o e´ livre de quadrados, caso contra´rio, i.e.,
n = p1 · · · pr, onde os pi’s sa˜o primos distintos definimos µ(n) := (−1)r.
Proposic¸a˜o 3.21. Se n > 1, enta˜o∑
d≥1,d|n
µ(d) = 0.
Demonstrac¸a˜o. Seja n = pa11 · · · parr a fatorac¸a˜o de n. Pela definic¸a˜o de µ
temos que ∑
d≥1,d|n
µ(d) =
∑
(�1,··· ,�r)
µ(p�11 . . . p
�r
r ),
onde os �i’s sa˜o 0 ou 1. Portanto,∑
d≥1,d|n
µ(d) = 1− r +
(
r
2
)
−
(
r
3
)
+ . . .+ (−1)r = (1− 1)r = 0.
�
Para entender melhor a func¸a˜o de Mœbius precisamos introduzir a multi-
plicac¸a˜o de Dirichlet. Sejam f, g : N \ {0} → C, definimos
f ◦ g(n) :=
∑
d1,d2≥1,d1d2=n
f(d1)g(d2).
18 3. FATORAC¸A˜O DE INTEIROS
Este produto e´ associativo. Isto segue do seguinte exerc´ıcio
f ◦ (g ◦ h)(n) = (f ◦ g) ◦ h(n) =
∑
d1,d2,d3≥1,d1d2d3=n
f(d1)g(d2)h(d3).
Definimos a func¸a˜o1 : N \ {0} → Z por 1(1) := 1 e 1(n) := 0, se n > 1. Segue
da definic¸a˜o que para toda func¸a˜o f : N \ {0} → C temos f ◦ 1 = 1 ◦f = f . Defina
tambe´m a func¸a˜o I : N \ {0} → Z por I(n) := 1 para todo n. Novamente, por esta
definic¸a˜o obtemos f ◦ I(n) = I ◦ f(n) = ∑d≥1,d|n f(d).
Lema 3.22. I ◦ µ = µ ◦ I = 1.
Demonstrac¸a˜o. E´ claro que µ ◦ I(1) = µ(1)I(1) = 1. Se n > 1, enta˜o
µ ◦ I(n) = ∑d≥1,d|n µ(d) = 0. A prova para I ◦ µ e´ ideˆntica. �
Teorema 3.23 (teorema de inversa˜o de Mœbius). Seja
F (n) :=
∑
d≥1,dmin d
f(d).
Enta˜o
f(n) =
∑
d≥1,d|n
µ(d)F (n/d).
Demonstrac¸a˜o. Por definic¸a˜o F = f◦I. Logo, F ◦µ = (f◦I)◦µ = f◦(I◦µ) =
f ◦ 1 = f , i.e.,
f(n) = F ◦ µ(n) =
∑
d≥1,d|n
µ(d)F (n/d).
�
O teorema de inversa˜o de Mœbius tem diversas aplicac¸o˜es, dentre elas a func¸a˜o
φ de Euler definida da seguinte forma. Seja n ≥ 1 inteiro, φ(n) denota o nu´mero
de inteiros positivos d ≤ n tais que mdc(d, n) = 1. E´ claro que se p for um nu´mero
primo φ(p) = p− 1.
Proposic¸a˜o 3.24. ∑
d≥1,d|n
φ(d) = n
Demonstrac¸a˜o. Consideremos as n frac¸o˜es 1/n, 2/n, · · · , (n−1)/n, n/n. Po-
demos reduzir cada uma delas a forma mı´nima cancelando os fatores primos comuns
do numerador e denominador. Assim, cada uma delas sera´ igual a uma frac¸a˜o a/b
com mdc(a, b) = 1. Os denominadores sera˜o sempre divisores de n. O nu´mero de
frac¸o˜es na forma mı´nima com denominador d, pela definic¸a˜o da func¸a˜o φ, e´ igual a
φ(d). Disto segue a proposic¸a˜o. �
Proposic¸a˜o 3.25. Se n = pa11 . . . p
ar
r , enta˜o
φ(n) = n
(
1− 1
p1
)
. . .
(
1− 1
pr
)
.
Demonstrac¸a˜o. Como
n =
∑
d≥1,d|n
φ(d),
3.19. FUNC¸O˜ES ARITME´TICAS ELEMENTARES 19
pelo teorema de inversa˜o de Mœbius temos
φ(n) =
∑
d≥1,d|n
µ(d)n/d = n−
∑
i
n
pi
+
∑
i<j
n
pipj
+ . . .
= n
(
1− 1
p1
)
. . .
(
1− 1
pr − 1
)
�
CAP´ıTULO 4
Induc¸a˜o finita
Neste cap´ıtulo apresentamos o me´todo da induc¸a˜o finita. Este me´todo e´ uti-
lizado em diversas circunstaˆncias em matema´ticas para provar afirmativas que de-
pendem “indutivamente” dos nu´meros naturais.
4.1. Enunciados
Axioma 4.2 (princ´ıpio da induc¸a˜o finita na sua primeira forma). Seja A(n)
uma afirmativa sobre nu´meros naturais n ∈ N. Suponha que
(1) exista n0 ∈ N tal que A(n0) seja verdadeira.
(2) Dado k ≥ n0, toda vez que A(k) for verdade, enta˜o A(k + 1) tambe´m o
sera´.
Enta˜o para todo n ≥ n0 a afirmativa A(n) e´ verdadeira.
Axioma 4.3 (princ´ıpio da induc¸a˜o finita na sua segunda forma). Seja A(n)
uma afirmativa sobre nu´meros naturais n ∈ N. Suponha que
(1) exista n0 ∈ N tal que A(n0) seja verdadeira.
(2) Se A(k) e´ verdadeira para todo n0 ≤ k < n enta˜o A(n) tambe´m e´ verda-
deira.
Logo para todo n ≥ n0 a afirmativa A(n) e´ verdadeira.
4.4. Exemplos da induc¸a˜o na sua primeira forma
Exemplo 4.5. Para todo inteiro n ≥ 1 temos
n∑
i=1
i =
n(n+ 1)
2
.
Demonstrac¸a˜o. (1) Para n = 1 temos que 1 = 1.22 .
(2) Suponha que
∑n
i=1 i =
n(n+1)
2 . Enta˜o
n+1∑
i=1
i =
n∑
i=1
i+ (n+ 1) =
n(n+ 1)
2
+ (n+ 1) =
(n+ 1)(n+ 2)
2
.
�
Lema 4.6. Seja p um nu´mero primo e 1 ≤ i < p inteiro, enta˜o o binomial (pi)
e´ divis´ıvel por p.
Demonstrac¸a˜o. Por definic¸a˜o(
p
i
)
=
p(p− 1) · · · (p− i+ 1)
i(i− 1) · · · 1 ∈ Z.
21
22 4. INDUC¸A˜O FINITA
Note que p na˜o divide nenhum dos fatores do denominador, pois i < p. Logo
podemos colocar p para fora da frac¸a˜o e o que sobra
(p− 1) · · · (p− 1 + i)
i(i− 1) · · · 1
tambe´m e´ inteiro. �
Exemplo 4.7. Seja p um nu´mero primo. Para todo inteiro n ≥ 1 temos que p
divide np − n.
Demonstrac¸a˜o. (1) Para n = 1 temos que p divide 1p − 1 = 0.
(2) Suponha que p | (np − n). Enta˜o
(n+ 1)p − (n+ 1) =
p−1∑
i=1
(
p
i
)
ni + (np − n).
Pelo Lema 4.6 e pela hipo´tese de p | (np − n) concluimos que p | ((n +
1)p − (n+ 1)).
�
Teorema 4.8 (pequeno teorema de Fermat). Seja p um nu´mero primo e a ∈ Z.
Enta˜o p | (ap − a).
Demonstrac¸a˜o. O exemplo mostra o teorema para inteiros positivos. Seja
m < 0 inteiro, digamos m = −n para n ≥ 1. Suponha p > 2. Neste caso,
mp−m = (−n)p− (−n) = −(np−n) que e´ divis´ıvel por p. No caso de p = 2 temos
que se n2 − n = 2α, enta˜o m2 −m = n2 + n = n+ 2α+ n = 2(α+ 1). �
Observac¸a˜o 4.9. O teorema anterior e´ na verdade equivalente para um inteiro
a na˜o divis´ıvel por p a p | (ap−1−1). De fato, suponha que ap−a = a(ap−1−1) = αp
para α ∈ Z. Se p - a, enta˜o pelo Lema 3.5 concluimos que p | (ap−1 − 1).
4.10. Exemplos da induc¸a˜o finita na sua segunda forma
Ordenamos os nu´meros primos
p1 = 2 < p2 = 3 < p3 = 5 · · · < pn · · · ,
onde pn denota o n-e´simo nu´mero primo. Seja P o conjunto dos nu´meros primos.
Teorema 4.11 (Euclides). O conjunto P e´ infinito.
Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que P seja finito, digamos com k elementos,
P = {p1 < · · · < pk}.
Seja
M := p1 · · · pk + 1.
Notemos que M > p1 · · · pk ≥ 2pk > pk, logo M tem que ser um nu´mero composto.
Pelo teorema fundamental da aritme´tica M e´ produto de nu´meros primos. Logo
os u´nicos primos que podem aparecer na sua fatorac¸a˜o sa˜o p1, · · · , pk, digamos que
pi | M , i.e., existe αi ≥ 1 inteiro tal que M = αipi. Retornando a` definic¸a˜o de M
obtemos
pi(αi − p1 · · · pi−1pi+1 · · · pk) = 1.
Os fatores do lado esquerdo sa˜o ambos inteiros, o primeiro e´ positivo e o produto e´
positivo. Logo a expressa˜o entre pareˆnteses e´ positiva. Por outro lado pi ≥ 2, logo
4.10. EXEMPLOS DA INDUC¸A˜O FINITA NA SUA SEGUNDA FORMA 23
o lado esquerdo e´ pelo menos 2, enquanto o lado direito e´ 1, o que e´ imposs´ıvel. A
contradic¸a˜o vem do fato de termos suposto P finito, portanto P e´ infinito. �
No pro´ximo cap´ıtulo daremos outras demonstrac¸o˜es deste teorema bem como
discutiremos em maior profundidade os nu´meros primos.
Exemplo 4.12. Para todo inteiro n ≥ 1 temos pn ≤ 22n .
Demonstrac¸a˜o. (1) Observe que p1 = 2 ≤ 22 = 4.
(2) Suponha que para todo 1 ≤ m < n tenhamos pm ≤ 22m . A demonstrac¸a˜o
do teorema de Euclides mostra que M := p1 · · · pn−1 + 1 na˜o pode ser di-
vis´ıvel por nenhum dos primos p1, · · · , pn−1. Logo M so´ pode ser divis´ıvel
por primos maiores que pn−1, em particular, pn ≤M . Assim,
pn ≤ p1 · · · pn−1 + 1 ≤ 222 + . . . 2n−1 + 1.
Mas 22 + . . . + 2n−1 = 2(1 + . . . + 2n−2) = 2 2
n−1−1
2−1 = 2
n − 2. Portanto,
pn ≤ 22n−2+1. Basta mostrar que 22n−2+1 ≤ 22n , i.e., 4 ≤ 22n+2−22n =
22
n
(4− 1), o que e´ verdade.
�
Exemplo 4.13 (algoritmo de Euclides). Seja b ≥ 1 inteiro. Para todo inteiro
n ≥ 1 existem q, r ∈ Z tais que n = bq + r para 0 ≤ r < n.
Demonstrac¸a˜o. (1) Se n < b tome q = 0 e r = n. Se n = b tome q = 1
e r = 0.
(2) Suponhamos que n > b. Enta˜o 1 ≤ n − b < n. Por hipo´tese de induc¸a˜o,
para todo 1 ≤ m < n existem qm, rm ∈ Z tais que m = bqm + rm, onde
0 ≤ rm < n. Em particular, existem q′, r′ ∈ Z tais que n − b = q′b + r′
onde 0 ≤ r′ < b. Logo n = (q′+ 1)b+ r′ e basta tomar q = q′+ 1 e r = r′.
�
CAP´ıTULO 5
Nu´meros primos
No cap´ıtulo anterior provamos que o conjunto dos nu´meros primos e´ infinito.
Daremos 3 outras demonstrac¸o˜es para este fato. Cada qual tem seu me´rito pro´prio.
A prova apresentada no cap´ıtulo sobre induc¸a˜o finita e´ a original de Euclides. Prova-
remos tambe´m que existe uma infinidade de nu´meros primos em certas progresso˜es
aritme´ticas e que func¸o˜es polinomiais na˜o lineares produzem uma infinidade de
nu´meros compostos.
5.1. Infinidade de primos
Seja P o conjunto dos nu´meros primos.
Teorema 5.2 (Euclides). O conjunto P e´ infinito.
2a. Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que P seja finito, digamos P = {p1, · · · ,
pk}. Seja n ≥ 1 inteiro. Pelo Lema 3.13, n = mQ2, com m,Q ≥ 1 inteiros e m
livre de quadrados. Por um lado a quantidade de nu´meros inteiros positivos ate´ n e´
exatamente n. Poroutro, m = pe11 · · · pekk , onde ei ∈ {0, 1}, para 1 ≤ i ≤ k. Assim,
escolher m e´ equivalente a escolher os expoentes ei, e como tenho duas escolhas
para cada i, o nu´mero de escolhas poss´ıveis para m e´ no ma´ximo 2k. Observemos
tambe´m que Q ≤ √n, logo o nu´mero de escolhas para Q e´ no ma´ximo √n, portanto,
o nu´mero de escolhas para n e´ no ma´ximo 2k
√
n, i.e., n ≤ 2k√n, i.e., √n ≤ 2k,
i.e., n ≤ 22k. Mas k e´ fixo, e´ a cardinalidade do conjunto de nu´meros primos, e n e´
um inteiro qualquer, i.e., estamos mostrando que o conjunto dos inteiros positivos
e´ limitado, o que e´ imposs´ıvel. Portanto, P e´ infinito. �
3a. Demonstrac¸a˜o. Seja F (n) := 22
n
+ 1 o n-e´simo nu´mero de Fermat.
Mostramos anteriormente (exerc´ıcio do cap´ıtulo sobre algoritmo de Euclides) que se
n > m ≥ 1, enta˜o mdc(F (n), F (m)) = 1. Comec¸amos escolhendo um fator primo q1
de F (1). Pelo resultado anterior, todo fator primo de F (2) e´ distinto de q1, escolhe-
mos um destes fatores primos, digamos q2. Suponhamos que para todo 1 ≤ m < n
tenhamos escolhido para cada F (m) um fator primo distinto. Novamente pelo re-
sultado anterior todo fator primo de F (n) e´ distinto de q1, · · · , qn−1, escolhemos um
destes fatores primos, digamos qn. Provamos assim (via a Induc¸a˜o na sua segunda
forma) que para todo n ≥ 1 temos um nu´mero primo qn fator de F (n) distinto de
q1, · · · , qn−1. Produzimos assim um subconjunto infinito {q1, · · · , qn, · · · } ⊂ P de
P. Em particular, P e´ infinito. �
Uma quarta demonstrac¸a˜o e´ consequ¨eˆncia do seguinte teorema.
Teorema 5.3 (*). A se´rie ∑
p∈P
1
p
25
26 5. NU´MEROS PRIMOS
diverge.
Para a noc¸a˜o de divergeˆncia de se´rie veja [Li, Cap´ıtulo IV].
Demonstrac¸a˜o. Sejam n ≥ 1 inteiro e p1, · · · , pl(n) os nu´meros primos me-
nores ou iguais a n. Seja
λ(n) :=
l(n)∏
i=1
1
1− pi .
Segue das Preliminares que
1
1− pi =
∑
ai≥0
1
paii
,
logo
λ(n) =
∑
(a1,··· ,al(n))
1
pa11 . . . p
al(n)
l(n)
,
onde a l(n)-upla (a1, · · · , al(n)) e´ formada de inteiros na˜o negativos. Em particular,
como
1 +
1
2
+ . . .+
1
n
< λ(n),
concluimos que λ(n) → ∞ quando n → ∞ (ver [Li, Cap´ıtulo IV, Exemplos 23]).
Em particular, P e´ um conjunto infinito.
Calculando o logartimo de λ(n) (ver Preliminares) obtemos
log(λ(n)) = −
l(n)∑
i=1
log(1− pi) =
l(n)∑
i=1
∑
m≥1
1
mpmi
=
1
p1
+ . . .+
1
pl(n)
+
l(n)∑
i=1
∑
m≥2
1
mpmi
.
Note que ∑
m≥2
1
mpmi
<
∑
m≥2
1
pmi
=
1
p2i
1
1− p−1i
≤ 2
p2i
.
Logo,
log(λ(n)) <
1
p1
+ . . .+
1
pl(n)
+ 2
(
1
p21
+ . . .+
1
p2l(n)
)
.
Segue de [Li, Cap´ıtulo IV, Exemplo 29] que
∑
n≥1 n
−2 converge, a fortiori o mesmo
vale para
∑
i≥1 p
−2
i . Dessa forma, se
∑
p∈P p
−1 convergisse, existiria uma constante
M tal que log(λ(n)) < M , i.e., λ(n) < eM , mas λ(n)→∞, quando n→∞. Assim,∑
p∈P p
−1 na˜o pode convergir. �
5.4. Primos em progresso˜es aritme´ticas
Nos pro´ximos 3 para´grafos procuramos estudar fo´rmulas “simples” que “ca-
racterizem” os nu´meros primos. Na verdade procuramos func¸o˜es f : N → N cuja
imagem contenha “muitos” nu´meros primos. Comec¸aremos pela func¸a˜o linear, di-
gamos f(n) = an + b com a, b ≥ 1 inteiros. Note que f(N) e´ uma progressa˜o
aritme´tica com primeiro elemento a+ b e raza˜o b.
5.4. PRIMOS EM PROGRESSO˜ES ARITME´TICAS 27
Lema 5.5. Existem infinitos nu´meros primos da forma 4n + 3 com n ≥ 1
inteiro.
Demonstrac¸a˜o. Seja p > 2 um nu´mero primo. Comecemos analisando os
poss´ıveis restos da divisa˜o de p por 4. Pelo algoritmo da divisa˜o existem q, r ∈ Z
tais que p = 4q + r com 0 ≤ r < 4. Como p e´ primo as u´nicas possibilidades para
r sa˜o 1 e 3.
Seja P4,3 o conjunto dos nu´meros primos maiores ou iguais a 7 da forma 4n+3.
Suponha que P4,3 seja infinito, digamos P4,3 = {p1 < · · · < pk}. Seja
M := 4p1 · · · pk + 3.
Observe que M deixa resto 3 na divisa˜o por 4. Observe tambe´m que M >
4p1 · · · pk > 4pk > pk, logo (como pk e´ o maior nu´mero primo que deixa resto
3 na divisa˜o por 4) M e´ composto. Pelo teorema fundamental da aritme´tica M
fatora-se em um produto de primos.
Note que se a, b ≥ 1 sa˜o inteiros que deixam resto 1 na divisa˜o por 4, enta˜o o
mesmo ocorre para ab. De fato, se a = 4x+ 1, b = 4y + 1, enta˜o
ab = 4(4xy + x+ y) + 1.
Fica como exerc´ıcio verificar (utilizando a primeira forma da induc¸a˜o finita) que o
mesmo vale para um produto finito a1 · · · an de inteiros positivos cada qual deixando
resto 1 na divisa˜o por 4.
Assim, na˜o e´ poss´ıvel que todo fator de M deixe resto 1 na divisa˜o por 4,
i.e., existe algum 1 ≤ i ≤ k tal que pi | M , i.e., M = piαi para αi ≥ 1 inteiro.
Retornando a` definic¸a˜o de M obtemos
pi(αi − 4p1 · · · pi−1pi+1 · · · pk) = 3.
No lado esquerdo temos um produto de um nu´mero inteiro positivo por outro cujo
produto tambe´m e´ um inteiro positivo, logo o nu´mero inteiro entre parenteˆses e´ um
inteiro positivo. Como p1 ≥ 7, o lado esquerdo e´ pelo menos 7, o que e´ imposs´ıvel.
Portanto P4,3 e´ infinito. �
Lema 5.6. Existem infinitos nu´meros primos da forma 6n + 5 com n ≥ 1
inteiro.
Demonstrac¸a˜o. Seja p > 2 um nu´mero primo. Pelo algoritmo da divisa˜o
existem q, r ∈ Z tais que p = 6q+ r com 0 ≤ r < 6. Como p e´ primo, r so´ pode ser
1 ou 5.
Seja P6,5 o conjunto dos nu´meros primos maiores ou iguais a 11 da forma 6n+5
para n ≥ 1 inteiro. Suponha que P6,5 seja finito, digamos P6,5 = {p1 < · · · < pk}.
Seja
M := 6p1 · · · pk + 5.
Note que M deixa resto 5 na divisa˜o por 6. Note tambe´m que M > 6p1 · · · pk >
6pk > pk. Como pk e´ o maior nu´mero primo que deixa resto 5 na divisa˜o por 6
obtemos que M e´ composto.
Observe que se a, b ≥ 1 sa˜o inteiros que deixam resto 1 na divisa˜o por 6, enta˜o
o mesmo ocorre com ab. De fato, se a = 6x+ 1, b = 6y + 1, enta˜o
ab = 6(6xy + x+ y) + 1.
Fica como exerc´ıcio mostrar que o mesmo vale para um produto finito a1 · · · an de
inteiros positivos cada qual deixando resto 1 na divisa˜o por 6.
28 5. NU´MEROS PRIMOS
Assim na˜o e´ poss´ıvel que todo fator de M deixe resto 1 na divisa˜o por 6, i.e.,
existe 1 ≤ i ≤ k tal que pi | M , M = piαi para αi ≥ 1 inteiro. Retornando a`
definic¸a˜o de M obtemos
pi(αi − 6p1 · · · pi−1pi+1 · · · pk) = 5.
No lado esquerdo temos um produto de um nu´mero inteiro positivo por outro cujo
produto tambe´m e´ um inteiro positivo, logo o nu´mero inteiro entre parenteˆses e´ um
inteiro positivo. Como p1 ≥ 11, o lado esquerdo e´ pelo menos 11, o que e´ imposs´ıvel.
Portanto P6,5 e´ infinito. �
No para´grafo sobre func¸a˜o zeta a seguir enunciaremos um teorema devido a
Dirichlet que generaliza os dois lemas anteriores.
5.7. Infinidade de compostos por func¸o˜es polinomiais
Queremos agora analisar o que ocorre se a func¸a˜o considerada anteriormente
for polinomial. Veremos que em geral o fenoˆmeno se contrapo˜e ao caso linear, ou
seja, e´ poss´ıvel apenas garantir uma infinidade de nu´meros compostos na imagem
de f .
Teorema 5.8. Seja
f(n) := adn
+ad−1nd−1 + . . .+ a1n+ a0,
onde ad, · · · , a0 ∈ Z com ad > 0. Enta˜o existem infinitos nu´meros compostos da
forma f(n).
Demonstrac¸a˜o. Se para todo n ≥ 1, f(n) for composto nada ha´ a fazer.
Caso contra´rio, seja n0 ∈ N tal que f(n0) = p nu´mero primo. Seja h ≥ 1 inteiro e
f(n0 + hp) = ad(n0 + hp)
d + ad−1(n0 + hp)d−1 + . . .+ a1(n0 + hp) + a0.
Note que a soma dos termos constantes (considerando a expressa˜o acima como um
polinoˆmio em h) e´ igual a
adn
d
0 + ad−1n
d−1
0 + . . .+ a1n0 + a0 = p.
Logo,
f(n0 + hp) = p(1 + a1h+ a2(2n0h+ h
2p) + . . .
+ ad−1((d− 1)nd−20 h+ . . .+ (d− 1)n0hd−2pd−3 + hd−1pd−2)
+ ad(dn
d−1
0 h+ . . .+ dn0h
d−1pd−2 + hdpd−1)).
Observe que o termo l´ıder da expressa˜o acima como polinoˆmio em h e´ igual a
adp
d−1p > 0. Assim paraum inteiro h ≥ 1 suficiente grande a expressa˜o entre
pareˆnteses do lado direito menos 1 e´ sempre positiva, portanto f(n0+hp) = p(1+α)
com α ≥ 1 inteiro. Em particular, f(n0 + hp) e´ sempre composto para todo h ≥ 1
suficientemente grande.
Para o caso d = 2 a cota para h e´ h > −(2an0 + b)/(ap) (fac¸a a conta neste
caso!). �
5.12. CONTANDO NU´MEROS PRIMOS 29
5.9. Nu´meros de Fermat e Mersenne
Nesta sec¸a˜o apresentamos os nu´meros de Fermat e Mersenne e comec¸amos a
discussa˜o de quando podem ser nu´meros primos. No cap´ıtulo subsequ¨ente sobre
aplicac¸o˜es da teoria de grupos a` aritme´tica elementar descreveremos de forma mais
precisa crite´rios para decidir quando estes nu´meros sa˜o primos.
Para todo n ≥ 1 inteiro seja F (n) := 22n + 1 o n-e´simo nu´mero de Fermat.
Fermat afirmava que todo nu´mero desta forma era primo. Na verdade o que deve
ter ocorrido e´ que ele calculou os quatro primeiros que realmente sa˜o. Entretanto,
Euler mostrou que 641 | F (5). Daremos uma demonstrac¸a˜o disto posteriormente.
Para todo n ≥ 1 inteiro seja M(n) := 2n − 1 o n-e´simo nu´mero de Mersenne.
Lema 5.10. Se n e´ composto, enta˜o M(n) tambe´m e´ composto.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que n = ab com 1 < a, b < n. Enta˜o
2n − 1 = (2a)b − 1 = (2a − 1)(2a(b−1) + 2a(b−2) + . . .+ 2a + 1)
o que mostra que M(a) |M(n). �
Observac¸a˜o 5.11. Se quisermos que um nu´mero de Mersenne seja primo,
devemos nos restringir a`queles nu´meros de Mersenne cujo ı´ndice n seja um nu´mero
primo. Mersenne produziu uma lista incompleta e incorreta de M(p)’s para p primo
tais que M(p) e´ primo. Novamente, produziremos a posteriori uma lista ocrreta, a
menos da complexidade computacional, utilizando teoria de grupos.
5.12. Contando nu´meros primos
Para todo nu´mero real x > 1 seja pi(x) := #{p | nu´mero primo com p ≤ x}.
O teorema de Euclides nos garante que limx→∞ pi(x) =∞ (para a noc¸a˜o de limite
veja [Li, cap´ıtulo IV]). Nosso objetivo e´ determinar uma estimativa elementar para
a func¸a˜o pi(x) que conta a quantidade de nu´meros primos menores ou iguais a um
dado nu´mero real maior que 1. Note que se 1 < x ≤ y, enta˜o pi(x) ≤ pi(y). Seja pn
o n-e´simo nu´mero primo. Enta˜o pi(pn) = n.
Proposic¸a˜o 5.13. Seja log(x) o logaritmo na base e. Enta˜o
pi(x) ≥ log(log(x)).
Demonstrac¸a˜o. Ja´ obtivemos anteriormente (via induc¸a˜o finita) que pn ≤
22
n
. Para todo x > 1 real fixado o conjunto {m ≥ 1 | inteiro, eem ≤ x} e´ finito.
Seja n− 1 seu maior elemento, i.e., een−1 ≤ x < een . Observe que
ee
n−1 ≥ 22n para n ≥ 4.
De fato, basta mostrar que
en−1 ≥ 2n log(2), ou seja , n− 1 ≥ n log(2) + log(log(2)),
o que e´ verdade pois log(2) < 1. Logo
pi(x) ≥ pi(een−1) ≥ pi(22n) ≥ pi(pn) = n ≥ log(log(x)).
�
Utilizaremos o me´todo da segunda demonstrac¸a˜o do teorema de Euclides para
refinar a` proposic¸a˜o anterior. Para todo inteiro n ≥ 1 seja γ(n) o conjunto dos
divisores primos de n.
30 5. NU´MEROS PRIMOS
Proposic¸a˜o 5.14. Suponha que x ≥ 2 seja um inteiro, enta˜o :
pi(x) ≥ log(x)
2 log(2)
.
Demonstrac¸a˜o. Para qualquer conjunto de nu´meros primos S denotamos
por fS(x) o nu´mero de inteiros positivos n ≤ x tais que γ(n) ⊂ S. Suponha que
S seja finito de cardinalidade t. Escrevemos n = m2s com s livre de quadrados.
Note que m ≤ √x. Ale´m disto temos no ma´ximo 2t escolhas para s. Portanto,
fS(x) ≤ 2t
√
x. Seja m := pi(x), assim pm+1 > x. Se S = {p1, · · · , pm}, enta˜o
fS(x) = dxe. Em particular, x ≤ 2pi(x)
√
x e disto segue a proposic¸a˜o. �
O me´todo acima nos da´ uma nova demonstrac¸a˜o do teorema 5.3. De fato, se∑
p∈P 1/p fosse convergente, enta˜o existiria n ≥ 1 tal que∑
j>n
1
pj
<
1
2
.
Seja S := {p1, · · · , pn} e x ≥ 1 inteiro. Enta˜o x−fS(x) e´ igual ao nu´mero de inteiros
positivos m ≤ x tais que γ(m) 6⊂ S. Em outras palavras, contamos o nu´mero de
inteiros 1 ≤ m ≤ x para os quais existe j > n tal que pj | m. Para cada primo pj
existem dx/pje mu´ltiplos de pj menores ou iguais a x. Portanto,
x− fS(x) ≤
∑
j>n
⌈
x
pj
⌉
≤
∑
j>n
x
pj
<
x
2
.
A fortiori, fS(x) ≥ x/2. Mas, fS(x) ≤ 2n
√
x. Logo, 2n ≥ √x/2, o que e´ imposs´ıvel
pois n e´ fixo e x e´ varia´vel.
Intimamente relacionada a` func¸a˜o pi(x) temos a seguinte func¸a˜o
θ(x) :=
∑
p∈P,p≤x
log(p).
Utilizaremos θ(x) para limitar pi(x). Seja θ(1) := 0.
Proposic¸a˜o 5.15.
θ(x) < (4 log(2))x.
Demonstrac¸a˜o. Considere o binomial(
2n
n
)
=
(n+ 1) . . . 2n
1.2 . . . n
.
Este nu´mero e´ um inteiro divis´ıvel por todo nu´mero primo n < p < 2n. Ale´m disto,
como
(1 + 1)2n =
2n∑
j=0
(
2n
j
)
, enta˜o 22n >
(
2n
n
)
.
Em consequ¨eˆncia,
22n >
(
2n
n
)
>
∏
n<p<2n
p.
Calculando o logartimo,
2n log(2) >
∑
n<p<2n
log(p) = θ(2n)− θ(n).
5.12. CONTANDO NU´MEROS PRIMOS 31
Somando esta relac¸a˜o para n = 1, 2, 4, · · · , 2m−1 obtemos
θ(2m) < log(2)(2m+1 − 2) < log(2)2m+1.
Como na demonstrac¸a˜o da proposic¸a˜o 5.13 existe m ≥ 1 tal que 2m−1 < x ≤ 2m,
donde
θ(x) ≤ θ(2m) < log(2)2m+1 = (4 log(2))2m−1 < (4 log(2))x.
�
Proposic¸a˜o 5.16. Existe um real c1 > 0 tal que para todo x ≥ 2 real tenhamos
:
pi1(x) < c1
x
log(x)
.
Demonstrac¸a˜o. Observe que
θ(x) ≥
∑
√
x<p≤x
log(p) ≥ log(√x)(pi(x)− pi(√x)) ≥ log(√x)pi(x)−√x log(√x).
Logo,
pi(x) ≤ 2θ(x)
log(x)
+
√
x ≤ (8 log(2)) x
log(x)
+
√
x,
onde a u´ltima desigualdade segue da proposic¸a˜o anterior. O resultado segue da
observac¸a˜o que
√
x < 2x/ log(x) para x ≥ 2. �
Corola´rio 5.17.
lim
x→∞
pi(x)
x
= 0.
Nosso objetivo agora e´ obter uma cota inferior para a func¸a˜o pi(x). Para isto
comecemos observando que(
2n
n
)
=
(
n+ 1
1
)
·
(
n+ 2
2
)
· . . . ·
(
n+ n
n
)
.
Por um exerc´ıcio deste cap´ıtulo temos
ordp
((
2n
n
))
= ordp
(
(2n)!
(n!)2
)
=
tp∑
j=1
(⌈
2n
pj
⌉
− 2
⌈
n
pj
⌉)
,
onde tp denota o maior inteiro tal que p
tp ≤ 2n. Logo, tp = dlog(2n)/ log(p)e. Ale´m
disto, d2xe − 2dxe e´ sempre 0 ou 1, assim
ordp
((
2n
n
))
≤ log(2n)
log(p)
.
Proposic¸a˜o 5.18 (*). Existe real c2 > 0 tal que para todo real x ≥ 2 tenhamos
pi(x) > c2
x
log(x)
.
Demonstrac¸a˜o. Pelo que foi feito anteriormente,
2n ≤
(
2n
n
)
≤
∏
p<2n
ptp .
Calculando o logaritmo obtemos,
n log(2) ≤
∑
p<2n
tp log(p) =
∑
p<2n
⌈
log(2n)
log(p)
⌉
log(p).
32 5. NU´MEROS PRIMOS
Se log(p) > (1/2) log(2n), i.e., p >
√
2n, enta˜o dlog(2n)/ log(p)e = 1. Assim,
n log(2) ≤
∑
p≤√2n
⌈
log(2n)
log(p)
⌉
log(p) +
∑
√
2n<p<2n
log(p) ≤
√
2n log(2n) + θ(2n)
Portanto, θ(2n) ≥ n log(2) − √2n log(2n). Mas, limn→∞(
√
2n log(2n))/n = 0.
Assim, existe uma constante real T > 0 tal que para n suficientemente grande
θ(2n) > Tn (observe que T na˜o depende de n). Tomando x suficientemente grande
e tal que 2n ≤ x < 2n+ 1 obtemos
θ(x) ≥ θ(2n) > Tn > T x− 1
2
> Cx,
para algum real C > 0 conveniente (independente de x). Portanto, existe real c2 > 0
tal que θ(x) > c2x para todo x ≥ 2, onde c2 no depende de x. Para completar a
prova observamos que
θ(x) =
∑
p≤x
log(p) ≤ pi(x) log(x).
Portanto,
pi(x) ≥ θ(x)
log(x)
> c2
x
log(x)
.
�
5.18.1. Comenta´rios. As duas proposic¸o˜es anteriores sa˜o devidas a C˘ebychef
(1852). O seguinte teorema suplanta ambas (cf. [Ap, chapter 4], este resultado
depende de teoria anal´ıtica dos nu´meros).
Teorema 5.19 (teorema dos nu´meros primos).
lim
x→∞
pi(x)
x/ log x
= 1.
O teorema dos nu´meros primos foi conjecturado por Gauss na idade de 15 ou 16
anos. A prova correta surgiu apenas em 1896 por Hadamard e de la Valle´ Poussin
utilizando a func¸a˜o zeta de Riemann, que introduziremos no para´grafo seguinte.
Existem uma infinidade de problemas abertossobre os nu´meros primos. Para
mencionar apenas dois :
• Existem infinitos nu´meros primos da forma n2 + 1?
• (Primos geˆmeos) Existem infinitos pares de nu´meros primos da forma
(p, p+ 2)?
Para mais problemas abertos veja [Si] e [Sh].
5.20. Func¸a˜o zeta
Nesta sec¸a˜o descreveremos sem prova diversos fatos a respeito da func¸a˜o zeta de
Riemann (para a prova destes fatos ver [IrRo, chapter 16]). Esta func¸a˜o e´ definida
por
ζ(s) :=
∑
n≥1
n−s, onde s ∈ C,<(s) > 1.
Esta se´rie converge em <(s) > 1 e converge uniformemente para <(s) ≥ 1 + δ
para todo δ > 0 (para a noc¸a˜o de convergeˆncia ver [Li, cap’ıtulo IV]). A primeira
propriedade e´ que ela admite uma expansa˜o em produto euleriano.
5.20. FUNC¸A˜O ZETA 33
Proposic¸a˜o 5.21. Para <(s) > 1 temos
ζ(s) =
∏
p∈P
1
1− p−s .
Particularmente importante e´ o comportamento assinto´tico desta func¸a˜o quan-
do s→ 1. Considerando que ∑n≥1 1/n diverge suspeitamos que ζ(s)→∞ quando
s→ 1. Lembre que ζ(s) e´ uma func¸a˜o de uma varia´vel complexa.
Proposic¸a˜o 5.22. Suponha que <(s) > 1. Enta˜o
lim
s→1
(s− 1)ζ(s) = 1.
A proposic¸a˜o na verdade diz que ζ(s) e´ uma func¸a˜o meromorfa com um po´lo
simples em s = 1 (para mais detalhes ver [Ap, chapter 12]).
Corola´rio 5.23. Quando s→ 1 temos
log(s)
(log(s− 1))−1 → 1.
Proposic¸a˜o 5.24.
ζ(s) =
∑
p∈P
1
ps
+R(s),
onde R(s) fica limitada quando s→ 1.
Dado um subconjunto S do conjunto dos nu´meros primos P, dizemos que S
tem densidade de Dirichlet se o limite
lim
s→1
∑
p∈S p
−s
(log(s− 1))−1
existe. Neste caso este limite e´ denotado por d(S) e e´ chamado a densidade de
Dirichlet de S. Esta densidade satisfaz as seguintes propriedades.
Proposic¸a˜o 5.25. Seja S um subconjunto do conjunto P dos nu´meros primos.
Enta˜o
(1) Se S e´ finito, enta˜o d(S) = 0.
(2) Se S conte´m todos os nu´meros primos, exceto um nu´mero finito deles,
enta˜o d(S) = 1.
(3) Se S = S1 ∪ S2 com S1 ∩ S2 = ∅, enta˜o d(S1 ∪ S2) = d(S1) + d(S2).
Teorema 5.26 (teorema das progresso˜es aritme´ticas de Dirichlet). Sejam a ∈
Z e m ≥ 1 inteiro tais que mdc(a,m) = 1. Seja P(a;m) o subconjunto do conjunto
P dos nu´meros primos que conte´m os primos p tais que p ≡ a (mod m). Enta˜o
d(P(a;m)) = 1/φ(m). A fortiori, P(a;m) e´ infinito.
5.26.1. Comenta´rios (*). Riemann propoˆs a seguinte conjectura (que per-
manece em aberto ate´ hoje).
Conjectura 5.27 (hipo´tese de Riemann). Todos os zeros da func¸a˜o zeta de
Riemann ζ(s) esta˜o contidos na reta <(s) = 1/2.
Sabe-se que na reta <(s) = 1/2 existe uma infinidade de zeros da func¸a˜o zeta
e que estes sa˜o sime´tricos em relac¸a˜o a` reta =(s) = 0. A veracidade da hipo´tese de
Riemann implica em maiores informac¸o˜es sobre a distribuic¸a˜o dos nu´meros primos
(para mais sobre isto ver [Ap, chapter13]).
34 5. NU´MEROS PRIMOS
O inteiro positivo n nada mais e´ que a cardinalidade do anel Z/nZ da arit-
me´tica modular (a ser introducido no pro´ximo cap´ıtulo). Esta analogia faz com
que Dedekind considere a seguinte extensa˜o da func¸a˜o zeta. Seja K uma extensa˜o
finita do corpo dos racionais Q (ver a parte referente a` teoria de corpos). Existe
um subconjunto OK de K que cumpre o mesmo papel de Z com relac¸a˜o a Q. Este
conjunto e´ chamado o anel de inteiros de K. Ele tem (entre outras propriedades
importantes) a caracter´ıstica que o anel quociente OK/I (onde I e´ um ideal de
OK , para mais sobre anel quocientes ver a parte de ane´is) e´ um conjunto finito cuja
cardinalidade e´ denotada por N(I). Assim, Dedekind define a func¸a˜o zeta de K
por
ζK(s) :=
∑
I
N(I)−s, onde <(s) > 1,
e I percorre todos os ideais de OK . Novamente conjectura-se que os zeros desta
func¸a˜o esta˜o na reta <(s) = 1/2, o que permanece em aberto. Note que ζQ nada
mais e´ que a func¸a˜o zeta de Riemann.
Nos anos 20 e 30 do se´culo XX, E. Artin, H. Hasse e A. Weil consideraram um
ana´logo “geome´trico” desta situac¸a˜o. Nele o papel de Q era ocupado pelo corpo de
func¸o˜es racionais em uma varia´vel Fq(τ) sobre um corpo finito Fq de q elementos
(ver parte de corpos). Neste contexto, L e´ uma extensa˜o finita de Fq(τ). O corpo
L possui tambe´m um subanel com propriedades similares a OK (quando K e´ uma
extensa˜o finita de Q). Isto permite a construc¸a˜o de uma func¸a˜o zeta associada a
L. Similarmente, pode-se formular como acima uma “hipo´tese de Riemann” para
L. Esta e´ chamada uma “hipo´tese de Riemann para curvas” porque L nada mais
e´ que o corpo de func¸o˜es racionais de uma curva sobre um corpo finito (para mais
sobre curvas sobre corpos finitos e a hipo´tese de Riemann neste contexto ver [Lo]).
Apo´s casos particulares da hipo´tese de Riemann para curvas terem sido tratados
por Artin e Hasse, Weil utilizando variedades abelianas e representac¸o˜es `-a´dicas
obte´m em 1948 a prova da “hipo´tese de Riemann para curvas” de forma geral.
No ano seguinte (1949) Weil propo˜e uma vasta generalizac¸a˜o deste resultado
substituindo Fq(τ) por um corpo de func¸o˜es κ em n varia´veis sobre Fq. Neste
caso a extensa˜o finita L de κ nada mais e´ que o corpo de func¸o˜es de uma variedade
alge´brica sobre Fq (para variedades alge´bricas ver [Ha]). De maneira visiona´ria Weil
percebe que uma prova da hipo´tese de Riemann neste contexto mais geral seria con-
sequ¨eˆncia de uma teoria de cohomologia suficientemente “rica” para reproduzir as
propriedades da cohomologia singular sobre os complexos. Segundo muitos, as con-
jecturas de Weil foram sem sobra de du´vida o problema matema´tico mais profundo
apo´s a segunda guerra mundial. Na busca da cohomologia perdida, os primeiros
passos foram dados por J.-P. Serre introduzindo a cohomologia de feixes de vetores
de Witt. Mas foi A. Grothendieck que compreendeu que a func¸a˜o zeta traz em si
algo de novo que na˜o havia sido percebido pelos geˆometras alge´bricos, desde de os
italianos do se´culo XIX. Ela necessitava de uma base varia´vel, ou seja, a variedade
alge´brica era considerada simultaneamente sobre todos os corpos finitos Fqn . Para
isto introduziu o conceito que revoluciona completamente a geometria alge´brica no
se´culo XX, a teoria de esquemas. Com a contribuic¸a˜o de inu´meros matema´ticos
ale´m de Serre e Grothendieck, dentre eles M. Artin, J.-L. Verdier e L. Illusie, as
teoria de esquemas e de cohomologia evoluiram, permitindo que se descobrisse que
a “cohomologia apropriada”, a cohomologia e´tale (para mais sobre a cohomologia
5.20. FUNC¸A˜O ZETA 35
e´tale veja [Mi]), e que finalmente em 1973, um ex-aluno de Grothendieck, P. De-
ligne provasse finalmente as conjecturas de Weil (para os resultados de Deligne veja
[We1] e [We2]). Entretanto, o mestre na˜o ficou satisfeito. Na verdade Grothen-
dieck havia formulado um programa muito mais amplo, “as conjecturas standard”,
das quais as conjecturas de Weil eram um corola´rio. Infelizmente, este programa
nunca foi atingido.
CAP´ıTULO 6
Aritme´tica modular
6.1. Aritme´tica modular
Definimos uma func¸a˜o soma de classes ⊕ : Z/nZ×Z/nZ→ Z/nZ por a⊕ b :=
a+ b.
Lema 6.2. Esta func¸a˜o esta´ bem definida, i.e., se a′ ≡ a (mod n) e b′ ≡ a
(mod n), enta˜o a′ + b′ = a+ b.
Demonstrac¸a˜o. Suponha a′ ≡ a (mod n) e b′ ≡ b (mod n), i.e., existem
k, l ∈ Z tais que a′ − a = kn e b′ − b = ln. Somando estas igualdades, (a′ + b′) −
(a+ b) = (k + l)n, i.e., a′ + b′ ≡ a+ b (mod n), i.e., a′ + b′ = a+ b. �
Definimos tambe´m um func¸a˜o produto de classes � : Z/nZ × Z/nZ → Z/nZ
por a� b := ab.
Lema 6.3. Esta func¸a˜o tambe´m esta´ bem definida, i.e., se a′ ≡ a (mod n) e
b′ ≡ b (mod n), enta˜o a′b′ = ab.
Demonstrac¸a˜o. Sejam k, l ∈ Z tais que a′ − a = kn e b′ − b = ln. Logo
a′b′ − ab = a′b′ − a′b+ a′b− ab = a′(b′ − b) + b(a′ − a) = (a′l+ bk)n, i.e., a′b′ ≡ ab
(mod n), i.e., a′b′ = ab. �
Proposic¸a˜o 6.4. O conjunto Z/nZ munido das operac¸o˜es ⊕ e � e´ um anel
comutativo com unidade.
Demonstrac¸a˜o. Precisamosprovar que as 8 propriedades de 2.11 sa˜o satisfei-
tas. Elas sa˜o herdadas das mesmas propriedades para inteiros como segue abaixo.
(1) a⊕ (b⊕c) = a⊕b+ c = a+ (b+ c) = (a+ b) + c = a+ b⊕c = (a⊕b)⊕c.
(2) a⊕ b = a+ b = b+ a = b⊕ a.
(3) Note que 0 = n = {kn | k ∈ Z} = nZ e´ o conjunto dos inteiros que sa˜o
mu´ltiplos de n. Observe que a⊕ 0 = a+ 0 = a.
(4) a⊕ n− a = a+ n− a = n = 0.
(5) a� (b� c) = a� bc = a(bc) = (ab)c = ab� c = (a� b)� c.
(6) a� b = ab = ba = b� a.
(7) a� 1 = a.1 = a.
(8) a� (b⊕ c) = a� b+ c = a(b+ c) = ab+ ac = ab⊕ ac = (a� b)⊕ (a� c).
�
A propriedade de cancelamento em um anel garante que este e´ um domı´nio de
integridade. Nem sempre Z/nZ e´ um domı´nio de integridade. Para simplificar a
notac¸a˜o escreveremos + no lugar de ⊕ e ab no lugar de a� b.
Proposic¸a˜o 6.5. Z/nZ e´ um domı´nio de integridade se e somente se n = p e´
um nu´mero primo.
37
38 6. ARITME´TICA MODULAR
Demonstrac¸a˜o. Suponha que Z/nZ seja um domı´nio de integridade. Supo-
nha que n = ab com 1 ≤ a, b ≤ n. Enta˜o n = 0 = ab = ab. Pela propriedade do
cancelamento, a = 0 ou b = 0. No primeiro caso existe α ≥ 1 inteiro tal que a = nα,
logo n = nαb, i.e., 1 = αb, i.e., b = 1 e a = n. No segundo caso existe β ≥ 1 inteiro
tal que b = nβ, logo n = anβ, i.e., 1 = aβ, i.e., a = 1 e b = n. Portanto, n e´ primo.
Suponha que n = p seja primo. Suponha ab = 0, i.e., ab = 0, i.e., p | ab.
Pelo Lema 3.5, p | a ou p | b, i.e., a = 0 ou b = 0, i.e., vale a propriedade de
cancelamento. �
Um elemento a ∈ Z/nZ e´ dito invers´ıvel, se existe b ∈ Z/nZ tal que ab = 1. De-
notamos por (Z/nZ)∗ o subconjunto de Z/nZ formado pelos elementos invers´ıveis.
Um domı´nio de integridade D e´ dito um corpo, se para todo a ∈ D\{0} existe b ∈ D
tal que ab = 1. Assim, Z/nZ e´ um corpo se e somente se (Z/nZ)∗ = Z/nZ \ {0}.
Proposic¸a˜o 6.6. Z/nZ e´ um corpo se e somente se n = p e´ um nu´mero primo.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que Z/nZ seja um corpo. Seja n = ab com 1 ≤
a, b ≤ n inteiros. Suponha que a < n. Neste caso, a 6= 0. Por hipo´tese, existe
c ∈ Z/nZ tal que ac = 1. Note que n = 0 = ab = ab. Multiplicando esta igualdade
por c dos dois lados obtemos 0 = b, i.e., b = n. Neste caso a = 1. Se a = n, enta˜o
necessariamente b = 1 e portanto n e´ primo.
Reciprocamente, suponha que n = p seja primo. Seja a ∈ Z/nZ\{0}, i.e., p - a.
Logo mdc(a, p) = 1. Pelo algoritmo euclideano estendido, existem r, s ∈ Z tais que
ra+ sp = 1, i.e., ra ≡ 1 (mod p), i.e., ra = ra = 1, i.e., a ∈ (Z/nZ)∗. �
A princ´ıpio Z/nZ e´ o conjunto de todas as classes a para a ∈ Z. Definido desta
forma Z/nZ poderia ser infinito. Isto na˜o ocorre.
Proposic¸a˜o 6.7. Z/nZ = {0, · · · , n− 1} e #Z/nZ = n.
Demonstrac¸a˜o. Por definic¸a˜o o conjunto do lado direito esta´ contido no con-
junto do lado esquerdo. O que temos que provar e´ a inclusa˜o oposta. Suponha que
a ∈ Z/nZ. Note que podemos sempre supor que a ≥ 0, basta tomar um mu´ltiplo
kn de n suficientemente grande tal que a′ = a+ kn ≥ 0, uma vez que a = a′. Pelo
algoritmo da divisa˜o, existem q, r ∈ Z tais que a = qn+r com 0 ≤ r < n, i.e., a ≡ r
(mod n), i.e., a = r ∈ {0, · · · , n− 1}.
Mostraremos agora que quaisquer duas classes no conjunto da direita sa˜o dis-
tintas. Sejam 0 ≤ a < b < n inteiros. Logo 0 ≤ b− a < b < n, i.e., b 6≡ a (mod n),
i.e., b 6= a. �
O conjunto (Z/nZ)∗ dos invers´ıveis em Z/nZ pode ser caracterizado tambe´m
da seguinte forma.
Proposic¸a˜o 6.8. (Z/nZ)∗ = {a ∈ Z/nZ | mdc(a, n) = 1}.
Demonstrac¸a˜o. Seja a ∈ (Z/nZ)∗, i.e., existe b ∈ Z/nZ tal que ab = ab = 1,
i.e., existe k ∈ Z tal que ab− kn = 1. Seja d = mdc(a, n) ≥ 1. Logo d | 1, mas isto
so´ e´ poss´ıvel se d = 1.
Seja a ∈ Z/nZ tal que mdc(a, n) = 1. Pelo algoritmo euclideano estendido,
existem r, s ∈ Z tais que ra + sn = 1, i.e., ra ≡ 1 (mod n), i.e., ra = r a = 1, i.e.,
a ∈ (Z/nZ)∗. �
6.9. CRITE´RIOS DE DIVISIBILIDADE 39
6.9. Crite´rios de divisibilidade
Utilizaremos a aritme´tica modular para demonstrar crite´rios de divisibilidade.
6.9.1. Expansa˜o de um inteiro em uma dada base. Sejam a ≥ 0 e b ≥ 1
inteiros. Seja n ≥ 1 inteiro tal que bn seja a maior poteˆncia positiva de b menor ou
igual a a, i.e.,
bn ≤ a < bn+1.
Pelo algoritmo da divisa˜o existem qn, rn ∈ Z tais que
a = qnb
n + rn, onde 0 ≤ rn < bn.
Observemos que
0 ≤ qn < b.
A primeira desigualdade e´ clara, porque qnb
n e´ o maior mu´ltiplo positivo de bn que
e´ menor ou igual a a. Suponha que qn ≥ b. Logo
a ≥ bn+1 + rn ≥ bn+1,
o que na˜o e´ poss´ıvel. Em seguida, dividimos rn por q
n−1, i.e., existem qn−1, rn−1 ∈
Z tais que
rn = qn−1bn−1 + rn−1, onde 0 ≤ rn−1 < bn−1.
Novamente,
0 ≤ qn−1 < b.
Na˜o precisamos repetir o argumento da primeira desigualdade, pois e´ o mesmo.
Para a segunda, se qn−1 ≥ b, ter´ıamos
rn ≥ bn + rn−1 ≥ bn,
o que na˜o e´ poss´ıvel. Substituindo na primeira igualdade obtemos
a = qnb
n + qn−1bn−1 + rn−1.
Novamente, pelo algoritmo da divisa˜o existem qn−2, rn−2 ∈ Z tais que
rn−1 = qn−2bn−2 + rn−2, onde0 ≤ rn−2 < bn−2.
Se qn−2 ≥ b, enta˜o
rn−1 ≥ bn−1 + rn−2 ≥ bn−1,
o que e´ imposs´ıvel. Portanto, 0 ≤ qn−2 < b. Prosseguindo sucessivamente obtemos
(6.9.1) a = qnb
n + qn−1bn−1 + . . .+ q1b+ q0,
onde 0 ≤ qi < b para todo 0 ≤ i ≤ n. A expressa˜o (6.9.1) e´ chamada a expansa˜o
de a na base b. Denotamos esta expansa˜o por ab := (qn · · · q0)b.
Seja a ≥ 0 inteiro e a = an.10n + . . .+ a1.10 + a0 sua expansa˜o na base 10. Os
elementos an, · · · , a0 sa˜o chamados os algarismos de a e a := (an · · · a0)10.
Exemplo 6.10. Um inteiro a ≥ 0 e´ divis´ıvel por 3 se e somente se ∑ni=0 ai ≡ 0
(mod 3). De fato, 10 ≡ 1 (mod 3), pois 10 − 1 = 9 = 3.3. Logo para todo n ≥ 0,
10n ≡ 1n = 1 (mod 3). Portanto, a ≡∑ni=0 ai (mod 3). Logo a ≡ 0 (mod 3) se e
somente se
∑n
i=0 ai ≡ 0 (mod 3).
Exemplo 6.11. Um inteiro a ≥ 0 e´ divis´ıvel por 11 se e somente se∑ni=0(−1)ai
≡ 0 (mod 11). De fato, 10 ≡ −1 (mod 11), pois 10 − (−1) = 11. Logo para todo
n ≥ 1, 10n ≡ (−1)n (mod 11) e portanto, a ≡∑ni=0(−1)ai (mod 11). Consequen-
temente, a ≡ 0 (mod 11) se e somente se ∑ni=0(−1)ai ≡ 0 (mod 11).
40 6. ARITME´TICA MODULAR
Exemplo 6.12. O crite´rio de divisibilidade por 7 e´ um pouco mais intrincado.
A raza˜o e´ a seguinte: 10 ≡ 3 (mod 7), pois 10 − 3 = 7. Logo 102 ≡ 32 ≡ 2
(mod 7), pois 9 − 2 = 7; 103 ≡ 3.2 = 6 (mod 7); 104 ≡ 6.3 ≡ 4 (mod 7), pois
18− 4 = 14 = 2.7; 105 ≡ 4.3 ≡ 5 (mod 7), pois 12− 5 = 7; 106 ≡ 5.3 ≡ 1 (mod 7),
pois 15 − 1 = 14 = 2.7. Suponha para simplificar que n = 5, i.e., a tem apenas 6
algarismos. Aplicando o mesmo racioc´ınio acima obtemos que a ≡ 0 (mod 7) se e
somente se 5a5 + 4a4 + 6a3 + 2a2 + 3a1 + a0 ≡ 0 (mod 7).
6.13. Contando elementos invers´ıveis
No cap´ıtulo de fatorac¸a˜o de inteiros introduzimos a func¸a˜o φ de Euler. Pela
proposic¸a˜o 6.8 a definic¸a˜o dada anteriormente coincide com φ(n) := #(Z/nZ)∗.
Nesta sec¸a˜o vamos calcular no caso em que n e´ primo ou poteˆncia de primo. No
cap´ıtulo seguinte, usando o teorema chineˆs dos restos, faremos o ca´lculo geral.
Lema 6.14. Seja p um nu´mero primo. Enta˜o
φ(p) = p− 1.
Demonstrac¸a˜o. Provamos anteriormente que quando n = p e´ primo (Z/pZ)∗
= Z/pZ \ {0}, logo φ(p) = #(Z/pZ)− 1 = p− 1. �
Lema 6.15. Seja p um nu´mero primo e r ≥ 1 inteiro. Enta˜o
φ(pr) = pr−1(p− 1).
Demonstrac¸a˜o. Pela proposic¸a˜o 6.8, a ∈ (Z/prZ)∗ se e somente se mdc(a, pr)
= 1, i.e., p - a. Ao inve´s de contarmos estes elementos contaremos aqueles que sa˜o
divis´ıveis por p e subtairemos do total pr este nu´mero. Expandimos a na base p,
i.e.,
a = qr−1pr−1 + . . .+ q1p+ q0, onde 0 ≤ qi < p
e´ inteiro para todo 0 ≤ i ≤ r − 1. Assim, p | a se e somente se q0 = 0. Para cada
qi com 1 ≤ i ≤ r− 1 temos exatamente p escolhas. Logo o total de escolhas para a
tal que p | a e´ pr−1. Portanto, φ(pr) = pr − pr−1 = pr−1(p− 1). �
CAP´ıTULO 7
Sistemas de congrueˆncia
7.1. Equac¸o˜es diofantinas
Uma equac¸a˜o diofantinae´ uma equac¸a˜o polinomial em um nu´mero finito de
varia´veis cujos coeficientes sa˜o nu´meros inteiros e/ou racionais e procuramos solu-
c¸o˜es inteiras e/ou racionais. Nesta sec¸a˜o daremos um exemplo de como utilizar a
aritme´tica modular para provar que uma dada equac¸a˜o diofantina na˜o tem soluc¸o˜es
inteiras.
Exemplo 7.2. Seja f(x, y) = x3 − 711y3 = 5. Perguntamos se existem pares
(a, b) ∈ Z × Z tais que f(a, b) = 0. Mostraremos que na˜o pode existir um tal par
(a, b). De fato, suponha que exista. Logo a3 ≡ 5 (mod 9). Calculemos os cubos
de todos os elementos de Z/9Z. 13 = 1; 23 = 8, 33 = 0, 43 = 424 = 74 = 1;
5
3
= −43 = −43 = 8; 63 = −33 = −33 = 0; 73 = −23 = −23 = 1; 83 = −13 = 8.
Portanto, na˜o existe a ∈ Z tal que a3 ≡ 5 (mod 9), logo na˜o pode existir (a, b) ∈
Z× Z tal que f(a, b) = 0.
7.3. Equac¸o˜es lineares
Teorema 7.4. Sejam a, b ∈ Z, a 6= 0 e n ≥ 1 inteiro. A equac¸a˜o ax ≡ b
(mod n) tem soluc¸a˜o se e somente se d := mdc(a, n) | b.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que x0 ∈ Z seja uma soluc¸a˜o da equac¸a˜o. Como d
divide a e n, denotamos a = a′d e n = n′d, onde n′, a′ ∈ Z. Logo existe k ∈ Z tal
que ax0 − b = kn, i.e., d(a′x0 − kn′) = b, assim d | b.
Reciprocamente, suponha que d | b, digamos b = db′. Pelo algoritmo euclideano
estendido, existem t, s ∈ Z tais que ta+ sn = d. Multiplicando ambos os lados por
b′ obtemos a(tb′) + snb′ = db′ = b, i.e., a(tb′) ≡ b (mod n), i.e., tb′ e´ uma soluc¸a˜o
da equac¸a˜o. �
Observac¸a˜o 7.5. Observe que se x0 ∈ Z e´ uma soluc¸a˜o de ax ≡ b (mod n),
enta˜o para todo y0 ≡ x0 (mod n), concluimos que y0 tambe´m e´ soluc¸a˜o da equac¸a˜o
(assim dizemos que a classe x0 de x0 e´ uma soluc¸a˜o para ax = b). De fato, y0 =
x0+kn para algum k ∈ Z e ax0 = b+ln para algum l ∈ Z. Logo ay0 = b+ln+akn =
b+ (l + ak)n, i.e., ay0 ≡ b (mod n).
Teorema 7.6. Suponha que a equac¸a˜o ax ≡ b (mod n) admita uma soluc¸a˜o
x0 ∈ Z. O nu´mero de soluc¸o˜es (mo´dulo n) de ax ≡ b (mod n) e´ d e elas sa˜o dadas
pelas classes cujos representantes sa˜o x0, x0 + n
′, · · · , x0 + (d− 1)n′.
Demonstrac¸a˜o. Provemos inicialmente que cada um desses elementos e´ solu-
c¸a˜o. Escrevemos y0 = x0 + kn
′ para algum 0 ≤ k ≤ d − 1 inteiro. Logo ay0 =
ax0 + akn
′ = b+ ln+ akn′ = b+ ln+ a′dkn′ = b+ ln+ a′kn = b+ n(l+ a′k), i.e.,
ay0 ≡ b (mod n). Em seguida observemos que se 0 ≤ k < r ≤ d − 1 sa˜o nu´meros
41
42 7. SISTEMAS DE CONGRUEˆNCIA
inteiros, enta˜o x0 + kn
′ 6≡ x0 + rn′ (mod n). De fato, 0 < (x0 + rn′)− (x0 + kn′) =
n′(r − k) < n′d = n, logo n - ((x0 + rn′)− (x0 + kn′) = n′(r − k)). �
7.7. Sistemas de equac¸o˜es lineares
Teorema 7.8. Sejam m,n ≥ 1 inteiros tais que mdc(m,n) = 1 e a, b ∈ Z.
Existe x ∈ Z tal que o sistema {
x ≡ a (mod m)
x ≡ b (mod n)
tenha soluc¸a˜o.
Demonstrac¸a˜o. Pelo algoritmo euclideano estendido existem t, s ∈ Z tais
que tm+ sn = 1. Logo
tm ≡ 1 (mod n) e sn ≡ 1 (mod m).
Seja x0 := asn+ btm. Observe que
x0 ≡ asn (mod m) ≡ a (mod m) e x0 ≡ btm (mod n) ≡ b (mod n).
�
Teorema 7.9. Sejam m1, · · · ,mr ≥ 1 inteiros tais que para todo 1 ≤ i 6= j ≤ r,
mdc(mi,mj) = 1. Sejam a1, · · · , ar ∈ Z. Existe x ∈ Z tal que o sistema
(7.9.1)

x ≡ a1 (mod m1)
· · ·
x ≡ ar (mod mr)
tenha soluc¸a˜o.
Demonstrac¸a˜o. Seja
m := m1 · · ·mr
e para todo 1 ≤ i ≤ r, seja
ni :=
m
mi
= m1 · · ·mi−1mi+1 · · ·mr.
Como para cada j 6= i, mdc(mj ,mi) = 1, temos que mdc(ni,mi) = 1. Pelo
algoritmo euclideano estendido existem ti, si ∈ Z tais que tini + simi = 1, i.e.,
tini ≡ 1 (mod mi)
e para todo j 6= i, como ni ≡ 0 (mod mj), enta˜o
tini ≡ 0 (mod mj).
Tome
x0 := a1t1n1 + . . .+ artrnr.
De fato, para todo 1 ≤ i ≤ r, temos
x0 ≡ aitini (mod mi) ≡ ai (mod mi),
uma vez que
ajtjnj ≡ 0 (mod mi) para i 6= j.
�
7.13. APLICAC¸A˜O 43
7.10. Teorema Chineˆs dos Restos
Notac¸a˜o. Dado n ≥ 1 inteiro e a ∈ Z denotaremos nesta sec¸a˜o a classe de a
mo´dulo n por a + nZ. Isto e´ motivado pelo fato que um elemento e´ equivalente a
a mo´dulo n se e somente se ele difere de a por um mu´ltiplo de n.
Teorema 7.11. Sejam m1, · · · ,mr ≥ 1 inteiros tais que para todo 1 ≤ i 6= j ≤
r, mdc(mi,mj) = 1. Seja m := m1 · · ·mr. Existe uma bijec¸a˜o
ϕ :
Z
mZ
→ Z
m1Z
× . . .× Z
mrZ
definida por
ϕ(a+mZ) = (a+m1Z, · · · , a+mrZ).
Seja ψ a restric¸a˜o de ϕ a (Z/mZ)∗, enta˜o
ψ :
(
Z
mZ
)∗
→
(
Z
m1Z
)∗
× . . .×
(
Z
mrZ
)∗
tambe´m e´ uma bijec¸a˜o.
Demonstrac¸a˜o. Provemos inicialmente que ϕ esta´ bem definida. De fato, se
b ≡ a (mod m), enta˜o para todo 1 ≤ i ≤ r, mi | m | (b− a), logo b ≡ a (mod mi),
i.e., b+miZ = a+miZ.
Provemos agora que ϕ e´ injetiva. Suponha que ϕ(a + mZ) = ϕ(b + mZ), i.e.,
para todo 1 ≤ i ≤ r, a ≡ b (mod mi). Como para i 6= j, mdc(mi,mj) = 1,
concluimos que m | (a− b), i.e., a+mZ = b+mZ.
Provar que ϕ e´ sobrejetiva equivale a dizer que para todo (a1 +m1Z, · · · , ar +
mrZ) ∈ Z/m1Z× . . .× Z/mrZ e´ da forma ϕ(x+mZ) para algum x ∈ Z, i.e., que
o sistema (7.9.1) tema soluc¸a˜o, o que ja´ foi provado.
Provemos agora que um elemento invers´ıvel mo´dulo m tem imagem cujas
componentes sa˜o invers´ıveis com respeito aos respectivos mo´dulos. Suponha que
a + mZ ∈ (Z/mZ)∗, i.e., mdc(a,m) = 1. Como m = m1 · · ·mr, concluimos que
para cada 1 ≤ i ≤ r, mdc(a,mi) = 1, i.e., a+miZ ∈ (Z/miZ)∗. Como ψ e´ obtida
restringindo ϕ a um subconjunto do domı´nio, concluimos que ψ tambe´m e´ injetiva.
Quanto a sobrejetividade, seja (a1 +m1Z, · · · , ar +mrZ) ∈ (Z/m1Z)∗ × . . .×
(Z/mrZ)∗. Pela parte anterior sabemos que existe x ∈ Z tal que ϕ(x+mZ) = (a1 +
m1Z, · · · , ar+mrZ). Observemos que na verdade x+mZ ∈ (Z/mZ)∗. De fato, para
cada 1 ≤ i ≤ r, x+miZ = ai +miZ, i.e., x ≡ ai (mod mi), mas mdc(ai,mi) = 1,
logo mdc(x,mi) = 1 para todo 1 ≤ i ≤ r. Como m = m1 · · ·mr e mdc(mi,mj) = 1
para i 6= j obtemos que mdc(x,m) = 1, i.e., x+mZ ∈ (Z/mZ)∗. �
Corola´rio 7.12. Para todo n ≥ 1 inteiro seja φ(n) = #(Z/nZ)∗. Enta˜o
φ(m) = φ(m1) · · ·φ(mr).
7.13. Aplicac¸a˜o
Seja n = pe11 · · · perr a fatorac¸a˜o do inteiro n ≥ 1. Pelo corola´rio 7.12 e pelo lema
6.15,
(7.13.1) φ(n) = φ(pe11 ) · · ·φ(perr ) = pe1−11 (p1 − 1) · · · per−1r (pr − 1)
= pe11
(
1− 1
p1
)
· · · perr
(
1− 1
pr
)
= n
∏
p|n
(
1− 1
p
)
.
44 7. SISTEMAS DE CONGRUEˆNCIA
Vamos utilizar a fo´rmula (7.13.1) para uma aplicac¸a˜o.
Proposic¸a˜o 7.14. Suponha que φ(n) = p seja um nu´mero primo. Enta˜o n = 3,
4 ou 6.
Demonstrac¸a˜o. Se r > 2, enta˜o ei = 1 para todo 1 ≤ i ≤ r. Logo φ(n) =∏r
i=1(pi − 1). Como r > 2 existem pelo menos dois primos ı´mpares na fatorac¸a˜o,
logo 4 | φ(n), o que na˜o e´ poss´ıvel. Logo r ≤ 2. Suponhamos inicialmente r = 2,
i.e., φ(n) = pe1−11 (p1 − 1)pe2−12 (p2 − 1). Se p1, p2 > 2 enta˜o (novamente) 4 | φ(n).
Logo p1 = 2 e φ(n) = 2
e1−1pe2−12 (p2 − 1). Se e1 > 1, como p2 > 2, enta˜o 4 | φ(n).
Assim, e1 = 1 e φ(n) = p
e2−1
2 (p2 − 1). Se e2 > 1, enta˜o φ(n) tem 2 e p2 como
fatores primos. Assim, e2 = 1 e φ(n) = p
e2−1
2 . Novamente, como este nu´mero e´
primo, e2 = 1 e φ(n) = p2−1. Mas este nu´mero e´ par e primo, logo p2 = 3 e n = 6.
Suponhamos que r = 1, i.e., φ(n) = pe1−11 (p1 − 1). Se p1 = 2, enta˜o φ(n) =
2e1−1. A u´nica forma deste nu´mero ser primo e´ e1 = 2, logo n = 4. Suponha
p1 > 2. Se e1 > 1, enta˜o φ(n) tem 2 fatores primos p1 e 2 (pois p1 − 1 e´ par),
imposs´ıvel. Assim, e1 = 1 e φ(n) = p1 − 1. Isto ja´ foi feito anteriormente, i.e.,
p1 = 3 e n = 3. �
CAP´ıTULO 8
Aplicac¸o˜es da teoria de grupos a` teoria elementar
dos nu´meros
Neste cap´ıtulo desenvolveremos aplicac¸o˜es da teoria de grupos a` aritme´tica
elementar. Utilizaremos os resultados do cap´ıtulo 9.
8.1. Primalidade de nu´meros de Mersenne
Para todo inteiro n ≥ 1, seja Mn := 2n − 1 o n-e´simo nu´mero de Mersenne.
Nosso objetivo e´ utilizar a teoria de grupos para determinar se Mn e´ primo ou obter
seu menor fator primo. Ja´provamos anteriormente que se n e´ composto, enta˜o Mn
tambe´m o e´. Assim, consideraremos apenas Mp para p primo.
Seja q um fator primo de Mp, i.e., 2
p ≡ 1 (mod q). Portanto em (Z/qZ)∗ temos
2
p
= 1, i.e., o(2) | p. Como p e´ primo temos que o(2) = 1 ou p. O primeiro caso
na˜o pode ocorrer, pois 2 6= 1. Logo o(2) = p. Pelo teorema de Lagrange,
o(2) = p | #(Z/qZ)∗ = φ(q) = q − 1,
i.e., existe k ≥ 1 inteiro tal que q = 1 + kp.
Proposic¸a˜o 8.2. Todo fator primo de Mp e´ da forma 1+kp para algum inteiro
k ≥ 1.
Provamos anteriormente que o menor fator primo de um nu´mero inteiro n ≥ 1
e´ no ma´ximo
√
n. Logo
q ≤ √2p − 1 < 2p/2, i.e. , k < 2
p/2 − 1
p
.
Dessa forma para determinar um fator primo de Mp testamos para cada inteiro k
tal que
1 ≤ k < 2
p/2 − 1
p
se 1 + kp e´ primo e se divide Mp. Se para cada k pelo menos um desses fatos na˜o
ocorrer enta˜o Mp e´ um nu´mero primo.
8.3. Primalidade de nu´meros de Fermat
Para todo inteiro n ≥ 1, seja Fn := 22n + 1 o n-e´simo nu´mero de Fermat. Seja
q um fator primo de Fn. Enta˜o 2
2n ≡ −1 (mod q), logo 22n+1 ≡ 1 (mod q), i.e.,
2
2n+1
= 1 em (Z/qZ)∗. Neste caso
o(2) | (2n+1), i.e. , o(2) = 2d para 1 ≤ d ≤ n+ 1.
Afirmamos que d = n+ 1. De fato, se d < n+ 1, enta˜o
2
2n
= (2
2d
)2
n−d
= 1,
45
46 8. APLICAC¸O˜ES DA TEORIA DE GRUPOS
o que e´ um absurdo, portanto o(2) = 2n+1. Pelo teorema de Lagrange,
o(2) = 2n+1 | #(Z/qZ)∗ = φ(q) = q − 1,
i.e., existe k ≥ 1 tal que q = 1 + k2n+1.
Proposic¸a˜o 8.4. Todo fator primo de Fn e´ da forma 1 + k2
n+1 para algum
inteiro k ≥ 1.
Como no caso dos nu´meros de Mersenne, temos que
q ≤
√
22n + 1, i.e. , k ≤
√
22n + 1− 1
2n+1
.
Dessa forma para determinar um fator primo de Fn testamos para cada inteiro k
tal que
1 ≤ k <
√
22n + 1− 1
2n+1
se 1 + k2n+1 e´ primo e se divide Fn. Se para cada k pelo menos um desses fatos
na˜o ocorrer enta˜o Fn e´ um nu´mero primo.
8.5. Nu´meros de Carmichael
O pequeno teorema de Fermat afirma que se p e´ um nu´mero primo e a ∈ Z
tal que p - a, enta˜o ap−1 ≡ 1 (mod p). Assim, isto funciona para todo 1 ≤ a < p
inteiro. Isto motiva a seguinte definic¸a˜o.
Definic¸a˜o 8.6. Seja n ≥ 3 inteiro ı´mpar e 1 ≤ b < n inteiro. Dizemos que n
e´ pseudoprimo na base b se bn−1 ≡ 1 (mod n).
Observac¸a˜o 8.7. Segue do pequeno teorema de Fermat que um nu´mero primo
p e´ pseudoprimo em toda base 1 ≤ b < p. Observe que a princ´ıpio para um nu´mero
composto n na˜o podemos esperar que ele seja pseudoprimo em toda base. De fato,
seja d = mdc(b, n). Suponha que d > 1 e que n seja pseudoprimo na base b, i.e.,
existe k ∈ Z tal que bn−1 − 1 = kn. Logo d | 1, o que na˜o e´ poss´ıvel. Assim
verificaremos a congrueˆncia apenas para as bases b tais que mdc(b, n) = 1, i.e.,
b ∈ (Z/nZ)∗.
Definic¸a˜o 8.8. Seja n ≥ 3 ı´mpar composto. Suponha que para todo inteiro
1 ≤ b < n tal que mdc(b, n) = 1 tenhamos bn−1 ≡ 1 (mod n). Dizemos que n e´ um
nu´mero de Carmichael.
Exemplo 8.9. 561 e´ o menor nu´mero de Carmichael. E´ claro que provar isto
diretamente e´ trabalhoso, precisamos para cada inteiro
1 ≤ b < 561 tal que mdc(b, 561) = 1
verificar que
b560 ≡ 1 (mod 561).
Ao inve´s disto observemos que
561 = 3.11.17.
Dizer que
b560 ≡ 1 (mod 561)
8.11. TEOREMA DA RAIZ PRIMITIVA 47
equivale a dizer que 561 | (b560 − 1), i.e., que 3 | (b560 − 1), 11 | (b560 − 1) e
17 | (b560 − 1). Como mdc(b, 561) = 1, concluimos que mdc(b, 3) = mdc(b, 11) =
mdc(b, 17) = 1. Aplicando o pequeno teorema de Fermat concluimos que
b2 ≡ 1 (mod 3), logo b560 = (b2)280 ≡ 1 (mod 3);
b10 ≡ 1 (mod 11), logo b560 = (b10)56 ≡ 1 (mod 11);
b16 ≡ 1 (mod 17), logo b560 = (b16)35 ≡ 1 (mod 17).
Generalizaremos agora o procedimento do exemplo, de forma a provar, a partir
da fatorac¸a˜o de n, que n e´ um nu´mero de Carmichael.
Teorema 8.10 (teorema de Korselt). Seja n ≥ 3 ı´mpar composto. n e´ um
nu´mero de Carmichael se e somente se
(1) n e´ livre de quadrados.
(2) Para todo fator primo p de n, (p− 1) | (n− 1).
Demonstrac¸a˜o. Suponha que as 2 condic¸o˜es acima sejam satisfeitas. Seja
1 ≤ b < n inteiro tal que mdc(b, n) = 1. Afirmamos que para todo fator primo p de
n, temos bn−1 ≡ 1 (mod p).
De fato, como mdc(b, n) = 1, enta˜o mdc(b, p) = 1. Pelo pequeno teorema de
Fermat, bp−1 ≡ 1 (mod p). Por hipo´tese, existe k ∈ Z tal que n − 1 = k(p − 1),
logo bn−1 = (bp−1)k ≡ 1 (mod p). Ale´m disto temos que n fatora-se n = p1 · · · pr.
Como os pi’s sa˜o distintos e para todo 1 ≤ i ≤ r, pi | (bn−1 − 1), concluimos que
n | (bn−1 − 1), i.e., bn−1 ≡ 1 (mod n).
Reciprocamente, seja p um fator primo de n e suponhamos que p2 | n. Observe
que
(p− 1)n−1 =
n−1∑
i=0
(
n− 1
i
)
(−1)n−1−ipi ≡ (n− 1)(−1)n−2p+ 1 6≡ 1 (mod p2),
logo (p− 1)n−1 6≡ 1 (mod n), portanto n na˜o pode ser um nu´mero de Carmichael.
Observe que efetivamente, mdc(p − 1, n) = 1, pois se este mdc fosse igual a d,
concluiriamos que d | 1, assim d = 1.
Para provar a validade da segunda condic¸a˜o precisamos do teorema da raiz
primitiva que provaremos na sec¸a˜o seguinte. Ele afirma que se p e´ um nu´mero
primo, enta˜o o grupo (Z/pZ)∗ e´ um grupo c´ıclico.
De fato, seja a um gerador de (Z/pZ)∗. Enta˜o mdc(a, n) = 1 e uma vez que n e´
um nu´mero de Carmichael, temos an−1 ≡ 1 (mod n). A fortiori, an−1 ≡ 1 (mod p).
Ou seja, an−1 = 1 em (Z/pZ)∗. Logo, pelo lema chave, p− 1 = o(a) | (n− 1). �
8.11. Teorema da raiz primitiva
Seja n ≥ 3 inteiro ı´mpar. Provamos anteriormente que φ(n) < n, i.e., φ(n) ≤
n − 1. Note que φ(n) conta exatamente a quantidade de classes a ∈ (Z/nZ)∗ tais
que mdc(a, n) = 1. Assim, φ(n) = n − 1 se e somente se n e´ primo. Se existir
uma classe a ∈ (Z/nZ)∗ tal que o(a) = n − 1, enta˜o (pelo teorema de Lagrange)
(n − 1) | φ(n), logo vale n − 1 = φ(n). Portanto, se (Z/nZ)∗ for c´ıclico, enta˜o n e´
primo. O objetivo deste cap´ıtulo e´ mostrar a rec´ıproca deste resultado.
Teorema 8.12 (teorema da raiz primitiva). Se p e´ primo, enta˜o (Z/pZ)∗ e´
c´ıclico.
48 8. APLICAC¸O˜ES DA TEORIA DE GRUPOS
Note que (Z/4Z)∗ e´ c´ıclico de ordem 2. Utilizando o teorema chineˆs dos restos
temos (como consequ¨eˆncia do teorema da raiz primitiva) que (Z/2pZ)∗ tambe´m e´
c´ıclico para p primo.
Demonstrac¸a˜o. Seja a1 ∈ (Z/pZ)∗ e d1 := o(a1). Se d1 = p − 1, acabou.
Sena˜o, seja H1 o subgrupo c´ıclico de (Z/pZ)∗ gerado por a1. Temos que H1 $
(Z/pZ)∗. Note que H1 coincide exatamente com as soluc¸o˜es de xd1−1 em (Z/pZ)∗.
Seja b1 ∈ (Z/pZ)∗ \H1. Pelo mesmo argumento da prova da proposic¸a˜o 9.40 temos
que existe a2 ∈ (Z/pZ)∗ tal que o(a2) = mmc(o(a1), o(b1)) > o(a1). Se o(a2) = p−1
acabou. Sena˜o repetimos o argumento acima obtendo um elemento a3 cuja ordem
e´ estritamente maior que o(a2). Como todas essas ordens sa˜o no ma´ximo p− 1 na˜o
podemos ter uma sequ¨eˆncia estritamente crescente infinita de nu´meros menores que
p− 1. Portanto existe i tal que o(bi) = p− 1. �
Parte 2
Grupos
CAP´ıTULO 9
Teoria de Grupos I
9.1. Definic¸a˜o e exemplos
Definic¸a˜o 9.2. Um grupo e´ um conjunto G munido de uma operac¸a˜o ∗ :
G×G→ G dada por (x, y) 7→ x ∗ y satisfazendo a`s seguintes propriedades:
(1) (associatividade) para todo x, y, z ∈ G, x ∗ (y ∗ z) = (x ∗ y) ∗ z.
(2) (Elemento neutro) existe e ∈ G tal que e ∗ x = x ∗ e = x para todo x ∈ G.
(3) (Inverso) para todo x ∈ G existe y ∈ G tal que x ∗ y = y ∗ x = e.
O grupo G e´ dito abeliano ou comutativo se ale´m disto x ∗ y = y ∗ x para todo
x, y ∈ G.
Em seguida daremos exemplos de grupos. Para fixar a notac¸a˜o suponha que
a operac¸a˜o seja de “multiplicac¸a˜o” e que o inverso de um elemento x ∈ G seja
denotado por x−1.
Observac¸a˜o 9.3. Seja G um grupo e x, y ∈ G. Afirmamos que
(xy)−1 = y−1x−1.
De fato,
xy(y−1x−1) = x(yy−1)x−1 = xx−1 = 1
y−1x−1(xy) = y−1(x−1x)y = y−1y = 1.
Definic¸a˜o 9.4. Um grupo G e´ dito finito se possui um nu´mero finito de e-
lementos,caso contra´rio e´ dito infinito. Se G for um grupo finito, o nu´mero de
elementos de G e´ chamado a ordem de G e denotado por #G.
Exemplo 9.5 (grupos abelianos infinitos). Z,Q,R,C e ∗ = +.
Exemplo 9.6 (grupos abelianos infinitos). Q \ {0},R \ {0},C \ {0} e ∗ = . .
Exemplo 9.7. Seja
M2(R) :=
{(
a b
c d
)
| a, b, c, d ∈ R
}
o conjunto das matrizes 2 × 2 com entradas reais. Este conjunto e´ um grupo com
a operac¸a˜o sendo a soma de matrizes. Seja
GL2(R) :=
{(
a b
c d
)
∈M2(R) | ad− bc 6= 0
}
.
Todas estas matrizes sa˜o invers´ıveis com respeito a` multiplicac¸a˜o de matrizes. As-
sim GL2(R) munido do produto de matrizes e´ um grupo chamado grupo linearem
51
52 9. TEORIA DE GRUPOS I
dimensa˜o 2 sobre os reais. Ambos os grupos sa˜o infinitos. O primeiro e´ abeliano.
Notemos que GL2(R) na˜o e´ comutativo. De fato,(
0 1
1 0
)(
1 0
1 1
)
=
(
1 1
1 0
)
e(
1 0
1 1
)(
0 1
1 0
)
=
(
0 1
1 1
)
.
Exemplo 9.8. Seja G = Z/nZ e ∗ = ⊕. Este e´ um grupo abeliano de ordem
n. Seja G = (Z/nZ)∗ e ∗ = �. Este e´ um grupo de ordem φ(n).
Exemplo 9.9. Denotamos por S∆ o grupo das simetrias do triaˆngulo equila´te-
ro. A operac¸a˜o sera´ ◦, a composic¸a˜o de func¸o˜es. Fixemos os ve´rtices do triaˆngulo
no c´ırculo unita´rio
S1 := {z ∈ C | |z| = 1} por V1 = e2pii, V2 = e2pii/3 e V3 = e4pii/3.
Cada simetria sera´ uma func¸a˜o bijetiva f : {V1, V2, V3} → {V1, V2, V3} dada por
f(Vi) = Vσ(i), onde denotamos f na forma matricial por(
1 2 3
σ(1) σ(2) σ(3)
)
.
Denotamos α := R2pi/3 a rotac¸a˜o de 2pi/3 que e´ dada por
α =
(
1 2 3
2 3 1
)
.
A rotac¸a˜o de 4pi/3, R4pi/3 = R2pi/3 ◦R2pi/3 que sera´ denotada por α2 e´ dada por
α2 =
(
1 2 3
3 1 2
)
.
Finalmente a rotac¸a˜o de 2pi = 6pi/3 nada mais e´ que id e e´ denotada por α3, assim
α3 = id. Ale´m disto temos as simetrias em relac¸a˜o a`s retas que passam pelos
ve´rtices e pelo centro do lado oposto, denotamos estas retas por li para i = 1, 2, 3.
Seja β := Sl3 a simetria em relac¸a˜o a` reta l3,
β =
(
1 2 3
2 1 3
)
.
Note que β2 = id. Seja Sl1 a simetria em relac¸a˜o a` reta l1,
Sl1 =
(
1 2 3
1 3 2
)
.
Novamente S2l3 = id. Finalmente,
Sl2 =
(
1 2 3
3 1 2
)
e S2l2 = id. Assim, S∆ = {id, α, α2, β, Sl1 , Sl2}. Para provar que S∆ e´ um grupo
precisamos verificar as 3 propriedades da definic¸a˜o. A associatividade segue do
fato de composic¸a˜o de func¸o˜es ser associativa. O elemento neutro segue do fato
que a composic¸a˜o da identidade com qualquer func¸a˜o ser a qualquer func¸a˜o. Basta
portanto verificar os inversos. De
α3 = αα2 = id
9.1. DEFINIC¸A˜O E EXEMPLOS 53
concluimos que
α−1 = α2 e que (α2)−1 = α.
De
β2 = ββ = id,
concluimos que
β−1 = β.
Antes de verificarmos os dois restantes calculemos
αβ =
(
1 2 3
2 3 1
)(
1 2 3
2 1 3
)
=
(
1 2 3
1 3 2
)
= Sl1 e
α2β =
(
1 2 3
3 1 2
)(
1 2 3
2 1 3
)
=
(
1 2 3
3 2 1
)
= Sl2 .
Geometricamente ja´ verificamos que (αβ)2 = (α2β)2 = id, logo (αβ)−1 = αβ e
(α2β)−1 = α2β. Dessa forma S∆ e´ um grupo de ordem 6. Vamos ver isto de forma
puramente alge´brica e aproveitar para mostrar que S∆ na˜o e´ abeliano. Calculemos,
(9.9.1) βα =
(
1 2 3
2 1 3
)(
1 2 3
2 3 1
)
=
(
1 2 3
3 2 1
)
= α2β.
Pela observac¸a˜o 9.3 e por (9.9.1) temos que
(αβ)−1 = β−1α−1 = βα2 = α2βα = α4β = αβ e
(α2β)−1 = β−1(α2)−1 = βα = α2β.
Exemplo 9.10. O grupo S� das simetrias do quadrado. Denotamos os ve´rtices
por
V1 = e
2pii, V2 = e
pii/2, V3 = e
pii e V4 = e
3pii/2.
Seja α := Rpi/2 a rotac¸a˜o por pi/2 que e´ dada por
α =
(
1 2 3 4
2 3 4 1
)
,
a rotac¸a˜o de pi e´ dada por
Rpi := α
2 =
(
1 2 3 4
3 4 1 2
)
,
a rotac¸a˜o de 3pi/2 e´ dada por
R3pi/2 := α
3 =
(
1 2 3 4
4 1 2 3
)
e a rotac¸a˜o de 2pi e´ dada por R2pi := α
4 = id. Temos tambe´m a simetria em relac¸a˜o
a`s retas l1, respectivamente l3, passando por divindo ao meio os lados V1V4 e V2V3,
respectivamente V1V2 e V3V4. Assim,
β := Sl3 =
(
1 2 3 4
2 1 4 3
)
e
Sl1 =
(
1 2 3 4
4 3 2 1
)
.
54 9. TEORIA DE GRUPOS I
Notemos que geometricamente β2 = S2l1 = id. Finalmente temos as simetrias em
relac¸a˜o a`s diagonais d1, respectivamente d2, dada por V1V3, respectivamente V2V4.
Assim,
Sd1 =
(
1 2 3 4
1 4 3 2
)
e
Sd2 =
(
1 2 3 4
3 2 1 4
)
.
Novamente, geometricamente S2d1 = S
2
d2
= id. O conjunto S� fica portanto dado
por S� = {id, α, α2, α3, β, Sl1 , Sd1 , Sd2}. Como no exemplo anterior, para provar
que e´ um grupo basta calcular os inversos. Inicialmente,
α4 = αα3 = α2α2 = id,
logo
α−1 = α3, (α3)−1 = α e (α2)−1 = α2.
Os demais ja´ foram calculados geometricamente. Mostraremos que este grupo na˜o
e´ abeliano e refaremos os ca´lculos algebricamente. Calculemos,
αβ =
(
1 2 3 4
2 3 4 1
)(
1 2 3 4
2 1 4 3
)
=
(
1 2 3 4
1 4 3 2
)
= Sd1 ,
α2β =
(
1 2 3 4
3 4 1 2
)(
1 2 3 4
2 1 4 3
)
=
(
1 2 3 4
4 3 2 1
)
= Sl1 e
α3β =
(
1 2 3 4
4 1 2 3
)(
1 2 3 4
2 1 4 3
)
=
(
1 2 3 4
3 2 1 4
)
= Sd2 .
A primeira observac¸a˜o e´ que
βα =
(
1 2 3 4
2 1 4 3
)(
1 2 3 4
2 3 4 1
)
=
(
1 2 3 4
3 2 1 4
)
= α3β.
Logo,
(αβ)−1 = β−1α−1 = βα3 = α3βα2 = α6βα = α2α3β = αβ,
(α2β)−1 = β−1(α2)−1 = βα2 = α3βα = α6β = α2β e
(α3β)−1 = β−1(α3)−1 = βα = α3β.
9.11. Subgrupos
Definic¸a˜o 9.12. Seja G um grupo, um subconjunto H de G e´ dito um sub-
grupo de G, se 1 ∈ H, dados x, y ∈ H, xy ∈ H e dado x ∈ H, x−1 ∈ H.
Exemplo 9.13. Seja G = Z e n ≥ 1. Note que nZ e´ um subgrupo de Z. De
fato, 0 = n.0 ∈ nZ, x = nk, y = nl, k, l ∈ Z, enta˜o x + y = n(k + l) ∈ nZ
e −x = n(−k) ∈ nZ. Afirmamos mais, que todo subgrupo de Z e´ da forma nZ
para algum n ≥ 1. De fato, seja H ⊂ Z um subgrupo. Por definic¸a˜o H ∩ N 6= ∅.
Seja n o menor elemento de H ∩ N. E´ claro que nZ ⊂ H, pela definic¸a˜o de H.
Reciprocamente, se x ∈ H ∩N. Pelo algoritmo da divisa˜o existem q, r ∈ Z tais que
x = nq + r com 0 ≤ r < n. Note que r = x − nq ∈ H. Assim r = 0 e x ∈ nZ. Se
x ∈ H e x < 0, seja y = −x ∈ H ∩ N. Pelo que foi feito anteriormente, y = kn, em
particular x = −y = (−k)n ∈ nZ.
9.11. SUBGRUPOS 55
Exemplo 9.14. Seja n ≥ 1 inteiro e
µn := {z ∈ C | zn = 1}.
Afirmamos que este e´ um subgrupo de C \ {0}. De fato, 1n = 1, logo 1 ∈ µn, se
x, y ∈ µn, enta˜o
(xy)n = xnyn = 1,
logo xy ∈ µn e se x ∈ µn, enta˜o x−1C \ {0}, logo
(x−1)n = (xn)−1 = 1
e x−1 ∈ µn. Este e´ um grupo abeliano chamado o grupo das ra´ızes n-e´simas da
unidade. Seja ζ := e2pii/n, ζ ∈ µn e o menor inteiro positivo m ≥ 1 tal que ζm = 1
e´ n. Afirmamos que
µn = {1, ζ, · · · , ζn−1}.
De fato, a inclusa˜o ⊃ e´ clara. Se z ∈ µn, enta˜o |z| = 1 e z = eiθ, onde θ = k2pi
para k ∈ Z. Se k ≥ 1, enta˜o, pelo algoritmo da divisa˜o, existem q, r ∈ Z tais que
k = qn+ r com 0 ≤ r < n. Logo
z = ζk = (ζn)qζr = ζr
e z ∈ {1, ζ, · · · , ζn−1}. Se k < 0, digamos k = −l, enta˜o ζl ∈ {1, ζ, · · · , ζn−1}, e
z = ζk = ζ−l = ζn−l ∈ {1, ζ, · · · , ζn−1}. Finalmente, temos uma bijec¸a˜o
µn → Z/nZ dada por ζk 7→ k.
De fato, a sobrejetividade segue da definic¸a˜o de Z/nZ. E a injetividade uma vez
que se k = l, enta˜o n | (k − l), o que so´ e´ poss´ıvel se k = l.
Exemplo 9.15. Seja G := GL2(R) e
D2(R) :=
{(
a 0
0 d
)
| ad 6= 0
}
o conjunto das matrizes diagonais. Este e´ um subgrupo de GL2(R), pois(
1 0
0 1
)
∈ D2(R),
se A,B ∈ D2(R), digamos
A =
(
a 0
0 d
)
e B =
(
a′ 0
0 d′
)
,
enta˜o
AB =
(
aa′ 0
0 dd′
)
∈ D2(R),
A−1 =
(
a−1 0
0 d−1
)
∈ D2(R).
Exemplo 9.16. Seja G := S�, enta˜o {1, α, α2, α3} e´ um subgrupo de S�, como
tambe´m {1, β}.
56 9. TEORIA DE GRUPOS I
9.17. Classes Laterais e Teorema de Lagrange
Definic¸a˜o 9.18. Seja G um grupo eH um subgrupo de G. Dados x, y ∈ G
definimos x ∼D y se e somente se x = yα, para algum α ∈ H. Definimos tambe´m
x ∼E y se e somente se x = αy para algum α ∈ H.
Observac¸a˜o 9.19. As relac¸o˜es bina´rias ∼E e ∼D sa˜o relac¸o˜es de equivaleˆncia.
De fato, x = x.1, logo x ∼D x. Se x ∼D y, enta˜o x = yα, para algum α ∈ H,
logo y = xα−1 e como H e´ um subgrupo de G, α−1 ∈ H, portanto y ∼D x. Se
x ∼D y e y ∼D z, enta˜o x = yα e y = zβ, para α, β ∈ H. Logo x = zβα e βα ∈ H,
pois H e´ um subgrupo de G, donde x ∼D z. Fica como exerc´ıcio fazer a mesma
demonstrac¸a˜o para ∼E .
Definic¸a˜o 9.20. Dado x ∈ G denotamos por
xH := {xα |α ∈ H}
sua classe de equivaleˆncia com relac¸a˜o a ∼D, esta e´ chamada de classe lateral a
direita de x em H. Seja
CLD := {xH |x ∈ G}
o conjunto das classes laterais a direita de H em G. Similarmente, definimos a
classe lateral a esquerda de x em H por
Hx := {αx |α ∈ H}
e
CLE := {Hx |x ∈ G}
o conjunto das classes laterais a esquerda de H em G.
Lema 9.21. Existe uma bijec¸a˜o
ϕ : CLD→ CLE dada por ϕ(xH) = Hx−1.
Demonstrac¸a˜o. Dado y ∈ G, existe x ∈ G tal que y = x−1, logo Hy =
Hx−1 = ϕ(xH) e ϕ e´ sobrejetiva. Se ϕ(xH) = ϕ(yH), enta˜o Hx−1 = Hy−1, i.e.,
existe α ∈ H tal que x−1 = αy−1, i.e., x = yα, i.e., x ∼D y, i.e., xH = yH,
portanto ϕ e´ injetiva. �
A partir de agora nesta sec¸a˜o suponhamos que G seja um grupo finito. Observe
que
(9.21.1) G =
·⋃
x∈G
xH =
·⋃
x∈G
Hx.
Concluimos que o nu´mero de classes laterais (a direita ou a esquerda) de H em G
tambe´m e´ finito. Denotamos este nu´mero por (G : H) e chamamos o ı´ndice de H
em G.
Lema 9.22. Para todo x ∈ G, existe uma bijec¸a˜o
ψ : H → xH dada por α 7→ xα.
Demonstrac¸a˜o. Pela definic¸a˜o de xH concluimos que ψ e´ sobrejetiva. Se
ψ(α) = ψ(β), i.e., xα = xβ, multiplicando os dois lados por x−1 a esquerda,
obtemos que α = β, portanto, ψ e´ injetiva. �
9.25. ORDEM DE ELEMENTO E EXPOENTE DE GRUPO ABELIANO 57
Teorema 9.23 (teorema de Lagrange). Seja G um grupo finito e H um sub-
grupo de G. Enta˜o
#G = (G : H)|H|.
Demonstrac¸a˜o. Segue imediatamente de (9.21.1) e do lema 9.22. �
Corola´rio 9.24. Seja H um grupo finito e H um subgrupo de G. Enta˜o |H|
divide |G|.
9.25. Ordem de elemento e expoente de grupo abeliano
Definic¸a˜o 9.26. Seja G um grupo e x ∈ G. Definimos
o(x) := min{n ≥ 1 |xn = 1, n ∈ Z}
ou o(x) = ∞ caso na˜o exista n ≥ 1 inteiro satisfazendo xn = 1. O nu´mero o(x) e´
chamado a ordem de x.
Exemplo 9.27. Seja G = Z e x = 1. Como para todo n ≥ 1, nx 6= 0,
concluimos que o(1) =∞.
Lema 9.28 (lema chave). Seja x ∈ G de ordem n. Suponha que exista t ≥ 1
tal que xt = 1. Enta˜o n | t.
Demonstrac¸a˜o. Pelo algoritmo de euclides existem q, r ∈ Z tais que t =
qn+ r com 0 ≤ r < n. Logo
1 = xt = xqnxr = xr,
assim pela definic¸a˜o da ordem de x concluimos que r = 0. �
Exemplo 9.29. Seja G := µn para n ≥ 1 inteiro e x := ζ = e2pii/n. Enta˜o
o(ζ) = n. Afirmamos mais ainda que
o(ζi) = n se e somente se mdc(i, n) = 1 para 0 ≤ i < n.
De fato, se mdc(i, n) = d > 1, enta˜o i = di′ e n = dn′ com n′ < n. Por outro lado
(ζi)n
′
= ζin
′
= ζi
′dn′ = ζi
′n = (ζn)i
′
= 1,
mas isto contradiz o(ζi) = n. Reciprocamente, suponha que 1 ≤ o(ζi) = m < n.
Enta˜o ζim = 1, i.e., pelo lema chave im = kn para algum k ≥ 1 inteiro. Como
m < n, enta˜o existe algum fator primo p de n tal que p | i, logo mdc(i, n) > 1.
Ale´m disto temos uma bijec¸a˜o entre
Pn := {ζi | mdc(i, n) = 1}
e (Z/nZ)∗ dada por ζi 7→ i. Por definic¸a˜o de (Z/nZ)∗ esta aplicac¸a˜o e´ sobrejetiva
e a injetividade segue de i = j implicar em n | (i− j) o que apenas ocorre se i = j.
O conjunto Pn e´ chamado o conjunto das ra´ızes primitivas n-e´simas da unidade.
Mostramos em particular que #Pn = φ(n).
Exemplo 9.30. Seja G = GL2(R) e
x =
(
0 1
1 0
)
.
E´ imediato verificar que o(x) = 2.
Exemplo 9.31. Seja G := S� e x = α, enta˜o o(α) = 4.
58 9. TEORIA DE GRUPOS I
Observac¸a˜o 9.32. Seja G um grupo e suponha que para todo x ∈ G, o(x) = 2.
Enta˜o G e´ abeliano. De fato, o(x) = 2 significa que x2 = 1, i.e., x−1 = x. Assim,
xy = x−1y−1 = (yx)−1 = yx.
Definic¸a˜o 9.33. Seja G um conjunto e S um subonjunto de G contendo 1.
Seja
〈S〉 := {x1 · · ·xr | ai ∈ S ou a−1i ∈ S}.
Lema 9.34. 〈S〉 e´ um subgrupo de G.
Demonstrac¸a˜o. De fato, 1 ∈ 〈S〉. Se x, y ∈ 〈S〉, enta˜o x = x1 · · ·xr com
xi ∈ S ou x−1i ∈ S e y = y1 · · · ys tal que jj ∈ S ou y−1j ∈ S. Logo xy ∈ 〈S〉.
Finalmente, se x ∈ S, enta˜o
x−1 = x−1r · · ·x−11
e x−1i ∈ S ou (x−1i )−1 = xi ∈ S. Logo x−1 ∈ 〈S〉. �
Definic¸a˜o 9.35. O subgrupo 〈S〉 e´ chamado o subgrupo de G gerado por S.
Estamos particularmente interessados no caso em que S = {α}. Neste caso dizemos
que o grupo 〈S〉 e´ um grupo c´ıclico. Distinguimos duas situac¸o˜es. Na primeira
o(α) = n < ∞. Neste caso, 〈α〉 = {1, α, · · · , αn−1} e este conjunto corresponde
bijetivamente a Z/nZ por αi 7→ i. O segundo caso e´ aquele no qual o(α) = ∞.
Neste caso 〈α〉 = {αr | r ∈ Z} e corresponde bijetivamente a Z por αr 7→ r.
Corola´rio 9.36 (corola´rio 2 do teorema de Lagrange). Seja G um grupo finito
e x ∈ G. Enta˜o o(x) | #G.
Demonstrac¸a˜o. Pelo exemplo anterior, o(x) < ∞ e o(x) = #〈x〉. Pelo teo-
rema de Lagrange #〈x〉 | #G. �
Definic¸a˜o 9.37. Seja G um grupo abeliano. Definimos o expoente de G por
exp(G) := mmc{o(z) | z ∈ G} ou ∞, se existir z ∈ G tal que o(z) =∞.
Observac¸a˜o 9.38. E´ claro que se G e´ finito, enta˜o exp(G) < ∞. Mas a
rec´ıproca na˜o e´ verdade. Por exemplo se G = Z/2Z × . . .Z/2Z × . . ., enta˜o para
cada x ∈ G \ {1}, onde 1 = (0, · · · , 0, · · · ), o(x) = 2, logo exp(G) = 2, mas G e´
infinito.
Proposic¸a˜o 9.39. Seja G um grupo abeliano e z1, · · · , zr ∈ G tais que o(zi) <
∞ para todo i. Enta˜o
(i) o(z1 · · · zr) | mmc{o(z1), · · · , o(zr)} | o(z1) · · · o(zr).
(ii) Se para todo i 6= j, mdc(o(zi), o(zj)) = 1, enta˜o o(z1 · · · zr) = o(z1) · · ·
o(zr).
Demonstrac¸a˜o. (i) Seja M := mmc{o(z1), · · · , o(zr)}. Enta˜o, (z1 · · · zr)M =
zM1 · · · zMr = 1, pelo lema chave concluimos que o(z1 · · · zr) |M . A outra divisibili-
dade e´ imediata.
(ii) A segunda igualdade e´ uma propriedade dos inteiros positivos (basta lem-
brar que o mmc e´ obtido tomando o maior expoente na fatorac¸a˜o em nu´meros
primos). Vamos provar a primeira igualdade por induc¸a˜o em r. A primeira etapa
e´ provar para r = 2.
9.25. ORDEM DE ELEMENTO E EXPOENTE DE GRUPO ABELIANO 59
Seja N := o(z1z2). Como G e´ abeliano, enta˜o
1 = (z1z2)
N = zN1 z
N
2 , i.e. , z
−N
1 = z
N
2 .
Mas isto significa que z−N1 = z
N
2 ∈ 〈z1〉 ∩ 〈z2〉, mas esta intersec¸a˜o e´ igual a {1},
pois mdc(o(z1), o(z2)) = 1. Portanto, z
N
1 = z
N
2 = 1, mas isto implica que M | N .
Suponhamos que tenhamos provado que o(z1 · · · zr−1) = o(z1) · · · o(zr−1) com
mdc(o(zi), o(zj)) = 1 para i 6= j. Utilizando que G e´ abeliano, e estendo a definic¸a˜o
de N para r fatores, temos que
1 = (z1 . . . zr−1)NzNr , i.e. , (z1 . . . zr−1)
N = z−Nr .
Mas isto significa que (z1 . . . zr−1)N = z−Nr ∈ 〈z1, · · · , zr−1〉 ∩ 〈zr〉, mas este grupo
e´ trivial pois a ordem do primeiro grupo e´ igual a o(z1) . . . o(zr−1) e a ordem do
segundo e´ igual a o(zr) e mdc(o(zi), o(zj)) = 1, se i 6= j. Assim, (z1 . . . zr−1)N =
zNr = 1, donde M | N . �
Observe que pelo teorema de Lagrange, se G for finito, enta˜o exp(G) | #G.
Proposic¸a˜o 9.40. Seja G um grupo abeliano tal que exp(G) <∞. Enta˜o
(a) Existe y ∈ G tal que exp(G) = o(y).
(b) G e´ c´ıclico se e somente se exp(G) = #G.
Demonstrac¸a˜o. (a) Seja exp(G) = pe11 · · · perr a fatorac¸a˜o de exp(G). Por
definic¸a˜o para todo i = 1, · · · , r existe yi ∈ G tal que o(yi) = peii qi tal que pi - qi.
Note que se zi = y
qi
i , enta˜o o(zi) = p
ei
i . Neste caso, pelo ı´tem (ii) da proposic¸a˜o
9.39 temos que se y = z1 · · · zr, enta˜o o(y) = exp(G).
(b) Se G for c´ıclico, enta˜o existe x ∈ G tal que 〈x〉= G e o(x) = #G. Por outro
lado, pelo ı´tem anterior, existe y ∈ G tal que o(y) = exp(G). Mas, exp(G) | #G e
o(x) | exp(G), logo exp(G) = #G. Reciprocamente, se vale a igualdade, pelo ı´tem
anterior existe y ∈ G tal que o(y) = exp(G) = #G, logo G e´ c´ıclico. �
CAP´ıTULO 10
Teoria de grupos II
10.1. Subgrupos normais e grupos quocientes
Seja G um grupo e H um subgrupo de G. Seja
G/H := {xH |x ∈ G}
o conjunto das classes laterais a direita de H em G. Analogamente ao caso em que
G = Z e H = nZ, para n ≥ 1 inteiro, queremos definir em G/H uma estrutura de
grupo. Para isto precisamos de uma propriedade adicional de H. Se copiarmos o
que foi feito anteriormente a ide´ia e´ definir a func¸a˜o
ψ : G/H ×G/H → G/H
dada por
(xH, yH) 7→ xyH.
O problema e´ verificar que ψ esta´ bem definida. Sejam x′, y′ ∈ G tais que x′H = xH
e y′H = yH, i.e., x′ = xα e y′ = yβ para α, β ∈ H. Assim
x′y′ = xαyβ.
Mas a princ´ıpio G na˜o e´ comutativo e na˜o podemos trocar y com α para concluir
que ψ esta´ bem definida.
Definic¸a˜o 10.2. Um subgrupo H de um grupo G e´ dito normal se e somente
se para todo x ∈ G temos xHx−1 ⊂ H. Denotamos H CG.
Lema 10.3. Seja G um grupo e H um subgrupo de G. As seguintes condic¸o˜es
sa˜o equivalentes:
(i) H CG.
(ii) Para todo x ∈ G, xHx−1 = H.
(iii) Para todo x ∈ G, xH = Hx.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que HCG. A inclusa˜o ⊂ ja´ esta´ feita por definic¸a˜o.
Uma vez que (x−1)−1 = x, segue tambe´m da definic¸a˜o que x−1Hx ⊂ H, i.e.,
H ⊂ xHx−1. Assim vale (ii).
Suponha que para todo x ∈ G, xHx−1 = H. Seja α ∈ H. Por hipo´tese
xαx−1 = β ∈ H, logo xα = βx ∈ Hx. Reciprocamente, como x−1αx = γ ∈ H,
enta˜o αx = xγ ∈ xH. Disto segue (iii).
Suponha que para todo x ∈ G, xH = Hx. Por hipo´tese para todo α ∈ H existe
β ∈ H tal que xαx−1 = βxx−1 = β. Donde (i). �
Suponhamos que H CG, pelo lema 10.3, existe γ ∈ H tal que
x′y′ = xαyβ = xyγβ ∈ xyH,
pois γβ ∈ H. Assim x′y′H = xyH e ψ esta´ bem definida.
61
62 10. TEORIA DE GRUPOS II
Definic¸a˜o 10.4. Seja G um grupo e H CG um subgrupo de normal de G. O
conjunto G/H e a func¸a˜o ψ definem uma estrutura de grupo em G/H chamado o
grupo quociente.
Exemplo 10.5. Seja G um grupo finito e H um subgrupo de G. Suponha que
(G : H) = 2. Afirmamos que H CG. De fato, como (G : H) = 2, isto significa que
temos apenas suas classes laterais a direita, a saber, H e xH para x /∈ H. Tambe´m
sabemos que o nu´mero de elementos de CLD e´ igual ao de CLE, logo as u´nicas
classes laterais a direita sa˜o H e Hx, como Hx 6= H e xH 6= H, concluimos que
xH = Hx, para todo x ∈ G − H. Esta igualdade tambe´m e´ imediata se x ∈ H.
Logo H CG.
Exemplo 10.6. Seja G = S� e H = {1, α, α2, α3}. Temos que H C G, pois
(G : H) = |G|/|H| = 2, pelo teorema de Lagrange e pelo exemplo anterior.
Exemplo 10.7. Seja G um grupo. Definimos por
Z(G) := {x ∈ G |xy = yx para todo y ∈ G},
o centro de G. Afirmamos que Z(G)CG.
Primeiro temos que verificar que Z(G) e´ realmente um subgrupo de G. De
fato, 1.y = y.1 = y para todo y ∈ G, logo 1 ∈ Z(G). Se x, z ∈ Z(G) e y ∈ G,
enta˜o xzy = xyz = yxz, i.e., xz ∈ Z(G). Se x ∈ Z(G), enta˜o para todo y ∈ G,
x−1y = (y−1x)−1 = (xy−1)−1 = yx−1, i.e., x−1 ∈ Z(G).
Finalmente, dado x ∈ G e y ∈ Z(G), temos que xyx−1 = yxx−1 = y ∈ Z(G),
i.e., Z(G) C G. Podemos ainda dizer mais, se H e´ um subgrupo de Z(G) enta˜o
H C G. De fato, automaticamente H e´ um subgrupo de G, ale´m disto como para
todo x ∈ G e y ∈ H temos que xyx−1 = yxx−1 = y ∈ H, pois H ⊂ Z(G).
Note que G e´ abeliano se e somente se Z(G) = G. Assim, o quanto maior for
o centro de G, mais G estara´ pro´ximo a ser abeliano.
Exemplo 10.8. Seja G um grupo. Denotamos por [G,G] o subgrupo de G
gerado pelo conjunto
{xyx−1y−1 |x, y ∈ G}.
Este grupo e´ chamado o subgrupo dos comutadores.
Note que G e´ abeliano se e somente se [G,G] = {1}. Assim, o quanto menor
for o subgrupo dos comutadores, mais G estara´ pro´ximo a ser abeliano.
Afirmamos tambe´m que [G,G]CG. Seja α ∈ [G,G], digamos
α = α1 · · ·αr,
onde para todo i,
αi = xiyix
−1
i y
−1
i ou α
−1
i = xiyix
−1
i y
−1
i ,
para xiyi ∈ G. A u´ltima igualdade se reescreve como αi = yixiy−1i x−1i . Seja z ∈ G,
enta˜o
zyz−1 = zα1z−1 · · · zαrz−1
e observe que para cada i temos
zαiz
−1 = zxiyix−1i y
−1
i z
−1 ∈ {xyx−1y−1 |x, y ∈ G} ou
zαiz
−1 = zyixiy−1i x
−1
i z
−1 ∈ {xyx−1y−1 |x, y ∈ G}.
10.10. HOMOMORFISMO DE GRUPOS 63
Observac¸a˜o 10.9. Observe tambe´m que G/[G,G] e´ um grupo abeliano. Ale´m
disto, se H C G for tal que G/H e´ abeliano, enta˜o H conte´m [G,G]. De fato, se
dados x, y ∈ G temos xyH = xHyH = yHxH = yxH, enta˜o existe α ∈ H tal que
x−1y−1xy ∈ H. Consequentemente, todo elemento de [G,G] esta´ contido em H.
10.10. Homomorfismo de grupos
Sejam G e G dois grupos. O objetivo e´ compara´-los e verificar que suas estru-
turas sa˜o as mesmas.
Definic¸a˜o 10.11. Um homomorfismo de grupos e´ uma func¸a˜o f : G → G tal
que f(xy) = f(x)f(y).
Observac¸a˜o 10.12. (a) Seja 1G o elemento neutro de G e 1G o elemento
neutro de G. Enta˜o f(1G) = 1G . De fato, f(1G) = f(1G1G) = f(1G)
f(1G), logo f(1G) = 1G .
(b) Para todo x ∈ G temos que f(x−1) = f(x)−1. De fato, f(x)f(x−1) =
f(xx−1) = f(1G) = 1G e f(x−1)f(x) = f(x−1x) = f(1G) = 1G .
Exemplo 10.13. (1) Seja G = G = Z, n ≥ 1 inteiro e f : Z→ Z definida
por f(x) = nx. f e´ um homomorfismo. De fato, f(x + y) = n(x + y) =
nx+ ny = f(x) + f(y).
(2) Seja G um grupo e H um subgrupo normal de G e f : G → G/H de-
finida por f(x) = xH e´ um homomorfismo. De fato, f(xy) = (xy)H =
(xH)(yH) = f(x)f(y), por definic¸a˜o de produto de classes.
(3) Seja G um grupo e fixemos a ∈ G. Consideremos a func¸a˜o Ia : G → G
definida por Ia(x) = axa−1. Esta func¸a˜o e´ um homomorfismo. De fato,
Ia(xy) = a(xy)a−1 = (axa−1)(aya−1) = Ia(x)Ia(y).
A partir de agora deixaremos ao cargo do leitor identificar quando a unidade
referida por 1 esta´ em G ou em G.
Proposic¸a˜o 10.14. Seja f : G→ G um homomorfismo de grupos e
ker(f) := {x ∈ G | f(x) = 1}
o nu´cleo de f .
(i) ker(f)CG.
(ii) f e´ injetiva se e somente se ker(f) = {1}.
(iii) f(G) e´ um subgrupo de H.
(iv) f−1(f(H)) = H ker(f).
(v) Seja H < G tal que f−1(H) ⊃ ker(f). Enta˜o f(f−1(H)) = H ∩ f(G).
(vi) Se x ∈ G e´ tal que o(x) <∞ enta˜o o(f(x)) <∞ e o(f(x)) | o(x).
(vii) Se H CG, enta˜o f(H)C f(G). Se HC f(G), enta˜o f−1(H)CG.
Demonstrac¸a˜o. (i) Seja a ∈ G e x ∈ ker(f), enta˜o f(axa−1) = f(a)f(x)
f(a−1) = f(a)f(a)−1 = 1, i.e., axa−1 ∈ ker(f).
(ii) Suponha que f seja injetiva e x ∈ ker(f). Logo f(x) = 1 = f(1), i.e., x = 1.
Reciprocamente, se ker(f) = {1} e se f(x) = f(y), enta˜o f(x)f(y)−1 = f(xy−1) =
1, i.e., xy−1 ∈ ker(f), logo xy−1 = 1, i.e., x = y.
(iii) E´ claro que 1 = f(1) ∈ f(G). Sejam x, y ∈ f(G), i.e., existem a, b ∈ G
tais que x = f(a) e y = f(b). Logo xy = f(a)f(b) = f(ab) ∈ f(G). Se x ∈ f(G),
digamos x = f(a) para a ∈ G, enta˜o x−1 = f(a)−1 = f(a−1) ∈ f(G). �
64 10. TEORIA DE GRUPOS II
Para provar a propriedade (iv) precisamos do seguinte lema.
Lema 10.15. Sejam H e K subgrupos de um grupo G. Definimos
HK := {ab | a ∈ H, b ∈ K}.
Enta˜o HK < G se e somente se HK = KH. Ale´m disto, se H C G ou K C G,
enta˜o HK < G.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que HK < G. Seja α ∈ HK. Enta˜o α−1 ∈ HK,
digamos α−1 = ab. Assim α = (α−1)−1 = b−1a−1 ∈ KH, i.e., HK ⊂ KH. Seja
α ∈ KH, digamos α = ab. Logo α−1 = b−1a−1 ∈ HK. Como HK < G, enta˜o
α = (α−1)−1 ∈ HK, i.e., KH ⊂ HK.
Reciprocamente, suponha que HK = KH. Enta˜o 1 = 1.1 ∈ HK. Se x, y ∈
HK, digamos x = ab e y = cd, enta˜o xy = abcd = ac′b′d ∈ HK, onde bc = c′b′ ∈
HK, uma vez que HK = KH. Se x = ab ∈ HK, enta˜o x−1 = b−1a−1 = a′b′ ∈
HK, pela mesma raza˜o.
Suponha que H C G (o outro caso e´ ana´logo). Seja x = ab ∈ HK. Enta˜o
x = bb−1ab = b(b−1ab) = ba′ ∈ KH, logo HK ⊂ KH. Se x = ab ∈ KH, enta˜o
x = abaa−1 = (aba−1)a = b′a ∈ HK, i.e., KH ⊂ HK. �
Continuac¸a˜o da prova da proposic¸a˜o.(iv) Notemos inicialmente que co-
mo ker(f)CG, H ker(f) < G. Seja a ∈ f−1(f(H)), i.e., f(a) = f(b) ∈ f(H). Logo
f(a)f(b)−1 = f(ab−1) = 1, i.e., ab−1 = c ∈ ker(f), i.e., a = bc = c′b′ ∈ H ker(f).
Reciprocamente, se x = ab ∈ H ker(f), enta˜o f(x) = f(ab) = f(a)f(b) = f(a) ∈
f(H), i.e., x ∈ f−1(f(H)).
(v) Seja x ∈ f(f−1(H)), i.e., x = f(a) para a ∈ f−1(H), i.e., f(a) = y ∈ H.
Portanto, x ∈ H ∩ f(G). Reciprocamente, suponha que x ∈ H ∩ f(G). Logo
x = f(a) ∈ H, i.e., a ∈ f−1(H), logo x ∈ f(f−1(H)).
(vi) Seja d = o(x), logo xd = 1 e f(xd) = f(x)d = f(1) = 1, pelo lema chave,
o(f(x)) | o(x), em particular o(f(x)) <∞.
(vii) Suponha que H CG e sejam a ∈ G e x ∈ H. Logo axa−1 ∈ H. Por outro
lado, f(x) ∈ f(H) e f(a) ∈ f(G) ⊂ G. Assim, f(axa−1) = f(a)f(x)f(a)−1 ∈ f(H).
Suponha que H C f(G). Sejam x ∈ f−1(H) e a ∈ G, i.e., f(x) = y ∈ H. Como
H C f(G), enta˜o f(a)yf(a)−1 ∈ H, mas f(a)yf(a)−1 = f(axa−1), i.e., axa−1 ∈
f−1(H). �
Definic¸a˜o 10.16. Seja f : G→ G um homomorfismo de grupos. Se f e´ bijetivo
dizemos que f e´ um isomorfismo de grupos.
Teorema 10.17 (teorema do isomorfismo de grupos). Seja f : G → G um
homomorfismo de grupo. Enta˜o f induz um isomorfismo de grupos ϕ : G/ ker(f)→
f(G) definido por
ϕ(x ker(f)) := f(x).
Ale´m disto existe uma bijec¸a˜o entre os seguintes conjuntos
{H < G |H ⊃ ker(f)} e {H < f(G)}.
Demonstrac¸a˜o. Notemos inicialmente que ϕ esta´ bem definido. De fato, se
x = ya para a ∈ ker(f), enta˜o ϕ(x ker(f)) = f(x) = f(ya) = f(y)f(a) = f(y) =
ϕ(y ker(f)). Ale´m disto, pela sua pro´pria definic¸a˜o ϕ e´ sobrejetivo. Quanto a
10.10. HOMOMORFISMO DE GRUPOS 65
injetividade, se ϕ(x ker(f)) = ϕ(y ker(f)), enta˜o f(x) = f(y), i.e., f(x)f(y)−1 =
f(xy−1) = 1, i.e., xy−1 ∈ ker(f), logo x ker(f) = y ker(f).
A bijec¸a˜o entre os dois conjuntos e´ dada pelas func¸o˜es ψ1 : H 7→ f(H) e
ψ2 : H 7→ f−1(H). De fato, ψ2 ◦ψ1(H) = ψ2(f(H)) = f−1(f(H)) = H ker(f) = H,
pois H ⊃ ker(f). Reciprocamente, ψ1 ◦ ψ2(H) = ψ1(f−1(H)) = f(f−1(H)) =
H ∩ f(G) = H, pois H < f(G). �
Corola´rio 10.18. Seja f : G → G um homomorfismo de grupos e H < G.
Enta˜o existe um isomorfismo de grupos
ψ :
H
(H ∩ ker(f)) → f(H) dado por ψ(x(H ∩ ker(f))) := f(x).
Demonstrac¸a˜o. E´ imediato verificar que ker(f) ∩ H C H. Logo o grupo
quociente faz sentido. A func¸a˜o ψ esta´ bem definida, pois se x = ya para a ∈ H ∩
ker(f), enta˜o ψ(x(ker(f) ∩H)) = f(x) = f(ya) = f(y)f(a) = f(y) = ψ(y(ker(f) ∩
H)). Por definic¸a˜o ψ e´ sobrejetiva. Se ψ(x(ker(f)∩H)) = ψ(y(ker(f)∩H)), enta˜o
f(x) = f(y), i.e., f(xy−1) = f(x)f(y)−1 = 1, i.e., xy−1 ∈ ker(f) ∩H. �
Proposic¸a˜o 10.19. Seja H CG e
f : G→ G
H
o homomorfismo quociente f(x) := xH.
Existe uma bijec¸a˜o entre os conjuntos
{K CG |K ⊃ H} e {HCG/H}.
Demonstrac¸a˜o. Definimos as func¸o˜es que da˜o a bijec¸a˜o por ψ1 : K 7→ K/H
e ψ2 : H 7→ f−1(H). De fato, ψ2◦ψ1(K) = ψ2(K/H) = f−1(K/H) = f−1(f(K)) =
K ker(f) = KH = K, pois K ⊃ H e ψ1 ◦ ψ2(H) = ψ1(f−1(H)) = f(f−1(H)) =
H ∩ f(G) = H ∩G/H = H. �
Proposic¸a˜o 10.20. Sejam G um grupo, H C G e K < G. Enta˜o existe um
isomorfismo de grupos
ϕ :
K
(K ∩H) →
KH
H
.
Demonstrac¸a˜o. Seja f : K → KH/H o homomorfismo quociente f(x) :=
xH. Afirmamos que f e´ sobrejetivo. De fato, se abH ∈ KH/H, enta˜o abH =
aH = f(a). Afirmamos tambe´m que ker(f) = H ∩K. De fato, se a ∈ ker(f), enta˜o
f(a) = aH ∈ H, i.e., a ∈ H ∩ K. Portanto, o resultado e´ uma consequ¨eˆncia do
teorema do isomorfismo. �
Proposic¸a˜o 10.21. Sejam K < H < G grupos com H C G e K C G (em
particular K CH). Enta˜o existe um isomorfismo de grupos
ϕ :
G/K
H/K
→ G
H
.
Demonstrac¸a˜o. Seja f : G/K → G/H definida por f(xK) := xH. Obser-
vemos que f esta´ bem definida. Seja x = ya para a ∈ K. Enta˜o f(xK) = xH =
(ya)H = (yH)(aH) = yH, pois a ∈ K ⊂ H. ker(f) = {xK |xH = H} = {xK |x ∈
H} = H/K. f e´ sobrejetiva por definic¸a˜o. Assim o resultado segue do teorema do
isomorfismo. �
66 10. TEORIA DE GRUPOS II
Definic¸a˜o 10.22. Seja G um grupo. Um homomorfismo de grupos f : G→ G
e´ chamado um endomorfismo de grupos e denotamos por End(G) o conjunto dos
endomorfismos de G que e´ um mono´ide com respeito a` composic¸a˜o de func¸o˜es. Um
mono´ide tem todas as propriedades de grupo exceto a existeˆncia do inverso. Se f
for bijetivo enta˜o dizemos que f e´ um automorfismo de G e denotamos por Aut(G)
o conjunto dos automorfismos de G. Este e´ um grupo com respeito a` composic¸a˜o
de func¸o˜es.
Observac¸a˜o 10.23. Para todo a ∈ G, Ia : G→ G definida por Ia(x) := axa−1
e´ um automorfismo de G chamado um automorfismo interno de G. O conjunto
G := {Ia | a ∈ G} dos automorfismos internos de G tambe´m e´ um grupo com
respeito a` composic¸a˜o de func¸o˜es. Fica como exerc´ıcio mostrar que I(G)CAut(G).
Definic¸a˜o 10.24. Seja G um grupo e H < G. Dizemos que H e´ um subgrupo
caracter´ıstico de G se para todo σ ∈ Aut(G) temos σ(H) ⊂ H, i.e., para todo
x ∈ H, σ(x) ∈ H.
Observac¸a˜o 10.25. Notemos que se H for subgrupo caracter´ıstico de G, enta˜o
H CG, pois a u´ltima afirmativa equivale a dizer que Ia(H) ⊂ H para todo a ∈ H.
Proposic¸a˜o 10.26. Se K for subgrupo caracter´ıstico de H e H C G, enta˜o
K CG.
Demonstrac¸a˜o. Queremos mostrar que para todo a ∈ G, Ia(K) ⊂ K. A
restric¸a˜o de Ia a H nos da´ uma func¸a˜o Ja : H → G definida por Ja(x) := axa−1.
Por hipo´tese H C G, logo axa−1 ∈ H e Ja ∈ Aut(H) (na˜o podemos garantir que
Ja ∈ I(H), pois na˜o necessariamente a ∈ H). Por hipo´tese, K e´ caracter´ıstico em
H, logo Ja(K) = Ia|H(K) = K. �
10.27. Produtos de grupos
10.27.1. Produto direto. Sejam G1, · · · , Gn grupos. Definimos no produto
cartesiano G1 × . . .×Gn uma estrutura de grupo da seguinte forma:
(x1, · · · , xn).(y1, · · · , yn) := (x1y1, · · · , xnyn).
E´ fa´cil verificar que esta operac¸a˜o e´ associativa, o elemento neutro e´ (1, · · · , 1) e o
inverso de (x1, · · · , xn) e´ (x−11 , · · · , x−1n ). Assim o conjunto G1 × . . .×Gn passa a
ter uma estrutura de grupo e e´ chamado o produto direto dos grupos G1, · · · , Gn e
e´ denotado por G1 ⊕ . . .⊕Gn.
Teorema 10.28. Sejam G,G1, · · · , Gn grupos. Enta˜o G ∼= G1 ⊕ . . . ⊕ Gn se
e somente se existem subgrupos H1, · · · , Hn de G tais que para todo i, Hi ∼= Gi, e
ale´m disto
(1) G = H1 . . . Hn.
(2) Hi C G para todo i = 1, · · · , n.
(3) Hi ∩ (H1 . . . Hi1Hi+1 . . . Hn) = {1} para todo i = 1, · · · , n.
Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que exista um isomorfismo ϕ : G→ G1⊕ . . .⊕
Gn. Seja
Hi := ϕ
−1({1} × . . .×Gi × . . . {1}).
Definimos a seguinte func¸a˜o
ϕi : Hi → Gi dada por ϕi(xi) := yi,
10.27. PRODUTOS DE GRUPOS 67
onde xi = ϕ((1, · · · , yi, · · · , 1)). Esta func¸a˜o e´ um isomorfismo de grupos. De fato,
se zi = ϕ
−1((1, · · · , wi, · · · , 1)), enta˜o
ϕi(xizi) = yiwi = ϕi(xi)ϕi(yi),
pois xizi = ϕ
−1((1, · · · , ziwi, · · · , 1)). Ale´m disto ϕi e´ injetiva, pois se yi = 1, enta˜o
xi = 1. Finalmente e´ sobrejetiva pois para todo yi ∈ Gi, xi = ϕ−1((1, · · · , yi, · · · ,
1)) e ϕi(xi) = yi.
(1) Dado x ∈ G seja ϕ(x) := (x1, · · · , xn). Enta˜o ϕ(x) = (x1, · · · , 1). . . . .(1, · · ·
, xn). Seja yi = ϕ
−1((1, · · · , xi, · · · , 1)), enta˜o x = y1 . . . yn, onde yi ∈ Hi para todo
i = 1, · · · , n.
(2) Seja x ∈ G e yi ∈ Hi temos que provar que xyix−1 ∈ Hi. Calculemos
ϕ(xyix
−1) = ϕ(x)ϕ(yi)ϕ(x)−1 = (x1, · · · , xn).(1, · · · , zi, · · · , 1).(x−11 , · · · , x−1n )
= (x1x
−1
1 , · · · , xizix−1i , · · · , xnx−1n ) = (1, · · · , xizix−1i , · · · , 1).
Portanto, xyix
−1 = ϕ−1((1, · · · , xizix−1i , · · · , 1)) ∈ Hi.
(3) Seja xi ∈ Hi ∩ (H1 . . . Hi−1Hi+1 . . . Hn). Assim, por um lado xi = ϕ−1((1,
· · · , yi, · · · , 1)) e por outro lado xi = ϕ−1((z1, · · · , zi−1, 1, zi+1, · · · , zn)). Como ϕ
e´ um isomorfismo concluimos que zj = 1 para todo j e que yi = 1, portanto xi = 1.
Reciprocamente, suponhamos que as 3 condic¸o˜es acima sejam satisfeitas. Para
provar a rec´ıproca utilizaremos o ı´tem 2 do lema seguinte.Afirmamos que G ∼=
H1 ⊕ . . .⊕Hn. De fato, consideremos a func¸a˜o
ψ : G→ H1 ⊕ . . .⊕Hn dada por ψ(x) = ψ(x1 . . . xn) := (x1, · · · , xn).
Esta func¸a˜o e´ um isomorfismo. Observe que pelo lema abaixo
ψ(xy) = ψ(x1 . . . xny1 . . . yn) = ψ(x1y1x2 . . . xny2 . . . yn) = · · · = ψ(x1y1 . . . xnyn)
= (x1y1, · · · , xnyn) = (x1, · · · , xn).(y1, · · · , yn) = ψ(x)ψ(y).
Se ψ(x) = (1, · · · , 1), enta˜o x = 1 . . . 1 = 1, logo ψ e´ injetiva. Para todo (x1, · · · , xn)
∈ H1⊕. . .⊕Hn se x = x1 · · ·xn temos que ψ(x) = (x1, · · · , xn), logo ψ e´ sobrejetiva.
�
Lema 10.29. As 3 condic¸o˜es acima sa˜o equivalentes a`s seguintes duas condi-
c¸o˜es:
(a) Para todo x ∈ G existem u´nicos xi ∈ Hi para i = 1, · · · , n tais que
x = x1 . . . xn.
(b) Para todo i 6= j, x ∈ Hi e y ∈ Hj, xy = yx.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que as 3 condic¸o˜es anteriores sejam satisfeitas. As-
sim para todo x ∈ G podemos escrever x = x1 . . . xn. Suponhamos que x =
y1 . . . yn, enta˜o
y−11 x1 = y2 . . . ynx
−1
n . . . x
−1
2 .
Como Hi C G temos que para todo x ∈ G, xHi = Hix, i.e., dado αi ∈ Hi temos
que xαi = βix para algum βi ∈ Hi. Logo
(ynx
−1
n )x
−1
n−1 = zn−1(ynx
−1
n )
para algum zn−1 ∈ Hn−1. Repetindo o argumento concluimos que
y−11 x1 = y2 . . . ynx
−1
n . . . x
−1
2 = z2 . . . zn−1(ynx
−1
n ) ∈ H2 . . . Hn ∩H1 = {1},
portanto x1 = y1. Pelo mesmo argumento xi = yi para todo i = 2, · · · , n.
68 10. TEORIA DE GRUPOS II
Como Hi, Hj C G temos que xyx−1 ∈ Hj , logo xyx−1y−1 ∈ Hj e yx−1y−1 ∈
Hi, logo xyx
−1y−1 ∈ Hi, portanto xy = yx, ja´ que
Hi ∩Hj ⊂ Hi ∩ (H1 . . . Hi−1Hi+1 . . . Hn) = {1}.
Reciprocamente, suponha as duas u´ltimas condic¸o˜es satisfeitas. A primeira
condic¸a˜o do teorema segue automaticamente de (a). Seja x = x1 . . . xn ∈ G, yi ∈ Hi
e zi = xiyix
−1
i . Enta˜o, por (b),
xyix
−1 = x1 . . . xnyix−1n . . . x
−1
1 = x1 . . . xn−1yix
−1
n−1 . . . x1 = · · ·
= x1 . . . xiyix
−1
i . . . x
−1
1 = x1 . . . xi−2zix
−1
i−2 . . . x
−1
1 = · · · = zi ∈ Hi.
Finalmente, se xi ∈ Hi ∩ (H1 . . . Hi−1Hi+1 . . . Hn, pela unicidade de (a) temos que
xi = 1. �
10.29.1. Produtos semi-diretos de grupos. Na sec¸a˜o anterior dados dois
grupos H e K construimos o produto direto H ⊕K com a operac¸a˜o componente
a componente. Nesta sec¸a˜o modificaremos levemente o procedimento. Lembre
que Aut(K) (o conjunto dos automorfismos de K) e´ um grupo com respeito a
composic¸a˜o de automorfismos. Suponhamos que seja dado um homomorfismo de
grupo σ : H → Aut(K). Definimos no produto cartesianoH×K uma nova operac¸a˜o
da seguinte forma:
(x, y)�σ (z, w) := (xz, yσ(x)(w)),
note que σ(x) : K → K e´ um automorfismo de K, logo σ(x)(w) ∈ K.
Afirmamos que H × K com a operac¸a˜o �σ e´ um grupo, chamado o produto
semi-direto de H e K com respeito a σ e denotado por H nσ K. De fato,
((x1, y1)�σ (x2, y2))�σ (x3, y3) = (x1x2, y1σ(x1)(y2))�σ (x3, y3)
= ((x1x2)x3, (y1σ(x1)(y2))σ(x1x2)(y3))
= (x1(x2x3), (y1σ(x1)(y2))(σ(x1)(σ(x2)(y3))))
= (x1(x2x3), y1σ(x1)(y2σ(x2)(y3)))
= (x1, y1)�σ (x2x3, y2σ(x2)(y3))
= (x1, y1)�σ ((x2, y2)�σ (x3, y3)).
O elemento neutro e´ (1, 1). De fato,
(1, 1)�σ (x, y) = (x, σ(1)(y)) = (x, y) e
(x, y)�σ (1, 1) = (x, yσ(x)(1)) = (x, y).
O inverso de (x, y) e´ (x−1, σ(x−1)(y−1)). De fato,
(x, y)� (x−1, σ(x−1)(y−1)) = (1, yσ(x)(σ(x−1)(y−1))) = (1, yy−1) = (1, 1) e
(x−1, σ(x−1)(y−1))�σ (x, y) = (1, σ(x−1)(y−1)σ(x−1)(y))
= (1, σ(x−1)(y−1y)) = (1, σ(x−1)(1)) = (1, 1).
Proposic¸a˜o 10.30.
(a) (x, y)n = (xn,
n−1∏
i=0
σ(xi)(y)).
Consequ¨entemente, (x, 1)n = (xn, 1) e (1, y)n = (1, yn).
(b) (1, y)�σ (x, 1) = (x, y).
10.27. PRODUTOS DE GRUPOS 69
(c) {1}nσ K C H nσ K.
(d) H nσ {1} ⊂ H nσ K e´ um subgrupo. Este subgrupo e´ normal, se σ = id.
Demonstrac¸a˜o. (a) Vamos provar por induc¸a˜o. Para n = 2,
(x, y)�σ (x, y) = (x2, yσ(x)(y)).
Suponha que o resultado vale para n. Enta˜o
(x, y)n+1 = (x, y)n �σ (x, y) = (xn,
n−1∏
i=0
σ(xi)(y))�σ (x, y))
= (xn+1,
n−1∏
i=0
σ(xi)(y)σ(xn)(y)) = (xn+1,
n∏
i=0
σ(xi)(y)).
(2) Segue da definic¸a˜o.
(3) Primeiro verifiquemos que {1}nσ K e´ de fato um subgrupo de H nσ K. E´
claro que (1, 1) ∈ {1}nσ K. Se (1, x), (1, y) ∈ {1}nσ K, enta˜o
(1, x)�σ (1, y) = (1, xσ(1)(y)) = (1, xy) ∈ {1}nσ K.
Ale´m disto
(1, x)−1 = (1, σ(1)(x−1)) = (1, x−1) ∈ {1}nσ K.
Dado (x, y) ∈ H nσ K e (1, z) ∈ {1}nσ K, enta˜o
(x, y)�σ (1, z)�σ (x, y)−1 = (x, yσ(x)(z))�σ (x−1, σ(x−1)(y−1))
= (1, yσ(x)(z)σ(x)(σ(x−1(y−1))))
= (1, yσ(x)(zσ(x−1(y−1)))) ∈ {1}nσ K.
(4) E´ claro que (1, 1) ∈ H nσ {1}. Se (x, 1), (y, 1) ∈ H nσ {1}, enta˜o
(x, 1)�σ (y, 1) = (xy, σ(x)(1)) = (xy, 1) ∈ H nσ {1}.
Ale´m disto
(x, 1)−1 = (x−1, σ(x−1)(1)) = (x−1, 1) ∈ H nσ {1}.
�
Exemplo 10.31. Lembremos que S3 = {1, α, α2, β, αβ, α2β} e´ caracterizado
por o(α) = 3, o(β) = 2 e βα = α2β, i.e., βαβ−1 = α2. Neste caso K = 〈α〉 =
{1, α, α2} e H = 〈β〉 = {1, β}. Isto permite-nos definir o seguinte homomorfismo
σ : H → AutK por σ(β)(α) := α2
(verifique que isto e´ um homorfismo de grupo). Seja a = (1, α) e b = (β, 1).
Verifiquemos que estes satisfazem a` descric¸a˜o de S3, portanto H nσ K ∼= S3. De
fato,
a3 = (1, α3) = (1, 1),
b2 = (β2, 1) = (1, 1) e
ba = (β, 1)� (1, α) = (β, σ(β)(α)) = (β, α2) e
a2b = (1, α2)�σ (β, 1) = (β.α2σ(1)(1)) = (β, α2) = ba.
70 10. TEORIA DE GRUPOS II
Lema 10.32. Seja H = 〈α〉 um grupo c´ıclico de ordem n, K = 〈β〉 um grupo
c´ıclico de ordem m. Enta˜o existem bijec¸o˜es
Hom(K,Aut(H))→ {τ ∈ Aut(H) | o(τ) | m}
σ 7→ σ(β)
e
{τ ∈ Aut(H) | o(τ) | m} → {1 ≤ s ≤ n− 1 | sm ≡ 1 (mod n)}
τ 7→ s, onde τ(α) = αs.
Demonstrac¸a˜o. Note que a primeira func¸a˜o esta´ de fato bem definida, pois
σ(β)m = σ(βm) = σ(1) = id. E´ injetiva pois 2 automorfismos calculados no
gerador β de H sa˜o necessariamente iguais. Se τ ∈ Aut(H) satisfaz o(τ) | m, enta˜o
τ(α)m = τ(αm) = 1, logo αm = 1, pelo lema chave o(α) = n | m, logo existe um
homomorfismo σ : K → Aut(H) tal que σ(β) = τ .
Para a segunda, basta observar que Aut(H)→ (Z/nZ)∗ dada por τ 7→ s, onde
τ(α) = αs e´ um isomorfismo de grupos. Neste isomorfismo o(τ) | m se e somente
se sm ≡ 1 (mod n). �
Como consequ¨eˆncia deste lema temos que se existem inteirosm,n, s ≥ 0 tais que
sm ≡ 1 (mod n), enta˜o existe um grupo G com #G = nm, G = 〈α, β〉, o(α) = n,
o(β) = m e βαβ−1 = αs. De fato, da condic¸a˜o nume´rica e do lema sabemos que o
automorfismo τ : 〈α〉 → 〈α〉 por τ(α) = αs tem ordem o(τ) | m. Logo existe um
homomorfismo σ : 〈β〉 → Aut(〈α〉). Basta tomar o produto semi-direto 〈β〉nσ 〈α〉
para obter um tal G.
Para mais tipos de produtos de grupos veja [Go, chapter 2].
10.33. Grupos metac´ıclicos
O objetivo desta sec¸a˜o e´ descrever grupos metac´ıclicos que generalizam o D4 e
S3.
Teorema 10.34. Seja G um grupo finito, s ≥ 1 inteiro, a, b ∈ G tais que
ba = asb (i.e., Ib(a) = as). Seja G um grupo e α, β ∈ G. Sejam m,n ≥ 1 inteiros
tais que an = 1 e bm ∈ 〈a〉.
(1) Para todo s, t ≥ 1 temos
btar = ars
t
bt.
Em particular,
〈a, b〉 = {aibj | 0 ≤ i ≤ n− 1, 0 ≤ j ≤ m− 1}.
Ale´m disto, se m e n forem escolhidos mı´nimos para esta propriedade,
temos que #〈a, b〉 = mn.
(2) Supondo m e n mı´nimos, seja u ≥ 0 tal que bm = au. Enta˜o existe um
homomorfismo f : 〈a, b〉 → G tal que f(a) = α e f(b) = β se e somente se
βα = αsβ, αn = 1 e βm = αu.
Demonstrac¸a˜o. (1) Vamos provar por induc¸a˜o. Vamos supor primeiro que
r = 0 e provar que Ibt(ar) = arst . Se t = 1, enta˜o ja´ sabemos que Ib(a) = as.
Suponhamos que isto valha para t− 1. Enta˜o
Ibt(ar) = Ib ◦ Ibt−1(ar) = Ib(ars
t−1
) = Ib(a)rst−1 = (as)rst−1 = arst .
10.33. GRUPOS METACI´CLICOS 71
Por definic¸a˜o, 〈a, b〉 e´ formado por produtos de elementos que sa˜o iguais a a (ou
a−1) e b (ou b−1). Utilizando o resultado acima, podemos sempre colocar a poteˆncia
de a em primeiro lugar e escrever aibj para i, j ∈ Z. Ale´m disto, pelas hipo´teses
sobrem e n obtemos que basta tomar 0 ≤ i ≤ n− 1 e 0 ≤ j ≤ m− 1. Observemos
tambe´m que se m e n forem mı´nimos enta˜o os elementos de
〈a, b〉 = {aibj | 0 ≤ i ≤ n− 1, 0 ≤ j ≤ m− 1}
sa˜o todos distintos, portanto sua ordem e´ mn. De fato, se aibj = akbl, enta˜o
ai−k = bl−j ∈ 〈a〉, digamos que l ≥ j. Neste caso, l− j < m, logo l = j e ai−k = 1,
bem como ak−i. Tomando o expoente positivo dentre os 2 e notando que este
expoente e´ menor que n concluimos que i = k.
(2) E´ claro que
αn = f(a)n = f(an) = f(1) = 1,
βm = f(b)m = f(bm) = f(au) = f(a)u = αu e que
βα = f(b)f(a) = f(ba) = f(asb) = f(a)sf(b) = αsβ.
Para verificar a rec´ıproca basta definir
f : 〈a, b〉 → G por f(aibj) := αiβj
e provar que isto realmente e´ um homomorfismo. De fato,
f(aibjakbl) = f(aiaks
j
bjbl) = f(ai+ks
j
bj+l) = αi+ks
j
βj+l
= αi(αks
j
βj)βl = αiβjαkβl = f(aibj)f(akbl).
�
Teorema 10.35. Sejam m,n, s, u ≥ 0 inteiros. Existe um grupo G de ordem
nm e a, b ∈ G tais que G = 〈a, b〉, an = 1, bm = au e ba = asb se e somente se
sm ≡ 1 (mod n) e u(s− 1) ≡ 0 (mod n).
Demonstrac¸a˜o. Note que pelo teorema anterior, bma = as
m
bm. Mas, bm =
au, logo bma = abm = as
m
bm, em particular as
m−1 = 1 e pelo lema chave, n |
(sm − 1). De novo pelo teorema anterior, bau = ausb. Mas au = bm, logo bau =
aub = ausb, i.e., au(s−1) = 1, assim n | (u(s− 1)). A rec´ıproca segue da construc¸a˜o
do final da sec¸a˜o anterior. �
Proposic¸a˜o 10.36. Sejam m,n, s, u ≥ 0 inteiros, G um grupo de ordem nm.
Suponha que existam a, b ∈ G tais que G = 〈a, b〉, ba = asb, an = 1 e bm = au.
Enta˜o a func¸a˜o
Aut(G)→ {(α, β) ∈ G×G |G = 〈α, β〉, βα = αsβ, αn = 1, βm = αu}
f 7→ (f(a), f(b))
e´ bijetiva.
Demonstrac¸a˜o. Segue do primeiro teorema que f(a) e f(b) satisfazem as
condic¸ o˜es do conjundo do lado direito. A func¸a˜o e´ injetiva, pois a e b geram G,
assim um homomorfismo fica unicamente determinado pelo seu valor nos geradores.
Novamente o primeiro teorema mostra que a func¸a˜o e´ sobrejetiva. �
72 10. TEORIA DE GRUPOS II
10.37. Classificac¸a˜o de grupos de ordem ≤ 11
Comecemos observando que todo grupo c´ıclico de ordem n e´ isomorfo a Z/nZ.
De fato, se G e´ c´ıclico de ordem n significa que G = {1, a, · · · , an−1} para algum
gerador a de G. Consideremos a func¸a˜o f : G → Z/nZ definida por f(a) = 1.
Exerc´ıcio: verifique que esta func¸a˜o e´ um isomorfismo de grupos.
10.37.1. Grupos de ordem : 2,3,5,7,11. Estes nu´meros sa˜o primos, logo
(pelo teoream de Lagrange) todo a ∈ G − {1} tem ordem p, portanto G e´ c´ıclico,
i.e., G ∼= Z/nZ.
10.37.2. Grupos de ordem 4. Se existe a ∈ G tal que o(a) = 4, enta˜o G e´
c´ıclico. Logo G ∼= Z/4Z.
Suponhamos que para todo a ∈ G− {1}, o(a) = 2 (que e´ a u´nica possibilidade
pelo teorema de Lagrange). Portanto G e´ um grupo abeliano. Seja a ∈ G − {1} e
b ∈ G − 〈a〉. Assim, G = {1, a, b, ab}. Neste caso a func¸a˜o f : G → Z/2Z × Z/2Z
definida por f(1) = (0, 0), f(a) = (1, 0), f(b) = (0, 1) e f(ab) = (1, 1) e´ um
isomorfismo de grupos.
10.37.3. Grupos de ordem 6. Se existe a ∈ G tal que o(a) = 6, enta˜o G e´
c´ıclico e G ∼= Z/6Z.
Suponhamos que na˜o exista a ∈ G tal que o(a) = 6. Pelo teorema de Lagrange,
para todo a 6= 1 as possibilidades para a sua ordem sa˜o 2 e 3.
Lema 10.38. Existe a ∈ G tal que o(a) = 3.
Demonstrac¸a˜o. De fato, suponhamos que para todo a ∈ G− {1} tenhamos
o(a) = 2. Seja a ∈ G − {1} e b ∈ G − 〈a〉. Neste caso, 〈a, b〉 e´ um subgrupo de G
de ordem 4, o que contradiz o teorema de Lagrange. �
Lema 10.39. Existe b ∈ G tal que o(b) = 2.
Demonstrac¸a˜o. De fato, suponhamos que para todo b ∈ G − {1} tenhamos
o(b) = 3. Seja a ∈ G tal que o(a) = 3 e b ∈ G − 〈a〉. O subgrupo 〈a, b〉 de G tem
ordem 9, o que novamente contradiz o teorema de Lagrange. �
Utilizando os valores das ordens de a e b vemos que G = {1, a, a2, b, ab, a2b} e
que ba 6= 1, a, a2, b. Assim, ba = ab ou a2b. No primeiro caso, G e´ abeliano e a
func¸a˜o f : G → Z/3Z × Z/2Z definida por f(1) = (0, 1), f(a) = (1, 0), f(a2) =
(2, 0), f(b) = (0, 1), f(ab) = (1, 1), f(a2b) = (2, 1) e´ um isomorfismo de grupos.
Mas pelo teorema chineˆs dos restos, Z/3Z×Z/2Z ∼= Z/6Z, assim descartamos este
caso. O caso em que ba = a2b e´ exatamente o caso em que G ∼= S3.
10.39.1. Grupos de ordem 8. Se existe a ∈ G tal que o(a) = 8 enta˜o G e´
c´ıclico e G ∼= Z/8Z.
Suponha que para todo a ∈ G − {1}, o(a) = 2. Neste caso G e´ abeliano. Seja
a ∈ G tal que o(a) = 2, seja b ∈ G − 〈a〉 e c ∈ G − 〈a, b〉. Note que o subgrupo
〈a, b, c〉 = {1, a, b, c, ab, ac, bc, abc} tem ordem 8, logo G = 〈a, b, c〉. Observe tambe´m
que f : G → Z/2Z × Z/2Z × Z/2Z definida por f(1) = (0, 0, 0), f(a) = (1, 0, 0),
f(b) = (0, 1, 0), f(c) = (0, 0, 1), f(ab) = (1, 1, 0), f(ac) = (1, 0, 1), f(bc) = (0, 1, 1)
e f(abc) = (1, 1, 1) e´ um isomorfismo de grupos.
Assim, suponha que exista a ∈ G tal que o(a) = 4. Seja b ∈ G − 〈a〉. Note
que 〈a, b〉 = {1, a, a2, a3, b, ab, a2b, a3b} e que estes elementos sa˜o distintos, portanto
10.37. CLASSIFICAC¸A˜O DE GRUPOS DE ORDEM ≤ 11 73
G = 〈a, b〉. Observe tambe´m que como (G : 〈a〉 = 8/4 = 2, enta˜o (b〈a〉)2 = 〈a〉, i.e.,
b2〈a〉. Observe tambe´m que trivialmente b2 6= b, ab, a2b, a3b e ba 6= 1, a, a2, a3, b.
Pelo segundo teorema as u´nicas possibilidades para u e s tais que b2 = au e ba = asb
sa˜o u = 0 ou 2 e s = 1 ou 3.
Se u = 0 e s = 1, temos que ba = ab e o(b) = 2. O grupo G e´ abeliano. A func¸a˜o
f : G → Z/4Z × Z/2Z definida por f(1) = (0, 0), f(a) = (1, 0), f(a2) = (2, 0),
f(a3) = (3, 0), f(b) = (0, 1), f(ab) = (1, 1), f(a2b) = (2, 1) e f(a3b) = (3, 1) e´ um
isomorfismo de grupos.
Se u = 0 e s = 3, temos que ba = a3b e o(b) = 2, neste caso G ∼= D4.
Se u = 2 e s = 0, temos que ba = ab e b2 = a2. O grupo G e´ abeliano. A func¸a˜o
f : G → Z/4Z × Z/2Z definida por f(1) = (0, 0), f(a) = (1, 0), f(a2) = (2, 0),
f(a3) = (3, 0), f(ab) = (0, 1), f(b) = (3, 1), f(a2b) = (1, 1) e f(a3b) = (2, 1) e´ um
isomorfismo de grupos.
Finalmente, se u = 2 e s = 3, temos que ba = a3b e b2 = a2. Neste caso G e´
isomorfo ao grupo Q dos quaternions descrito da seguinte forma. Q e´ um subgrupo
das matrizes 2×2 com entradas complexas e determinante na˜o nulo. Ele e´ definido
por {
±
(
1 0
0 1
)
,±
(
i 0
0 −i
)
,
(
± 0 1−1 0
)
,±
(
0 i
i 0
)}
.
Basta tomar
a =
(
i 0
0 −i
)
e b =
(
0 1
−1 0
)
.
10.39.2. Grupos de ordem 9. Se existe a ∈ G tal que o(a) = 9, enta˜o G e´
c´ıclico e G ∼= Z/9Z.
Caso isto na˜o ocorra para todo a ∈ G− {1}, o(a) = 3. Seja b ∈ G− 〈a〉. Note
que o subgrupo 〈a, b〉 = {1, a, a2, b, b2, ab, ab2, a2b, a2b2} de G tem ordem 9, portanto
sendo igual ao pro´prio grupo G. Observe tambe´m que ba 6= 1, a, a2, b, b2. Assim, e
pelo segundo teorema, ba = ab, logo G e´ abeliano. Neste caso G ∼= Z/3Z × Z/3Z
(exerc´ıcio: determine explicitamente o isomorfismo, como nos casos anteriores).
10.39.3. Grupos de ordem 10. Se existe a ∈ G tal que o(a) = 10, G e´
c´ıclico e G ∼= Z/10Z.
Caso contra´rio, como nos casos anteriores existem a, b ∈ G tais que o(a) = 5 e
o(b) = 2 (verifique!). Pelo segundo teorema as u´nicas possibilidades para ba = asb
sa˜o s = 1 ou 4. No primeiro caso, G e´ abeliano e G ∼= Z/5Z × Z/2Z, mas este e´
isomorfo a Z/10Z, assim na˜o consideramos este caso. No outro caso, G ∼= D5, o
grupo diedral de ordem 10.
10.39.4. Grupos diedrais. Estes grupos teˆm ordem 2n, um elemento a de
ordem n e outro elemento b de ordem 2 satisfazendo a ba = an−1b.
CAP´ıTULO 11
Teoremas de Sylow
11.1. Represesentac¸o˜es de grupos
Seja G um grupo finito e S um conjunto finito. Denotamos por Perm(S) o
conjunto das permutac¸o˜es de S, i.e., das func¸o˜es f : S → S bijetivas. Este conjunto
forma um grupo com respeito a` composic¸a˜o de func¸o˜es. Uma representac¸a˜o de G
por permutac¸a˜o e´ um homomorfismo de grupos ρ : G→ Perm(S).
Exemplo 11.2. Tomemos como S o pro´prio grupo G e consideremos para todo
x ∈ G oautomorfismo interno Ix de G definido por Ix(a) := xax−1. Assim defini-
mos a func¸a˜o ρ : G → Aut(G) dada por ρ(x) := Ix. Verifiquemos que esta func¸a˜o
e´ um homomorfismo de grupos. Esta representac¸a˜o e´ chamada a representac¸a˜o de
G por conjugac¸a˜o. De fato, dado a ∈ G temos
ρ(xy)(a) = (xy)a(xy)−1 = xyay−1x−1 = xIy(a)x−1 = Ix(Iy(a)) = (Ix ◦ Iy)(a).
Outra representac¸a˜o com S = G e´ a translac¸a˜o ρ : G → Aut(G) dada por
ρ(x)(a) := xa para todo a ∈ G. De fato, ρ(x) e´ um automorfismo de G (exerc´ıcio)
e
ρ(xy)(a) = xya = xρ(y)(a) = ρ(x)(ρ(y)(a)) = (ρ(x) ◦ ρ(y))(a).
Esta representac¸a˜o de G e´ chamada representac¸a˜o por translac¸a˜o.
Observe que neste u´ltimo caso a func¸a˜o ρ e´ injetiva. De fato se ρ(x) = id,
enta˜o xa = a para todo a ∈ G. Isto significa que x = 1. Como consequ¨eˆncia deste
resultado temos o teorema de Cayley.
Teorema 11.3 (teorema de Cayley). Seja G um grupo de ordem n, enta˜o G e´
isomorfo a um subgrupo do grupo Sn das permutac¸o˜es de n elementos.
Demonstrac¸a˜o. Tome a representac¸a˜o ρ por translac¸a˜o em G e conclua que
G ∼= ρ(G) com ρ(G) subgrupo de Sn. �
Exemplo 11.4. Seja S o conjunto de subgrupos de G e consideremos a func¸a˜o
ρ : G → Perm(S) dada por ρ(x)(H) := xHx−1. Observemos que ρ(x) e´ de fato
uma bijec¸a˜o em S (exerc´ıcio) e que
ρ(xy)(H) = xyHy−1x−1 = xρ(y)(H)x−1 = ρ(x)(ρ(y)(H)) = (ρ(x) ◦ ρ(y))(H).
Observe que como #H = #xHx−1, enta˜o podemos restringir a representac¸a˜o
anterior ao conjunto dos subgrupos H de G com ordem fixada n.
Exemplo 11.5. Seja H um subgrupo de G e S o conjunto das classes laterais
a direita de H em G, i.e., S := {aH ; a ∈ G}. Consideremos a func¸a˜o ρ : G →
Perm(G) dada por ρ(x)(aH) := xaH. De novo fica como exerc´ıcio verificar que
ρ(x) e´ de fato uma permutac¸a˜o de S. Ale´m disto
ρ(xy)(aH) = xy(aH) = xρ(y)(aH) = ρ(x)(ρ(y)(aH)) = (ρ(x) ◦ ρ(y))(aH).
75
76 11. TEOREMAS DE SYLOW
Dada uma representac¸a˜o por permutac¸a˜o ρ : G→ Perm(S) definimos a o´rbita
Oa de um elemento a ∈ S por
Oa := {ρ(x)(a) ; x ∈ G}.
O estabilizador de a e´ definido por
E(a) := {x ∈ G ; ρ(x)(a) = a}.
Observemos que E(a) e´ um subgrupo de G. De fato, 1 ∈ E(a), pois ρ(1) = id e
portanto ρ(1)(a) = a, i.e., ρ(1) ∈ E(a). Se x, y ∈ E(a), enta˜o
ρ(xy)(a) = ρ(x)(ρ(y)(a)) = ρ(x)(a) = a, i.e., xy ∈ E(a).
Finalmente, ρ(x−1) = ρ(x)−1, pois ρ e´ um homomorfismo. Portanto, ρ(x−1)(a) =
ρ(x)−1(a) = a, i.e., x−1 ∈ E(a). Pelo teorema de Lagrange temos que #E(a) divide
#G. E´ menos imediato que o mesmo ocorre com #Oa. Isto segue da proposic¸a˜o
seguinte.
Proposic¸a˜o 11.6. Existe uma bijec¸a˜o
ϕ : Oa → {C.L.D.} dada por ϕ(ρ(x)(a)) := xE(a),
o conjunto do lado direito e´ o conjunto das classes laterais a direita de E(a) em G.
Em particular (novamente pelo teorema de Lagrange), #Oa divide #G.
Demonstrac¸a˜o. Inicialmente, ϕ esta´ bem definida pois se ρ(x)(a) = ρ(y)(a),
enta˜o ρ(xy−1)(a) = a, i.e., xy−1 ∈ E(a), i.e., xE(a) = yE(a). A func¸a˜o e´ injetiva
uma vez que se ϕ(ρ(x)(a)) = ϕ(ρ(y)(a)), i.e., xE(a) = yE(a), enta˜o xy−1 ∈ E(a),
logo ρ(xy−1)(a) = a, i.e., ρ(x)(a) = ρ(y)(a). Finalmente, pela pro´pria definic¸a˜o do
conjunto do lado direito, ϕ e´ sobrejetiva. �
Dada uma representac¸a˜o ρ : G → Perm(S) definimos a seguinte relac¸a˜o de
equivaleˆncia (verifique!) :
a ∼ b se e somente se existe x ∈ G tal que ρ(x)(a) = b.
Em particular, a classe de equivaleˆncia de a nada mais e´ que a sua o´rbita Oa. Ale´m
disto o conjunto S fica escrito como a unia˜o disjunta das o´rbitas Oa.
Comecemos considerando o caso do exemplo 11.2. Neste caso
Oa = {xax−1 ; x ∈ G}
e´ o conjunto dos conjugados de G. Assim,
Oa = {a} se e somente se a ∈ Z(G).
Desta forma obtemos a equac¸a˜o das classes de conjugac¸a˜o
(11.6.1) #G = #Z(G) +
∑
a/∈Z(G)
#Oa.
Ainda neste exemplo, o estabilizador E(a) de a e´ chamado o centralizador de a
dado por
Z(a) = {x ∈ G ; xa = ax}.
No caso do exemplo 11.4, a o´rbita de H e´ dada por
OH = {xHx−1 ; x ∈ G}
11.7. OS TEOREMAS DE SYLOW 77
e´ chamado o conjunto dos conjugados de H e o estabilizador de H e´ chamado o
normalizador de H em G denotado por
NG(H) = {x ∈ G ; xHx−1 = H}.
Observemos que H C G se e somente se NG(H) = G. Ale´m disto da pro´pria
definic¸a˜o H C NG(H). O grupo NG(H) tambe´m se caracteriza como sendo o
maior subgrupo de G no qual H e´ normal. De fato, se K ⊂ G for um subgrupo
e H C K, enta˜o para todo x ∈ K temos xHx−1 = H, i.e., x ∈ NG(H), i.e.,
K ⊂ NG(H).
11.7. Os teoremas de Sylow
Seja G um grupo finito e p um nu´mero primo. Suponhamos que p | #G,
digamos #G = pnb, onde p - b.
Teorema 11.8 (primeiro teorema de Sylow). Para todo 0 ≤ m ≤ n existe um
subgrupo H de G de ordem pm.
Definic¸a˜o 11.9. Um subgrupo de G de ordem pn e´ chamado um p-subgrupo
de Sylow de G.
Lema 11.10 (lema de Cauchy). Seja G um grupo abeliano e suponha que p |
#G, enta˜o existe x ∈ G tal que o(x) = p.
Observe que o primeiro teorema de Sylow generaliza o lema de Cauchy para
grupos na˜o necessariamente abelianos.
Demonstrac¸a˜o. A prova sera´ por induc¸a˜o na ordem de G. Se #G = 1,
por vacuidade nada ha´ a fazer. Suponha que o resultado seja verdade para todo
subgrupo de ordem menor que a ordem de G. Se #G = p nada ha´ a fazer, o grupo
e´ c´ıclico e basta tomar um gerador. Suponhamos que |G| 6= p.
Afirmamos que existe um subgrupo H de G tal que 1 < #H < #G. De fato,
seja x ∈ H − {1}. Se 〈x〉 6= G, tome H = 〈y〉. Caso 〈x〉 = G, tome H = 〈xp〉.
Se p | #H, enta˜o por hipo´tese de induc¸a˜o existe x ∈ H com o(x) = p, em
particular x ∈ G. Caso p - #H, enta˜o p | #G/H e #G/H < #G.
Novamente por hipo´tese de induc¸a˜o existe x ∈ G/H tal que o(x) = p. Con-
sideremos o homomorfismo sobrejetivo ϕ : G � G/H. Seja r = o(x). Enta˜o
o(x) = p | r, digamos r = kp. Desta forma o(xk) = p. �
demonstrac¸a˜o do primeiro teorema de Sylow. Novamente a prova se-
ra´ por induc¸a˜o na ordem de G. Se #G = 1, nada ha´ a fazer. Suponhamos que
o resultado seja verdade para todo grupo de ordem menor que #G. Se existe um
subgrupo pro´prio H de G tal que pm | #H, enta˜o por hipo´tese de induc¸a˜o temos
que existe um subgrupo de H de ordem pm, em particular existe um subgrupo de
G desta ordem.
Suponhamos que na˜o exista subgrupo pro´prio de G cuja ordem seja divis´ıvel
por pm. A equac¸a˜o das classes de conjugac¸a˜o afirma que
#G = #Z(G) +
∑
a/∈Z(G)
(G : E(a)).
Para todo a /∈ Z(a) temos que (G : E(a)) = #Oa > 1, logo #E(a) < #G. Por
hipo´tese pm - |E(a)|, assim p | (G : E(a)). Em particular, p | #Z(G).
78 11. TEOREMAS DE SYLOW
Como Z(G) e´ abeliano, concluimos do lema de Cauchy que existe x ∈ Z(G) tal
que o(x) = p. Note que como x ∈ Z(G), enta˜o 〈x〉 C G, portanto o grupo G/〈x〉
tem ordem pn−1b < #G. Por hipo´tese de induc¸a˜o existe K subgrupo de G/〈x〉 tal
que #K = pm−1. Consideremos o homomorfismo canoˆnico ϕ : G� G/〈x〉. Enta˜o
H = ϕ−1(K) e´ um subgrupo de G de ordem pm. �
Lembremos que dado um grupo qualquer (na˜o necessariamente finito) G e um
nu´mero primo p, dizemos que G e´ um p-grupo se todo elemento de G tem ordem
poteˆncia de p. Utilizaremos o primeiro teorema de Sylow para provar a seguinte
proposic¸a˜o.
Proposic¸a˜o 11.11. Um grupo finito G e´ um p-grupo se e somente se #G e´
poteˆncia de p.
Demonstrac¸a˜o. E´ claro que se #G e´ poteˆncia de p, enta˜o G e´ um p-grupo.
Reciprocamente, se existisse um primo ` 6= p tal que ` | #G, enta˜o pelo primeiro
teorema de Sylow, existe x ∈ G tal que o(x) = `, em particular G na˜o e´ um
p-grupo. �
Seja S o conjunto dos p-subgrupos de Sylow de G. Consideremos a repre-
sentac¸a˜o por conjugac¸a˜o ρ : G→ Perm(S) definida por ρ(x)(S) = xSx−1. A parte
mais importante do segundo teorema de Sylow afirma que esta representac¸a˜o e´
transitiva, i.e.,
S = OS = {xSx−1 ; x ∈ G}.
Seja np := #S.
Teorema 11.12 (segundo teorema de Sylow). (1) S = OS, para algum
S ∈ S.
(2) Se P ⊂ G e´ um p-subgrupo, enta˜o existe S ∈ S tal que P ⊂ S.
(3)Se S ∈ S, enta˜o np = (G : NG(S)).
Para provar este teorema precisamos do seguinte lema.
Lema 11.13. Seja S ∈ S e P ⊂ G um p-subgrupo. Enta˜o P ∩NG(S) = P ∩ S.
Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que P∩NG(S) ' P∩S, seja x ∈ P∩NG(S)−S.
Como P e´ um p-grupo temos que o(x) = pr para algum r ≥ 1. Ale´m disto S C
NG(S), logo 〈x〉S e´ um subgrupo de NG(S). Mais ainda, #〈x〉S = o(x)#S/#〈x〉 ∩
S = pr+n/#〈x〉 ∩ S. Observe que o denominador e´ < pr, pois x /∈ S, o que e´ uma
contradic¸a˜o uma vez que a ordem de 〈x〉S supera a ordem de S. �
Demonstrac¸a˜o do segundo teorema de Sylow. Seja C o conjunto dos
subgrupos de G e consideremos a representac¸a˜o por conjugac¸a˜o ρ : G → Perm(C)
definida por ρ(x)(H) = xHx−1. Por definic¸a˜o a o´rbita OS (para S ∈ S) de S e´ o
conjunto dos conjugados de S e #OS = (G : NG(S)).
Provemos os 2 primeiros ı´tens. Denotemos OS = T . A restric¸a˜o ϑ : P →
Perm(T ) desta representac¸a˜o a um p-subgrupo P de G da´ uma representac¸a˜o sobre
o conjunto T dada por ϑ(x) = xaSa−1x−1, para aSa−1 ∈ T . Sejam O1, · · · ,Ok as
o´rbitas desta representac¸a˜o. Assim cada Oi e´ a o´rbita de Si = yiSy−1i com relac¸a˜o
a ϑ. Lembre qie #Oi = (P : NG(Si) ∩ P ). Pelo lema anterior (P : NG(Si) ∩ P ) =
(P : Si ∩ P ). Assim,
#T =
k∑
i=1
#Oi =
k∑
i=1
(P : Si ∩ P ).
11.15. EXEMPLOS 79
Como #S = pn e S ⊂ NG(S), enta˜o p - #T = (G : NG(S)). Por outro lado, como
P e´ um p-grupo finito, para todo i = 1, · · · , k, (P : Si ∩ P ) e´ poteˆncia de p. Mas
isto ocorre se e somente se existe i tal que P = Si ∩ P , i.e., P ⊂ Si, isto prova (2).
Para (1) note que T ⊂ S. Para a inclusa˜o inversa, aplicando (2) a qualquer S′ ∈ S
temos que existe i tal que S′ ⊂ Si, i.e., S′ = Si = yiSy−1i , i.e., S′ ∈ T .
Finalmente, para provar (3), por (1) temos que np = #T = (G : NG(S)) | b. �
Teorema 11.14 (terceiro teorema de Sylow). np | b e np ≡ 1 (mod p).
Demonstrac¸a˜o. A primeira afirmativa ja´ foi provada no teorema anterior.
Para a segunda, aplique a u´ltima equac¸a˜o para P = S obtendo
(G : NG(S)) =
k∑
i=1
(S : S ∩ Si).
Como S e´ um p-grupo o resultado e´ imediato. �
11.15. Exemplos
Determinemos o nu´mero de p-subgrupos de Sylow para grupos de certas ordens.
Observe que np = 1 se e somente se existe um u´nico p-subgrupo de Sylow normal
em G.
Exemplo 11.16. Seja G um grupo de ordem 56 = 237. Pelo terceiro teorema
de Sylow, n7 | 8 e n7 ≡ 1 (mod 7). Enta˜o n7 = 1 ou 8. No primeiro caso temos um
u´nico 7-subgrupo de Sylow H7 normal em G. No segundo caso, cada 7-subgrupo
de Sylow de G produz 6 elementos de ordem 7. Assim ter´ıamos 48 elementos de
ordem 7. Portanto, os demais 8 elementos constituem o u´nico 2-subgrupo de Sylow
de G. Isto na˜o poderia ser visto diretamente pelo terceiro teorema de Sylow, pois
n2 | 7 e n2 ≡ 1 (mod 2), logo a princ´ıpio na˜o poder´ıamos excluir a possibilidade
n2 = 7. Neste caso o 2-subgrupo de Sylow H2 de G e´ normal em G.
Exemplo 11.17. Seja G um grupo de ordem 22.7.13. Aplicando o terceiro
teorema de Sylow obtemos n13 | 22.7 e n13 ≡ 1 (mod 13). Portanto temos duas
possibilidades n13 = 1 e n13 = 14. Vamos excluir a u´ltima. Seja H13 um 13-
subgrupo de Sylow de G. Aplicando o terceiro teorema de Sylow temos n7 | 22.13
e n7 ≡ 1 (mod 7), logo n7 = 1, ou seja ha´ um u´nico 7-subgrupo de Sylow H7 de
G (portanto normal em G). A fortiori, H13H7 e´ um subgrupo de G. Aplicando
o terceiro teorema de Sylow a este grupo obtemos n13 = (G : NG(H13)) ≤ (G :
H13H7) = 4. Assim, n13 = 1.
CAP´ıTULO 12
Grupos solu´veis
12.1. Teorema de Jordan-Ho¨lder
Definic¸a˜o 12.2. Seja G um grupo. Uma se´rie subnormal de G e´ uma sequ¨eˆncia
de grupos
G = G0 B G1 B G2 B · · · B Gn = {1},
onde cada Gi e´ normal no subgrupo anterior Gi−1. Denotamos por
Q :=
{
G0
G1
,
G1
G2
, · · · , Gn−1
Gn
}
o conjunto dos quocientes de da se´rie cuja cardinalidade l e´ dita o comprimento da
se´rie.
Um refinamente de uma se´rie subnormal e´ uma outra se´rie subnormal obtida a
partir desta inserindo subgrupos normais, por exemplo,
Gi B Hi B Gi+1.
Um refinamento e´ dito pro´prio, se o comprimento da nova se´rie for superior ao
da original. Uma se´rie subnormal e´ dita uma se´rie de composic¸a˜o, se na˜o admite
refinamento pro´prio. Duas se´ries subnormais sa˜o distas equivalentes se existe uma
bijec¸a˜o entre o conjunto dos quocientes das duas se´ries.
O objetivo desta sec¸a˜o e´ mostrar que todas as se´ries de composic¸a˜o de um
grupo dado sa˜o equivalentes (Teorema de Jordan-Ho¨lder).
Definic¸a˜o 12.3. Um grupo G e´ dito simples, se seus u´nicos subgrupos normais
sa˜o {1} e G. Por exemplo todo grupo de ordem prima e´ simples.
Observe que uma se´rie subnormal e´ uma se´rie de composic¸a˜o se e somente se
cada quociente Gi/Gi+1 e´ um grupo simples. Nem todo grupo admite uma se´rie de
composic¸a˜o. Por exemplo, se G = Z e os subgrupos Gi = piZ para i ≥ 1. A se´rie
Z B pZ B {0}
pode ser infinitamente refinada inserindo sucessivamente os grupos piZ para todo
i ≥ 2.
Lema 12.4. Seja G um grupo finito de ordem maior que 1, enta˜o existe um
subgrupo normal pro´prio H de G que e´ maximal para esta propriedade, i.e., para
todo subgrupo K normal pro´prio de G temos que K ⊂ H.
Demonstrac¸a˜o. E´ claro que {1} e´ um subgrupo pro´prio normal de G. Se {1}
for maximal no sentido acima, nada ha´ a fazer. Caso contra´rio, existe H1 ' {1}
que e´ um subgrupo pro´prio normal em G. Se H1 for maximal, acabou, sena˜o
prosseguimos. Na˜o podemos prosseguir indefinidamente pois G e´ finito. �
81
82 12. GRUPOS SOLU´VEIS
Proposic¸a˜o 12.5. Todo grupo finito admite uma se´rie de composic¸a˜o.
Demonstrac¸a˜o. Pelo lema anterior, existe um subgrupo maximal normal
pro´prio G1 de G. Similarmente, aplicando o lema sucessivamente a G1, G2, etc,
obtemos que cada Gi possui um subgrupo maximal normal pro´prio Gi+1 e uma
se´rie subnormal
G = G0 B G1 B G2 B · · · ,
que na˜o pode ser infinita, pois G e´ finito e as ordens dos grupos Gi’s sa˜o estritamente
decrescentes. Logo existe n ≥ 1 tal que Gn = {1}. Ale´m disto, pela maximalidade
dos grupos Gi+1’s em Gi, concluimos que todos os quocientes Gi/Gi+1 sa˜o grupos
simples. Isto equivale a dizer que a se´rie e´ uma se´rie de composic¸a˜o. �
Exemplo 12.6. Consideremos a seguinte se´rie subnormal
G =
Z
30Z
B 〈5〉 B 〈10〉 B {0}.
Esta se´rie e´ na verdade uma se´rie de composic¸a˜o, pois o conjunto dos quocientes e´{
Z
5Z
,
Z
2Z
,
Z
3Z
}
,
ou seja, cada quociente e´ c´ıclico de ordem prima, portanto simples. Ela e´ refina-
mento das se´ries subnormais
G B 〈5〉 B {0}, e
G B 〈10〉 B {0}.
Ale´m disto esta se´rie e´ equivalente a`s seguintes se´ries de composic¸a˜o
G =
Z
30Z
B 〈2〉 B 〈6〉 B {0} e
G =
Z
30Z
B 〈2〉 B 〈10〉 B {0}.
Lema 12.7 (lema de Zassenhaus). Sejam H,H1,K,K1 subgrupos de um grupo
G tais que H1 C H e K1 C K. Enta˜o
(1) H1(H ∩K1) C H1(H ∩K) e K1(H1 ∩K) C K1(H ∩K).
(2)
H1(H ∩K)
H1(H ∩K1)
∼= K1(H ∩K)
K1(H1 ∩K) .
Demonstrac¸a˜o. (1) Mostremos o primeiro fato o segundo e´ ana´logo. Quere-
mos mostrar que dados x ∈ H1 e y ∈ H ∩K temos
xy(H1(H ∩K1))y−1x−1 = H1(H ∩K1).
De fato,
xy(H1(H ∩K1))y−1x−1 = x(yH1y−1)(y(H ∩K1)y−1)x−1 = x(H1(H ∩K1)x−1,
onde na primeira identidade usamos que y ∈ H e H1 C H e na segunda que
y ∈ H ∩K e K1 C K. Mas x ∈ H1, portanto
x(H1(H ∩K1)x−1 = H1(H ∩K1)x−1.
Como H1 C H, enta˜o
H1(H ∩K1) = (H ∩K1)H1
12.10. GRUPOS SOLU´VEIS 83
e este e´ um subgrupo de G. Assim,
x(H1(H ∩K1)x−1 = ((H ∩K1)H1)x−1 = (H ∩K1)H1 = H1(H ∩K1),
onde novamente usamos que x−1 ∈ H1.
(2) Fica como exerc´ıcio provar o seguinte fato:
se A e B sa˜o grupos e A C AB, enta˜o (A/B)A = B/(A ∩B).
Tomemos A = H1(H ∩K1) e B = H ∩K. Neste caso
AB = H1(H ∩K) e A ∩B = (H ∩K1)(H1 ∩K).
Assim, pelo fato,
H1(H ∩K)
H1(H ∩K1)
∼= H ∩K
(H ∩K1)(H1 ∩K) .
Similarmente, o outro quociente procurado tambe´m e´ isomorfo a este u´ltimo gru-
po. �
Teorema 12.8(teorema de Schreier). Duas se´ries subnormais de um grupo G
possuem refinamentos equivalentes.
Demonstrac¸a˜o. Consideremos as seguintes se´ries subnormais
G = G0 B G1 B G2 B · · · B Gn = {0} e
G = H0 B H1 B H2 B · · · B Hm = {0}.
Refinemos a primeira utilizando os grupos da segunda da seguinte forma
Gi = Gi+1(Gi ∩H0) B Gi+1(Gi ∩H1) B · · ·Gi+1(Gi ∩Hm) = Gi+1,
o fato de cada passada ser normal segue do ı´tem (1) do lema de Zassenhaus. Da
mesma forma refinamos a segunda utilizando os grupos da primeira
Hj = Hj+1(G0 ∩Hj) B Hj+1(G1 ∩Hj) B · · · B Hj+1(Gn ∩Hj) = Hj+1.
A equivaleˆncia entre estas se´ries segue o ı´tem (2) do lema de Zassenhaus. �
Corola´rio 12.9 (teorema de Jordan-Ho¨lder). Duas se´ries de composic¸a˜o de
um grupo dado sa˜o equivalentes.
Demonstrac¸a˜o. Segue imediatamente do teorema de Schreier. �
12.10. Grupos solu´veis
Definic¸a˜o 12.11. Seja G um grupo. Denotamos por G′ = [G,G] o subgrupo
dos comutadores e definimos indutivamente G(0) = G, G(i+1) = (G(i))′.
Teorema 12.12. Seja G um grupo. As seguintes condic¸o˜es sa˜o equivalentes
(i) G possui uma se´rie subnormal com quocientes abelianos.
(ii) Existe n tal que G(n) = {1}.
Se ale´m disto G for finito, enta˜o estas condic¸o˜es equivalem a
(iii) O grupo G admite uma se´rie de composic¸a˜o com quocientes abelianos (logo
c´ıclicos de ordem prima).
Definic¸a˜o 12.13. Um grupo satisfazendo a`s condic¸o˜es equivalentes acima e´
dito um grupo solu´vel.
84 12. GRUPOS SOLU´VEIS
Demonstrac¸a˜o. Suponha (i). Pela observac¸a˜o 10.9, se H C G for tal que
G/H e´ abeliano, enta˜o H ⊃ G′. Assim, como G0/G1 e´ abeliano, G1 ⊃ G′ =
G(1). Em seguida, como G1/G2 e´ abeliano, enta˜o G2 ⊃ (G1)′ = G(2). Assim
sucessivamente, Gi ⊃ G(i). Donde, G(n) = {1}.
Suponha (ii). Basta notar que por definic¸a˜o a se´rie subnormal
G = G(0) B G(1) B G(2) B · · · B G(n) = {1}
tem quocientes abelianos.
Suponha agora que G seja um grupo finito. No pro´ximo cap´ıtulo mostraremos
que todo grupo abeliano finito pode ser escrito como produto de grupos c´ıclicos da
forma Z/nZ para n ≥ 1 inteiro. Observemos que as duas formulac¸o˜es de (iii) de
fato equivalem-se. Ja´ observamos antes que todo grupo c´ıclico de ordem prima e´
simples. Reciprocamente, se um grupo abeliano finito e´ simples, pelo que foi dito
anteriormente, ele so´ pode ser um grupo c´ıclico da forma Z/nZ para algum inteiro
n ≥ 1, ja´ que se tivesse mais de um fator c´ıclico, por exemplo, Z/mZ×Z/nZ, enta˜o
{0} × Z/nZ seria um subgrupo normal na˜o trivial. Mas pelo teorema chineˆs dos
restos, todo grupo c´ıclico fatora-se como produto de grupos c´ıclicos Z/prZ, onde p
e´ primo e r ≥ 1 inteiro. Assim, ficamos reduzidos ao caso em que G = Z/prZ. Mas
se r > 1, este grupo admite como subgrupo normal na˜o trivial o grupo pZ/prZ,
logo na˜o poderia ser simples.
Se G for um grupo finito e´ claro que (iii) implica (i). Por outro lado qualquer
refinamento de uma se´rie subnormal com quocientes abelianos tambe´m tem quoci-
entes abelianos. Ale´m disto, ja´ foi visto anteriormente que toda se´rie subnormal de
um grupo finito admite uma se´rie de composic¸a˜o. �
Segue imediatamente do teorema que grupos abelianos sa˜o solu´veis. Para ver
que p-grupos finitos (onde p denota um nu´mero primo) sa˜o tambe´m solu´veis preci-
saremos da seguinte proposic¸a˜o.
Proposic¸a˜o 12.14. Seja G um grupo de ordem pm e H um subgrupo de G de
ordem pr, onde r < m. Enta˜o
(1) existe um subgrupo K de G de ordem pr+1 contendo H.
(2) Todo subgrupo L de G de ordem pr+1 contendo H satisfaz : H C L. Em
particular, H ( NG(H).
Demonstrac¸a˜o. Provemos o seguinte resultado mais forte que (1) por induc¸a˜o
na ordem de G: existe um subgrupo H de G de ordem pr+1 tal que H CK.
Se #G = 1, nada ha´ a fazer. Sena˜o, suponhamos o resultado seja verdade para
todo grupo de ordem menor que #G. Como Z(G) 6= {1}, utilizando o lema de
Cauchy (cf. cap´ıtulo sobre teoremas de Sylow) escolhemos um elemento x ∈ Z(G)
de ordem p. Note que 〈x〉CG e x ∈ NG(H).
Se x /∈ H, enta˜o, o subgrupo K = H〈x〉 satisfaz a`s condic¸o˜es desejadas, pois
〈x〉 ∩H = {1}. Caso x ∈ H, o grupo G/〈x〉 tem ordem estritamente menor que G,
logo por hipo´tese de induc¸a˜o existe um subgrupo K ′ de G/〈x〉 tal que #K ′ = pr.
Seja K a pre´-imagem de K ′ pelo homomorfismo canoˆnico ϕ : G → G/〈x〉. O
subgrupo K ′ de G satisfaz a`s condic¸o˜es da afirmativa mais forte.
Finalmente, o segundo ı´tem segue do primeiro. �
Corola´rio 12.15. Seja G um grupo de ordem pm (onde p denota um nu´mero
primo). Enta˜o existem subgrupos H0 = {1}, H2, · · · , Hm = G tais que HiCHi+1 e
tais que Hi+1/Hi e´ c´ıclico de ordem p, para i = 0, · · · ,m− 1.
12.10. GRUPOS SOLU´VEIS 85
Demonstrac¸a˜o. Aplique a proposic¸a˜o a H0 = {1} obtendo H1 e ordem p,
em seguida aplique-a novamente a H1 e assim sucessivamente. �
Observac¸a˜o 12.16. Segue do teorema 12.12 e do corola´rio anterior que todo
p-grupo finito e´ solu´vel.
Proposic¸a˜o 12.17. Seja G um grupo e H um subgrupo de G.
(1) Se G for solu´vel, enta˜o H e´ solu´vel.
(2) Se H C G enta˜o G e´ solu´vel se e somente se H e G/H sa˜o solu´veis.
Demonstrac¸a˜o. (1) Suponha queG seja solu´vel. Note que para todo i, G(i) ⊃
H(i). Portanto, H(n) = {1} e H e´ solu´vel.
(2) Seja ϕ : G → G/H o homomorfismo quociente. Observe que ϕ(G′) =
ϕ(G)′ = (G/H)′. Suponha que G seja solu´vel. Por (1) H e´ solu´vel. Ale´m disto,
indutivamente, para todo i, ϕ(G(i)) = (G/H)(i), a fortiori, (G/H)(n) = {1}, i.e.,
G/H e´ solu´vel. Reciprocamente, suponha que H e G/H sejam solu´veis. Isto
significa que existe n tal que H(n) = {1} e m tal que (G/H)(m) = {1}. Da u´ltima
igualdade segue que G(m) ⊂ ker(ϕ) = H. Aplicando indutivamente esta derradeira
igualdade obtemos G(m+j) ⊂ H(j). Portanto G(m+n) ⊂ H(n) = {1}, i.e., G e´
solu´vel. �
CAP´ıTULO 13
Grupos abelianos finitamente gerados
13.1. Mo´dulos sobre ane´is
Seja R um anel comutativo com unidade. Um R-mo´dulo M e´ um grupo aditivo
munido de uma func¸a˜o R×M →M tal que a(x+y) = ax+ay e (a+b)x = ax+bx,
para a, b ∈ R e x, y ∈ M . Quando R e´ um corpo (como os reais) recuperamos a
noc¸a˜o de espac¸o vetorial.
Dizemos que um suconjunto S de M gera M se para todo x ∈ M existem
x1, · · · , xn ∈ S tal que x =
∑n
i=1 aixi, onde ai ∈ R para i = 1, · · · , n. O conjunto
S e´ dito o conjunto de geradores de M . O mo´dulo M e´ dito finitamente gerado, se
S for finito.
Dados x1, · · · , sn ∈ M dizemos que eles sa˜o R-linearmente independentes se
para qualquer combinac¸a˜o linear
∑n
i=1 aixi = 0 com ai ∈ R tivermos ai = 0 para
i = 1, · · · , n. O mo´dulo M e´ dito um R mo´dulo livre se possui um conjunto
de geradores linearmente independentes. Novamente, quando R e´ um corpo, um
conjunto de geradores linearmente independentes nada mais e´ que a base de um
espac¸o vetorial. Quando o conjunto de geradores S e´ finito e estes sa˜o R-linearmente
independentes, da mesma forma que na a´lgebra linear podemos mostrar que o
nu´mero de elementos do conjunto gerador na˜o depende da particular escolha do
conjunto. Este nu´mero e´ chamado o posto do mo´dulo (que corresponde a` noc¸a˜o de
dimensa˜o de espac¸o vetorial)..
Observemos que a noc¸a˜o de Z-mo´dulo equivale a de grupo abeliano. De fato,
todo Z-mo´dulo por definic¸a˜o e´ um grupo abeliano. Reciprocamente, todo grupo
abeliano G admite uma estrutura de Z-mo´dulo. De fato, denotando G aditivamente,
podemos considerar a soma de n > 0 vezes um elemento x de G que e´ o elemento
nx ∈ G. Para n = −m < 0, nx nada mais e´ que m vezes o elemento −x, portanto
tambe´m um elemento de G.
Ao contra´rio de espac¸os vetoriais nem todo Z-mo´dulo livre e´ finito. De fato,
para todo n ≥ 1, Z/nZ e´ um Z-mo´dulo livre de posto 1 gerado por 1. Na verdade
isto corresponde a noc¸a˜o de grupo abeliano de torc¸a˜o. Um grupo abeliano G e´ de
torc¸a˜o se e somente todo elemento de G e´ de ordem finita. Veremos que o teorema
em questa˜odiz inicialmente que todo grupo abeliano finitamente gerado se quebra
em um pedac¸o de torc¸a˜o que descreveremos completamente e uma parte livre que
e´ isomorfa a r co´pias de Z, onde r e´ exatamente o posto do grupo como Z-mo´dulo.
Similarmente ao caso de espac¸os vetoriais temos noc¸o˜es de submo´dulos e de
mo´dulos quocientes. Seja M um R-mo´dulo. Um subconjunto N de M e´ dito um
R-submo´dulo de N se for um sugrupo e se para todo a ∈ R e x ∈ N , ax ∈ N .
Para todo x ∈ M definimos x := x + N := {x + v | v ∈ N} chamada a classe de x
com respeito a N . Como conjunto o mo´dulo quociente M/N e´ definido como sendo
{x |x ∈M}. Definimos uma estrutura de R-mo´dulo em M/N da maneira usual. A
87
88 13. GRUPOS ABELIANOS FINITAMENTE GERADOS
soma e´ definida por x⊕ y := x+ y e a multiplicac¸a˜o por escalar por ax := ax, para
todo a ∈ R. Fica como exerc´ıcio verificar que estas operac¸o˜es esta˜o efetivamente
bem definidas.
Dados V e W R-mo´dulos uma func¸a˜o ϕ : V → W e´ dito um homomorfismo
de R-mo´dulos se for um homomorfismo de grupos e se para todo a ∈ R e x ∈ V
temos ϕ(ax) = aϕ(x). Da mesma forma definimos o nu´cleo de ϕ por N(ϕ) := {x ∈
V |ϕ(x) = 0}. Ja´ sabemos que N(ϕ) e´ um subgrupo de V . Ale´m disto ele e´ um
R-submo´dulo, pois para todo a ∈ R e x ∈ N(ϕ) temos ϕ(ax) = aϕ(x) = 0, i.e.,
ax ∈ N(ϕ). A imagem ϕ(V ) de φ e´ um R-submo´dulo de W (exerc´ıcio).
Teorema 13.2 (teorema dos homomorfismos). Seja ϕ : V →W um homomor-
fismo de R-mo´dulos. Enta˜o ϕ induz um isomorfismo de R-mo´dulos Φ : V/N(ϕ)→
ϕ(V ) dado por Φ(x) := ϕ(x).
Demonstrac¸a˜o. Ja´ sabemos que Φ e´ isomorfismo de grupos. Basta verificar
que e´ um homomorfismo de R-mo´dulos. De fato, dado a ∈ R temos que Φ(ax) =
Φ(ax) = ϕ(ax) = aϕ(x) = aΦ(x). �
Para todo n ≥ 1 o produto cartesiano Rn e´ naturalmente um R-mo´dulo so-
mando as coordenadas e multiplicando as coordenadas por um escalar em R. Um
homorfismo de R-mo´dulos ϕ : Rm → Rn e´ determinado pela multiplicac¸a˜o de um
vetor por uma matriz n × m com coordenadas em R. De fato, tomemos como
conjunto gerador linearmente independente em cada um dos R-mo´dulos a base
canoˆnica, enta˜o da mesma forma que na a´lgebra linear, se e1, · · · , em e´ uma base de
Rm e f1, · · · , fn e´ uma base de Rn, enta˜o ϕ fica determinado por ϕ(ei) =
∑
j aijfj ,
onde aij ∈ R.
Definimos o grupo GLn(R) como o subgrupo das matrizes quadradas de ordem
n com entradas em R. Observemos que este equivale ao grupo das matrizes cujo
determinante e´ um elemento invers´ıvel em R. De fato, seja A ∈ GLn(R). Enta˜o
existe B ∈Mn(R) tal que AB = Id, em particular det(A) det(B) = 1, i.e., det(A) ∈
R∗. Reciprocamente, se det(A) = δ ∈ R∗ e Adj(A) denota a adjunta de A (que
e´ constru´ıda como na a´lgebra linear, pois as operac¸o˜es elemetares por linhas sa˜o
precisamente as mesmas tomando cuidado de escolher os escalares pertencendo a
um anel R ao inve´s de um corpo). Assim a regra de Cramer nos informa que
δ Id = A Adj(A). A fortiori, Id = A(δ−1 Adj(A)), assim δ−1 Ajd(A) e´ a inversa de
A (observe que podemos tomar δ−1, pois δ e´ invers´ıvel em R).
13.3. Diagonalizac¸a˜o de matrizes
Teorema 13.4. Seja A ∈ Mn×m(Z) enta˜o existem matrizes Q ∈ GLn(Z) e
P ∈ GLm(Z) tais que A′ = QAP−1 e´ diagonal da seguinte forma:

d1 0 · · · 0
0 d2 · · · 0
. . .
0 0 · · · dr
 0
0 0
 ,
onde d1 | d2 | · · · | dr.
Demonstrac¸a˜o. As matrizes Q e P proveˆem (como na a´lgebra linear) da
multiplicac¸a˜o de matrizes elementares que correspondem as operac¸o˜es elementares
por linhas e por colunas.
13.6. GERADORES E RELAC¸O˜ES PARA MO´DULOS 89
Etapa 1. Trocando linhas e colunas (e eventualmente multiplicando uma linha
ou coluna por -1) podemos supor que a11 ≥ 0 e´ uma entrada de menor valor absoluto
(claro que pode haver outra entrada com o mesmo valor absoluto).
Etapa 2. Transformamos os demais elementos da primeira coluna em 0 da
seguinte forma. Para todo i > 1 dividimos ai1 = a11q + r, onde 0 ≤ r < a11.
Substitu´ımos a i-e´sima linha por menos ela mais q vezes a primeira, ou seja trocamos
ai1 por r. Se r = 0 nada mais precisamos fazer. Sena˜o permutamos levando r para
a primeira posic¸a˜o (1,1) e retornamos a` etapa anterior. Em um nu´mero finito de
passos obteremos r = 0. Repetimos o argumento para as demais entradas da linha.
Similarmente, repetimos o argumento para colunas e zeramos o restante da primeira
linha.
Etapa 3. Seja B a matriz restante eliminando as primeiras linha e coluna. Se
existe uma entrada b de B que na˜o seja divis´ıvel por a11, somamos a coluna corres-
pondente com a primeira coluna e retornamos a` etapa 2. Apo´s um nu´mero finito
de passos todos os elementos de B sa˜o divis´ıveis por a11 e aplicamos as 3 etapas a
B. �
Note que na demonstrac¸a˜o anterior ale´m das operac¸o˜es elementares por linhas
que valem para qualquer anel, utilizamos ta˜o somente o algoritmo da divisa˜o para
os inteiros. Isto permite-nos generalizar o resultado da seguinte forma.
Teorema 13.5. Seja R um domı´nio euclideano e A ∈Mn×m(R). Enta˜o exis-
tem matrizes Q ∈ GLn(R) e P ∈ GLm(R) tais que A′ = QAP−1 e´ diagonal da
forma indicada no teorema anterior.
Notemos que este processo se aplica particularmente a` matriz de um homomor-
fismo de R-mo´dulos ϕ : Rm → Rn.
13.6. Geradores e relac¸o˜es para mo´dulos
Seja ϕ : Rn → Rm um homomorfismo de R-mo´dulos cuja matriz na base
canoˆnica e´ A ∈ Mm×n(R). A base canoˆnica de Rn e´ chamado o conjunto de
geradores e o nu´cleo N(ϕ) de ϕ e´ dito o conjunto de relac¸o˜es. A imagem de ϕ e´
dada por multiplicac¸a˜o por A, assim denotamos ϕ(Rn) := ARn. O conu´cleo de ϕ
e´ definido por Rm/ARn. Neste caso dizemos que a matriz A presenta o conu´cleo
de ϕ, ou em outras palavras, A e´ a matriz de presentac¸a˜o do conu´cleo de ϕ.
Mostraremos agora que todo R-mo´dulo finitamente gerado V pode ser pre-
sentado por alguma matriz. Inicialmente observemos que se v1, · · · , vn e´ um con-
junto de geradores de V enta˜o temos um homomorfismo sobrejetivo canoˆnico de
R-mo´dulos ϕ : Rn → V dado por ϕ(ei) = vi, onde e1, · · · , en e´ a base canoˆnica de
Rn. De fato, para todo v ∈ V temos v = ∑ni=1 aivi com a1, · · · , an ∈ R. Portanto,
V = ARn. Seja W = N(ϕ). Mostraremos em seguida que W e´ tambe´m um R-
mo´dulo finitamente gerado. Neste caso, digamos que seja gerado por w1, · · · , wm,
temos tambe´m um homomorfismo sobrejetivo ψ : Rm → W de R-mo´dulos e o
W = BRm. Pelo teorema dos homomorfismos, V ∼= Rn/W = Rn/BRm, assim a
matriz B presenta V . A ide´ia do teorema sera´ diagonalizar a matriz B como na
sec¸a˜o anterior e obter da´ı a decomposic¸a˜o do mo´dulo.
Lema 13.7. Seja ϕ : V →W um homomorfismo de R-mo´dulos.
(1) Se ker(ϕ) e ϕ(V ) sa˜o finitamente gerados, enta˜o V tambe´m e´ finitamente
gerado. Se V e´ finitamente gerado e ϕ e´ sobrejetivo, enta˜o W e´ finita-
mente gerado.
90 13. GRUPOS ABELIANOS FINITAMENTE GERADOS
(2) Seja W um R-submo´dulo de V . Se W e V/W sa˜o finitamente gerados,
enta˜o V tambe´m e´ finitamente gerado. Se V e´ finitamente gerado, enta˜o
V/W e´ finitamente gerado.
Demonstrac¸a˜o. (1) Seja u1, · · · , uk um conjunto de geradores de ker(ϕ) e
w1, · · · , wm um conjunto de geradores de W . Para todo i = 1, · · · ,m seja vi ∈ V
tal que ϕ(vi) = wi. Afirmamos que (u1, · · · , uk; v1, · · · , vm) geram V . De fato, dado
v ∈ V temos ϕ(v) = ∑i aiwi com ai ∈ R para i = 1, · · · ,m. Seja v′ = ∑i aivi ∈ V .
Enta˜o ϕ(v′) = ϕ(v), i.e., v′ − v ∈ ker(ϕ), i.e., v′ − v = ∑j bjuj para bj ∈ R para
todo j = 1, · · · , k. Para a segunda parte, se v1, · · · , vn geram V , como todo w ∈W
e´ da forma w = ϕ(v), para algum v ∈ V , enta˜o w = ∑i aiϕ(vi), onde v = ∑i aivi,
e ϕ(v1), · · · , ϕ(vn) forma um conjunto de geradores de W .
(2) Segue de (1) aplicado ao homomorfismo quociente canoˆnico ϕ : V → V/W .
�
Proposic¸a˜o 13.8. Seja V um R-mo´dulo. As seguintes condic¸o˜es sa˜o equiva-
lentes:
(1) Todo R-submo´dulo W deV e´ finitamente gerado.
(2) Na˜o existe sequ¨eˆncia estritamente crescente de R-submo´dulos de V : W1 
W2 · · ·
Demonstrac¸a˜o. Suponha que a condic¸a˜o (2) seja satisfeita e que W 6= 0. Seja
w1 ∈W −{0}. Se w1 gera W acabou. Sena˜o seja w2 ∈W −Rw1. Se Rw1 +Rw2 =
W , acabou, w1 e w2 geram W . Sena˜o seja w3 ∈W − (RW1 +Rw2). Prosseguindo
desta forma o conjunto deR-mo´dulosWi = Rw1+. . .+Rwi e´ estritamente crescente.
Por hipo´tese existe k tal que Wk = W , em particular w1, · · · , wk geram W .
Reciprocamente suponha (1). Seja W1 ⊂ W2 ⊂ · · · uma sequ¨eˆncia de R-
submo´dulos de V . A unia˜o U =
⋃
iWi tambe´m e´ um R-submo´dulo de V (exerc´ıcio).
Por hipo´tese U e´ finitamente gerado, digamos por u1, · · · , un. Seja j o maior ı´ndice
tal que ui ∈ Wj para todo i. Logo Wj ⊂ U ⊂ Wj , i.e., U = Wj e a sequ¨eˆncia
estaciona. �
Definic¸a˜o 13.9. Um anel R tal que todo mo´dulo satisfac¸a as condic¸o˜es ante-
riores e´ chamado um anel noetheriano.
Proposic¸a˜o 13.10. Seja R um anel noetheriano e V um R-mo´dulo finitamente
gerado. Enta˜o todo submo´dulo W de V tambe´m e´ finitamente gerado.
Demonstrac¸a˜o. Observemos inicialmente que basta provar a proposic¸a˜o no
caso em que V = Rn. De fato, como V e´ finitamente gerado, enta˜o existe um
homomorfismo sobrejetivo ϕ : Rn → V . Seja W ⊂ V um submo´dulo. Enta˜o
ϕ−1(W ) = W ′ e´ um submo´dulo de Rn, por hipo´tese e´ finitamente gerado. Pelo
lema anterior concluimos que W tambe´m e´ finitamente gerado.
Provemos por induc¸a˜o em n. Para n = 1 isto segue da proposic¸a˜o ante-
rior. Consideremos o homomorfismo de projec¸a˜o ϕ : Rn → Rn−1 dado por
ϕ((a1, · · · , an)) = (a1, · · · , an−1). O seu nu´cleo constitui-se dos vetores da forma
(0, · · · , 0, an). Seja W um submo´dulo de Rn e seja ψ a restric¸a˜o de ϕ a W , diga-
mos ψ : W → Rn−1. Por hipo´tese de induc¸a˜o ψ(W ) e´ finitamente gerado. Ale´m
disto, ker(ψ) = ker(ϕ) ∩W e´ um submo´dulo de ker(ϕ) ∼= R, portanto tambe´m e´
finitamente gerado. Assim, o resultado segue da proposic¸a˜o anterior. �
13.11. O TEOREMA DE ESTRUTURA 91
13.11. O teorema de estrutura
Ja´ fizemos tudo que era necessa´rio para obter nosso resultado principal neste
cap´ıtulo. Antes so´ mais um pouco de notac¸a˜o. Sejam W1, · · · ,Wn submo´dulos de
um R-mo´dulo V . Definimos W1+. . .+Wn := {w1+. . .+wn |wi ∈Wi, i = 1, · · · , n}.
Fica como exerc´ıcio verificar que W1 + . . .+Wn e´ um R-submo´dulo de V . Dizemos
que esta soma e´ direta de para qualquer relac¸a˜o linear
∑
i aiwi = 0, com ai ∈ R,
temos ai = 0 para todo i. Neste caso escrevemos W1 ⊕ . . .⊕Wn.
Teorema 13.12. (teorema de estrutura de grupos abelianos finitamente gera-
dos) Seja G um grupo abeliano finitamente gerado. Enta˜o
G ∼= (Z/d1Z)⊕ . . .⊕ (Z/dkZ)⊕ Zr, onde d1 | d2 | · · · | dr
sa˜o inteiros positivos, r e´ o posto de G como Z-mo´dulo e
Gtor = (Z/d1Z)⊕ . . .⊕ (Z/dkZ)
e´ o subgrupo de torc¸a˜o de G, i.e., o conjunto dos elementos de ordem finita.
Demonstrac¸a˜o. Ja´ vimos anteriormente que G e´ presentado por uma matriz
A ∈ Mn×m(Z), i.e., G = Rn/ARm e que tal matriz pode ser diagonalizada com a
propriedade acima para suas entradas d1, · · · , dk. As relac¸o˜es do grupo s sa˜o dadas
por divi = 0 para i = 1, · · · , k para um conjunto de geradores v1, · · · , vn, Seja L
o submo´dulo gerado por vk+1, · · · , vn. Como na˜o ha´ relac¸o˜es entre estes vetores
vemos que L e´ um Z-mo´dulo livre de posto n− k, i.e., L ∼= Zn−k. Afirmamos que
G = C1 ⊕ . . .⊕ Ck ⊕ L, onde Ci = 〈vi〉 ∼= Z/diZ.
E´ claro, pela presentac¸a˜o de G, que estes submo´dulos geram G. Ou seja, G e´ igual
a` soma destes. Queremos mostrar que a soma e´ direta. De fato, se houvesse uma
relac¸a˜o
z1 + . . .+ zk + w = 0,
com zi ∈ Ci e w ∈ L, enta˜o podemos reescreˆ-la da forma
k∑
i=i
rivi +
n∑
i=k+1
rivi = 0,
onde 0 ≤ ri < di para i = 1, · · · , k e ri ∈ Z para i = k + 1, · · · , n. Como
na˜o ha´ relac¸a˜o envolvendo os u´ltimos n − k vetores concluimos que ri = 0 para
i = k + 1, · · · , n. Ale´m disto pelas relac¸o˜es acima a u´nica possibilidade para que
para os demais di | ri e´ ri = 0 para cada i. Portanto, na˜o ha´ relac¸o˜es entre os
mo´dulos acima. �
Lembremos que no processo de diagonalizac¸a˜o das matrizes tudo funcionava
bem para qualquer domı´nio euclideano. Assim no teorema acima podemos substi-
tuir a noc¸a˜o de grupo abeliano finitamtente gerado pela noc¸a˜o de R-mo´dulo finita-
mente gerado sobre um domı´nio euclideano R.
13.12.1. Um teorema de Mordell. Grupos abelianos finitamente gerados
surgem naturalmente na aritme´tica. Uma curva el´ıtica sobre os complexos pode
ser pensada como o conjunto de pontos em C2 que sa˜o soluc¸o˜es de uma equac¸a˜o da
forma
y2 = x3 + ax+ b,
92 13. GRUPOS ABELIANOS FINITAMENTE GERADOS
onde x3 + ax+ b na˜o admite ra´ızes mu´ltiplas e a priori estamos supondo a, b ∈ C.
Ocorre que existe uma estrutura de grupo abeliano na curva el´ıtica que pode ser
definida geometricamente por meio de intersec¸o˜es com retas. Se considerarmos
o caso em que a, b ∈ Q, ou seja uma curva el´ıtica definida sobre os racionais,
existe um ce´lebre teorema devido a Mordell que afirma que o conjunto de soluc¸o˜es
(x0, y0) ∈ Q2 da equac¸a˜o e´ um grupo abeliano finitamente gerado, digamos
E(Q)tor ⊕ Zr.
O inteiro (misterioso) r e´ chamado o posto da curva el´ıtica. Na˜o se sabe por
exemplo se e´ poss´ıvel existir curvas el´ıticas com posto arbitrariamente grande, o
recorde e´ 24.
A este objeto (a curva el´ıtica) esta´ associado a uma func¸a˜o de natureza anal´ıtica
chamada a L-se´rie de Hasse-Weil da curva el´ıtica. A famosa conjectura de Birch
e Swinnerton-Dyer afirma que a ordem de anulamento desta func¸a˜o em s = 1 e´
exatamente o posto. Ela surgiu a partir de evideˆncias computacionais.
De outro lado podemos nos perguntar o que e´ conhecido sobre o grupo de
torc¸a˜o. A resposta e´ tudo. Um belo e profundo resultado devido a Mazur mostra
que existem exatamente 16 grupos abelianos que podem ser grupos de torc¸a˜o de
curvas el´ıticas sobre os racioanis e que cada um desses grupos efetivamente ocorre.
Para mais informac¸o˜es sobre curva el´ıticas e o teorema de Mordell ver [Sil].
Para o teorema de Mazur ver [Ma].
Parte 3
Ane´is
CAP´ıTULO 14
Ane´is de polinoˆmios
14.1. Algoritmo da divisa˜o
Seja K um corpo. Um polinoˆmio definido sobre K e´ uma expressa˜o da forma
f(x) = anx
n + . . .+ a1x+ a0,
onde a0, · · · , an ∈ K. Identificamos f(x) a um vetor (a0, · · · , an, 0, · · · , 0, · · · ). Se
f 6= 0 e n ≥ 0 for o maior inteiro tal que an 6= 0, dizemos enta˜o que n e´ o grau de
f . O conjunto de todos os polinoˆmios definidos sobre K e´ denotado por K[x].
Seja g(x) = bmx
m + . . .+ b1x+ b0. Suponhamos que n ≥ m. Definimos a soma
de f, g ∈ K[x] por
(f + g)(x) := (an + bn)x
n + . . .+ (a1 + b1)x+ a0 + b0,
onde bj = 0 para todo j > m. Se f + g 6= 0, enta˜o
grau(f + g) ≤ max{grau(f), grau(g)}.
Note que se f = x3 +x+1 e g = −x3 +x2−2, enta˜o grau(f+g) = 2 < 3. Definimos
o produto de f e g por
(fg)(x) := cn+mx
n+m + . . .+ c1x+ c0, onde ci =
∑
j+l=i
ajbl.
Assim, se f, g 6= 0, grau(fg) = grau(f) + grau(g).
Afirmamos que K[x] e´ um domı´nio de integridade. Observemos inicialmente
que K[x] e´ um espac¸o vetorial com a operac¸a˜o de multiplicac¸a˜o por escalar sendo a
multiplicac¸a˜o por um polinoˆmio constante de grau zero. Verifique que de fato isto
faz de K[x] um espac¸o vetorial. Em particular, temos as propriedades aditivas de
K[x] como anel.
A associatividade do produto e´ provada da seguinte forma. Sejam f, g ∈ K[x].
Seja h(x) =
∑r
i=0 cix
i. Enta˜o
fg =
n+m∑
i=0
dix
i, onde di =
∑
j+l=i
ajbl,
logo
(fg)h =
n+m+r∑
i=0
eix
i, onde ei =
∑
j+l=i
∑
α+β=j
aαbβcl
=
∑
α+β+l=i
aαbβcl.
95
96 14. ANE´IS DE POLINOˆMIOS
Por outro lado,
gh =
m+r∑
i=0
= Aix
i, onde Ai =
∑
j+l=i
bjcl,logo
f(gh) =
n+m+r∑
i=0
Bix
i, onde Bi =
∑
α+l=i
∑
β+j=l
aαbβcl
=
∑
α+β+l=i
aαbβcl.
A comutatividade do produto segue da mesma propriedade para os elementos
de K. O elemento neutro do produto e´ o polinoˆmio constante f = 1. Fica como
exerc´ıcio verificar que a soma distribui em relac¸a˜o ao produto, i.e.,
f(g + h) = fh+ gh.
Sejam f, g ∈ K[x] tais que fg = 0, mas f 6= 0 de grau n. Provaremos agora
que isto implica em g = 0. De fato, comec¸ando pelo coeficiente de xn+m temos que
anbm = 0, logo bm = 0.
Em seguida, para o coeficiente de xn+m−1 temos
anbm−1 + an−1bm = anbm−1 = 0, logo bm−1 = 0.
Para o coeficiente de xn+m−2 temos
anbm−2 + an−1bm−1 + an−2bm = anbm−2 = 0, logo bm−2 = 0.
Assim sucessivamente, todos os coeficientes de g sa˜o nulos. Portanto, g = 0.
Dizemos que f ∈ K[x] e´ invers´ıvel se existe g ∈ K[x] tal que fg = 1. Note que
neste caso, o lado esquerdo da equac¸a˜o tem grau n + m e o lado direito tem grau
0, logo n = m = 0 e f, g ∈ K∗ = K \ {0}, pois K e´ um corpo.
Teorema 14.2 (algoritmo da divisa˜o). Sejam f, g ∈ K[x], g 6= 0, enta˜o existem
u´nicos q, r ∈ K[x] tais que f = qg + r, onde r = 0 ou grau(r) < grau(g).
Demonstrac¸a˜o. Sejam f =
∑n
i=0 aix
i e g =
∑m
j=0 bjx
j . Definimos
f1 := f − an
bm
xn−mg.
Se f1 = 0, acabou, tome
r = 0 e q =
an
bm
xn−m.
Se f1 6= 0, enta˜o n1 = grau(f1) < n = grau(f). Se n1 < m, acabou, tome
r = f1 e q =
an
bm
xn−m.
Suponha que n1 ≥ m. Seja
f1 :=
n1∑
i=0
a1,ix
i.
Defina
f2 := f1 − a1,n1
bm
xn1−mg.
14.3. MA´XIMO DIVISOR COMUM DE POLINOˆMIOS 97
Se f2 = 0, acabou, tome
r = 0 e q =
1
bm
(anx
n−m + a1,n1x
n1−m).
Se f2 6= 0, enta˜o n2 = grau(f2) < n1. Se n2 < m, acabou, tome
r = f2 e q =
1
bm
(anx
n−m + a1,n1x
n1−m).
Prosseguindo obtemos uma sequ¨eˆncia de polinoˆmios fi com graus estritamente de-
crescentes, assim pelo menos para algum t ≥ 1 temos ft 6= 0 e grau(ft) < m, neste
ponto o algoritmo acaba, tome
r = ft e q =
1
bm
(anx
n−m + a1,n1x
n1−m + . . .+ at−1,nt−1x
nt−1−m).
Suponha que tenhamos realizado duas diviso˜es
f = q1g + r1 = q2g + r2,
onde para i = 1, 2, ri = 0 ou grau(ri) < m. Se r1 = r2, enta˜o q1g = q2g = 0, e como
g 6= 0, enta˜o q1 = q2. Suponhamos que r1 6= r2. Neste caso, grau(r1 − r2) < m.
Por outro lado
r1 − r2 = (q2 − q1)g
e grau((q2 − q1)g) ≥ grau(g), o que e´ imposs´ıvel. �
14.3. Ma´ximo divisor comum de polinoˆmios
Sejam f, g ∈ K[x] − {0}. Dizemos que f divide g e denotamos por f | g se
existe
h ∈ K[x] tal que fh = g.
Notemos que esta propriedade e´ transitiva, i.e.,
se f | g e g | h, enta˜o f | h.
De fato, se g = fα e h = gβ, onde α, β ∈ K[x], enta˜o h = fαβ, i.e., f | h.
Se h 6= 0 e fh | gh, enta˜o f | h,
pois se gh = fhα para α ∈ K[x], enta˜o h(g − fα) = 0 e como h 6= 0 e K[x] e´
domı´nio de integridade, enta˜o g = fα. Ale´m disto,
se f | g e g | f, enta˜o f = ag,
para algum a ∈ K∗, pois de f = gα e g = fβ obtemos que 1 = αβ, mas a u´ltima
igualdade so´ ocorre se α, β ∈ K∗.
Definic¸a˜o 14.4. Sejam f, g ∈ K[x]−{0}, dizemos que d ∈ K[x] e´ um mdc de
f e g se
(1) d | f e d | g.
(2) Para todo d′ ∈ K[x] tal que d′ | f e d′ | g, temos d′ | d.
Dizemos que f =
∑n
i=0 aix
i ∈ K[x] e´ um polinoˆmio moˆnico, se an = 1.
Observac¸a˜o 14.5. Dado um outro mdc e de f e g, pela condic¸a˜o (2) temos
que d | e e e | d, portanto d = ae, onde a ∈ K∗. A maneira de tornar canoˆnica
a escolha do mdc e´ exigir que ele seja um polinoˆmio moˆnico e neste caso podemos
dizer que d = mdc(f, g) e´ o mdc de f e g.
98 14. ANE´IS DE POLINOˆMIOS
Observe que se f | g e f enta˜o f e´ um mdc de f e g. A etapa seguinte e´ obter
o mdc de maneira algor´ıtimica. Para isto introduzimos um lema simples.
Lema 14.6. Sejam f, g ∈ K[x]− {0} e q, r ∈ K[x] tais que
f = qg + r, onde r = 0 ou grau(r) < grau(g).
Enta˜o
mdc(f, g) = mdc(g, r).
Demonstrac¸a˜o. Seja Df,g (resp. Dg,r) o conjunto dos divisores comuns de
f e g (resp. g e r). Seja d = mdc(f, g). Logo para todo d′ ∈ Df,g \ {0} temos
grau(d′) ≤ grau(d). Assim d e´ o elemento em Df,g moˆnico de grau ma´ximo poss´ıvel.
Similarmente, e = mdc(g, r) e´ o elemento moˆnico em Dg,r de grau ma´ximo poss´ıvel.
Mostraremos agora que Df,g = Dg,r, consequ¨entemente d = e.
Seja A ∈ Df,g, logo f = Aα e g = Aβ, onde α, β ∈ K[x]. Segue da equac¸a˜o do
enunciado que
r = A(α− qβ),
em particular A ∈ Dg,r. A inclusa˜o oposta segue pelo mesmo argumento. �
Teorema 14.7. Sejam f, g ∈ K[x] \ {0} e r1, · · · , rn ∈ K[x] os restos na˜o
nulos na sequ¨eˆncia de diviso˜es
(14.7.1)
f = q1g + r1, onde grau(r1) < grau(b)
g = q2r1 + r2, onde grau(r2) < grau(r1)
· · ·
rn2 = qnrn−1 + rn, onde grau(rn) < grau(rn−1)
rn−1 = qn+1rn.
Esta sequ¨eˆncia e´ finita pois os graus sa˜o estritamente decrescentes. Enta˜o rn e´ um
mdc de f e g.
Demonstrac¸a˜o. A u´ltima linha nos diz que rn e´ um mdc de rn e rn−1.
Logo rn = mdc(rn−1, rn). Pelo lema 14.6 concluimos que rn = mdc(rn−1, rn−2)
e prosseguindo nas linhas anteriores temos que rn = mdc(r2, r1) = mdc(r1, g) =
mdc(f, g). �
Teorema 14.8 (algoritmo euclideano estendido). Sejam f, g ∈ K[x] \ {0} e
d = mdc(a, b). Enta˜o existem α, β ∈ K[x] tais que
d = fα+ gβ.
Demonstrac¸a˜o. Do teorema anterior temos que d = rn. A penu´ltima equa-
c¸a˜o nos da´
rn = rn−2 − qnrn−1.
Tomando A1 = −qn e B1 = 1 reescrevemos
rn = B1rn−2 +A1rn−1.
Utilizando a equac¸a˜o antecedente a esta obtemos
rn = B1rn−2 +A1(rn−3 − qn−1rn−2) = B2rn−3 +A2rn−2,
onde B2 = A1 e A2 = B1 − A1qn−1. Prosseguindo ao longo das demais diviso˜es
obtemos
rn = Bn−3r1 +An−3r2 = Bn−3r1 +An−3(g − q2r1) = Bn−2g +An−2r1,
14.11. FATORAC¸A˜O U´NICA DE POLINOˆMIOS 99
onde Bn−2 = An−3 e An−2 = Bn−3−An−3q2. Pela equac¸a˜o antecedente temos que
rn = Bn−2g +An−2(f − gq1) = α′f + β′g,
onde α′ = An−2 e β′ = Bn−2 −An−2q1. �
Nosso objetivo agora e´ dar uma prova mais conceitual do algoritmo euclideano
estendido usando a noc¸a˜o de ideal.
Definic¸a˜o 14.9. Um subconjunto I ⊂ K[x] e´ dito um ideal de K[x] se
(1) O ∈ I.
(2) Se f, g ∈ I, enta˜o f + g ∈ I.
(3) Se f ∈ I e α ∈ K[x], enta˜o fα ∈ I.
Fica como exerc´ıcio verificar que os seguintes conjuntos sa˜o ideais:
(i) Seja f ∈ K[x] e I := (f) := {fα |α ∈ K[x]} o conjunto dos mu´ltiplos de
f .
(ii) Sejam f, g ∈ K[x] e I := (f) + (g) := {fα+ gβ |α, β ∈ K[x]}.
(iii) Sejam f1, · · · , fn ∈ K[x] e I := (f1)+ . . .+(fn) := {f1α1 + . . .+fnαn |α1,
· · · , αn ∈ K[x]}.
Teorema 14.10. O domı´nio K[x] e´ principal, i.e., todo ideal I de K[x] e´ da
forma (f) para algum f ∈ K[x].
Demonstrac¸a˜o. Seja I um ideal de K[x]. Se I = (0) nada ha´ a fazer. Supo-
nhamos que I 6= (0). Pelo axioma da boa ordenac¸a˜o existe um u´nico f ∈ I − {0}
moˆnico de grau mı´nimo. Afirmamos que I = (f). De fato, como f ∈ I, para todo
fα ∈ (f), pelo ı´tem (3) da definic¸a˜o de ideal, fα ∈ I. Assim (f) ⊂ I. Para provar
a inclusa˜o oposta precisamos do algoritmo da divisa˜o. Seja g ∈ I \ {0}. Enta˜o
existem q, r ∈ K[x] tais que g = qf + r, onde r = 0 ou grau(r) < grau(f). Note
que r ∈ I, pois g, f ∈ I. Logo, se r 6= 0 violar´ıamos a minimalidade do grau de f .
Portanto, r = 0 e g ∈ (f). �
Aplicando este teorema ao ı´tem (ii) anterior, obtemos que existe um u´nico
d ∈ K[x] moˆnico tal que (f) + (g) = (d). Afirmamos que d = mdc(f, g). De fato,
f = 1.f + 0.g ∈ (f) + (g) = (d), logo f = αd, para α ∈ K[x], i.e., d | f . Da
mesma forma d | g. Se d′ | f e d′ | g, para d′ ∈ K[x], enta˜o d = αf + βg, para
α, β ∈ K[x], se reescreve como d = (αα′ + ββ′)d′, para α′, β′ ∈ K[x], i.e., d′ | d,
logo d = mdc(f, g). Observe tambe´m que de passagem provamos que d = αf + βg
que e´ a igualdade do algoritmo euclideano estendido.
14.11. Fatorac¸a˜o u´nica de polinoˆmios
Seja f ∈ K[x] \ {0}. Dizemos que f e´ irredut´ıvel se dados g, h ∈ K[x] \ {0} tais
que f = gh enta˜o f ∈ K∗ ou g ∈ K∗. Por exemplo x3− 2 e´ irredut´ıvel em Q[x],
pois sendo um polinoˆmio de grau 3 so´ seria redut´ıvel se um dos fatores tivesse grau
1 e outro grau 2 ou se tivermos 3 fatores de grau 1. Mas como x3 − 2 e´ moˆnico
isto equivale a este polinoˆmio ter uma raiz racional. Mas suas ra´ızes sa˜o 3
√
2, 3
√
2α
e 3
√
2α2 que na˜o na˜o nu´meros racionais, onde α = exp(2pii/3). Por outro lado, em
C[x] temos a fatorac¸a˜o x3 − 2 = (x− 3√2)(x− 3√2α)(x− 3√2α2), assim esta noc¸a˜o
e´ relativa ao corpo considerado.
Seja I ⊂ K[x] um ideal na˜o nulo. I e´ dito um ideal maximal de K[x] se dado
um ideal J de K[x] tal que I ⊂ J ⊂ K[x], enta˜o J = I ou J = K[x].
100 14. ANE´IS DE POLINOˆMIOS
Proposic¸a˜o 14.12. Seja f ∈ K[x] \ {0}. Enta˜o f e´ irredut´ıvel se e somente
se (f) e´ maximal.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que f seja irredut´ıvel. Seja J um ideal de K[x]
tal que (f) ⊂ J ⊂ K[x]. Pelo Teorema 14.10 temos que existe g ∈ K[x] tal que
J = (g). Logo f = gA, para A ∈ K[x]. Pela irredutibilidade de f temos que g ∈ K∗
ou A ∈ K∗. No primeiro caso, 1 = gg−1 ∈ (g), assim (g) = K[x]. No segundo caso,
g = A−1f ∈ (f), em particular (g) = (f).
Reciprocamente, suponhamos que (f) seja maximal e que f = gh para g, h ∈
K[x]\{0}. Enta˜o (f) ⊂ (g) ⊂ K[x]. Pela maximalidade de (f), temos que (g) = (f)
ou (g) = K[x]. No primeiro caso, g = af para algum a ∈ K∗, logo 1 = ah e a
fortiori h ∈ K∗. No segundo caso, 1 = gg−1 ∈ (g) e assim g ∈ K∗. �
Lema 14.13. Seja f ∈ K[x] irredut´ıvel tal que f | gh para g, h ∈ K[x] \ {0}.
Enta˜o f | g ou f | h.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que f - g, i.e., mdc(f, g) = 1. Pelo algoritmo
euclideano estendido existem A,B ∈ K[x] tais que 1 = Af + Bg. Logo, h =
Afh+Bgh, e como f | gh, concluimos que f | h. �
Teorema 14.14. Seja f ∈ K[x]\{0}. Enta˜o existem u´nicos u ∈ K∗, p1, · · · , pr
∈ K[x] polinoˆmios irredut´ıveis moˆnicos tais que grau(p1) < · · · < grau(pr) e inteiros
e1, · · · , er tais que
f = upe11 . . . p
er
r .
Demonstrac¸a˜o. Provavemos primeiro a existeˆncia da fatorac¸a˜o. Se f ∈ K∗
ou f e´ irredut´ıvel nada ha´ a fazer. Suponha que grau(f) ≥ 1 e f seja redut´ıvel.
Seja Df o conjunto dos dvisores de f em K[x]. Pelo axioma da boa ordenac¸a˜o
existe q1 ∈ Df tal que grau(q1) ≤ grau(A) para todo A ∈ Df . Afirmamos que q1 e´
irredut´ıvel. Se isto na˜o ocorresse, um fator B de q1 teria grau menor que grau(q1)
e ale´m disto pertenceria a Df , o que e´ imposs´ıvel. Seja
f1 :=
f
q1
.
Se f1 ∈ K∗ ou f1 for irredut´ıvel acabou. Sena˜o, seja q2 ∈ Df1 tal que grau(q2) ≤
grau(A) para todo A ∈ Df1 . Pelo mesmo argumento anterior q2 e´ irredut´ıvel. Seja
f2 :=
f1
q2
=
f
q1q2
.
Se f2 ∈ K∗ ou f2 for irredut´ıvel acabou. Sena˜o prosseguimos. Note que grau(f) >
grau(f1) > grau(f2) > · · · ≥ 0. Assim, existe r ≥ 1 tal que fr ∈ K∗, digamos
fr = u. Portanto,
f = uq1 · · · qr
e´ a fatorac¸a˜o desejada. Observe tambe´m que este processo e´ algor´ıtmico e que na˜o
fizemos qualquer hipo´tese sobre os qi’s serem distintos.
Agrupando os polinoˆmios irredut´ıveis iguais temos uma fatorac¸a˜o como no
enunciado. Provemos agora sua unicidade. Suponha que tenhamos duas fatorac¸o˜es
como acima, digamos
f = upe11 · · · pefr = vqg11 · · · qgss ,
14.11. FATORAC¸A˜O U´NICA DE POLINOˆMIOS 101
onde v ∈ K∗, q1, · · · , qs sa˜o irredut´ıveis com grau(q1) < · · · < grau(qs) e g1, · · · , gs
≥ 1 sa˜o inteiros. Observe que
p1 | vqg11 · · · qgss ,
logo pelo lema 14.13 existe j tal que p1 | qj . Como ambos sa˜o irredut´ıveis moˆnicos
isto ocorre se e somente se qj = p1.
Afirmamos que j = 1. Suponha que j > 1. Neste caso, pelo mesmo argumento
existe i tal que q1 = bipi para bi ∈ K∗. Se i = 1, enta˜o
grau(q1) = grau(p1) = grau(qj),
o que e´ imposs´ıvel. Se i > 1, enta˜o
grau(q1) = grau(pi) > grau(p1) = grau(qj),
o que tambe´m e´ imposs´ıvel. Portanto q1 = a1p1 e ale´m disto e1 = g1. Dividindo os
dois lados por pe11 obtemos a igualdade
upe22 · · · perr = vqg22 · · · qgss .
O mesmo argumento acima mostra que q2 = p2 e que e2 = g2. Novamente dividindo
os dois lados por pe22 obtemos
upe33 · · · perr = vqg33 · · · qgss .
Assim aplicando sucessivamente o argumento temos que r = s, ei = gi para todo i,
qi = aipi, onde ai ∈ K∗, e u = v. �
Nosso objetivo agora e´ obter um crite´rio de irredutibilidade de polinoˆmios em
Q[x] em termos dos seus coeficientes.
Lema 14.15 (lema de Gauss). Seja f ∈ Z[x] irredut´ıvel. Enta˜o f e´ irredut´ıvel
em Q[x].
Demonstrac¸a˜o. Suponha que f = gh com g, h ∈ Q[x] e grau(g), grau(h) ≥
1. Multiplicando os dois lados pelo produto m dos denominadores de todos os
coeficientes de g e h obtemos
mf = g1h1,
onde g1, h1 ∈ Z[z] e grau(g1) = grau(g) e grau(h1) = grau(h). Seja p um fator
primo de m.
Afirmamos que p divide todos os coeficientes de g1 ou todos os coeficientes de
h1. Escrevemos explicitamente
g1 =
n∑
i=0
aix
i e h1 =
m∑
j=0
bjx
j .
Suponhamos que existam i e j tais que p - ai e p - bj . Ale´m disto escolhamos estes
i e j minimais para esta propriedade. Consideremos o coeficiente de xi+j de mf
dado por
ci+j = a0bi+j + . . .+ ai−1bj+1 + aibj + ai+1bj−1 + . . .+ ai+jb0.
Assim p divide todas as parcelas exceto aibj , mas como p | ci+j isto nos da´ uma
contradic¸a˜o. Portanto, p | ai para todo i ou p | bj para todo j. Suponhamos o
primeiro caso, dividindo por p dos dois lados temos que
m
p
f = g2h1.
102 14. ANE´IS DE POLINOˆMIOS
Repetindo o argumento, cancelamos todos os fatores primos de m obtendo
f = g∗h∗,
onde g∗, h∗ ∈ Z[x] e grau(g∗) = grau(g) e grau(h∗) = grau(h). Portanto f e´
redut´ıvel em Z[x]. �
Proposic¸a˜o 14.16 (crite´rio de Eisenstein). Seja
f =
n∑
i=0
aix
i ∈ Z[x] \ {0}.
Suponhamos que exista um nu´mero primo p tal que p | ai para todo i 6= n e p2 - a0.
Enta˜o f e´ irredut´ıvem em Q[x].
Demonstrac¸a˜o. Pelo lema de Gauss basta mostrar que f e´ irredut´ıvel em
Z[x]. Suponhamos que f = gh com g, h ∈ Z[x] e grau(g), grau(h) ≥ 1, digamos
g =
r∑
i=0
aix
i e h =
s∑
j=0
bjx
j .
Como p - an = brcs enta˜o p - br e p - cs. Por outro lado segue de p | a0 = b0c0 e
p2 - a0 que p | b0 ou p | c0 e apenas uma destas opc¸o˜es ocorre. Digamos que p | b0 e
p - c0. Seja i ≤ r o menor inteiro tal que p - bi. O coeficiente de xi em f e´ dado por
ai = b0ci + b1ci−1 + . . .+ bi−1c1 + bic0,
assim p divide todas as parcelas exceto a u´ltima, portanto p - ai. Mas isto so´ pode
ocorrer para i = n, mas i ≤ r < n. �
Utilizando o crite´rio de Eisenstein vemos que todo polinoˆmio xn− p para p um
nu´mero primo e´ irredut´ıvel em Z[x]. Um exemplo menos o´bvio e´ f(x) = xp−1+. . .+
x+1. Na˜o existe a priori um primo para o qual possamos aplicar o crite´rio. A ide´ia
e´ considerar o automorfismo de K[x] definido por x 7→ x+ 1. Assim dado g ∈ K[x]
temos que g(x) e´ irredut´ıvel se e somente se g(x+ 1) e´ irredut´ıvel. Aplicando isto a
f , observamos (exerc´ıcio) que f(x+ 1) tem todos os coeficientes, exceto o l´ıder que
e´ 1, divis´ıveis por p e o coeficiente constante e´ igual a p, portanto na˜o e´ divis´ıvel
por p2.
CAP´ıTULO 15
Ane´is e domı´nios
15.1. Domı´nios euclideanos
Seja D um domı´nio de integridade e ϕ : D \ {0} → N uma func¸a˜o tal que
ϕ(ab) ≥ ϕ(a),
para todos a, b ∈ D \ {0}. Dizemos que (D,ϕ) e´ um domı´nio euclideano, se para
todo a, b ∈ D com b 6= 0 temos
a = bq + r, onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(b).
Como exemplos temos (Z, | |) e (K[x], grau). Em um domı´nio de integridade D
dizemos que b | a (para a, b ∈ D) se existe c ∈ D tal que a = bc.
Exemplo 15.2. Um outro exemplo e´ o anel dos inteiros gaussianos,
Z[i] := {a+ bi | a, b ∈ Z}, onde i2 = −1.
Definimos tambe´m
ϕ(a+ bi) := a2 + b2.
Note que se a+ bi, c+ di ∈ Z[i] \ {0}, enta˜o
ϕ((a+ bi)(c+ di)) = ϕ((ac− bd) + i(ad+ bc)i) = (ac− bd)2 + (ad+ bc)2
= a2c2 + b2d2 + a2d2 + b2c2 = a2(c2 + d2) + b2(c2 + d2)
= (a2 + b2)(c2 + d2) = ϕ(a+ bi)ϕ(c+ di).
Em particular a condic¸a˜oϕ((a+ bi)(c+ di)) ≥ ϕ(a+ bi)
e´ satisfeita. Afirmamos que (Z[i], ϕ) e´ um domı´nio euclideano. De fato, dados
a + bi, c + di ∈ Z[i] com c + di 6= 0 queremos mostrar que existem q = q0 + iq1 e
r = r0 + ir1 em Z[i] tais que
a+ bi = q(c+ di) + r, onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(c+ di).
Se c+ di divide a+ bi basta tomar
r = 0 e q =
a+ bi
c+ di
.
Suponhamos portanto que isto na˜o ocorra, i.e., procuramos r 6= 0 satisfazendo a
ϕ(r) = ϕ(a+ bi− q(c+ di)) < ϕ(c+ di),
i.e., (utilizando a multiplicatividade de ϕ)
ϕ
(
a+ bi
c+ di
− q
)
< ϕ(1) = 1.
103
104 15. ANE´IS E DOMI´NIOS
Normalizando (a+ bi)/(c+ di) obtemos
(a+ bi)(c− di)
c2 + d2
= α+ iβ,
onde α, β ∈ Q. Assim queremos mostrar que
ϕ(α+ iβ − q) = (α− q0)2 + (β − q1)2 < 1.
Note que como α ∈ Q, enta˜o existe q0 ∈ Z tal que |α− q0| ≤ 12 . Da mesma forma,
existe q1 ∈ Z tal que |β − q1| ≤ 12 . Portanto,
(α− q0)2 + (β − q1)2 ≤ 1
4
+
1
4
=
1
2
< 1.
Definimos portanto q como q0 + iq1 e r como a+ bi− (c+ di)q.
Exemplo 15.3. Outro exemplo e´ o anel
Z[
√
2] := {a+ b
√
2 | a, b ∈ Z}.
Para este anel definimos
ϕ(a+ b
√
2) := a2 − 2b2.
Observemos que
ϕ((a+ b
√
2)(c+ d
√
2)) = ϕ((ac+ 2bd) + (ad+ bc)
√
2) = (ac+ 2bd)2− 2(ad+ bc)2
= a2c2 + 4b2d2 − 2a2d2 − 2b2c2 = a2(c2 − 2d2)− 2b2(c2 − 2d2)
= (a2 − 2b2)(c2 − 2d2) = ϕ(a+ b
√
2)ϕ(c+ d
√
2).
Portanto,
ϕ((a+ b
√
2)(c+ d
√
2)) ≥ ϕ(a+ b
√
2).
Dados a+ b
√
2, c+ d
√
2 ∈ Z[√2] com c+ d√2 6= 0 queremos obter q, r ∈ Z[√2] tais
que
a+ b
√
2 = (c+ d
√
2)q + r, onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(c+ d
√
2).
Se (c+ d
√
2) | (a+ b√2) tomamos
r = 0 e q =
a+ b
√
2
c+ d
√
2
.
Caso isto na˜o ocorra procuramos r 6= 0 tal que
ϕ(r) = ϕ(a+ b
√
2− q(c+ d
√
2)) < ϕ(c+ d
√
2),
i.e.,
ϕ
(
a+ b
√
2
c+ d
√
2
− q
)
< ϕ(1) = 1.
Normalizando (a+ b
√
2)/(c+ d
√
2) obtemos
(a+ b
√
2)(c− d√2)
c2 − 2d2 = α+ β
√
2,
onde α, β ∈ Q. Assim queremos mostrar que
(α− q0)2 − 2(β − q1)2 < 1
15.1. DOMI´NIOS EUCLIDEANOS 105
para q0, q1 ∈ Z. Novamente podemos escolher q0, q1 ∈ Z tais que |α − q0| ≤ 12 e
|β − q1| ≤ 12 . Ale´m disto
(α− q0)2 − 2(β − q1)2 ≤ (α− q0)2 ≤ 1
4
< 1.
Observac¸a˜o 15.4. Estes exemplos sa˜o na verdade casos particulares da se-
guinte situac¸a˜o mais geral. Seja K ⊃ Q um corpo contendo Q que como Q-espac¸o
vetorial e´ de dimensa˜o finita. Um tal corpo e´ chamado um corpo de nu´meros. Os
elementos α ∈ K que satisfazem uma equac¸a˜o do tipo
αn +
n−1∑
i=0
aiα
i = 0 tais que ai ∈ Z
sa˜o chamados inteiros alge´bricos de K e o conjunto de todos os inteiros alge´bricos
forma uma anel (dos inteiros alge´bricos de K) denotado por OK . A pergunta e´
quando OK com uma func¸a˜o ϕ apropriada e´ um domı´nio euclideano. A resposta
e´ como no caso anterior geome´trica. Tudo depende da representac¸a˜o logar´ıtmica
de K em um R espac¸o vetorial Rn de dimensa˜o finita. Existem crite´rios nos quais
podemos mostrar que para certos corpos de nu´meros K existem func¸o˜es ϕK tais
que (OK , ϕK) e´ um domı´nio euclideano. Para mais sobre esta questa˜o ver [Le1] e
[Le2].
Observac¸a˜o 15.5. Mostraremos agora que como no caso dos inteiros e dos
polinoˆmios domı´nios euclideanos sa˜o principais e fatoriais. Um caso cla´ssico de
corpo de nu´meros ligado a teoria de nu´meros e´ o corpo
Q[ζn] :=
{
n−1∑
i=0
aiζ
i | ai ∈ Q para todo i
}
,
onde ζ = exp(2pii/n). Este corpo e´ chamado o n-e´simo corpo ciclotoˆmico. Kummer,
no fim do se´culo XIX, pensou erradamente ter “provado” o u´ltimo teorema de
Fermat (i.e., que a equac¸a˜o xn + yn = zn na˜o possui soluc¸o˜es inteiras na˜o triviais
para n > 2), e seu erro foi exatamente ter “achado” que OK era principal, o que e´
falso.
Teorema 15.6. Seja (D,ϕ) um domı´nio euclideano. Enta˜o D e´ principal, i.e.,
todo ideal I ⊂ D e´ da forma I = (a) = {aα |α ∈ D}.
Demonstrac¸a˜o. Se I = (0) nada ha´ a fazer. Suponhamos que I 6= (0) e seja
a ∈ I \ {0} tal que ϕ(a) ≤ ϕ(α) para todo α ∈ I \ {0}. Afirmamos que I = (a).
A inclusa˜o (a) ⊂ I e´ imediata da definic¸a˜o de ideal. Suponhamos que b ∈ I. Por
hipo´tese existem q, r ∈ D tais que b = aq+ r, onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(a). Se r 6= 0,
enta˜o r = b− aq ∈ I, mas isto contradiz a escolha de a. Logo r = 0 e b ∈ (a). �
Teorema 15.7. Seja (D,ϕ) um domı´nio euclideano. Enta˜o D e´ principal, i.e.,
todo ideal I ⊂ D e´ da forma I = (a) = {aα |α ∈ D}.
Demonstrac¸a˜o. Se I = (0) nada ha´ a fazer. Suponhamos que I 6= (0) e seja
a ∈ I \ {0} tal que ϕ(a) ≤ ϕ(α) para todo α ∈ I \ {0}. Afirmamos que I = (a).
A inclusa˜o (a) ⊂ I e´ imediata da definic¸a˜o de ideal. Suponhamos que b ∈ I. Por
hipo´tese existem q, r ∈ D tais que b = aq+ r, onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(a). Se r 6= 0,
enta˜o r = b− aq ∈ I, mas isto contradiz a escolha de a. Logo r = 0 e b ∈ (a). �
106 15. ANE´IS E DOMI´NIOS
SejaD um domı´nio de integridade. Denotamos porD∗ o conjunto dos elementos
invers´ıveis de D. i.e., o conjunto dos elementos a ∈ D tais que existe b ∈ D tal
que ab = 1. Por exemplo, Z∗ = {±1} e K[x]∗ = K∗. Se D = Z[i], notemos que
se a + bi ∈ Z[i]∗ enta˜o existe c + di ∈ Z[i] tal que (a + bi)(c + di) = 1. Logo
(a2 + b2)(c2 + d2) = 1, i.e., a2 + b2 = 1. Mas no c´ırculo x2 + y2 = 1 os u´nicos
pontos com coordenadas inteiras sa˜o ±1 e ±i. Reciprocamente, estes elementos sa˜o
claramente invers´ıveis, portanto Z[i]∗ = {±1,±i}.
Um elemento a ∈ D e´ dito irredut´ıvel, se toda vez que a = bc com b, c ∈ D
enta˜o b ∈ D∗ ou c ∈ D∗.
Lema 15.8. Seja (D,ϕ) um domı´nio euclideano. Enta˜o a ∈ D∗ se e somente
se ϕ(a) = ϕ(1).
Demonstrac¸a˜o. Observemos que ϕ(a) = ϕ(a.1) ≥ ϕ(1) para todo a ∈ D \
{0}. Por outro lado se a ∈ D∗, enta˜o existe b ∈ D \ {0} tal que ab = 1, logo
ϕ(1) = ϕ(ab) ≥ ϕ(a), o que mostra que ϕ(a) = ϕ(1). Suponha que ϕ(a) = ϕ(1)
para a ∈ D \ {0}. Por hipo´tese existem q, r ∈ D tais que 1 = qa + r com r = 0
ou ϕ(r) < ϕ(a). Assim, se r 6= 0, enta˜o ϕ(r) < ϕ(1) o que e´ imposs´ıvel. Portanto,
r = 0 e 1 = aq, i.e., a ∈ D∗. �
Teorema 15.9. Seja (D,ϕ) um domı´nio euclideano e a ∈ D \ {0}. Enta˜o
existem u ∈ D∗ e p1, · · · , pr ∈ D \ {0} irredut´ıveis tais que a = up1 · · · pr.
Demonstrac¸a˜o. Se a ∈ D∗ ou a for irredut´ıvel nada ha´ a fazer. Suponhamos
a /∈ D∗ redut´ıvel. Seja Da o conjunto dos divisores d de a em D. Seja p1 ∈ Da \{0}
tal que ϕ(p1) ≤ ϕ(b) para todo b ∈ Da. Afirmamos que p1 e´ irredut´ıvel. De fato,
caso contra´rio, p1 = cd, c, d /∈ D∗ e ϕ(p1) = ϕ(cd) ≥ ϕ(d). Se ϕ(cd) = ϕ(d), por
hipo´tese existem q, r ∈ D tais que d = qcd+ r com r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(cd) = ϕ(d).
Se r 6= 0, enta˜o r = d(1− qc) e ϕ(r) ≥ ϕ(d), o que e´ imposs´ıvel, assim r = 0, mas
neste caso qc = 1, logo c ∈ D∗, o que tambe´m e´ imposs´ıvel. Assim ϕ(cd) > ϕ(d) e
d ∈ Da, mas isto contradiz a minimalidade de p1. Portanto, p1 e´ irredut´ıvel.
Seja
a1 :=
a
p1
.
Se a1 ∈ D∗ ou a1 e´ irredut´ıvel enta˜o nada ha´ a fazer. Caso contra´rio, repetindo o
argumento existe p2 ∈ Da1 irredut´ıvel tal que ϕ(p2) ≤ ϕ(b) para todo b ∈ Da1 \{0}.
Seja
a2 :=
a1
p2
=
a
p1p2
.
Novamente, se a2 ∈ D∗ ou a2 for irredut´ıvel acabou. Caso contra´rio prosseguimos.
Observe que ϕ(a) > ϕ(a1) > ϕ(a2) > · · · ≥ ϕ(1), pois os elementos pi’s sa˜o
irredut´ıveis. Portanto, existe r tal que ϕ(ar) = ϕ(1), i.e., ar ∈ D∗ e neste caso
a = up1 · · · pr com u = ar.
�
Definic¸a˜o 15.10. Sejam a, b ∈ D \ {0}. Definimos um mdc d de a e b por
(1) d | a e d | b.
(2) Para todo d′ ∈ D \ {0} tal que d′ | a e d′ | b, temos que d′ | d.
15.1. DOMI´NIOS EUCLIDEANOS 107
Observac¸a˜o 15.11. Observe que se d e e sa˜o mdc’s de a e b enta˜o d | e e
e | d, i.e., d = Ae e e = Bd para A,B ∈ D, assim d = BAd e portanto A,B ∈ D∗.
Logo a menos de multiplicac¸a˜o por um elemento invers´ıvel a noc¸a˜o de mdc esta´
bem definida.
Observac¸a˜o 15.12. Seja
I := (a) + (b) := {aα+ bβ |α, β ∈ D}
o ideal geradopor a e b. Como (D,ϕ) e´ principal, concluimos que existe d ∈ D\{0}
tal que (d) = I. Afirmamos que d = mdc(a, b). De fato, a = 1.a + 0.b ∈ I, logo
a = dα, i.e., d | a. Pelo mesmo argumento d | b. Por outro lado existem s, t ∈ D
tais que d = as + bt (o algoritmo euclideano estendido). Se d′ | a e d′ | b, enta˜o
a = Ad′ e b = Bd′ para A,B ∈ D, portanto d = d′(sA+ tB), i.e., d′ | d.
Lema 15.13. Seja p ∈ D irredut´ıvel e suponha que p | ab para a, b ∈ D. Enta˜o
p | a ou p | b.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que p - a, enta˜o mdc(p, a) = 1 e existem s, t ∈ D
tais que 1 = sp + ta. Multiplicando por b e utilizando que ab = αp para α ∈ D,
obtemos b = spb+ tαp, logo p | b. �
Teorema 15.14. Seja (D,ϕ) um domı´nio euclideano e a ∈ D \ {0}. Enta˜o
existem u´nicos (a menos de invers´ıveis) u ∈ D∗, p1, · · · , pr ∈ D irredut´ıveis com
ϕ(p1) < · · · < ϕ(pr) e inteiros e1, · · · , er ≥ 1 tais que
a = upe11 · · · perr .
Demonstrac¸a˜o. Suponha que possamos fatorar a de duas maneiras distintas
a = upe11 · · · perr = vqf11 · · · qfss ,
para v ∈ D∗, q1, · · · , qs ∈ D irredut´ıveis com ϕ(q1) < · · · < ϕ(qs). Observe que
p1 | vqf11 · · · qfss .
Pelo lema anterior existe i tal que p1 | qi. Como ambos sa˜o irredut´ıveis isto significa
que existe ai ∈ D∗ tal que qi = aip1. Afirmamos que i = i.
De fato, suponha que i > 1. Pelo mesmo argumento existe j tal que p1 = bjqj
com bj ∈ D∗. Se j = 1, enta˜o ϕ(p1) = ϕ(q1) < ϕ(qi) = ϕ(p1) o que e´ imposs´ıvel. Se
j > 1, enta˜o ϕ(p1) = ϕ(qi) > ϕ(q1) = ϕ(pi) o que tambe´m e´ imposs´ıvel. Tambe´m
temos que ter e1 = f1, pois se por exemplo f1 > e1, enta˜o apo´s cancelar p1 ter´ıamos
que ter q1 = apj para j > 1 o que novamente e´ imposs´ıvel.
Dividindo ambos os lados por pe11 obtemos
uae11 p
e2
2 · · · perr = vqf22 · · · qfss .
Repetindo o argumento anterior, q2 = a2p2 para a2 ∈ D∗ e e2 = f2, dividindo
ambos os lados por pe22 obtemos
uae11 a
e2
2 p
e3
3 · · · perr = vqf33 · · · qfss .
Repetindo o argumento obtemos que r = s e para todo i = 1, · · · , r temos que
qi = aipi para ai ∈ D∗ e
u = vae11 · · · aerr .
�
108 15. ANE´IS E DOMI´NIOS
15.15. Domı´nios fatoriais
Definic¸a˜o 15.16. Seja D um domı´nio de integridade. Definimos em D :=
D × (D \ {0}) a seguinte relac¸a˜o de equivaleˆncia:
(a, b) ∼ (c, d) se e somente se ad = bc.
Seja K := D/ ∼ o conjunto das classes de equivaleˆncia de D. A classe de equi-
valeˆncia do par (a, b) e´ denotada pela frac¸a˜o ab . Definimos em D operac¸o˜es de soma
e produto por
a
b
+
c
d
:=
ad+ bc
cd
e
a
b
+
c
d
=
ac
bd
.
Com estas operac¸o˜es K e´ um corpo. O inverso de a/b 6= 0 e´ b/a.
Definic¸a˜o 15.17. Sejam A e B dois ane´is (sempre comutativos com elemento
neutro para o produto). Uma func¸a˜o f : A→ B e´ dita um homomorfismo de ane´is
se f(x+ y) = f(x) + f(y) e f(xy) = f(x)f(y) para todos x, y ∈ A. O nu´cleo N(f)
de f e´ definido como o subconjunto dos elementos a ∈ A tais que f(a) = 0. Note
que 0 ∈ N(f). Observe tambe´m que N(f) e´ um ideal de A. De fato, se x, y ∈ N(f),
enta˜o f(x+ y) = f(x) + f(y) = 0, i.e., x+ y ∈ N(f). Se x ∈ N(f) e a ∈ A, enta˜o
f(x, y) = f(x)f(y) = 0, i.e., xa ∈ N(f).
Lema 15.18. f e´ injetivo se e somente se N(f) = (0).
Demonstrac¸a˜o. Se f e´ injetivo e x ∈ N(f), enta˜o f(x) = 0 = f(0), logo
x = 0. Se N(f) = (0) e f(x) = f(y), enta˜o f(x − y) = 0, i.e., x − y ∈ N(f), i.e.,
x = y. �
Observac¸a˜o 15.19. Um homomorfismo f : A → B e´ dito um isomorfismo se
for um homomorfismo bijetivo. Consideremos o homomorfismo de ane´is ϕ : D → K
definido por ϕ(a) := a/1. Este e´ um homomorfismo injetivo, pois se a/1 = 0/1,
enta˜o a = 0. Por isto D e´ isomorfo a sua imagem e K e´ dito o corpo de frac¸o˜es de
D e denotado por fr(D).
Definic¸a˜o 15.20. Um domı´nio de integridade D e´ dito fatorial quando para
todo a ∈ D \ {0} podemos escrever a de maneira u´nica
a = upe11 · · · perr ,
onde u ∈ D∗, p1, · · · , pr ∈ D sa˜o irredut´ıveis e e1, · · · , er ≥ 1 sa˜o inteiros, onde a
unicidade e´ a menos de multiplicac¸a˜o por um elemento de D∗ ou de permutac¸a˜o dos
irredut´ıveis. No caso de um domı´nio euclideano, a func¸a˜o ϕ determina a ordem dos
elementos irredut´ıveis, assim na˜o podemos permuta´-los e a a unicidade e´ a menos
de multiplicac¸a˜o por invers´ıveis. Dois elementos a, b ∈ D sa˜o ditos associados
(denotado por a ∼ b), se a = ub onde u ∈ D∗.
Definic¸a˜o 15.21. Seja D[x] o anel de polinoˆmios com coeficientes em D, i.e.,
sa˜o os elementos da forma
f =
n∑
i=0
aix
i tais que ai ∈ D para todo i.
Seja K := fr(D) seu corpo de frac¸o˜es. O conteu´do c(f) de f ∈ D[x] e´ definido por
c(f) := mdc(an, · · · , a0).
15.15. DOMI´NIOS FATORIAIS 109
Sendo um mdc, o elemento c(f) e´ u´nico a menos de multiplicac¸a˜o por elemento de
D∗. Um polinoˆmio f ∈ D[x] e´ dito primitivo, se c(f) = 1.
Lema 15.22 (lema de Gauss generalizado). Seja D um domı´nio fatorial e K
seu corpo de frac¸o˜es.
(1) Se f, g ∈ D[x], enta˜o c(fg) = c(f)c(g).
(2) Se f, g ∈ D[x] sa˜o primitivos, enta˜o f e´ associado a g em D[x] se e
somente se ele o for em K[x].
(3) Seja f ∈ D[x] primitivo. Enta˜o f e´ irredut´ıvel em D[x] se e somente se
f e´ irredut´ıvel em K[x].
Demonstrac¸a˜o. (1) Podemos sempre escrever f = c(f)f1 para f1 ∈ D[x]
primitivo. Logo,
fg = c(f)c(g)f1g1 e c(fg) = c(f)c(g)c(f1g1).
Afirmamos que c(f1g1) = 1. Escrevamos explicitamente
f1 =
n∑
i=0
aix
i e g1 =
m∑
i=0
bix
i.
Seja
f1g1 =
n+m∑
i=0
cjx
j .
Seja p ∈ D irredut´ıvel. Como c(f1) = c(g1) = 1 existe i tal que p - ai e l tal que
p - bl. Escolhamos i e l mı´nimos com esta propriedade. Enta˜o
ci+l = ai+lb0 + ai+l−1b1 + . . .+ ai+1bl−1 + aibl + ai−1bl+1 + . . .+ a0bi+l
na˜o pode ser divis´ıvel por p. Em particular, p - c(f1g1) e c(f1g1) = 1.
(2) E´ claro que que se f e´ associado a g em D[x] tambe´m o e´ em K[x]. Provemos
a rec´ıproca. Ou seja, suponhamos que f = ug para u ∈ K∗ e K = fr(D). Digamos
que u = ab . Logo
bf = ag, c(bf) = bc(f) = b e c(ag) = ac(g) = a,
i.e., b = va para v ∈ D∗, portanto f e´ associado a g em D[x].
(3) E´ claro que se f e´ irredut´ıvel em K[x] ele tambe´m o e´ em D[x]. Suponha
que f seja redut´ıvel em K[x], digamos f = gh para g, h ∈ K[x] tais que grau(g),
grau(h) ≥ 1. Eliminando os denominadores de g e h obtemos a ∈ D \ {0} tal que
af = g1h1 para g1, h1 ∈ D[x] e grau(g1) = grau(g) e grau(h1) = grau(h). Note que
c(af) = ac(f) = a e c(g1h1) = c(g1)c(h1),
logo existe u ∈ D∗ tal que a = c(g1)c(h1)u. Ale´m disto, escrevendo g1 = c(g1)g∗1 e
h1 = c(h1)h
∗
1 com g
∗
1 , h
∗
1 ∈ D[x] primitivos temos que
af = c(g1)c(h1)g
∗
1h
∗
1,
i.e., f = u−1g∗1h
∗
1 o que contradiz o fato de f ser irredut´ıvel em D[x]. �
Teorema 15.23. Seja D um domı´nio fatorial. Enta˜o D[x] tambe´m e´ um
domı´nio fatorial.
110 15. ANE´IS E DOMI´NIOS
Demonstrac¸a˜o. Seja f ∈ D[x] \ {0}. Se f ∈ D∗ ou f for irredut´ıvel nada ha´
a fazer. Caso contra´rio fatoramos
f = upe11 · · · perr
com u ∈ K∗, p1, · · · , pr ∈ K[x] irredut´ıveis, grau(p1) < · · · < grau(pr) e e1, · · · , er
≥ 1 inteiros. Multiplicando pelo produto dos denominadores obtemos a ∈ D \ {0}
tal que
af = vqe11 · · · qerr ,
onde v ∈ D \ {0} e q1, · · · , qr ∈ D[x] irredut´ıveis em K[x] e grau(qi) = grau(pi)
para todo i. Para todo i escreva qi = c(qi)q
∗
i com q
∗
i ∈ D[x] primitivo e irredut´ıvel
em K[x]. Pelo lema de Gauss q∗i e´ irredut´ıvel em D[x] para todo i. Assim,
af = vc(q1)
e1 · · · c(qr)er (q∗1)e1 · · · (q∗r )er .
Mas c(af) = ac(f) e
c(vc(q1)
e1 · · · c(qr)er (q∗1)e1 · · · (q∗r )er ) = vc(q1)e1 · · · c(qr)er .
Logo existe w ∈ D∗ tal que
ac(f) = wvc(q1)
e1 · · · c(qr)er .
Em particular,
f = w−1(q∗1)
e1 · · · (q∗r )er
o que mostra que D[x] e´ fatorial. �
Teorema 15.24 (crite´rio de Eisenstein generalizado). Seja D um domı´nio fa-
torial, K = fr(D) seu corpo de frac¸o˜es,
f =
n∑
i=0
aix
i ∈ D[x]− {0}primitivo e p ∈ D irredut´ıvel. Se p | ai para i = 0, · · · , n− 1, p - an e p2 - a0, enta˜o
f e´ irredut´ıvel em K[x].
Demonstrac¸a˜o. A prova e´ igual ao caso em que D = Z que foi feita anteri-
ormente, substituindo o lema de Gauss pela sua generalizac¸a˜o. �
15.25. Fatores mu´ltiplos e resultante
Proposic¸a˜o 15.26. Sejam f, g ∈ K[x] \K. Enta˜o existe h ∈ K[x] \K irre-
dut´ıvel tal que
h | f e h | g
se e somente se existem u, v ∈ K[x] \ {0} tais que
ug = vf, grau(u) < grau(f) e grau(v) < grau(g).
Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que exista h como acima, i.e., f = hf1 e g =
hg1 com f1, g1 ∈ K[x] e grau(f1) < grau(f) e grau(g1) < grau(g). Logo f1g = g1f
e tomamos u = f1 e v = g1.
Reciprocamente, suponhamos a segunda condic¸a˜o satisfeita. Como grau(u) <
grau(f) e pela unicidade da fatorac¸a˜o de polinoˆmios temos que existe algum fator
irredut´ıvel h de f tal que h | g. �
15.25. FATORES MU´LTIPLOS E RESULTANTE 111
Definic¸a˜o 15.27. Sejam
f =
n∑
i=0
aix
i e g =
m∑
j=0
bjx
j .
A resultante Res(f, g) e´ definida como o determinante da seguinte matriz
an an−1 · · · a1 a0
an an−1 · · · a1 a0
. . .
. . .
. . .
. . .
. . .
an an−1 · · · a1 a0
bm bm−1 · · · b1 b0
bm bm−1 · · · b1 b0
. . .
. . .
. . .
. . .
. . .
bm bm−1 · · · b1 b0

,
onde as linhas com os coeficientes ai’s sa˜o repetidas m vezes e as linhas com os
coeficientes bj ’s sa˜o repetidas n vezes, ou seja a matriz e´ (n + m) × (n + m). As
demais entradas da matriz sa˜o todas nulas.
Observac¸a˜o 15.28. Seja
u =
r∑
i=0
cix
i e v =
s∑
j=0
djx
j ,
onde r ≤ n− 1 e s ≤ m− 1. Para facilitar a notac¸a˜o tomaremos os coeficientes de
u (resp. v) ate´ n − 1 (resp. m − 1) com a convenc¸a˜o que se i > r (resp. j > s)
enta˜o ci = 0 (resp. dj = 0). A igualdade ug = vf resulta em um sistema linear
homogeˆneo
andm−1 − bmcn−1 = 0
andm−2 + an−1dm−1 − bmcn−2 − bm−1cn−1 = 0
· · · · · ·
a1d0 + a0d1 − b1c0 − b0c1 = 0
a0d0 − b0c0 = 0
cuja matriz transposta e´ igual a
an an−1 · · · a1 a0
an an−1 · · · a1 a0
. . .
. . .
. . .
. . .
. . .
an an−1 · · · a1 a0
−bm −bm−1 · · · −b1 −b0
−bm −bm−1 · · · −b1 −b0
. . .
. . .
. . .
. . .
. . .
−bm −bm−1 · · · −b1 −b0

.
Portanto, o determinante da matriz do sistema e´ igual a (−1)n Res(f, g). Da a´lgebra
linear o sistema tem soluc¸a˜o na˜o trivial se e somente se o determinante da matriz do
sistema e´ nulo, o que equivale a Res(f, g) = 0. A existeˆncia de soluc¸a˜o na˜o trivial
112 15. ANE´IS E DOMI´NIOS
equivale justamente a existeˆncia de u e v satisfazendo a` condic¸a˜o acima. Dessa
forma temos o teorema seguinte.
Teorema 15.29. Sejam f, g ∈ K[x] \K, enta˜o existe h ∈ K[x] \K irredut´ıvel
tal que h | f e h | g se e somente se Res(f, g) = 0.
Definic¸a˜o 15.30. Definimos formalmente a derivac¸a˜o de polinoˆmios D : K[x]
→ K[x] por
D
(
n∑
i=0
aix
i
)
:=
n∑
i=1
iaix
i.
Esta func¸a˜o satisfaz as seguintes propriedades:
(1) D(f + g) = D(f) +D(g), para f, g ∈ K[x];
(2) D(af) = aD(f), para a ∈ K e f ∈ K[x];
(3) (regra de Leibniz) D(fg) = fD(g) +D(f)g, para f, g ∈ K[x].
Dizemos que um fator irredut´ıvel f de g ∈ K[x]−K e´ mu´ltiplo se f2 | g.
Proposic¸a˜o 15.31. Seja g ∈ K[x]\K e f ∈ K[x]\K um polinoˆmio irredut´ıvel.
Enta˜o f e´ fator mu´ltiplo de g se e somente se f | D(g).
Demonstrac¸a˜o. Suponha que f seja fator mu´ltiplo de g, enta˜o f2 | g, i.e.,
g = Af2 para algum A ∈ K[x]. Logo D(g) = D(A)f2 + 2AfD(f), portanto
f | D(g).
Reciprocamente, suponha que f | D(g), digamos g = fA e D(g) = fB para
A,B ∈ K[x]. Derivando a primeira igualdade, D(g) = fD(A) + D(f)A, substi-
tuindo temos que f(B−D(A)) = D(f)A. Se D(f) = 0 enta˜o trivialmente D(f) | g.
Suponhamos que D(f) 6= 0. Neste caso grau(D(f)) < grau(f) e como f e´ irre-
dut´ıvel, pela unicidade da fatorac¸a˜o de polinoˆmios, concluimos que f e´ um fator de
A, digamos A = fC para C ∈ K[x]. Assim g = f2C e f e´ um fator mu´ltiplo de
g. �
Definic¸a˜o 15.32. Definimos o discriminante de f ∈ K[x] \ {0} por disc(f) :=
Res(f,D(f)). Assim concluimos a seguinte proposic¸a˜o.
Proposic¸a˜o 15.33. Seja f ∈ K[x] \ K, enta˜o f possui fator mu´ltiplo se e
somente se disc(f) = 0.
15.34. Ane´is quocientes e teorema chineˆs dos restos
Seja A um anel (sempre comutativo com unidade) e I, J ⊂ A ideais de A
definimos o ideal soma I + J por
I + J := {a+ b | a ∈ I e b ∈ J}.
Fica como exerc´ıcio verificar que I + J e´ de fato um ideal de A. Dizemos que os
ideais I e J sa˜o coprimos se
I + J = A, i.e., se existem a ∈ I e b ∈ J tais que 1 = a+ b.
Por exemplo, se A = Z, I = nZ e J = mZ com n,m ≥ 1 inteiros, temos que
I e J sa˜o coprimos se e somente se mdc(m,n) = 1. De fato, se os ideais forem
coprimos, enta˜o existem s, t ∈ Z tais que 1 = sn + tm. Assim, qualquer divisor
primo comum de n e m dividiria tambe´m 1, o que e´ imposs´ıvel. Reciprocamente,
se mdc(n,m) = 1, enta˜o pelo algoritmo euclideano estendido existem s, t ∈ Z tais
que 1 = sn+ tm, a fortiori 1 ∈ I + J .
15.34. ANE´IS QUOCIENTES E TEOREMA CHINEˆS DOS RESTOS 113
Definic¸a˜o 15.35. Seja A um anel e I um ideal de A. Definimos em A a
seguinte relac¸a˜o. Dados a, b ∈ A dizemos que
a ≡ b (mod I) se a− b = α ∈ I,
dizemos neste caso que a e´ equivalente a b mo´dulo I. Fica como exerc´ıcio verificar
que isto define de fato uma relac¸a˜o de equivaleˆncia. A classe de equivaleˆncia de
a ∈ A mo´dulo I sera´ denotada por
a+ I := {a+ α |α ∈ I}.
O conjunto de classes de equivaleˆncia sera´ denotado por A/I. Quando A = Z e
I = nZ a relac¸a˜o acima e´ apenas a relac¸a˜o de congrueˆncia mo´dulo n, uma vez que
Z e´ um domı´nio principal.
Definic¸a˜o 15.36. Definimos em A/I uma estrutura de anel da seguinte forma:
(a+ I)⊕ (b+ I) := (a+ b) + I e (a+ I)� (b+ I) := (ab) + I.
Observac¸a˜o 15.37. Verifiquemos que estas operac¸o˜es esta˜o bem definidas.
Sejam a′, b′ ∈ A tais que a′ ≡ a (mod I) e b′ ≡ b (mod I), i.e., a′ − a = α ∈ I e
b′ − b = β ∈ I. Assim,
(a′ + b′)− (a+ b) = α+ β ∈ I
e em particular a′+ b′ ≡ a+ b (mod I) (o que equivale a (a′+ b′) + I = (a+ b) + I).
Tambe´m temos que
a′b′ − ab = a′b′ − a′b+ a′b− ab = a′(b′ − b) + b(a′ − a) = a′β + bα ∈ I,
portanto a′b′ ≡ ab (mod I) (ou equivalentemente, (a′b′) + I = (ab) + I). Deixamos
tambe´m como exerc´ıcio verificar (exatamente como no caso dos inteiros mo´dulo n)
que o conjunto A/I com as operac¸o˜es ⊕ e � e´ um anel. Note que o elemento neutro
para a soma e´ a classe I e o elemento neutro para o produto e´ a classe 1 + I.
15.37.1. Ideais primos e maximais.
Definic¸a˜o 15.38. Um ideal I de um anel A e´ dito maximal se para todo ideal
J de A tal que I ⊂ J ⊂ A temos J = I ou J = A.
Proposic¸a˜o 15.39. Um ideal I de A e´ maximal se e somente se o anel quoci-
ente A/I e´ um corpo.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que I seja um ideal maximal de A. Seja a+ I 6= I
uma classe em A/I. Isto equivale a a /∈ I. O conjunto (a) = {xa |x ∈ A} e´ um
ideal de A e pelo que foi feito anteriormente o conjunto J = I + (a) tambe´m e´ um
ideal de A. Ale´m disto, I J . Pela maximalidade de I concluimos que J = A,
i.e., que existem t ∈ I e s ∈ A tais que 1 = t + sa, i.e., sa ≡ 1 (mod I), i.e.,
(sa) + I = (s+ I)� (a+ I) = 1 + I, i.e., a+ I admite inverso multiplicativo.
Reciprocamente, suponha que A/I seja um corpo. Seja J um ideal de A tal
que I J . Seja a ∈ J − I. Enta˜o a + I 6= I e por hipo´tese existe b ∈ A tal que
(a+ I)� (b+ I) = 1 + I, i.e., (ab) + I = 1 + I, i.e., existe t ∈ I tal que ab− 1 = t.
Em outras palavras 1 = t− ab ∈ J , logo A = J e I e´ maximal. �
Definic¸a˜o 15.40. Um ideal I de A e´ dito um ideal primo se dados a, b ∈ A
tais que ab ∈ I, enta˜o a ∈ I ou b ∈ I. Note que quando A = Z e p e´ um nu´mero
primo o ideal pZ e´ um ideal primo de Z.
114 15. ANE´IS E DOMI´NIOS
Proposic¸a˜o 15.41. Um ideal I de A e´ primo see somente se o anel quociente
A/I e´ um domı´nio de integridade.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que I seja um ideal primo de A. Sejam a+I, b+I ∈
A
I tais que (a + I) � (b + I) = I, i.e., (ab + I) = I, i.e., ab ∈ I. Como I e´ primo,
temos que a ∈ I ou b ∈ I, i.e., a+ I = I ou b+ I = I.
Reciprocamente, suponha que A/I seja um domı´nio de integridade. Sejam
a, b ∈ A tais que ab ∈ I, i.e., (ab)+I = (a+I)�(b+I) = I. Por hipo´tese, a+I = I
ou b+ I = I, i.e., a ∈ I ou b ∈ I. �
15.41.1. Homomorfismo de ane´is.
Definic¸a˜o 15.42. Sejam A e B ane´is e f : A→ B uma func¸a˜o. Esta func¸a˜o e´
dito um homomorfismo de ane´is se
f(a+ b) = f(a) + f(b) e f(ab) = f(a)f(b).
Observe que f(0) = f(0 + 0) = f(0) + f(0), portanto f(0) = 0. Se ale´m disto
A for um domı´nio de integridade e f na˜o for a func¸a˜o nula, enta˜o f(1) = 1. De
fato, f(1) = f(1.1) = f(1)f(1), i.e., f(1)(f(1) − 1) = 0. Se A e´ um domı´nio de
integridade, enta˜o f(1) = 0 ou f(1) = 1. No primeiro caso a func¸a˜o e´ identicamente
nula, pois f(a) = f(1.a) = f(1)f(a) = 0. Observe tambe´m que como 0 = f(0) =
f(a+ (−a)) = f(a) + f(−a), enta˜o f(−a) = −f(a).
Definic¸a˜o 15.43. Um homomorfismo f : A→ B e´ dito um isomorfismo se for
bijetivo. Um homomorfismo f : A → A e´ dito um endomorfismo de A. Se este
endomorfismo for bijetivo ele e´ dito um automorfismo de A. Seja f : A → B um
homomorfismo de ane´is. O nu´cleo N(f) de f e´ definido por {a ∈ A | f(a) = 0}.
Fica como exerc´ıcio mostrar que N(f) e´ um ideal de A. A imagem f(A) de f e´ um
subanel de B (isto tambe´m e´ um exerc´ıcio).
Lema 15.44. Seja f : A→ B um homomorfismo de ane´is. Enta˜o f e´ injetivo
se e somente se N(f) = (0).
Demonstrac¸a˜o. Suponha que f seja injetivo e que a ∈ N(f). Logo f(a) =
0 = f(0), pela injetividade de f concluimos que a = 0. Reciprocamente, suponha
que N(f) = (0). Sejam a, b ∈ A tais que f(a) = f(b). Enta˜o f(a − b) = 0, i.e.,
a− b ∈ N(f), em particular a = b. �
Teorema 15.45 (teorema dos homomorfimos). Seja f : A→ B um homomor-
fismo de ane´is. Enta˜o f induz um isomorfismo ϕ : A/N(f) → f(A) (em outras
palavras A/N(f) ∼= f(A), i.e., estes dois ane´is sa˜o isomorfos).
Demonstrac¸a˜o. A func¸a˜o ϕ e´ definida por
ϕ(a+N(f)) := f(a).
Verifiquemos inicialmente que ϕ esta´ bem definida. Seja a′ ∈ A tal que a′ ≡ a
(mod N(f)), i.e., a′ − a = α ∈ N(f). Logo f(a′) = f(a), i.e., ϕ(a′ + N(f)) =
ϕ(a+N(f)).
Esta func¸a˜o e´ um homomorfismo, pois
ϕ((a+N(f))⊕ (b+N(f))) = ϕ((a+ b) +N(f)) = f(a+ b) = f(a) + f(b)
= ϕ(a+N(f)) + ϕ(b+N(f)) e
ϕ((a+N(f))� (b+N(f))) = ϕ((ab) +N(f)) = f(ab)
= f(a)f(b) = ϕ(a+N(f))ϕ(b+N(f)).
15.34. ANE´IS QUOCIENTES E TEOREMA CHINEˆS DOS RESTOS 115
Esta func¸a˜o e´ sobrejetiva, pois para todo y ∈ f(A), temos que y = f(a) para a ∈ A,
portanto y = ϕ(a+N(f)). Esta func¸a˜o tambe´m e´ injetiva, pois se ϕ(a+N(f)) =
f(a) = 0, enta˜o a ∈ N(f), i.e., a+N(f) = N(f). �
15.45.1. Teorema chineˆs dos restos.
Proposic¸a˜o 15.46. Sejam I, J ideais de A tais que I + J = A e a, b ∈ A.
Enta˜o existe x ∈ A tal que {
x ≡ a (mod I)
x ≡ b (mod J).
Demonstrac¸a˜o. Por hipo´tese existem α ∈ I e β ∈ J tais que 1 = α + β.
Enta˜o β ≡ 1 (mod I) e α ≡ 1 (mod J). Em particular, aβ ≡ a (mod I) e bα ≡ b
(mod J). Basta tomar x = aβ + bα. �
Vamos generalizar o resultado anterior para um nu´mero qualquer de ideais.
Para isto precisamos da noc¸a˜o de produto de ideais. Sejam I1, · · · , Ir ideais de A.
Seja
I1 . . . Ir := {a1,1 · · · ar,1 + . . .+ a1,n . . . ar,n | onde ai,j ∈ Ii, para todo i}.
Fica como exerc´ıcio mostrar que I1 . . . Ir e´ efetivamente um ideal de A.
Proposic¸a˜o 15.47. Sejam I1, · · · , Ir ideais de A tais que para todo α 6= β
tenhamos Iα + Iβ = A. Sejam a1, · · · , ar ∈ A. Enta˜o existe x ∈ A tal que
x ≡ a1 (mod I1)
...
...
x ≡ ar (mod Ir).
Demonstrac¸a˜o. Denotamos
J := I1 . . . Ir e para cada ν, Jν := I1 . . . Iν−1Iν+1 . . . Ir.
Afirmamos que
(15.47.1) Iν + Jν = A.
De fato, sabemos que para cada α 6= ν existem λα ∈ Iα e λν(α) ∈ Iν tais que
λα + λν(α) = 1. Note que utilizamos o ı´ndice ν(α) para dizer que o elemento
λν(α) efetivamente depende da escolha de α, uma vez que os ideais sa˜o dois a dois
coprimos. Seja
γν := λ1 . . . λν−1λν+1 . . . λr ∈ Jν .
Enta˜o ∏
α 6=ν
(λα + λν(α)) = γν + δν ,
onde δν ∈ Iν . Da igualdade (15.47.1) obtemos que para cada ν vale γν ≡ 1 (mod Iν)
e γν ≡ 0 (mod Iα) para α 6= ν. Finalmente, x := a1γ1 + . . .+ arγr e´ uma soluc¸a˜o
do sistema. �
Lema 15.48. Sejam I1, · · · , Ir ideais de A tais que para todo α 6= β tenhamos
Iα + Iβ = A. Enta˜o
I1 . . . Ir = I1 ∩ . . . ∩ Ir.
116 15. ANE´IS E DOMI´NIOS
Demonstrac¸a˜o. Provemos o resultado por induc¸a˜o em r. Suponhamos inici-
almente r = 2. Assim, um elemento de I1I2 e´ da forma
a1,1a2,1 + . . .+ a1,na2,n,
onde a1,ν ∈ I1 (resp. a2,ν ∈ I2) para cada ν. Note que cada parcela a1,νa2,ν
pertence a I1 ∩ I2, pela definic¸a˜o de ideal. Logo I1I2 ⊂ I1 ∩ I2. Basta provar a
inclusa˜o oposta. Por hipo´tese existem γ1 ∈ I1 e γ2 ∈ I2 tais que 1 = γ1 + γ2. Seja
a ∈ I1 ∩ I2, logo a = γ1a+ aγ2 ∈ I1I2.
Suponha agora o resultado provado para r − 1 fatores, vamos prova´-lo para
r fatores. Novamente, pela pro´pria definic¸a˜o de produto de ideais temos que
I1 . . . Ir ⊂ I1 ∩ . . . ∩ Ir. Basta provar a inclusa˜o oposta. Da demonstrac¸a˜o da
proposic¸a˜o anterior concluimos que I1 . . . Ir−1 e Ir sa˜o coprimos. Logo existe
γr ∈ I1 . . . Ir−1 e δr ∈ Ir tal que γr + δr = 1. Seja a ∈ I1 ∩ · · · ∩ Ir. Note
que para todo t ≥ 1 temos tambe´m que at ∈ I1 ∩ · · · ∩ Ir. Enta˜o
ar = γra
r + a . . . a(aδr) ∈ I1 + . . .+ Ir,
onde a repete-se r − 1 vezes no produto acima. �
Teorema 15.49 (teorema chineˆs dos restos). Sejam I1, · · · Ir ideais de A tais
que Iα + Iβ = A, para α 6= β. Enta˜o
(1) existe um isomorfismo de ane´is
A
I1 . . . Ir
∼= A
I1
× . . .× A
Ir
.
(2) Este isomorfismo restringe-se a um isomorfismo de grupos(
A
I1 . . . Ir
)∗
∼=
(
A
I1
)∗
× . . .×
(
A
Ir
)∗
.
Demonstrac¸a˜o. Definimos
ϕ :
A
I1 · · · Ir →
A
I1
× . . .× A
Ir
por
ϕ(a+ I1 . . . Ir) := (a+ I1, · · · , a+ Ir).
Verifiquemos que esta func¸a˜o esta´ bem definida. De fato, se b− a = α ∈ I1 . . . Ir =
I1∩. . . Ir (pelo lema anterior), enta˜o b ≡ a (mod Iν) para todo ν, i.e., b+Iν = a+Iν
para todo ν.
Afirmamos que ϕ e´ um homomorfismo. De fato,
ϕ((a+ I1 . . . Ir)⊕ (b+ I1 . . . Ir)) = ϕ((a+ b) + I1 . . . Ir)
= ((a+ b) + I1, · · · , (a+ b) + Ir)
= ((a+ I1)⊕ (b+ I1), · · · , (a+ Ir)⊕ (b+ Ir))
= (a+ I1, · · · , a+ Ir)⊕ (b+ I1, · · · , b+ Ir) e
ϕ((a+ I1 . . . Ir)� (b+ I1 . . . Ir)) = ϕ((ab) + I1 . . . Ir)
= ((ab) + I1, · · · , (ab) + Ir)
= ((a+ I1)� (b+ I1), · · · , (a+ Ir)� (b+ Ir))
= (a+ I1, · · · , a+ Ir)� (b+ I1, · · · , b+ Ir).
15.50. APLICAC¸O˜ES 117
Esta func¸a˜o e´ sobrejetiva. De fato, dado
(a1 + I1, · · · , ar + Ir) ∈ A
I1
× . . .× A
Ir
,
pela proposic¸a˜o anterior existe x ∈ A tal que x ≡ aν (mod Iν) para todo ν, i.e.,
x+Iν = aν+Iν para todo ν. Portanto, (a1+I1, · · · , ar+Ir) = (x+I1, · · · , x+Ir) =
ϕ(x+ I1 . . . Ir).
Finalmente, ϕ e´ injetiva. De fato, se (a + I1, · · · , a + Ir) = (I1, · · · , Ir), enta˜o
a ∈ I1 ∩ . . . ∩ Ir = I1 . . . Ir.
Suponhamos que a + I1 . . . Ir ∈ (A/I1 . . . Ir)∗, i.e., que exista b + I1 . . . Ir ∈
(A/I1 . . . Ir) tal que
(a+ I1 . . . Ir)� (b+ I1 . . . Ir) = (ab) + I1 . . . Ir = 1 + I1 . . . Ir,
i.e., ab − 1 = c ∈ I1 . . . Ir = I1 ∩ . . . ∩ Ir. Logo ab ≡ 1 (mod Iν) para todo ν,
i.e., (a + Iν) · (b + Iν) = 1 + Iν para todo ν. Portanto (a + I1, · · · , a + Ir) ∈
(A/I1)
∗ × . . .× (A/Ir)∗.
E´ claro que a restric¸a˜o de ϕ (A/I1 . . . Ir)
∗ e´ um homomorfismo injetivo. Resta
provar a sua sobrejetividade. Seja (a1 + I1, · · · , ar + Ir) ∈ (A/I1)∗ × . . .× (A/Ir)∗.
Pela parte anterior sabemos que existe x ∈ A tal que aν + Iν = x+ Iν para todo ν.
Basta provar que x+ I1 . . . Ir ∈ (A/I1 . . . Ir)∗. Mas para todo ν existeαν ∈ A tais
que ανx ≡ 1 (mod Iν), pois x e´ invers´ıvel simultaneamente mo´dulo cada Iν . Ou
seja, ανx− 1 = δν ∈ Iν para cada ν. Assim,∏
ν
(ανx− 1) = xz + (−1)r1 =
∏
ν
δν ∈ I1 . . . Ir,
para algum z ∈ A, i.e., xz ≡ ±1 (mod I1 . . . Ir). Substituindo, se necessa´rio, z por
−z, concluimos que x ∈ (A/I1 . . . Ir)∗. �
15.50. Aplicac¸o˜es
15.50.1. Soma de quadrados.
Teorema 15.51 (Fermat). Seja p um nu´mero primo. As seguintes condic¸o˜es
sa˜o equivalentes:
(i) p = 2 ou p ≡ 1 (mod 4).
(ii) Existe a ∈ Z tal que a2 ≡ −1 (mod p).
(iii) p e´ redut´ıvel em Z[i].
(iv) p = a2 + b2 com a, b ∈ Z.
Demonstrac¸a˜o. Suponha (i). Se p = 2, tome a = 1 e lembre que 1 ≡ −1
(mod 2). Suponhamos que p = 4n+ 1. Pelo pequeno teorema de Fermat para todo
a ∈ Z tal que p - a temos que ap−1 ≡ 1 (mod p). Em outras palavras, temos a
fatorac¸a˜o xp−1 − 1 = (x− 1) · · · (x− p− 1). Por outro lado, xp−1 − 1 = x4n − 1 =
(x2n−1)(x2n+1). Ou seja, existe b ∈ {1, · · · , p− 1} tal que b2n = −1, i.e., b2n ≡ −1
(mod p). Tome a = bn.
Suponha (ii). Seja k ∈ Z tal que a2 = −1 + kp. Logo (a − i)(a + i) = kp.
Suponhamos que p | (a + i), i.e, que existam c, d ∈ Z tais qeu p(c + di) = a + i.
Em particular, pd = 1 e p | 1 o que e´ imposs´ıvel. Portanto, p - (a+ i). Pelo mesmo
argumento p - (a− i). Mas Z[i] e´ um domı´nio euclideano, logo fatorial, assim p na˜o
pode ser um irredut´ıvel am Z[i].
118 15. ANE´IS E DOMI´NIOS
Suponha que p = (a + bi)(c + di) com a2 + b2 6= 1 e c2 + d2 6= 1. Pela
multiplicatividade da norma, p2 = N(p) = N(a+ bi)N(a+di) = (a2 + b2)(c2 +d2),
mas a u´nica possibilidade para que isto ocorra e´ que a2 + b2 = c2 + d2 = p.
Suponhamos (iv) e que p > 2. Dado a ∈ Z temos que a2 ≡ 0 ou 1 (mod 4).
Assim, as possibilidades para a2 + b2 (mod 4) sa˜o 0, 1 ou 2. Mas como p e´ primo
apenas a segunda possibilidade pode acontecer. �
15.51.1. Lei de reciprocidade quadra´tica.
Definic¸a˜o 15.52. Vamos reescrever o ı´tem (ii) do teorema de outra forma.
Seja a ∈ Z, dizemos que a e´ resto quadra´tico mo´dulo p se existe b ∈ Z tal que
b2 ≡ a (mod p). Assim em (ii) estamos dizendo que -1 e´ resto quadra´tico mo´dulo
p. Dado a ∈ Z e um nu´mero primo p tal que p - a, definimos o s´ımbolo de Legendre
de a em p por (
a
p
)
= 1, se a e´ resto quadra´tico mo´dulo p,(
a
p
)
= −1, caso contra´rio.
Assim o teorema afirma que p e´ soma de quadrados se e somente se (−1/p) = 1.
Um importante teorema na teoria dos nu´meros (que na˜o demonstraremos aqui)
e´ a lei de reciprocidade quadra´tica (cf [IrRo, chapter 5]).
Teorema 15.53 (lei de reciprocidade quadra´tica). Sejam p, q > 2 primos dis-
tintos. Ena˜o (
p
q
)(
q
p
)
= (−1) p−12 q−12 .
Uma maneira de interpretar esta lei e´ uma fo´rmula de inverter o s´ımbolo de
Legendre, ou seja, (
q
p
)
= (−1) p−12 q−12
(
p
q
)
.
Por exemplo, se p, q ≡ 1 (mod 4), enta˜o(
q
p
)
= 1 se e somente se
(
p
q
)
= 1.
Se p, q ≡ 3 (mod 4), enta˜o(
p
q
)
= 1 se e somente se
(
q
p
)
= −1.
Finalmente se p ≡ 1 (mod 4) e q ≡ 3 (mod 4) (ou vice-versa), enta˜o(
p
q
)
= 1 se e somente se
(
q
p
)
= 1.
Parte 4
Corpos
CAP´ıTULO 16
Extenso˜es finitas
Sejam K ⊂ L dois corpos. Dizemos que L e´ uma extensa˜o de K ou que L/K e´
uma extensa˜o de corpos. Notemos neste caso que a multiplicac¸a˜o de elementos de
K por elementos de L induz em L uma estrutura de K-espac¸o vetorial. Quando L
e´ um K-espac¸o vetorial de dimensa˜o finita, dizemos que L/K e´ uma extensa˜o finita
e denotamos dimK L = [L : K] chamado o grau da extensa˜o.
Proposic¸a˜o 16.1. Sejam K ⊂ L ⊂ M corpos. Enta˜o M/K e´ uma extensa˜o
finita se e somente se M/L e L/K sa˜o extenso˜es finitas e neste caso
[M : K] = [M : L][L : K].
Demonstrac¸a˜o. Suponha que M/K seja uma extensa˜o finita. Qualquer con-
junto de elementos de M que seja L-linearmente independente e´ em particular K-
linearmente independente. Portanto, o nu´mero ma´ximo de vetores L-linearmente
independentes em M e´ [M : K], em particular M/L e´ finita. Como L ⊂ M e M
e´ um K-espac¸o vetorial de dimensa˜o finita, concluimos que o mesmo vale para L,
i.e., L/K e´ finita.
Suponha que M/L e L/K sejam finitas. Sejam {α1, · · · , αn} uma base de M/L
e {β1, · · · , βm} uma base de L/K. Afirmamos que o conjunto
{αiβj}1≤i≤n,1≤j≤m
e´ uma base de M/K. Disto segue imediatamente a proposic¸a˜o.
Seja x ∈M , enta˜o
x =
n∑
i=1
aiαi,
onde a1, · · · , an ∈ L. Ale´m disto para todo i = 1, · · · , n, temos que
ai =
m∑
j=1
bijβj ,
onde βj ∈ K. Logo,
x =
n∑
i=1
m∑
j=1
bijαiβj ,
em particular o conjunto acima gera M como K-espac¸o vetorial.
Suponha que tenhamos uma K-combinac¸a˜o linear trivial
n∑
i=1
m∑
j=1
cijαiβj = 0,
121
122 16. EXTENSO˜ES FINITAS
onde para todo i, j, cij ∈ K. Reescremos
n∑
i=1
 m∑
j=1
cijβj
αi = 0.
Como para todo i temos
m∑
j=1
cijβj ∈ L e {α1, · · · , αn}
e´ um conjunto L-linearmente independente, concluimos que para todo i temos
m∑
j=1
cijβj = 0.
Por outro lado, segue do fato de {β1, · · · , βm} ser K-linearmente independente que
cij = 0 para todo i, j. �
Corola´rio 16.2. Seja L/K uma extensa˜o finita de grau primo. Enta˜o para
todo corpo F tal que K ⊂ F ⊂ L temos que F = K ou F = L.
Definic¸a˜o 16.3. Seja L/K uma extensa˜o finita com base {α1, · · · , αn} e u ∈ L.
Definimos o polinoˆmio caracter´ıstico de u em relac¸a˜o a L/K da seguinte forma. Para
todo i = 1, · · · , n temos
uαi =
n∑
j=1
aijαj .
O polinoˆmio e´ definido por
Fu,L/K(x) := det(Ix− (aij)).
Denotamos A := (aij).
Observac¸a˜o 16.4. (1) Fu,L/K tem coeficiente l´ıder 1 e grau n = [L : K].
(2) Fu,L/K na˜o depende da escolha da base. De fato, seja {β1, · · · , βn} uma
outra base de L/K e B a matriz de mudanc¸a de base de {β1, · · · , βn} para
{α1, · · · , αn}. Seja C := B−1. Assim,
uβi = u
n∑
j=1
bijαj =
n∑
j=1
bij
n∑
l=1
ajlαl = (BA)ilαl
=
n∑
h=1
(BA)ilclhβh = (BAC)ihβh.
Assim,
det(Ix−(BAB−1)) = det(B(Ix−A)B−1) = det(B) det(Ix−A) det(B−1) = Fu,L/K .
(3) Se u ∈ K, enta˜o Fu,L/K = (x− u)n.
Proposic¸a˜o 16.5. Sejam K ⊂ L ⊂ M tais que M/L e L/K sejam extenso˜es
finitas. Seja u ∈ L. Enta˜o
Fu,M/K = F
[M :L]
u,L/K .
16. EXTENSO˜ES FINITAS 123
Demonstrac¸a˜o. Sejam {α1, · · · , αn} uma base de M/L e {β1, · · · , βm} uma
base de L/K. Enta˜o {αiβj}1≤i≤n,1≤j≤m e´ uma base de M/K. Note que
uαiβj = αi
m∑
l=1
ajlβl =
m∑
l=1
ajlαiβl.
Assim, em cada bloco {α1β1, · · · , α1, βm}, ... , {αnβ1, · · · , αnβm} a matriz do
operador linear definido pela multiplicac¸a˜o por u e´ igual a A. Portanto,
Fu,M/K = det

Ix−A 0 · · · 0
0 Ix−A · · · 0
...
... · · · ...
0 0 · · · Ix−A
 = Fnu,L/K .
�
Definic¸a˜o 16.6. Escrevendo explicitamente,
Fu,L/K = x
n + f1x
n−1 + . . .+ fn−1x+ fn.
O trac¸o TL/K(u) de u em relac¸a˜o a L/K e´ definido por
TL/K(u) := −f1.
A norma NL/K(u) de u em relac¸a˜o a L/K e´ definida por
NL/K(u) := (−1)nfn.
Observe que expandindo o determinante que define Fu,L/K obtemos
f1 =
n∑
i=1
aii = Tr(A), o trac¸o da matriz A, e fn = det(A).
Definic¸a˜o 16.7. Sejam L/K uma extensa˜o de corpos f ∈ K[x]\{K}. Dizemos
que um elemento α ∈ L e´ raiz de f se f(α) = 0.
Suponhamos conhecidas u1, · · · , un as ra´ızes de Fu,L/K . Note que uma destas
ra´ızes, digamos u1, e´ exatamente u. Observe tambe´m que usando o algoritmo da
divisa˜o, se α e´ raiz de f enta˜o
f(x) = (x− α)g(x),
para algum g ∈ K[x]. Neste caso temos a fatorac¸a˜o
Fu,L/K(x) =
n∏
i=1
(x− ui).
124 16. EXTENSO˜ES FINITAS
Desenvolvendo este produto obtemos
f1 = −
n∑
i=1
ui
f2 =
∑
1≤i<j≤n
uiuj
f3 = −
∑
1≤i<j<k≤n
uiujuk
...
...
fn = (−1)n
n∏
i=1
ui.
Assim,
TL/K(u) =
n∑
i=1
ui
NL/K(u) =
n∏
i=1
ui.
Definic¸a˜o16.8. Sejam x1, · · · , xn varia´veis independentes (ver definic¸a˜o no
cap´ıtulo de extenso˜es trancendentes) sobre um corpo K. Para todo 1 ≤ i ≤ n
definimos a i-e´sima func¸a˜o sime´trica elementar nas varia´veis x1, · · · , xn por
si(x1, · · · , xn) :=
∑
1≤j1<·<ji≤n
uj1 . . . uji .
Observe que para todo 1 ≤ i ≤ n temos
fi = (−1)isi(u1, · · · , un).
Segue imediatamente da lineraridade de trac¸o de matriz e da multiplicatividade
de determinante de matriz o seguinte lema.
Lema 16.9. (1) Se u ∈ K, enta˜o NL/K(u) = un e TL/K(u) = nu.
(2) A func¸a˜o NL/K e´ multiplicativa, i.e.,
NL/K(uv) = NL/K(u)NL/K(v).
(3) A func¸a˜o TL/K e´ K-linear, i.e.,
TL/K(u+ v) = TL/K(u) + TL/K(v) e TL/K(au) = aTL/K(u), para a ∈ K.
(4) Se K ⊂ L ⊂M sa˜o extenso˜es finitas e u ∈ L, enta˜o
NM/K(u) = u
[M :L] e TM/K(u) = [M : L]TL/K(u).
16.10. Exerc´ıcios
(1) Seja α =
√
3 +
√
5. Determine o polinoˆmio mı´nimo de α em relac¸a˜o a Q
e Q[
√
10]).
(2) Seja L/K uma extensa˜o de corpos, α ∈ L e Pα|K = xn +
∑n−1
i=0 aix
i.
Calcule α−1 em termos dos coeficientes ai’s e de α.
(3) Seja L/K um extensa˜o de corpos, α ∈ L tal que [K[α] : K] = 5. Mostre
que K[α] = K[α2].
16.10. EXERCI´CIOS 125
(4) Calcule os polinoˆmios mı´nimos de ζ6 e ζ10 em relac¸a˜o a Q, onde ζn =
exp(2pii/n).
(5) Seja ζ = exp(2pii/7) e η = exp(2pii/5). Mostre que η /∈ Q[ζ].
(6) Diga se e´ verddeiro ou falso, seja i tal que i2 = −1 e α ∈ C tal que
α3 + α+ 1 = 0, enta˜o i ∈ Q[α].
(7) Seja L/K uma extensa˜o de corpos, α, β ∈ L tais que [K[α] : K] = n e
[K[β] : K] = m com mdc(m,n) = 1. Mostre que [K[α, β] : K] = mn.
(8) Seja α, β ∈ C tal que [Q[α] : Q] = 3 e [Q[β] : Q] = 3. Determine as
possibilidades para [Q[α, β] : Q].
(9) Sejam α, β ∈ C ra´ızes de f, g ∈ Q[x] polinoˆmios irredut´ıveis, respectiva-
mente. Seja K = Q[α] e L = Q[β]. Mostre que f e´ irredut´ıvel sobre Q[β]
se e somente se g e´ irredut´ıvel sobre Q[α].
CAP´ıTULO 17
Extenso˜es alge´bricas
17.1. Elementos alge´bricos e transcendentes
Seja L/K uma extensa˜o de corpos e α ∈ L. Dizemos que α e´ alge´brico sobre
L, se existe f ∈ K[x]− {0} tal que f(α) = 0. Caso na˜o exista tal f dizemos que α
e´ transcendente sobre K. Por exemplo,
√
2 ∈ R e´ alge´brico sobre Q, pois e´ raiz de
x2−2 e i ∈ C e´ alge´brico sobre Q, pois e´ raiz de x2+1. Por outro lado, sa˜o teoremas
na˜o triviais devidos a Lindeman e Hilbert (resp.) que e, pi ∈ R sa˜o transcendentes
sobre Q (ver cap´ıtulo de extenso˜es transcendentes).
Na situac¸a˜o acima definimos a func¸a˜o
ϕα : K[x]→ L por ϕα(g) := g(α).
Fica como exerc´ıcio mostrar que ϕα e´ um homomorfismo de ane´is. Seja K[α] a
imagem de ϕα. Este e´ um subanel de L. Seja N(ϕα) o nu´cleo de ϕα, i.e., este e´ o
conjunto dos elementos g ∈ K[x] tais que g(α) = 0, ou seja, este e´ o conjunto dos
polinoˆmios dos quais α e´ raiz. Este conjunto e´ um ideal de K[x].
Teorema 17.2. Seja L/K uma extensa˜o de corpos e α ∈ L.
(1) O elemento α e´ transcendente sobre K se e somente se ϕα e´ injetiva o
que equivale a N(ϕα) = (0). Neste caso, K[α] e´ isomorfo ao anel de
polinoˆmios K[x].
(2) O elemento α e´ alge´brico sobre K se e somente se K[α] e´ um corpo. Neste
caso, [K[α] : K] = grau(Pα|K).
Demonstrac¸a˜o. Note que (1) e´ imediato das definic¸o˜es.
(2) Inicialmente, α e´ alge´brico se e somente se N(ϕα) 6= (0). Suponha que isto
ocorra. Seja Pα|K o gerador moˆnico do ideal N(ϕα). Este polinoˆmio e´ chamado o
polinoˆmio mı´nimo de α sobre K. Por definic¸a˜o este e´ o polinoˆmio moˆnico de menor
grau do qual α e´ raiz, sendo em particular irredut´ıvel. Mas, isto equivale a dizer
que o ideal N(ϕα) = (Pα|K) e´ um ideal maximal de K[x]. Esta u´ltima afirmativa
equivale a dizer o anel quociente K[x]/(Pα|K) e´ um corpo. Note que pelo teorema
dos homomorfismos K[α] e´ isomorfo como anel a K[x]/(Pα|K). Portanto K[α] e´
um corpo.
Reciprocamente, se K[α] for um corpo, enta˜o por (1), temos que α e´ alge´brico
sobre K, pois K[x] na˜o e´ corpo, uma vez que 1/x /∈ K[x].
Provemos a u´ltima afirmativa. Seja n := grau(Pα|K). Afirmamos que
{1, α, · · · , αn−1}
e´ uma base de K[α]/K. De fato, este conjunto e´ K-linearmente independente, do
contra´rio existiriam a0, · · · , an−1 ∈ K na˜o todos nulos tais que
a0 + . . .+ an−1αn−1 = 0.
127
128 17. EXTENSO˜ES ALGE´BRICAS
Ou seja α e´ raiz do polinoˆmio
f(x) =
n−1∑
i=0
aix
i 6= 0.
Mas isto contradiz a minimalidade do grau de Pα|K . Para ver que este conjunto
gera K[α], seja g ∈ K[x] \ {0}. Dividindo g por Pα|K obtemos
g = Pα|Kq + r,
para q, r ∈ K[x] tais que r = 0 ou grau(r) < n. Substituindo x por α concluimos que
g(α) = r(α). A fortiori, g(α) e´ uma K-combinac¸a˜o linear de {1, α, · · · , αn−1}. �
Lema 17.3. Sejam L/K uma extensa˜o de corpos e α ∈ L alge´brico sobre K.
Enta˜o
(1) Fα,K[α]/K = Pα|K .
(2) Em particular, se L/K for finita, enta˜o
Fα,L/K = P
[L:K[α]]
α|K .
Demonstrac¸a˜o. (1) Por definic¸a˜o, Fα,L/K e´ um polinoˆmio moˆnico de grau n
tendo α como raiz. Logo Fα,K[α]/K ∈ N(ϕα), i.e.,
Pα|K | Fα,K[α]/K .
Mas pela igualdade do grau e por ambos serem moˆnicos concluimos que Pα|K =
Fα,K[α]/K .
(2) Vimos no cap´ıtulo anterior que
Fα,L/K = F
[L:K[α]]
α,K[α]/K , i.e., Fα,L/K = P
[L:K[α]]
α|K .
Este e´ um caso particular do teorema de Cayley-Hamilton da a´lgebra linear. �
17.4. Extenso˜es alge´bricas
Definic¸a˜o 17.5. Uma extensa˜o L/K e´ dita alge´brica se todo α ∈ L e´ alge´brico
sobre K. Caso exista algum α ∈ L transcendente sobre K dizemos que L/K e´
transcendente.
Proposic¸a˜o 17.6. Toda extensa˜o finita e´ alge´brica.
Demonstrac¸a˜o. Sejam L/K uma extensa˜o finita e α ∈ L. Enta˜o existe n ≥ 1
inteiro mı´nimo tal que {1, α, · · · , αn−1} e´ um conjuntoK-linearmente independente.
Ou seja, existem a0, · · · , an ∈ K na˜o todos nulos tais que
n∑
i=0
aiα
i = 0.
A fortiori, α e´ raiz do polinoˆmio na˜o nulo
f :=
n∑
i=0
aix
i.
�
17.4. EXTENSO˜ES ALGE´BRICAS 129
Definic¸a˜o 17.7. Seja L/K uma extensa˜o alge´brica. Suponhamos que existam
α1, · · · , αr ∈ L tais que
K ⊂ K1 = K[α1] ⊂ K2 = K1[α2] ⊂ · · · ⊂ Kr = Kr−1[αr] = K[α1, · · · , αr] = L.
Dizemos que L/K e´ uma extensa˜o finitamente gerada e que L e´ gerada sobre K
por α1, · · · , αr.
Proposic¸a˜o 17.8. Seja L/K uma extensa˜o alge´brica. Enta˜o L/K e´ finita se
e somente se L/K e´ finitamente gerada.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que L/K seja finita. Se L = K acabou. Sena˜o
existe α1 ∈ L\K. Seja K1 := K[α1]. Se L = K1 acabou. Sena˜o existe α2 ∈ L\K1.
Seja K2 := K1[α2]. Prosseguindo o argumento temos uma sequ¨eˆncia de corpos
estrita, i.e.,
K ( K1 ( K2 ( · · · .
Como L/K e´ finita esta sequ¨eˆncia na˜o pode ser infinita. Logo existe r tal que
L = Kr e L/K e´ finitamente gerada.
Reciprocamente, se L/K e´ finitamente gerada enta˜o cada extensa˜o Ki/Ki−1
e´ finita e pela transitividade de extenso˜es finitas, concluimos que L/K tambe´m e´
finita. �
Teorema 17.9. Sejam M/L e L/K extenso˜es de corpos. Enta˜o M/K e´
alge´brica se e somente se M/L e L/K tambe´m sa˜o alge´bricas.
Demonstrac¸a˜o. Segue da definic¸a˜o que se M/K e´ alge´brica enta˜o M/L e
L/K tambe´m sa˜o alge´bricas.
Suponhamos que estas duas extenso˜es sejam alge´bricas. Seja α ∈M e
Pα|L :=
n−1∑
i=0
aix
i + xn.
Seja L a extensa˜o de K gerada por a0, · · · , an−1. Enta˜o L ⊂ L e Pα|L ∈ L[x]. Pela
proposic¸a˜o anterior L/K e´ finita. Ale´m disto, como α e´ alge´brico sobre L, enta˜o
L[α]/L e´ finita. Pela transitividade de extenso˜es finitas concluimos que L[α]/K e´
finita. Por outro lado, K ⊂ K[α] ⊂ L[α], logo K[α]/K e´ finita. Em particular, α e´
alge´brico sobre K. �
Exemplo 17.10. Seja L/K extensa˜o com [L : K] = p nu´mero primo. Enta˜o
para todo K ⊂ K ′ ⊂ L temos que K ′ = K ou K ′ = L. Em particular, dado
α ∈ L \K, enta˜o L = K[α].
Exemplo 17.11. Seja L/Q tal que [L : Q] = 2. Mostraremos que L = Q[
√
d]
parad ∈ Q que na˜o e´ um quadrado. Pelo exemplo anterior, dado α ∈ L \Q temos
que L = Q[α]. Seja
Pα|Q := x2 + ax+ b =
(
x+
a
2
)
+
(
b− a
2
4
)
.
A mudanc¸a de varia´vel x 7→ x+a/2 transforma Pα|Q em X2−β, onde β = (a2/4)−b.
Ale´m disto esta mudanc¸a de varia´vel e´ um automorfismo de K[x], portanto x2 − β
e´ irredut´ıvel, assim tomamos d = β.
130 17. EXTENSO˜ES ALGE´BRICAS
17.12. Adjunc¸a˜o de ra´ızes
Lema 17.13 (lema da duplicac¸a˜o). Sejam κ : K → K ′ um isomorfismo de
corpos e L′ ⊃ K ′ um corpo contendo K ′. Enta˜o existe uma extensa˜o L/K e um
isomorfismo de corpos λ : L→ L′ estendendo κ, i.e., λ|K = κ.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que L′ ∩K = ∅. Definimos L da seguinte forma :
L := K q (L′ \K ′), onde q denota unia˜o disjuta. Definimos λ por λ : L → L′, se
x ∈ K, enta˜o λ(x) := κ(x); se x ∈ L′ \K ′, enta˜o λ(x) := x. Dessa forma λ e´ uma
bijec¸a˜o. Utilizamos esta bijec¸a˜o para colocar uma estrutura de corpo em L por :
dados x, y ∈ L definimos
x+ y := λ−1(λ(x+ y)) e xy := λ−1(λ(x)λ(y)).
Com esta estrutura, λ e´ o isomorfismo de corpos procurado.
Se L′ ∩ K 6= ∅, basta aplicar o lema 1.1 para obter um conjunto L′′ e uma
bijec¸a˜o λ′ : L′ → L′′ tal que L′′ ∩K = ∅. Novamente, definimos uma estrutura de
corpo em L′′ por x′+y′ := λ
′−1(λ′(x)+λ′(y)) et x′y′ := λ
′−1(λ(x)λ(y)). Aplicamos
agora a parte anterior substituindo K ′ por K ′′ := λ′(K ′) e κ por κ′ := λ′ ◦ κ. �
Definic¸a˜o 17.14. Seja κ : K → K ′ um homomorfismo na˜o nulo de corpos
(logo necessariamente injetivo). Este homomorfismo induz um homomorfismo de
ane´is de polinoˆmios da seguinte forma
κ∗ : K[x]→ K ′[x]
n∑
i=0
aix
i 7→
n∑
i=0
κ(ai)x
i.
Teorema 17.15. Dado f ∈ K[x] \ K irredut´ıvel existe uma extensa˜o finita
L/K e α ∈ L tal que f(α) = 0.
Demonstrac¸a˜o. Como f e´ irredut´ıvel o ideal (f) e´ maximal, logo o anel
quociente L := K[x]/(f) e´ um corpo. Consideremos o homomorfimso sobrejetivo
ϕ : K[x]→ K[x]
(f)
definido por g 7→ g (mod (f)).
Este homomorfismo na˜o e´ o homomorfismo nulo, logo e´ injetivo quando restrito
a K, i.e., ϕ|K : K → K := ϕ(K) e´ um isomorfismo de corpos. Este induz um
isomorfismo de ane´is de polinoˆmios ϕ∗|K : K[x]→ K[x] como na definic¸a˜o anterior.
Em particular, se x := ϕ(x), enta˜o
ϕ∗|K(f)(x) =
n∑
i=0
ϕ(ai)x
i = ϕ(f(x)) ≡ 0 (mod (f)).
Assim x ∈ L e´ uma raiz de ϕ∗|K(f).
Pelo lema da duplicac¸a˜o, existe uma extensa˜o L/K e um isomorfismo λ : L→ L
tal que λ|K = ϕ|K . A fortiori, definindo α := λ−1(x), este elemento e´ uma raiz de
f em L. �
Corola´rio 17.16. Seja f ∈ K[x] \K, enta˜o existe uma extensa˜o finita L/K
e α ∈ L tal que f(α) = 0.
17.18. FECHOS ALGE´BRICOS 131
Demonstrac¸a˜o. Basta fatorar f em fatores irredut´ıveis e usar o teorema para
determinar uma extensa˜o finita de K no qual um dos fatores tenha raiz. Esta raiz
sera´ tambe´m raiz de f . �
Corola´rio 17.17. Seja f ∈ K[x]\K. Existe uma extensa˜o finita L/K tal que
f fatora-se linearmente em L[x].
Demonstrac¸a˜o. Aplicando o teorema sucessivamente a cada fator irredut´ıvel
de f obtemos em cada etapa uma extensa˜o finita do corpo anterior e mais uma raiz
do fator. Como o nu´mero de fatores e´ finito e o nu´mero de ra´ızes em cada fator
tambe´m o e´, pela transitividade de extenso˜es finitas, concluimos que existe L/K
finita como no corola´rio. �
17.18. Fechos alge´bricos
Definic¸a˜o 17.19. Seja L/K uma extensa˜o de corpos. Definimos AL(K) como
o conjunto dos elementos α ∈ L que sa˜o alge´bricos sobre K. Este conjunto e´
chamado o fecho alge´brico de K em L.
Observac¸a˜o 17.20. O conjunto AL(K) e´ um corpo. De fato, basta mostrar
que dados α, β ∈ AL(K) \ {0}, enta˜o α+ β, αβ, α−1 ∈ AL(K). Provemos o caso de
α + β, os demais sa˜o similares. Por hipo´tese K[α] e K[β] sa˜o corpos e K[α]/K e
K[β]/K sa˜o finitas. Seja K[α, β] a extensa˜o gerada sobre K por α e β. Considere
o seguinte diagrama de corpos.
K[α, β]
/ | \
K[α] K[α+ β] K[β]
\ | /
K
A extensa˜o K[α, β] e´ gerada por β sobre K[α]. Como β e´ alge´brico sobre K e
K ⊂ K[α], concluimos que β e´ alge´brico sobre K[α]. Logo a extensa˜o K[α, β]/K[α]
e´ finita. Pela transitividade de extenso˜es finitas, concluimos que K[α, β]/K e´ finita.
Mas, K ⊂ K[α+β] ⊂ K[α, β]. Logo K[α+β]/K e´ finita, portanto α+β ∈ AL(K).
Exemplo 17.21. Seja K um corpo, L/K extensa˜o e τ ∈ L transcendente sobre
K. Afirmamos que K e´ algebricamente fechado em K(τ) = {f(τ)/g(τ) | f, g ∈
K[x], g 6= 0}. De fato, se existisse α ∈ K(τ) \K alge´brico sobre K, digamos α =
f(τ)/g(τ), enta˜o K[α]/K seria finita. Observe que h := f(x)−αg(x) ∈ (K[α])[x] e
h(τ) = 0, ou seja, τ e´ alge´brico sobre K[α]. Portanto, K(τ) = (K[α])[τ ] e´ alge´brico
sobre K, mas isto e´ imposs´ıvel, pois τ e´ transcendente sobre K.
Definic¸a˜o 17.22. Dizemos que um corpo K e´ algebricamente fechado, se todo
f ∈ K[x] \K possui uma raiz α ∈ K.
A seguinte proposic¸a˜o e´ uma consequ¨eˆncia direta desta definic¸a˜o, da fatorac¸a˜o
de polinoˆmios e da definic¸a˜o sobre elementos alge´bricos.
Proposic¸a˜o 17.23. As seguintes condic¸o˜es sa˜o equivalentes.
(1) K e´ algebricamente fechado.
132 17. EXTENSO˜ES ALGE´BRICAS
(2) Todo f ∈ K[x] \K fatora-se como produto de polinoˆmios lineares.
(3) Todo f ∈ K[x] irredut´ıvel tem grau 1.
(4) Na˜o existe extensa˜o L ) K alge´brica.
O primeiro exemplo de corpo algebricamente fechado e´ C.
Teorema 17.24 (teorema fundamental da A´lgebra). [Lins, p.199, corola´rio 4]
O corpo C e´ algebricamente fechado.
Exemplo 17.25. Seja f ∈ R[x]. Mostremos que grau(f) = 1 ou 2. Seja β ∈ C
uma raiz de f . Enta˜o f = Pβ|R e como R ⊂ R[β] ⊂ C, e [C : R] = 2, enta˜o
grau(f) = 1 ou 2.
Definic¸a˜o 17.26. Sejam K ⊂ Ω corpos com Ω algebricamente fechado. Dize-
mos que AΩ(K) e´ um fecho alge´brico de K.
Definic¸a˜o 17.27. Sejam K um corpo e I um conjunto qualquer de ı´ndices.
O anel de polinoˆmios K[xI ] em varia´veis xi parametrizadas por elementos i ∈ I
e´ definido como sendo o conjunto de polinoˆmios f com coeficientes em K em um
nu´mero finito de varia´veis xi1 , · · · , xin , para i1, · · · , in ∈ I.
Teorema 17.28. Para todo corpo K existe um corpo Ω ⊃ K algebricamente
fechado.
Demonstrac¸a˜o. Seja P o conjunto dos polinoˆmios irredut´ıveis moˆnicos em
K[x]. Seja R o anel R := K[xP ]. Considere o ideal p de R gerado pelo conjunto
{P (xP ) |P ∈ P}. Este ideal e´ pro´prio, caso contra´rio existiriam P1, · · · , Pr ∈ P e
G1, · · · , Gr ∈ K[xP1 , · · · , xPr ] ⊂ R tais que
r∑
i=1
P (xPi)Gi(xP1 , · · · , x(Pr)) = 1.
Mas pelo corola´rio 17.17 existe uma extensa˜o finita L/K tal que P1 . . . Pr fatora-se
linearmente em L. Para cada 1 ≤ i ≤ r seja αi ∈ L uma raiz de Pi. Logo
1 =
r∑
i=1
P (αi)Gi(α1, · · · , αr) = 0,
o que e´ uma contradic¸a˜o.
Pelo lema de Krull, existe m ( R ideal maximal contendo p. Considere o homo-
morfismo quociente ϑ : R→ R/m. A restric¸a˜o κ de ϑ a K induz um isomorfimso de
corpos κ : K → K := ϑ(K). Pelo lema da duplicac¸a˜o existe uma extensa˜o L1/K e
um isomorfismo de corpos λ : L1 → R/m estendendo κ. Como na demonstrac¸a˜o do
teorema 17.15 αP := ϑ(xP ) e´ uma raiz de ϑ
∗(P ), e a fortiori λ−1(αP ) ∈ L1 e´ uma
raiz de P . Dessa forma construimos uma extensa˜o L1/K na qual todo elemento de
P possui uma raiz.
Prosseguindo indutivamente, contruimos uma sequ¨eˆncia de corpos
L0 := K ⊂ L1 ⊂ L2 ⊂ · · · ⊂ Ln ⊂ · · ·
tais que todo polinoˆmio irredut´ıvel moˆnico em Lj [x] possui uma raiz em Lj+1.
Seja Ω :=
⋃
j≥1 Lj . Este conjunto e´ um corpo contendo K e afirmamos que e´
algebricamente fechado. De fato, dado f ∈ Ω[x] \ Ω, este fatora-se linearmente em
algum Lj [x] para j suficientemente grande. Portanto, por construc¸a˜o, f possui raiz
em Lj+1 ⊂ Ω. �
17.18. FECHOS ALGE´BRICOS 133
Corola´rio 17.29 (existeˆncia de fecho alge´brico). Todo corpo K possui um
fecho alge´brico.
Demonstrac¸a˜o. Pelo teorema anterior existe extensa˜o Ω/Ktal que Ω e´ al-
gebricamente fechado, portanto AΩ(K) e´ um fecho alge´brico de K. �
Teorema 17.30. Sejam K,K ′ corpos, κ : K → K ′ um isomorfismo de corpos,
L/K, L′/K ′ extenso˜es de corpos, α ∈ L (resp. α′ ∈ L′) alge´brico sobre K (resp.
alge´brico sobre K ′). As seguintes condic¸o˜es sa˜o equivalentes.
(1) O isomorfismo κ estende-se a um isormorfismo de corpos κα : K[α] →
K ′[α′] tal que κα(α) = α′.
(2) κ∗(Pα|K) = Pα′|K′ .
Demonstrac¸a˜o. Suponha (1). Enta˜o κ∗(Pα|K)(α′) = κα(Pα|K(α)) = 0, em
particular κ∗(Pα|K) | Pα′|K′ . Mas estes dois polinoˆmios sa˜o irredut´ıveis moˆnicos.
Portanto vale a igualdade.
Suponha (2). Sabemos que K[α] ∼= K[x]/(Pα|K) e K ′[α′] ∼= K ′[x]/(Pα′|K′).
Assim, compondo os isomorfismos abaixo encontramos κα :
K[α]
∼=−→ K[x]
(Pα|K)
κ−→ K
′[x]
(Pα′|K′)
∼=−→ K ′[α′].
�
Definic¸a˜o 17.31. Sejam L e L′ extenso˜es de K e λ : L→ L′ um isomorfismo
de corpos. Dizemos que λ e´ um K-isomorfismo, se λ|K for a identidade.
Em particular, tomando K = K ′, κ a identidade e L = L′ obtemos o corola´rio.
Corola´rio 17.32. Sejam L/K uma extensa˜o de corpos e α, α′ ∈ L alge´bricos
sobre K. As seguintes condic¸o˜es sa˜o equivalentes.
(1) Existe um K-isomorfismo K[α]→ K[α′] tal que α 7→ α′.
(2) Pα|K = Pα′|K′ .
Definic¸a˜o 17.33. Sejam L/K uma extensa˜o e α, β ∈ L alge´bricos sobre K.
Dizemos que α e´ K-conjugado a β (denotamos por α ∼K β), se Pα|K = Pβ|K . Esta
noc¸a˜o independe da escolha da extensa˜o L/K. O conjunto Cα dos K-conjugados
de α e´ finito, pois #Cα ≤ grau(Pα|K).
Proposic¸a˜o 17.34. Seja L/K uma extensa˜o alge´brica. Todo K-endomorfismo
de L e´ tambe´m um K-isomorfismo de L.
Demonstrac¸a˜o. Seja σ um K-endomorfismo de L. Observe que para todo
α ∈ L temos σ(Cα) ⊂ Cα, pois Pα|K(σ(β)) = β(Pα|K(β)) = 0. Mas Cα e´ finito e
σ e´ injetivo (pois e´ na˜o nulo). Logo σCα e´ uma bijec¸a˜o de um conjunto finito nele
mesmo. A fortiori, σ e´ sobrejetiva e σ e´ um K-automorfismo de L. �
Teorema 17.35 (extensa˜o de homomorfismos). Sejam L/K uma extensa˜o
alge´brica e κ : K → Ω um homomorfismo de corpos com Ω algebricamente fechado.
Enta˜o existe λ : L→ Ω um homomorfismo de corpos estendendo κ.
Demonstrac¸a˜o. Suponha inicialmente que L = k[α] para algum α ∈ L. Seja
α′ ∈ Ω uma raiz de κ∗(Pα|K). Assim, κ∗(Pα|K) = Pα′|K′ , onde K ′ := κ(K). Pelo
teorema 17.30, existe um homomorfismo de corpos λ : L→ Ω estendendo κ tal que
λ(α) = α′.
134 17. EXTENSO˜ES ALGE´BRICAS
No caso geral, consideramos o conjunto M de pares ordenados (L′, λ′) forma-
dos por extenso˜es L′/K contidas em L e homomorfismos de corpos λ′ : L′ → Ω
estendendo κ. Definimos uma ordem parcial em M por
(L′, λ′) ≤ (L′′, λ′′) se e somente se L′ ⊂ L′′ e λ′ = λ′′|L′ .
O conjunto M e´ indutivo. De fato, se L := {(Lj , λj) | j ∈ J} ⊂M for um subcon-
junto totalmente ordenado, enta˜o o corpo
LJ :=
⋃
j∈J
Lj
e´ um subcorpo de L e definindo λJ em cada Lj por λJ := λj obtemos (por
construc¸a˜o) um homomorfismo de corpos λJ : LJ → Ω. Ale´m disto, temos que
(Lj , λj) ≤ (LJ , λJ) para todo j ∈ J . Assim, (LJ , λJ) e´ um limite superior para M.
Pelo lema de Zorn, o conjunto M admite elemento maximal (L˜, λ˜).
Afirmamos que L˜ = L. De fato, caso contra´rio, se α ∈ L˜ \ L, utlizando a
primeira parte da prova, poder´ıamos estender λ˜ a um homomorfismo de corpos
L˜(α)→ Ω, o que e´ uma contradic¸a˜o. �
Teorema 17.36 (unicidade a menos de isomorfismo). Seja K um corpo. Supo-
nha que Ω e Ω1 sejam corpos algebricamente fechados contendo K. Enta˜o AΩ(K)
e AΩ1(K) sa˜o K-isomorfos.
Demonstrac¸a˜o. Pelo teorema anterior, existe um K-homomorfismo λ :
AΩ(K) → Ω1. E´ claro que a imagem de λ esta´ contida em AΩ1(K). Por outro
lado para todo α1 ∈ AΩ1(K) e toda raiz α ∈ Ω de Pα1|K temos que Pα|K = Pα1|K .
Logo, pelo teorema 17.30, concluimos que existe um K-isomorfismo K[α]→ K[α1]
tal que α 7→ α1. Em particular, λ(AΩ(K)) = AΩ1(K). �
Exemplo 17.37. A motivac¸a˜o para o teorema anterior vem da seguinte situa-
c¸a˜o. Uma maneira de construir R a partir de Q e´ adicionar a Q os limites de
sequ¨eˆncias de Cauchy de elementos de Q (ver [Li]). Por isto dizemos que R e´ o
completamento de Q.
Note-se entretanto que esta´ impl´ıcito na discussa˜o anterior que estamos utili-
zando para a noc¸a˜o de limite o valor absoluto usual dos nu´meros racionais. Tal valor
absoluto e´ arquimediano, ou seja satisfaz a desigualdade triangular |x+y| ≤ |x|+|y|.
Por isto vamos dizer que R e´ o completamento arquimediano de Q. Na linguagem
da geometria aritme´tica moderna, o valor absoluto arquimediano nada mais e´ que o
primo no infinito que compatifica o conjunto (esquema) Spec(Z) dos ideais primos
de Z.
Porque dizemos isto? Para cada nu´mero primo p, pela unicidade da fatorac¸a˜o de
nu´meros inteiros em produto de nu´meros primos, para todo x ∈ Q existe um u´nico
ordp(x) ∈ Z tal que x = pordp(x)x′, onde nem o numerador nem o denominador de
x′ ∈ Q sa˜o divis´ıveis por p. Isto permite definir o seguinte valor absoluto (chamado
de p-a´dico)
|x|p := p−ordp(x).
Este valor absoluto e´ na˜o arquimediano, ou seja, vale uma propriedade mais forte
que a propriedade triangular, |x+ y|p ≤ max(|x|p, |y|p).
Repetimos o procedimento de construc¸a˜o de R a partir de Q e acrescentamos a
Q os limites de sequ¨eˆncias de Cauchy (com respeito ao valor absoluto p-a´dico). O
17.18. FECHOS ALGE´BRICOS 135
conjunto obtido e´ o corpoQp dos nu´meros p-a´dicos. Uma outra forma de representar
um elemento de Qp e´ atrave´s de uma “se´rie de Laurent”
x =
∑
i≥n
aip
i,
onde n ∈ Z e 0 ≤ ai < p e´ inteiro para todo i. Assim, Qp e´ o completamento de Q
com respeito ao valor absoluto p-a´dico.
Pelo teorema 17.28 existe um corpo algebricamente fechado contendo R, por
exemplo C, e um corpo algebricamente fechado (ate´ completo, mas isto na˜o segue
do teorema, ver [Kob]) Cp contendo Qp. Assim, ter´ıamos por um lado o fecho
alge´brico AC(Q) de Q en C (chamado o corpo de todos os nu´meros alge´bricos e
denotado por Q) e o fecho alge´brico ACp(Q) de Q em Cp. O que o teorema nos
diz e´ que apesar destes dois fechos alge´bricos serem subcorpos de corpos distintos
(os valores absolutos sa˜o diferentes), eles sa˜o Q-isomorfos. Isto nos permite usar a
notac¸a˜o Q sem ambuiguidade.
Nos to´picos adicionais comentaremos sobre um grupo ligado a Q e um dos
objetos mais importantes da aritme´tica (bastante misterioso, ainda) o grupo de
Galois absoluto de Q.
CAP´ıTULO 18
Extenso˜es separa´veis
Definic¸a˜o 18.1. Seja f ∈ K[x], L/K uma extensa˜o de corpos e α ∈ L uma raiz
de f . A multiplicidade m = m(f, α) de α como raiz de f e´ definido como o maior
inteiro m ≥ 1 tal que existe g ∈ L[x] com g(α) 6= 0 satisfazendo a f = (x − α)mg.
Se m = 1 dizemos que α e´ uma raiz simples, caso contra´rio que e´ uma raiz mu´ltipla.
No cap´ıtulo 15, sec¸a˜o 15.25 mostramos que dados f, g ∈ K[x] \K eles possuem
um fator comum na˜o constante (logo uma raiz comum, utilizando o cap´ıtulo ante-
rior) se e somente sua resultante Res(f, g) for nula. Ale´m disto, mostramos tambe´m
que f possui fator mu´ltiplo (logo raiz mu´ltipla) se e somente se seu discriminante
disc(f) for nulo. Lembre que disc(f) = Res(f,D(f)), onde D(f) denota a derivada
de f .
Definic¸a˜o 18.2. Seja D um domı´nio de integridade. Consideremos o ho-
momorfismo ϑ : Z → D tal que ϑ(1) = 1D, onde 1D denota o elemento neutro
multiplicativo de D. Seja I = N(ϑ) o nu´cleo de ϑ. Se N(ϑ) = (0) (i.e., ϑ for
injetivo) dizemos que a caracter´ıstica car(D) como 0. Caso isto na˜o ocorra I e´ um
ideal na˜o nulo de Z, logo I = nZ para algum n ≥ 1. Ale´m disto pelo teorema dos
isomorfismos Z/nZ e´ isomorfo a um subdomı´nio de D. Mas Z/nZ e´ um domı´nio se
e somente se n = p e´ um nu´mero primo. Neste caso dizemos que car(D) = p. Note
que neste caso p.1D = 0 e para todo a ∈ D temos tambe´m que pa = 0. Observe
tambe´m que
(a+ b)p =
p∑
i=0
(
p
i
)
aibp−i = ap + bp,
poispara todo i = 1, · · · , p− 1 temos(
p
i
)
≡ 0 (mod p).
Teorema 18.3. Seja L/K uma extensa˜o de corpos e α ∈ L alge´brico sobre K.
Enta˜o Pα|K na˜o possui ra´ızes mu´ltiplas ou existe h ∈ K[x] tal que Pα|K(x) = h(xp)
e neste caso p = car(K).
Demonstrac¸a˜o. Suponha que D(Pα|K) 6= 0. Neste caso, como grau(D(Pα|K
)) < grau(Pα|K), enta˜o mdc(Pα|K , D(Pα|K)) = 1, i.e., Pα|K na˜o admite ra´ızes
mu´ltiplas.
Seja
Pα|K = xn +
n−1∑
i=0
aix
i.
137
138 18. EXTENSO˜ES SEPARA´VEIS
Enta˜o D(Pα|K) = 0 se e somente se para todo i tal que ai 6= 0 temos que i = 0 em
K (i.e., i ≡ 0 (mod p) em Z). Assim,
Pα|K = xn
′p + a(n′−1)px(n
′−1)p + . . .+ apxp + a0
e basta tomar
h = xn
′
+ a(n′−1)pxn
′−1 + . . .+ apx+ a0.
�
Definic¸a˜o 18.4. Dado f ∈ K[x] \ K, dizemos que f e´ separa´vel, se f na˜o
admite ra´ızes mu´ltiplas. Seja L/K uma extensa˜o de corpos e α ∈ L alge´brico sobre
K, enta˜o α e´ dito separa´vel sobre K, se Pα|K for separa´vel. Uma extensa˜o alge´brica
L/K e´ dita separa´vel, se todo α ∈ L for separa´vel sobre K. Um corpo K e´ dito
perfeito, se car(K) = 0 ou car(K) = p e K = Kp = {ap | a ∈ K} (i.e., todo elemento
de K e´ p-poteˆncia). Note que a inclusa˜o Kp ⊂ K e´ sempre satisfeita. A questa˜o e´
a inclusa˜o oposta.
Proposic¸a˜o 18.5. Um corpo K e´ perfeito se e somente se para todo f ∈ K[x]
irredut´ıvel for separa´vel.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que K seja perfeito e seja f ∈ K[x] irredut´ıvel.
Seja L/K finita e α ∈ L tal que f(α) = 0. Logo f = aPα|K para a ∈ K∗. Se
car(K) = 0 ou D(Pα|K) 6= 0, enta˜o Pα|K e´ separa´vel (logo o mesmo vale para f).
Caso isto na˜o ocorra, enta˜o Pα|K(x) = h(xp) para algum h ∈ K[x] e p = car(K).
Como K e´ perfeito K = Kp. Escrevendo
Pα|K =
n∑
i=0
aipx
ip
temos que para todo i existe bi ∈ K tal que aip = bpip. Logo
Pα|K = (
n∑
i=0
bipx
i)p
e´ redut´ıvel, o que e´ uma contradic¸a˜o.
Reciprocamente, suponha que todo f ∈ K[x] irredut´ıvel seja separa´vel. Se
car(K) = 0 nada ha´ a fazer. Suponhamos que car(K) = p. Seja a ∈ K e f = xp−a.
Existe uma extensa˜o finita L/K e α ∈ L tal que f(α) = 0, em particular
Pα|K | f = (x− α)p, i.e., Pα|K = (x− α)`,
para algum 1 ≤ ` ≤ p. Mas pela separabilidade de Pα|K , temos que ` = 1 e
α ∈ K. �
Proposic¸a˜o 18.6. Um corpo K e´ perfeito se e somente se toda extensa˜o
alge´brica L/K for separa´vel.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que K seja perfeito e seja L/K uma extensa˜o
alge´brica. Pela proposic¸a˜o anterior para todo α ∈ L temos que Pα|K e´ separa´vel.
Reciprocamente, suponhamos que toda extensa˜o alge´brica L/K seja separa´vel.
Novamente, se car(K) = 0 nada ha´ a fazer. Suponhamos que car(K) = p. Seja
a ∈ K e f = xp − a. Seja L/K finita e α ∈ L tal que f(α) = 0. Logo Pα|K | f e
pelo mesmo argumento anterior α ∈ K. �
18. EXTENSO˜ES SEPARA´VEIS 139
Definic¸a˜o 18.7. Seja L/K uma extensa˜o alge´brica. Dizemos que α ∈ L e´
insepara´vel sobre K, se na˜o for separa´vel, i.e., se Pα|K admitir ra´ızes mu´ltiplas.
Para provar uma proposic¸a˜o sobre transitividade de extenso˜es separa´veis, pre-
cisamos antes do seguinte resultado sobre extenso˜es de homomorfismos.
Proposic¸a˜o 18.8. Seja L/K uma extensa˜o finita, digamos L = K[α1, · · · , αr].
Seja Ω um corpo algebricamente fechado e κ : K → Ω um homomorfismo na˜o trivial
(logo necessariamente injetivo) de corpos, onde Ω e´ algebricamente fechado. Seja
m o nu´mero de extenso˜es λ : L → Ω de κ a L (ver cap´ıtulo anterior). Enta˜o
1 ≤ m ≤ [L : K].
Ale´m disto as seguintes condic¸o˜es sa˜o equivalentes:
(i) m = [L : K].
(ii) α1, · · · , αr sa˜o separa´veis sobre K.
(iii) L/K e´ separa´vel.
Demonstrac¸a˜o. Provaremos inicialmente a proposic¸a˜o para r = 1. Sejam
{α1 = β1, · · · , βn} as ra´ızes de Pα1|K . Se λ e´ uma extensa˜o de κ a L, enta˜o λ(α1)
e´ necessariamente uma raiz de Pα1|K , uma vez que este polinoˆmio e´ invariante por
κ. Assim, o nu´mero de extenso˜es λ e´ igual ao nu´mero de ra´ızes distintas de Pα1|K .
Este nu´mero e´ no ma´ximo igual a grau(Pα1|K) = [L : K]. Ale´m disto, m ≥ 1,
pois provamos no cap´ıtulo anterior a existeˆncia de extenso˜es λ de κ, se L/K for
alge´brica.
Observe que m = [L : K] se e somente se o nu´mero de ra´ızes distintas de Pα1|K
for igual a [L : K] = grau(Pα1|K). Isto equivale a Pα1|K ser separa´vel. Assim, as
condic¸o˜es (i) e (ii) sa˜o equivalentes. E´ claro que (iii) implica (ii). Suponha que L/K
seja insepara´vel, digamos que γ ∈ L seja insepara´vel sobre K. Pela equivaleˆncia
entre (i) e (ii) concluimos que o nu´mero de extenso˜es κγ de κ a K[γ] e´ estritamente
inferior a [K[γ] : K]. Por outro lado, pela primeira parte, cada κγ possui no ma´ximo
[L : K[γ]] extenso˜es a L. Dessa forma, o nu´mero de extenso˜es de κ a L e´ menor
que [L : K], ou seja, (i) implica (iii).
Para provar o caso geral, para qualquer r, lembremos que existe uma sequ¨eˆncia
finita de extenso˜es
K = K0 ⊂ K1 = K0[α1] ⊂ K2 = K1[α2] ⊂ · · ·
⊂ Kr = Kr−1[αr] = K[α1, · · · , αr] = L.
Pela primeira parte, o nu´mero de extenso˜es κ1 de κ a K1 e´ no ma´ximo [K1 : K], o
nu´mero de extenso˜es de κ1 a K2 e´ no ma´ximo [K2 : K1], etc. Portanto, o nu´mero
de extenso˜es de κ a L e´ no ma´ximo igual a
[K1 : K][K2 : K1] . . . [Kr : Kr−1] = [L : K].
Como anteriormente (iii) implica (ii). Suponha (ii). Enta˜o cada αi e´ separa´vel
tambe´m sobre Ki−1. A fortiori, pela primeira parte, o nu´mero de extenso˜es de κi−1
a Ki e´ igual a [Ki : Ki−1]. Aplicando a multiplicativade dos graus concluimos que
m = [L : K]. Finalmente, a prova que (i) implica (iii) e´ ideˆntica a` da primeira
parte. �
Corola´rio 18.9. Sejam L/K uma extensa˜o alge´brica e M um subconjunto de
L. Se todo α ∈M for separa´vel sobre K, enta˜o K[M]/K e´ separa´vel.
140 18. EXTENSO˜ES SEPARA´VEIS
Demonstrac¸a˜o. Basta observar que
K[M] =
⋃
F∈C
K[F],
onde F percorre o conjunto C de subconjuntos finitos de M, e aplicar a proposic¸a˜o
anterior. �
Teorema 18.10. Sejam L/K e M/L extenso˜es alge´bricas. Enta˜o M/K e´
separa´vel se e somente se M/L e L/K o forem.
Demonstrac¸a˜o. E´ claro que se M/K for separa´vel, enta˜o M/L e L/K tam-
be´m o sa˜o. Provemos a rec´ıproca. Seja α ∈M e
Pα|L = xn + an−1xn−1 + . . .+ a0.
Seja L := K[a0, · · · , an−1]. Enta˜o Pα|L ∈ L[x] e α e´ separa´vel sobre L. Como cada
ai ∈ L e L/K e separa´vel, pela proposic¸a˜o 18.8 L/K tambe´m e´ separa´vel. Ale´m
disto, pelo observado acima e pela proposic¸a˜o 18.8 obtemos que L[α]/L tambe´m e´
separa´vel.
Seja κ : K → Ω um homorfismo na˜o trivial de corpos, com Ω algebricamente
fechado. O nu´mero de extenso˜es κL de κ a L e´ igual a [L : K]. Ale´m disto, para
cada κL o nu´mero de extenso˜es deste homomorfismo a L[α] e´ igual a [L[α] : L].
Portanto, o nu´mero de extenso˜es de κ a L[α] e´ igual a
[L : K][L[α] : L] = [L[α] : K].
Novamente, aplicando a proposic¸a˜o 18.8 concluimos que L[α]/K e´ separa´vel, assim
α e´ separa´vel sobre K. �
Definic¸a˜o 18.11. Seja L/K uma extensa˜o alge´brica e Ω um corpo algebri-
camente fechado. Denotamos por HomK(L,Ω) o conjunto dos homomorfismos de
corpos λ : L→ Ω tais que λ|K = id. Sa˜o chamados K-homomorfismos de L em Ω.
O seguinte resultado e´ uma consequ¨eˆncia imediata da proposic¸a˜o 18.8.
Teorema 18.12. Seja L/K uma extensa˜o finita. Enta˜o
# HomK(L,Ω) ≤ [L : K].
Ale´m disto, vale a igualdade se e somente se L/K for separa´vel.
Definic¸a˜o 18.13. Seja L/K uma extensa˜o alge´brica. Definimos o fecho sepa-
ra´vel SL(K) de K em L por
SL(K) := {α ∈ L |α e´ separa´vel sobre K.
E´ claro que K ⊂ SL(K). Fica como exerc´ıcio provar que SL(K) e´ um subcorpo de
K (utilize a transitividade de extenso˜es separa´veis provada acima).
Definic¸a˜o 18.14. Seja L/K uma extensa˜o de corpos. Dizemos que α e´ um
elemento primitivo de L/K se L = K[α]. Neste caso, dizemos que L/K e´ uma
extensa˜o simples.
Teorema 18.15 (teorema do elemento primitivo). Suponha que K seja um
corpo infinito. Seja L/Kuma extensa˜o finita e separa´vel. Enta˜o L/K e´ simples,
i.e., existe α ∈ L elemento primitivo de L/K.
18.17. CORPOS FINITOS 141
Demonstrac¸a˜o. Observemos inicialmente que basta supor que L seja gerado
por 2 elementos α, β, digamos L = K[α, β]. De fato, sendo L/K finita, sabemos
que L e´ da forma L = K[α1, · · · , αr]. Suponha o resultado provado para extenso˜es
geradas por 2 elementos. Assim, existe β1 ∈ K2 = K1[α1] = K[α1, α2] tal que K2 =
K[β1]. Pelo mesmo argumento, existe β2 ∈ K3 tal que K3 = K[β1, α3] = K[β2].
Repetindo sucessivamente o argumento, concluimos que L = Kr = K[βr−1].
Sejam
f := Pα|K = (x− α) . . . (x− αn) e g := Pβ|K = (x− β) . . . (x− βm).
Seja c ∈ K e γ := α + cβ. Consideremos os corpos K ⊂ F = K[γ] ⊂ L =
K[α, β]. Provaremos que L = F para uma escolha gene´rica de c ∈ K. Seja
h(x) := f(γ− cx) ∈ F [x]. Observe que h(β) = 0. Portanto, x−β divide h em L[x].
Seja M/L uma extensa˜o finita contendo todas as ra´ızes de f e g. Mostraremos que
mdcM [x](h, g) = x− β.
Observemos inicialmente que algum βj e´ raiz de f (com j > 1) se e somente se
γ − cβj = α+ c(β − βj) = αi,
para algum i. Ou equivalentemente, se e somente se
(18.15.1) c =
αi − α
β − βj .
Note que o conjunto destas frac¸o˜es com j percorrendo 2, · · · ,m e i percorrendo
1, · · · , n e´ finito. Como o corpo K e´ infinito, podemos sempre escolher c ∈ K
diferente de todas estas frac¸o˜es. Em outras palavras a u´nica raiz comum de h e g
e´ β, da´ı segue o resultado sobre o mdc.
Mas o mdc na˜o depende do corpo no qual estamos considerando, pela unicidade
do resto no algoritmo de divisa˜o de polinoˆmios. Dessa forma, como g, h ∈ F [x]
concluimos que β ∈ F . Portanto, por construc¸a˜o α ∈ F e L = F . �
Observac¸a˜o 18.16. No pro´ximo cap´ıtulo daremos uma prova intr´ınseca do
teorema do elemento primitivo para corpos finitos. Observe tambe´m que na prova
do teorema do elemento primitivo, se nos restringirmos a corpos L da forma K[α, β],
na˜o precisamos supor que L/K seja separa´vel. Basta que β seja separa´vel sobre K,
uma vez que isto garante que os denominadores de (18.15.1) sejam todos na˜o nulos.
18.17. Corpos Finitos
Dado um inteiro n ≥ 1 sabemos que o anel quociente Z/nZ e´ um corpo se e
somente se n = p for um nu´mero primo. Este e´ o primeiro exemplo de um corpo
finito que sera´ denotado por Fp. Uma maneira natural de definir corpos finitos
e´ tomar f ∈ Fp[x] irredut´ıvel e lembrar que o anel quociente Fp[x]/(f) e´ neste
caso um corpo. Este corpo tambe´m pode ser escrito como Fp[α] para raiz α de f
em alguma extensa˜o finita l de Fp. Ale´m disto, [Fp[α] : Fp] = grau(f) digamos
n. Assim, como Fp espac¸o vetorial Fp[α] e´ isomorfo a Fnp portanto e´ um corpo de
q = pn elementos. Estes corpos sa˜o caracterizados pelo seguinte teorema.
Teorema 18.18. (a) Para todo n ≥ 1 inteiro existe um corpo finito Fq de
q = pn elementos dado pelo conjunto das ra´ızes Rxq−x de xq−x em algum
corpo algebricamente fechado Ω contendo Fp. Ale´m disto este polinoˆmio
e´ separa´vel.
(b) O corpo Fq e´ u´nico a menos de isomorfismo.
142 18. EXTENSO˜ES SEPARA´VEIS
(c) O grupo multiplicativo F∗q = Fq \ {0} e´ um grupo c´ıclico.
(d) Os fatores irredut´ıveis moˆnicos de xq − x sa˜o exatamente os polinoˆmios
irredut´ıveis moˆnicos f ∈ Fp[x] tais que grau(f) | n.
(e) Se q′ = pm, enta˜o Fq′ ⊂ Fq se e somente se q′ | q.
Demonstrac¸a˜o. (a) Sabemos que existe uma extensa˜o finita L de Fp tal que
f fatora-se linearmente em L[x]. Seja Fq := Rxq−x ⊂ L. Afirmamos que Fq e´
um subcorpo de L. De fato, se a, b ∈ Fq, enta˜o (a + b)q = aq + bq = a + b,
logo a + b ∈ Fq. Ale´m disto (ab)q = aqbq = ab, logo ab ∈ Fq. E se a ∈ F∗q ,
enta˜o (a−1)q = (aq)−1 = a−1, logo a−1 ∈ Fq. Ale´m disto, como D(xq − x) = −1,
concluimos que xq−x e´ separa´vel. O ı´tem (b) segue da unicidade de fecho alge´brico
a menos de isomorfismo. �
O item (c) segue imediatamente do seguinte lema.
Lema 18.19. Seja K um corpo e G ⊂ K∗ um subgrupo finito. Enta˜o G e´
c´ıclico.
Demonstrac¸a˜o. Como G e´ finito, enta˜o seu expoente exp(G) tambe´m o e´
(veja definic¸a˜o 9.37). Digamos que n = exp(G). Isto significa que para todo a ∈ G,
temos an = 1, ou seja, G ⊂Wn(K) := {α ∈ K |αn = 1}. Mas este e´ o conjunto das
ra´ızes de xn − 1 que tem cardinalidade no ma´ximo n. Portanto, #G ≤ n, como a
desigualdade contra´ria vale em geral, temos que |G| = exp(G) = n. Pela proposic¸a˜o
9.40, concluimos que G e´ c´ıclico. �
Para provar os ı´tens (d) e (e) precisamos de um lema adicional.
Lema 18.20. Seja q′ := pm tal que n = mk. Enta˜o xq
′ − x divide xq − x.
Demonstrac¸a˜o. Recordemos a fatorac¸a˜o
yd − 1 = (y − 1)(yd−1 + . . .+ y + 1).
Tomemos y = q′ e d = k, assim q′−1 divide (q′)k−1 = q−1. Tomando y = xq′−1 e
d = (q−1)/(q′−1) obtemos que xq′−1−1 divide (xq′−1)(q−1)/(q′−1)−1 = xq−1−1,
multiplicando por x concluimos que xq
′ − x divide xq − x. �
Suite da prova do teorema. (d) Seja f um fator irredut´ıvel moˆnico de xq−
x. Enta˜o existe α ∈ Fq tal que f = Pα|Fp . Neste caso, Fq ⊃ Fp[α] ⊃ Fp e como
[Fp[α] : Fp] = grau(Pα|Fp) concluimos que grau(f) | n.
Reciprocamente, se f ∈ Fp[x] e´ irredut´ıvel moˆnico de grau m | n, enta˜o existe
uma extensa˜o finita L de Fp e α ∈ L tal que f = Pα|Fp . Neste caso, Fp[α] = Fq′ ,
onde q′ = pm. Como m | n, (xq′ − x) | (xq − x), em particular Rxq′−x = Fq′ ⊂
Rxq−x = Fq. Logo α e´ raiz de xq − x, assim f = Pα|Fp | (xq − x).
(e) Suponhamos que m | n. Pelo lema anterior, (xq′ − x) | (xq − x), logo
Rxq′−x = Fq′ ⊂ Rxq−x = Fq. Reciprocamente, se Fq′ ⊂ Fq, enta˜o [Fq : Fp] = n =
[Fq : Fq′ ][Fq′ : Fp] = [Fq : Fq′ ]m, assim m | n. �
CAP´ıTULO 19
Extenso˜es puramente insepara´veis
Ao longo de todo este cap´ıtulo K sera´ um corpo de caracter´ıstica prima p.
Sabemos que se L/K for uma extensa˜o e α ∈ AL(K), enta˜o Pα|K e´ separa´vel ou
existe h1 ∈ K[x] tal que Pα|K(x) = h1(xp). Note que h1(x) e´ moˆnico e irredut´ıvel,
na verdade coincide com Pαp|K . Assim, podemos repetir o argumento para h1.
Pela finitude do grau de Pα|K , concluimos que existe um e ≥ 0 inteiro ma´ximo e
P˜α|K ∈ K[x] tal que
Pα|K(x) = P˜α|K(xp
e
).
Este inteiro e e´ dito o expoente de Pα|K .
O anel K[x] e´ fatorial, logo similarmente, podemos definir para todo f ∈ K[x]\
K o maior inteiro e ≥ 0 tal que
f(x) = f˜(xp
e
),
para um u´nico f˜ ∈ K[x]. Novamente e e´ dito o expoente de f . Observamos que f
e´ separa´vel se e somente se e = 0.
Definic¸a˜o 19.1. Um polinoˆmio f ∈ K[x] \K e´ dito puramente insepara´vel se
f(x) = xp
e − a para algum e ≥ 0 e a ∈ K. Note que neste caso f˜ = x− a. Observe
tambe´m que se α for uma raiz de f em uma extensa˜o finita L/K enta˜o
f(x) = (x− α)pe .
Ou seja, um polinoˆmio puramente insepara´vel possui uma u´nica raiz em um fecho
alge´brico de K. Neste sentido um polinoˆmio puramente insepara´vel e´ o extremo
oposto de um polinoˆmio separa´vel.
Definic¸a˜o 19.2. Seja L/K uma extensa˜o de corpos e α ∈ L alge´brico sobre
K. Dizemos que α e´ puramente insepara´vel sobre K se for raiz de algum f ∈ K[x]\
K puramente insepara´vel. Observe que todo elemento de K e´ simultaneamente
separa´vel e puramente insepara´vel sobre K. Dizemos que uma extensa˜o alge´brica
L/K e´ puramente insepara´vel se todo α ∈ L for puramente insepara´vel sobre K.
Lema 19.3. Seja L/K extensa˜o e α ∈ AL(K). Enta˜o α e´ puramente inse-
para´vel sobre K se e somente se Pα|K for puramente insepara´vel.
Demonstrac¸a˜o. Se Pα|K for puramente insepara´vel nada ha´ a fazer. Supo-
nhamos que α seja puramente insepara´vel sobre K. Ou seja, existe e ≥ 0 tal que
α e´ raiz de xp
e − a para algum a ∈ K. Suponha e mı´nimo para esta propriedade.
Neste caso, xp
e − a e´ irredut´ıvel, coincidindo portanto com Pα|K . �
Teorema 19.4. Seja L/K alge´brica, digamos L = K[M]. Sejam Ω um corpo
algebricamente fechado e κ : K → Ω um homomorfismo na˜o trivial de corpos. As
seguintes condic¸o˜es sa˜o equivalentes:
143144 19. EXTENSO˜ES PURAMENTE INSEPARA´VEIS
(i) Existe uma u´nica extensa˜o λ : L→ Ω de κ a L.
(ii) Todo elemento de M e´ puramente insepara´vel sobre K.
(iii) L/K e´ puramente insepara´vel.
Demonstrac¸a˜o. Suponha (ii). Sabemos que existe um homomorfismo λ :
L→ Ω estendendo κ. Ale´m disto para todo α ∈M temos que β := λ(α) e´ uma raiz
de κ∗(Pα|K). Como Pα|K e´ puramente insepara´vel, o mesmo vale para κ∗(Pα|K).
Logo β fica univocamente detereminado, portanto λ e´ u´nico.
Suponha que L/K na˜o seja puramente insepara´vel, i.e., existe α ∈ L tal que
Pα|K e´ puramente insepara´vel. Logo κ∗(Pα|K) tambe´m na˜o e´ puramente inse-
para´vel. Portanto possui pelo menos duas ra´ızes distintas digamos α1 6= β1. Assim,
existem pelo menos duas opc¸o˜es para λ, ou λ(alpha) = α1 ou λ(α) = β1. Isto
mostra que (i) implica (iii). E´ imediato que (iii) implica (ii). �
Proposic¸a˜o 19.5. Sejam L/K e M/L extenso˜es alge´bricas. Enta˜o M/K e´
puramente insepara´vel se e somente se M/L e L/K forem puramente insepara´veis.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que M/K seja puramente insepara´vel. Enta˜o au-
tomaticamente L/K e´ puramente insepara´vel. Ale´m disto, como K ⊂ L, se
αp
e ∈ K ⊂ L, enta˜o M/L e´ puramente insepara´vel.
Reciprocamente, suponha que M/L e L/K sejam puramente insepara´veis. Da-
do α ∈M temos que existe e ≥ 0 tal que αpe ∈ L. Por outro lado, existe f ≥ 0 tal
que (αp
e
)p
f ∈ K, i.e., αpe+f ∈ K e α e´ puramente insepara´vel sobre K. �
Definic¸a˜o 19.6. Seja L/K uma extensa˜o alge´brica. Definimos o fecho pura-
mente insepara´vel de K em L por
PL(K) := {α ∈ L |α e´ puramente insepara´vel sobre K}.
Deixamos a cargo do leitor verificar que isto e´ um subcorpo de L contendo K.
Observac¸a˜o 19.7. Lembre que o fecho separa´vel SL(K) de K em L e´ definido
similarmente como o conjunto dos elementos de L separa´veis sobre K. Assim,
PL(K) ∩ SL(K) = K.
Proposic¸a˜o 19.8. Seja L/K uma extensa˜o alge´brica. Enta˜o L/SL(K) e´ pu-
ramente insepara´vel.
Demonstrac¸a˜o. Seja α ∈ L. Seja e o expoente de Pα|K . Assim Pα|K(x) =
h1(x
pe) com h1 ∈ K[x] separa´vel. Em particular, αpe como raiz de h1 pertence a
SL(K). �
Observac¸a˜o 19.9. Note que a proposic¸a˜o diz que qualquer extensa˜o alge´brica
L/K pode ser decomposta em dois pedac¸os, L/SL(K), puramente insepara´vel, e
SL(K)/K separa´vel.
Definic¸a˜o 19.10. Seja L/K uma extensa˜o alge´brica. Se SL(K) = K dizemos
que K e´ separavelmente fechado em L.
Definic¸a˜o 19.11. Seja L/K uma extensa˜o finita. O grau de separabilidade
[L : K]s de L/K e´ definido por [SL(K) : K], e o grau de inseparabilidade [L : K]i
de L/k e´ definido por [L : SL(K)].
19. EXTENSO˜ES PURAMENTE INSEPARA´VEIS 145
Proposic¸a˜o 19.12. Seja L/K finita puramente insepara´vel, enta˜o [L : K] e´
poteˆncia de p.
Demonstrac¸a˜o. Sejam α1, · · · , αr geradores de L sobre K e para todo i seja
Ki := Ki−1[αi]. Como cada αi e´ puramente insepara´vel sobre K, ele tambe´m o e´
sobre Ki−1. Assim, [Ki : Ki−1] e´ poteˆncia de p, pois e´ igual ao grau de Pαi|Ki−1
que e´ puramente insepara´vel. A fortiori, [L : K] e´ poteˆncia de p. �
CAP´ıTULO 20
Corpos de decomposic¸a˜o e extenso˜es normais
Definic¸a˜o 20.1. Seja K um corpo e f ∈ K[x] \K. Seja Ω um corpo algebri-
camente fechado com Ω ⊃ K. Seja Rf := {α ∈ Ω | f(α) = 0} = {α1, · · · , αn}. O
corpo de decomposic¸a˜o K[Rf ] de f com relac¸a˜o a K e´ a extensa˜o finita K[α1, · · · ,
αn] gerada sobre K por {α1, · · · , αn}. Observemos que este e´ o menor subcorpo
de Ω contendo K e Rf . De fato, qualquer outro subcorpo contendo K e Rf ne-
cessariamente conte´m K(Rf ), pois os elemento deste sa˜o polinoˆmios nos αi’s com
coeficientes em K. Uma extensa˜o alge´brica L/K e´ dita normal, se para todo α ∈ L,
RPα|K ⊂ L.
Observac¸a˜o 20.2. Note que a noc¸a˜o de corpo de decomposic¸a˜o a priori depen-
deria do corpo Ω. Novamente, com o mesmo argumento que utilizado para provar
a unicidade de fecho alge´brico a menos de isomorfismo, observamos que se R′f for o
conjunto de ra´ızes de f em um outro corpo algebricamente fechado Ω′ ⊃ K, enta˜o
K[R′f ] e K[Rf ] sa˜o K-isomorfos.
Observac¸a˜o 20.3. Se F ⊂ K[x] \K for uma famı´lia de polinoˆmios, definimos
da mesma forma o conjunto
RF :=
⋃
f∈F
Rf
e denotamos por K[RF] o corpo de decomposic¸a˜o da famı´lia em Ω. Este nada mais
e´ que o compositum dos corpos K[Rf ] para f ∈ F.
Proposic¸a˜o 20.4. Uma extensa˜o alge´brica L/K e´ normal se e somente se para
todo f ∈ K[x] irredut´ıvel temos Rf ⊂ L ou Rf ∩ L = ∅.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que L/K seja normal. Seja f ∈ K[x] irredut´ıvel
tal que Rf ∩L 6= ∅. Seja α ∈ L∩Rf . Enta˜o existe a ∈ K∗ tal que f = aPα|K . Por
hipo´tese, RPα|K ⊂ L, mas Rf = RPα|K .
Reciprocamente, suponha que para todo f ∈ K[x] irredut´ıvel Rf ⊂ L ou
Rf ∩ L = ∅. Seja α ∈ L. Enta˜o RPα|K ∩ L 6= ∅, portanto RPα|K ⊂ L. �
Exemplo 20.5. Considere f = x3− 2 ∈ Q[x]. Seja z = e2pii/3. Enta˜o Rx3−2 =
{ 3√2, 3√2z, 3√2z2} ⊂ C. Desta forma, Q(Rx3−2) ⊂ Q[ 3
√
2, z]. Mas z = ( 3
√
2z)/ 3
√
2 ∈
Q(Rx3−2). Logo Q(Rx3−2) = Q[ 3
√
2, z]. Pelo mesmo argumento, Q(Rx4−5) =
Q[ 4
√
5, i].
Proposic¸a˜o 20.6. Seja L/K uma extensa˜o tal que [L : K] = 2. Enta˜o L/K e´
normal.
Demonstrac¸a˜o. Seja α ∈ L. Se α ∈ K, enta˜o Pα|K = x − α e RPα|K =
{α} ⊂ K ⊂ L. Caso contra´rio, em L[x] temos Pα|K = (x − α)g(x) para g ∈ L[x]
moˆnico de grau 1, assim g(x) = x− β, logo RPα|K = {α, β} ⊂ L. �
147
148 20. CORPOS DE DECOMPOSIC¸A˜O E EXTENSO˜ES NORMAIS
Observac¸a˜o 20.7. Note que em uma extensa˜o normal L/K para todo α ∈ L,
Pα|K fatora-se linearmente em L[x].
Definic¸a˜o 20.8. Seja L/K uma extensa˜o de corpos, Ω um corpo algebri-
camente fechado contendo K e HomK(L,Ω) o conjunto dos K-homomorfismos
ϕ : L→ Ω. Denotamos por Aut(L/K) ao conjunto dos K-automorfismos de L, i.e.,
o conjunto dos automorfismos σ : L→ L de L tais que σ|K = idK .
Observac¸a˜o 20.9. Ao contra´rio das extenso˜es finitas, alge´bricas e separa´veis,
na˜o vale transitividade para extenso˜es normais. De fato, se L = Q[ 3
√
2, z] =
Q(Rx3−2), enta˜o L/Q e´ normal (pelo teorema). A extensa˜o L/Q[ 3
√
2] e´ normal,
pois seu grau e´ 2. Mas a extensa˜o Q[ 3
√
2]/Q na˜o e´ normal, pois x3− 2 tem tambe´m
como ra´ızes 3
√
2z e 3
√
2z2 e este nu´meros sa˜o nu´meros complexos conjugados, en-
quanto Q[ 3
√
2] ⊂ R.
Consideremos agora a extensa˜o Q[ 4
√
5]/Q. Ela tem grau 4, pois x4 − 5 e´
irredut´ıvel sobre Q (crite´rio de Eisenstein para p = 5). Assim, as extenso˜es
Q[ 4
√
5]/Q[
√
5] e Q[
√
5]/Q teˆm grau 2, portanto sa˜o normais. Mas a extensa˜o
Q[ 4
√
5]/Q na˜o o e´, pois x4 − 5 tem tambe´m como ra´ızes ± 4√5i e estes sa˜o nu´meros
complexos conjugados, enquanto Q[ 4
√
5] ⊂ R.
O lema a seguir permite-nos definir o fecho normal de uma extensa˜o L/K.
Lema 20.10. Sejam K ⊂ Ω corpos com Ω algebricamente fechado. Seja N o
conjunto dos subcorpos de Ω normais sobre K. Enta˜o a extensa˜o( ⋂
N∈N
N
)
/K
e´ normal.
Demonstrac¸a˜o. Seja α ∈ ⋂N∈NN . Como α ∈ N e N/K e´ normal, conclui-
mos que RPα|K ⊂ N , para todo N ∈ N. �
Definic¸a˜o 20.11. Sejam K ⊂ L ⊂ Ω corpos com Ω algebricamente fechado.
Seja NL o conjunto de subcorpos N de Ω contendo L tais que N/K seja normal.
O corpo
NΩ(L/K) :=
⋂
N∈NL
N
e´ chamado o fecho normal da extensa˜o L/K em Ω. Segue da definic¸a˜o que NΩ(L/K)
e´ o menor subcorpo de Ω contendo L que e´ normal sobre K.
Caracterizaremos agora extenso˜es normais como sendo corpos de decomposic¸a˜o
de uma famı´lia de polinoˆmios. Disto seguira´ que no caso particular de extenso˜es
normais finitas, estas podem ser caracterizadas como corpos de decomposic¸a˜o de
apenas um polinoˆmio.
Teorema 20.12. Sejam K ⊂ Ω corpos com Ω algebricamente fechado. Seja
L/K uma extensa˜o alge´brica contida em Ω. As seguintes condic¸o˜es sa˜o equivalentes:
(i) L/K e´ normal.
(ii) Existe uma famı´lia F ⊂ K[x] \Ktal que L = K[RF].
(iii) HomK(L,Ω) = Aut(L/K).
A famı´lia F e´ descrita como {Pα|K |α ∈M}, onde M ⊂ L e´ tal que L = K[M].
20. CORPOS DE DECOMPOSIC¸A˜O E EXTENSO˜ES NORMAIS 149
Demonstrac¸a˜o. Suponha (i) e seja F como acima. Para todo α ∈ M, uma
vez que L/K e´ normal, RPα|K ⊂ L. A fortiori, K[RF] ⊂ L. Por outro lado,
L = K[M] ⊂ K[RF] ⊂ L, logo vale (ii).
Suponha (ii). Observe que temos sempre a inclusa˜o Aut(L/K) ⊂ HomK(L,Ω).
Seja σ ∈ HomK(L,Ω). Para todo f ∈ F temos que σ(Rf ) ⊂ Rf , em particular
σ(L) ⊂ L. A igualdade segue da proposic¸a˜o 17.34.
Suponha (iii). Sejam α ∈ L e β ∈ RPα|K . Logo Pβ|K = Pα|K . Pelo corola´rio
17.32 existe um K-isomorfismo θ : K[α] → K[β] ⊂ Ω tal que θ(α) = β. Como
β ∈ L e L/K e´ alge´brica, existe um K-homomorfismo λ : L→ Ω tal que λK[α] = θ.
Por (iii) temos enta˜o β = λ(α) ∈ L. Assim, RPα|K ⊂ L e L/K e´ normal. �
Corola´rio 20.13. Sejam L/K uma extensa˜o alge´brica, M e F como no teo-
rema. Enta˜o K[RF] e´ o fecho normal de L/K em Ω.
Demonstrac¸a˜o. E´ claro que K ⊂ L ⊂ K[RF], e pelo teorema K[RF]/K e´
normal. Por outro lado para todo subcorpo N de Ω contendo L e normal sobre K
e para todo α ∈M temos RPα|K ⊂ N , portanto K[RF] ⊂ N . �
Corola´rio 20.14. Seja L/K uma extensa˜o finita, digamos L = K[α1, · · · , αr].
Seja
P := Pα1|K . . . Pαr|K .
Enta˜o K[RP ] e´ o fecho normal de L/K em Ω.
Corola´rio 20.15. Seja L/K uma extensa˜o finita. As seguintes condic¸o˜es sa˜o
equivalentes.
(1) L/K e´ normal.
(2) Existe f ∈ K[x] \K tal que L = K[Rf ].
(3) HomK(L,Ω) = Aut(L/K).
Reunindo as informac¸o˜es deste cap´ıtulo e do anterior obtemos o seguinte teo-
rema.
Teorema 20.16. Seja L/K uma extensa˜o finita e Ω um corpo algebricamente
fechado contendo K.
(1) # HomK(L,Ω) ≤ [L : K] e vale a igualdade se e somente se L/K e´
separa´vel.
(2) # Aut(L/K) ≤ # HomK(L,Ω) e vale a igualdade se e somente se L/K e´
normal.
(3) # Aut(L/K) ≤ [L : K] e vale a igualdade se e somente se L/K e´ separa´vel
e normal.
No pro´ximo cap´ıtulo definiremos extenso˜es finitas separa´veis e normais como
extenso˜es galoisianas.
150 20. CORPOS DE DECOMPOSIC¸A˜O E EXTENSO˜ES NORMAIS
20.17. Exemplos
Exemplo 20.18. Seja f = x3 − 2 ∈ Q[x]. Considere o diagrama de corpos
Q[ 3
√
2, z] = Q[Rf ]
/ \
Q[ 3
√
2] Q[z]
\ /
Q
A extensa˜o Q[ 3
√
2]/Q tem grau 2 pois x3 − 2 e´ irredut´ıvel em Q[x] pelo crite´rio
de Eisenstein com p = 2. A extensa˜o Q[z]/Q tem grau 2, pois o polinoˆmio mı´nimo
de z sobre Q e´ x2 + x + 1. As ra´ızes deste polinoˆmio sa˜o z e z2 que sa˜o nu´meros
complexos, um conjugado do outro. Como Q[ 3
√
2] ⊂ R, x2 + x + 1 e´ irredut´ıvel
sobre Q[ 3
√
2], portanto
[Q[ 3
√
2, z] : Q[ 3
√
2]] = 2 e [Q(Rx3−2) : Q] = 6.
Assim # Gal(Q(Rx3−2)/Q) = 6. Um grupo de ordem 6 gerado por dois elementos
σ e τ com σ de ordem 3 e τ de ordem 2 satisfazendo a
τσ = σ2τ
e´ isomorfo ao grupo S3 das permutac¸o˜es de 3 elementos que e´ dado explicitamente
por
{id, σ, σ2, τ, στ, σ2τ}.
Vamos mostrar que este e´ o grupo de Galois G = Gal(Q(Rx3−2)/Q).
Como 1, 3
√
2, 3
√
2
2
, z, z 3
√
2, z 3
√
2 e´ uma base deQ(Rx3−2) comoQ-espac¸o vetorial,
para obter um elemento de G basta calcula´-lo em 3
√
2 e z. Observemos que dado
ϕ ∈ G, enta˜o
ϕ(
3
√
2)3 = ϕ(
3
√
2
3
) = ϕ(2) = 2,
logo ϕ( 3
√
2) ∈ { 3√2zi | para i = 0, 1, 2}. Da mesma forma ϕ(z) ∈ {z, z2}.
Definimos σ por
σ(
3
√
2) :=
3
√
2z e σ(z) := z e
τ por τ(
3
√
2) :=
3
√
2 e τ(z) := z.
Observemos que σ e τ satisfazem a` condic¸a˜o acima. De fato, σ2( 3
√
2) = σ( 3
√
2z) =
3
√
2z2 e σ2(z) = z; σ3( 3
√
2) = σ( 3
√
2z2) = 3
√
2 e σ3(z) = z; τ2( 3
√
2) = 3
√
2 e
τ(z) = z4 = z; τσ( 3
√
2) = τ( 3
√
2z) = 3
√
2z2 e τσ(z) = τ(z) = z2; σ2τ( 3
√
2) =
σ2( 3
√
2) = 3
√
2z2 e σ 2τ(z) = σ2(z2) = z2.
Finalmente, note que o subgrupo de Aut(Q[Rf ]/Q) gerado por σ e τ tem ordem
6, logo deve ser todo o grupo.
20.17. EXEMPLOS 151
Exemplo 20.19. Seja f = x4 − 5 ∈ Q[x] e K = Q(Rx4−5) = Q[ 4
√
5, i]. Consi-
dere o diagrama de corpos
Q[ 4
√
5, i] = Q[Rf ]
/ \
Q[ 4
√
5] Q[i]
\ /
Q
Note que [Q[ 4
√
5] : Q] = 4, pois x4 − 5 e´ irredut´ıvem em Q[x] pelo crite´rio de
Eisenstein para p = 5, [Q[i] : Q] = 2, pois x2 + 1 e´ irredut´ıvel em Q[x], suas ra´ızes
sa˜o ±i, assim, uma vez que Q[ 4√5] ⊂ R, temos que x2 + 1 e´ tambe´m irredut´ıvel
sobre Q[ 4
√
5][x], portanto [K : Q] = 8 = # Gal(K/Q). Um grupo de ordem 8 gerado
por 2 elementos σ de ordem 4 e τ de ordem 2 tal que
τσ = σ3τ
e´ isomorfo ao grupo diedral de ordem 4, D4 que e´ dado explicitamente por
{id, σ, σ2, σ3, τ, στ, σ2τ, σ3τ}.
Vamos mostrar que este e´ o grupo de Galois G = Gal(K/Q).
Como 1, 4
√
5, 4
√
5
2
, 4
√
5
3
, i, 4
√
5i, 4
√
5
2
i, 4
√
5
3
i formam uma base de K como Q-
espac¸o vetorial, para obter um elemento de G basta ca´lcula´-lo em 4
√
5 e i. Ob-
servemos que dado ϕ ∈ G, ϕ( 4√5) ∈ {± 4√5,± 4√5i} e ϕ(i) ∈ {±i}.
Definimos σ por
σ(
4
√
5) :=
4
√
5i e σ(i) := i e
τ por τ(
4
√
5) :=
4
√
5 e τ(i) := −i.
Observemos que σ e τ satisfazem a` condic¸a˜o acima. De fato, σ2( 4
√
5) = σ( 4
√
5i) =
− 4√5 e σ2(i) = i; σ3( 4√5) = σ(− 4√5) = − 4√5i e σ3(i) = i; σ4( 4√5) = σ(− 4√5i) = 4√5
e σ4(i) = i; τ2( 4
√
5) = 4
√
5 e τ2(i) = τ(−i) = i; τσ( 4√5) = τ( 4√5i) = − 4√5i e
τσ(i) = τ(i) = −i; σ3τ( 4√5) = σ3( 4√5) = − 4√5i e σ3τ(i) = σ3(−i) = −i.
Finalmente, o subgrupo de Aut(Q[Rf ]/Q) gerado por σ e τ tem ordem 8, logo
e´ todo o grupo.
CAP´ıTULO 21
Teoria de Galois
21.1. Correspondeˆncia de Galois
Definic¸a˜o 21.2. Seja N/K uma extensa˜o finita, G = Aut(N/K), K o conjunto
dos subcorpos L de N contendo K e G o conjunto dos subgrupos H de G. Definimos
duas func¸o˜es:
γ : K → G dada por γ(L) := Aut(N/L) e
κ : G → K dada por κ(H) := NH := {α ∈ N | τ(α) = α para todo τ ∈ H}.
Verifiquemos que NH e´ de fato um subcorpo de N , e´ claro que K ⊂ NH . De fato,
como τ e´ um homomorfismo temos que τ(α+ β) = τ(α) + τ(β) = α+ β. O mesmo
vale para o produto. Ale´m disto, τ(α−1) = τ(α)−1 = α−1. O par de func¸o˜es {γ, κ}
e´ chamado uma conexa˜o de Galois.
Este par satisfaz a`s seguintes propriedades.
Proposic¸a˜o 21.3. (1) Se L1 ⊂ L2, enta˜o γ(L1) ⊃ γ(L2).
(2) Se H1 ⊂ H2, enta˜o κ(H1) ⊃ κ(H2).
(3) L ⊂ κ ◦ γ(L).
(4) H ⊂ γ ◦ κ(H).
Ale´m disto, denotando por K∗ a imagem de κ e G∗ a imagem de γ
temos tambe´m as seguintes propriedades.
(5) L ∈ K∗ se e somente se L = κ ◦ γ(L).
(6) H ∈ G∗ se e somente se H = γ ◦κ(H). Como consequ¨eˆncia destes u´ltimos
2 itens temos imediatamente que
(7) γ ◦ κ ◦ γ = γ.
(8) κ◦γ◦κ = κ. Em particular, {γ, κ} induzem uma bijec¸a˜o entre os conjuntos
K∗ e γ∗.
Demonstrac¸a˜o. (1) Seja τ ∈ γ(L2), enta˜o para todo α ∈ L2, τα = α,
em particular o mesmo vale para todo α ∈ L1, logo τ ∈ γ(L1).
(2) Seja α ∈ κ(H2), logo para todo τ ∈ H2, τα = α, em particular o mesmo
vale para todo τ ∈ H1, logo α ∈ κ(H1).
(3) E´ claro que para todo α ∈ L e para todo τ ∈ Aut(N/L) temos τα = α,
assim α ∈ κ ◦ γ(L).
(4) E´ claro que para todo τ ∈ H e α ∈ κ(H) temos que τα = α, portanto,
τ ∈ γ ◦ κ(H).
(5) E´ claro que se L = κ ◦ γ(L), enta˜o L ∈ K∗. Por outro lado, se L ∈ K∗,
digamos L = κ(H), enta˜o, como H ⊂ γ ◦ κ(H), temos que L = κ(H) ⊃
κ ◦ γ ◦ κ(H) = κ ◦ γ(L).
153
154 21. TEORIA DE GALOIS
(6) E´ claro que se H = γ ◦ κ(H), enta˜o H ∈ G∗. Por outro lado, se H ∈ G∗,
digamos H = γ(L), enta˜o, como L ⊂ κ ◦ γ(L), temos que H = γ(L) ⊃
γ ◦ κ ◦ γ(L) = γ ◦ κ(H).
�
Definic¸a˜o 21.4. Dizemos que a restric¸a˜o de uma conexa˜o de Galois {γ, κ} aos
conjuntos K∗ e G∗ e´ uma correspondeˆncia de Galois. Uma extensa˜o finita L/K e´
dita galoisiana se for separa´vel e normal.
Teorema 21.5 (teorema de Artin). Dado H ∈ G temos que N/NH e´ galoisi-
ana,[N : NH ] = #H e H = Aut(N/NH) = γ ◦ κ(H).
Demonstrac¸a˜o. Seja α ∈ N e Cα = {τα | τ ∈ H} o conjunto dos elementos
H-conjugados a α. Note que #Cα ≤ |H|. Seja
fα :=
∏
β∈Cα
(x− β).
Observemos que para todo τ ∈ H, τ|Cα e´ uma permutac¸a˜o de Cα (uma vez que τ
e´ injetivo, Cα e´ finito e τ(Cα) ⊂ Cα). Portanto, fα ∈ NH [x]. Por construc¸a˜o fα e´
separa´vel, portanto α e´ separa´vel sobre NH .
Assim, para provar que N/NH e´ normal, basta mostrar que
# Aut(N/NH) = [N : NH ].
Inicialmente, como H ⊂ Aut(N/NH) temos que
#H ≤ |Aut(N/NH)| ≤ [N : NH ].
Para provar a desigualdade oposta, observe que como N/NH e´ finita e separa´vel,
pelo teorema do elemento primitivo, existe α ∈ N tal que N = NH(α). Mas neste
caso,
[N : NH ] = grau(Pα|NH ) ≤ grau(fα) ≤ |H|.
Portanto,
[N : NH ] = |H| = |Aut(N/NH)| e H = γ ◦ κ(H),
pois o primeiro e´ subgrupo do segundo e ambos teˆm a mesma ordem. �
Proposic¸a˜o 21.6. Seja L ∈ K. Enta˜o L ∈ K∗ se e somente se N/L for
galoisiana.
Demonstrac¸a˜o. Se L ∈ K∗, o teorema de Artin garante queN/L e´ galoisiana.
Reciprocamente, suponha que N/L seja galoisisana. Logo |Aut(N/L)| = [N : L].
Por outro lado, L ⊂ κ ◦ γ(L) ⊂ N e pelo teorema de Artin,
[N : κ ◦ γ(L)] = [N : NAut(N/L)] = |Aut(N/L)| = [N : L],
portanto L = κ ◦ γ(L) ∈ K∗. �
Teorema 21.7 (teorema fundamental da teoria de Galois). Seja N/K uma
extensa˜o galoisiana finita. Enta˜o {γ, κ} define uma correspondeˆncia de Galois entre
K e G.
21.1. CORRESPONDEˆNCIA DE GALOIS 155
Demonstrac¸a˜o. Ja´ provamos anteriormente que se N/K for galoisiana enta˜o
N/L tambe´m o sera´ para todo L ∈ K (ver cap´ıtulos de extenso˜es separa´veis e
normais). Assim, pela proposic¸a˜o anterior, κ ◦ γ(L) = L. Por outro lado, pelo
teorema de Artin, γ ◦ κ(H) = H. �
Calculemos alguns exemplos concretos da correspondeˆncia de Galois.
Exemplo 21.8. Seja K = Q, N = Q[Rx3−2]. Ja´ provamos anteriormente
que N = Q[ 3
√
2, ζ], onde ζ = e2pii/3, [N : Q] = 6 e G = Aut(N/Q) = S3 =
{id, σ, σ2, τ, στ, σ2τ} com o(σ) = 3, o(τ) = 2 e τσ = σ2τ . Ale´m disto, σ( 3√2) =
3
√
2ζ, σ(ζ) = ζ, τ( 3
√
2) = 3
√
2 e τ(ζ) = ζ2.
Note que N ⊂ N{id} ⊂ N , logo N{id} = N . Tambe´m Q ⊂ NG ⊂ N e pela
teoria de Galois [N : NG] = #G = 6, logo Q = NG.
Seja H1 = 〈α〉 = {id, σ, σ2}. Observe que Q[ζ] ⊂ NH1 ⊂ N e que [N : NH1 ] =
#H1 = 3. Como [Q[ζ] : Q] = 2, concluimos que Q[ζ] = NH1 .
Seja H2 = 〈τ〉 = {id, τ}. Enta˜o Q[ 3
√
2] ⊂ NH2 ⊂ N , [N : NH2 ] = #H2 = 2.
Como [Q[ 3
√
2] : Q] = 3, segue que Q[ 3
√
2] = NH2 .
Seja H3 = 〈στ〉. Observe que στ( 3
√
2) = 3
√
2ζ, στ(ζ) = ζ2, logo στ( 3
√
2ζ) =
3
√
2ζζ2 = 3
√
2. Portanto, στ( 3
√
2(1 + ζ)) = 3
√
2(1 + ζ) = − 3√2ζ2. Assim, Q[ 3√2ζ2] ⊂
NH3 ⊂ N . Como 3√2ζ2 e´ raiz de x3 − 2 e este e´ irredut´ıvel sobre Q, segue que
[Q[ 3
√
2ζ2] : Q] = 3. Como [N : NH3 ] = #H3 = 2, concluimos que Q[ 3
√
2ζ2] = NH3 .
Seja H4 = 〈σ2τ〉. Observe que σ2τ( 3
√
2) = 3
√
2ζ2 e σ2τ(ζ) = ζ2, logo σ2τ( 3
√
2ζ2)
= 3
√
2ζ2ζ = 3
√
2, portanto σ2τ( 3
√
2(1+ζ2)) = 3
√
2(1+ζ2) = − 3√2ζ. Assim, Q[ 3√2ζ] ⊂
NH4 ⊂ N , [N : NH4 ] = #H4 = 2 e [Q[ 3
√
2ζ] : Q] = 3, portanto Q[ 3
√
2ζ] = NH4 .
Exemplo 21.9. Seja K = Q, N = Q[Rx4−3]. Ja´ provamos anteriormente que
N = Q( 4
√
3, i), [N : Q] = 8 e G = Aut(N/Q) = D4 = {id, σ, σ2, σ3, τ, στ, σ2τ, σ3τ}
com o(σ) = 4, o(τ) = 2 e τσ = σ3τ . Ale´m disto, σ( 4
√
3) = 4
√
3i, σ(i) = i,
τ( 4
√
3) = 4
√
3 e τ(i) = −i.
N ⊂ N{id} ⊂ N , N = N{id}.
Q ⊂ NG ⊂ N , [N : NG] = #G = 8, Q = NG.
H1 = 〈σ〉, Q[i] ⊂ NH1 ⊂ N , [N : NH1 ] = #H1 = 4, [Q[i] : Q] = 2, Q[i] = NH1 .
H2 = 〈σ2〉, σ2( 4
√
3) = − 4√3, σ2(i) = i, σ2(√3i) = σ2( 4√3)2i = √3i, Q[√3i] ⊂
NH2 ⊂ N , [N : NH2 ] = #H2 = 2, [Q[
√
3i] : Q] = 4 ja´ que
√
3i e´ raiz de x4 + 3
irredut´ıvel sobre Q, Q[
√
3i] = NH2 .
H3 = 〈τ〉, Q[ 4
√
3] ⊂ NH3 ⊂ N , [N : NH3 ] = #H3 = 4, [Q[ 4
√
3] : Q] = 4,
Q[ 4
√
3] = NH3 .
H4 = 〈στ〉, στ( 4
√
3) = 4
√
3i, στ(i) = −i, στ( 4√3i) = 4√3, στ( 4√3(1 + i)) =
4
√
3(1 + i), 4
√
3(1 + i) e´ raiz de x4 + 12, pelo crite´rio de Eisenstein para p = 3, este
polinoˆmio e´ irredut´ıvel sobre Q, logo [Q[ 4
√
3(1 + i)] : Q] = 4, Q[ 4
√
3(1 + i)] ⊂ NH4 ⊂
N , [N : NH4 ] = #H4 = 2, Q( 4
√
3(1 + i)) = NN4 .
H5 = 〈σ2τ〉, σ2τ( 4
√
3) = − 4√3, σ2τ(i) = −i, σ2τ( 4√3i) = 4√3i, Q[ 4√3i] ⊂
NH5 ⊂ N , [N : NH5 ] = #H5 = 2, [Q[ 4
√
3i] : Q] = 4, ja´ que e´ raiz de x4 − 3,
Q[ 4
√
3i] = NH5 .
H6 = 〈σ3τ〉, σ3τ( 4
√
3) = − 4√3i, σ3τ(i) = −i, σ3τ( 4√3i) = − 4√3, σ3τ( 4√3(1 −
i)) 4
√
3(1 − i), 4√3(1 − i) e´ raiz de x4 + 12, [Q[ 4√3(1 − i)] : Q] = 4, Q[ 4√3(1 − i)] ⊂
NH6 ⊂ N , [N : NH6 ] = #H6 = 2.
156 21. TEORIA DE GALOIS
Finalmente, fica como exerc´ıcio calcular os corpos fixos dos seguintes subgrupos
de G : 〈σ2, τ〉 e 〈σ2, στ . Ambos teˆm ordem 4, e esgotam a correspondeˆncia de
Galois.
21.10. Extenso˜es e subgrupos normais
Proposic¸a˜o 21.11. Seja N/K galoisiana finita, L ∈ K e H ∈ G. Enta˜o
σAut(N/L)σ−1 = Aut(N/σ(L)) e NσHσ
−1
= σ(NH).
Demonstrac¸a˜o. ComoN/K e´ galoisiana L = NAut(N/L). Seja τ ∈ Aut(N/L)
e α ∈ N , enta˜o στσ−1(σα) = στα = σα, i.e., στσ−1 ∈ Aut(N/σ(L)). Recipro-
camente, se τ ∈ Aut(N/σ(L)) e α ∈ N , enta˜o τσα = σα, i.e., σ−1τσα = α, i.e.,
σ−1τσ ∈ Aut(N/L), i.e., τ ∈ σAut(N/L)σ−1.
Seja α ∈ NσHσ−1 e τ ∈ H, enta˜o στσ−1α = α, i.e., τσ−1α = σ−1α, i.e.,
σ−1α ∈ NH , i.e., α ∈ σ(NH). Reciprocamente, se α ∈ NH e τ ∈ H, enta˜o
στσ−1(σα) = στα = σα, i.e., σα ∈ NσHσ−1 . �
Teorema 21.12. Seja N/K galoisiana finita e L ∈ K. Enta˜o L/K e´ normal
(logo galoisiana) se e somente se Aut(N/L) C Aut(N/K). Neste caso
Aut(N/K)/Aut(N/L) ∼= Aut(L/K).
Demonstrac¸a˜o. Suponha que L/K seja normal. Dado σ ∈ Aut(N/L) e
Ω ⊃ N algebricamente fechado, enta˜o σ|L : L→ N ⊂ Ω e´ um K-homomorfismo (ja´
que L ⊃ K), portanto σ(L) = L e σ|L ∈ Aut(L/K). Neste caso, pela proposic¸a˜o
anterior,
σAut(N/L)σ−1 = Aut(N/σ(L)) = Aut(N/L), i.e., Aut(N/L) C Aut(N/K).
Reciprocamente, se Aut(N/L) C Aut(N/K), enta˜o
Aut(N/σ(L)) = σAut(N/L)σ−1 = Aut(N/L).
Pela correspondeˆncia de Galois L = σ(L). Seja λ : L → Ω um K-homomorfismo.
Como N/L e´ finita (logo alge´brica), existe ν : N → Ω um K-homomorfismo tal
que ν|L = λ. Como N/K e´ normal, ν ∈ Aut(N/K), pelo que foi feito acima,
ν(L) = λ(L) = L, i.e., λ ∈ Aut(L/K).
Suponhamos que L/K seja normal. A func¸a˜o ϕ : Aut(N/K) → Aut(L/K)
definida por σ 7→ σ|L e´ um homomorfismo de grupos. Este homomorfismo e´ so-
brejetivo, pois dado τ ∈ Aut(L/K), o processo acima produz σ ∈ Aut(N/K) tal
que σ|L = τ . Ale´m disto, σ ∈ N(ϕ) se e somente se σ|L = id, i.e., σ ∈ Aut(N/L).
Finalmente a u´ltima afirmativa segue do teorema dos homomorfismos. �
Definic¸a˜o 21.13. Sejam K,L subcorpos de Ω. Definimos o compositum KL
de k e L em Ω como sendo o menor subcorpo de Ω contendo K e L.
Lema 21.14. Sejam K,L subcorpos de Ω e
K[L] :=
{
f(α1, · · · , αm)
g(β1, · · · , βn) | f e g
teˆm coeficientes em K e α1, · · · , αm, β1, · · · , βn ∈ L} .
Enta˜o KL = K[L].
21.18. COEFICIENTES E RAI´ZES 157
Demonstrac¸a˜o. Observemos inicialmente que por construc¸a˜o K[l] e´ um sub-
corpo de Ω. Ale´m disto contem K (tome denominador igual a 1 e numerador
igual a uma func¸a˜o constante) e L (tome denominador igual a 1 e numerador
igual a varia´vel α1). Seja N ⊂ Ω um subcorpo contendo K e L. Enta˜o necessaria-
mente contera´ qualquer frac¸a˜o f(α1, · · · , αm)/g(β1, · · · , βn) como acima. Portanto,
KL = K[L]. �
Proposic¸a˜o 21.15. Seja N/K galoisiana finita, K ′/K finita e Ω ⊃ N,K ′ um
corpo algebricamente fechado. Enta˜o K ′N/K ′ e´ galoisiana finita e
ϕ : Aut(K ′N/K ′)→ Aut(N/K ′ ∩N)
dada por σ 7→ σ|N e´ um isomorfismo de grupos. Em particular, [K ′N : K ′] = [N :
K ′ ∩N ].
Demonstrac¸a˜o. Como N/K e´ finita, enta˜o existem α1, · · · , αr ∈ N tais que
N = K[α1, · · · , αr]. Logo K ′N = K ′[α1, · · · , αr]e como cada αi e´ alge´brico sobre
K (logo sobre K ′) concluimos que K ′N/K ′ e´ finita. Ale´m disto cada αi e´ separa´vel
sobre K, assim Pαi|K e´ separa´vel. Mas Pαi|K′ | Pαi|K , logo Pαi|K′ tambe´m e´
separa´vel, em particular αi e´ separa´vel sobre K
′ e K ′N/K ′ e´ separa´vel.
Seja σ : K ′N → Ω um K ′-homomorfismo, onde Ω ⊃ K ′ e´ algebricamente
fechado. Logo σ|N : N → Ω e´ um K-homorfismo. Como N/K e´ normal, enta˜o σ ∈
Aut(N/K) e σ(αi) ∈ N para todo i. Como σ|K′ = id, concluimos que σ(K ′N) ⊂
K ′N . Por outro lado, para todo z ∈ K ′N , z = f(α1, · · · , αr) com coeficientes em
K ′, e como αi = σβi para algum βi ∈ N , concluimos que z = σ(f(β1, · · · , βr)),
portanto σ(K ′N) = K ′N , σ ∈ Aut(K ′N/K ′) e K ′N/K ′ e´ normal.
Observe que ϕ esta´ bem definita e e´ injetiva. Seja σ ∈ Aut(N/K ′ ∩N). Como
K ⊂ K ′ ∩ N , enta˜o σ ∈ Aut(N/K). Seja H a imagem de ϕ. Basta mostrar que
κ(H) ⊂ K ′ ∩ N . De fato, neste caso, H = γ ◦ κ(H) ⊃ γ(K ′ ∩ N) = Aut(N/K ′ ∩
N) ⊃ H. Seja α ∈ κ(H) = NH e τ ∈ H. Basta mostrar que α ∈ K ′, pois
automaticamente α ∈ N . Existe σ ∈ Aut(K ′N/K ′) tal que σ|N = τ . Assim, para
todo σ ∈ Aut(K ′N/K ′), σα = α, i.e., α ∈ NAut(K′N/K′) = K ′, pois K ′N/K ′ e´
galoisiana. �
Corola´rio 21.16. Seja N/K uma extensa˜o galoisiana finita com K ⊂ R,
N ⊂ C e N 6⊂ R. Enta˜o [N : N ∩ R] = 2 e [N : K] e´ par.
Demonstrac¸a˜o. Observe que RN = C e [N : (N∩R)] = [C : R] = 2 e aplique
a proposic¸a˜o. �
Corola´rio 21.17. Seja N/K uma extensa˜o galoisiana finita. Seja N(x1, · · · ,
xn) o corpo de frac¸o˜es do anel de polinoˆmio N [x1, · · · , xn] em n varia´veis com
coeficientes em N . Enta˜o N(x1, · · · , xn)/K(x1, · · · , xn) e´ galoisiana com grupo de
Galois isomorfo a Aut(N/K).
Demonstrac¸a˜o. Basta observar queNK(x1, · · · , xn) = N(x1, · · · , xn) e apli-
car a proposic¸a˜o anterior. �
21.18. Coeficientes e ra´ızes
Para todo n ≥ 1 inteiro seja Sn o grupo das permutac¸o˜es de n elementos. Para
todo conjunto finito S denotamos por Perm(S) o grupo das permutac¸o˜es de S.
158 21. TEORIA DE GALOIS
Proposic¸a˜o 21.19. Seja f ∈ K[x] irredut´ıvel, moˆnico, separa´vel de grau n e
N = K(Rf ). Enta˜o
(a) para todo σ ∈ Aut(N/K), σ|Rf ∈ Perm(Rf ) = Sn.
(b) A func¸a˜o ϕ : Aut(N/K) → Sn dada por σ 7→ σRf e´ um homomorfismo
injetivo de grupos.
Demonstrac¸a˜o. Observemos que #Rf = n e que σ|Rf e´ injetiva. Assim (1)
segue. E´ claro que ϕ e´ um homomorfismo de grupos. Observemos que se ϕ|Rf = id,
enta˜o ϕ = id, pois N = K(Rf ). �
O ı´tem (b) e´ um caso particular do seguinte teorema de Cayley (ver cap´ıtulo
sobre teoremas de Sylow).
Definic¸a˜o 21.20. A imagem de ϕ e´ chamado o grupo de Galois de f com
respeito a K e denotado por Gal(f,K).
Observac¸a˜o 21.21. Quando K = Q, o problema de Galois era caracterizar
em termos de propriedades de Gal(f,Q) quando as ra´ızes de f seriam expressas da
forma radical. Isto equivale a Gal(f,Q) ser um grupo solu´vel. Retornaremos a este
ponto no cap´ıtulo de solubilidade por radicais.
Existe uma situac¸a˜o em que o grupo de Galois Gal(f,K) e´ todo o grupo Sn.
Para isto utilizaremos o seguinte lema (ver [GaLe, p. 106]).
Lema 21.22. Seja p > 2 um nu´mero primo e H um subgrupo do grupo Sp de
permutac¸o˜es de p elementos. Suponha que H contenha uma transposic¸a˜o (elemento
de ordem 2) e um elemento de ordem p. Enta˜o H = Sp.
Teorema 21.23. Seja f ∈ Q[x] irredut´ıvel moˆnico de grau primo p > 2. Su-
ponha que f possua exatamente p− 2 ra´ızes reais. Enta˜o Gal(f,Q) = Sp.
Demonstrac¸a˜o. A conjugac¸a˜o complexa τ restrita a N = Q[Rf ] nos da´ um
Q-homomorfismo η : N → C. Mas como N/Q e´ normal, enta˜o η ∈ Aut(N/Q).
Por hipo´tese η fixa as p − 2 ra´ızes reais e necessariamente permuta as duas ra´ızes
complexas conjugadas restantes. Portanto η tem ordem 2. A fortiori, sua imagem,
tambe´m denotada por η em Gal(f,Q) tambe´m tem ordem 2.
Seja α ∈ Rf . Logo [Q[α] : Q] = grau(f) | [N : Q] = # Gal(N/Q), uma vez
que N/Q e´ galoisiana. Pelo primeiro teorema de Sylow, existe θ ∈ Gal(N/Q) de
ordem p. A fortiori, sua imagem, tambe´m denotada por θ em Gal(f,Q) tambe´m
tem ordem p. Assim, o teorema segue do lema. �
CAP´ıTULO 22
Extenso˜es ciclotoˆmicas
Seja K um subcorpo de um corpo algebricamente fechado Ω. Para todo n ≥ 1,
consideremos o subgrupo
Wn := Wn(Ω) := {z ∈ Ω | zn = 1}
de Ω∗, dito grupo das ra´ızes n-e´simas da unidade. Observemos que este grupo e´
finito de ordem no ma´ximo n. Pelo lema 18.19 temos que Wn e´ um grupo c´ıclico
cuja ordem coincide com o seu expoente. Ale´m disto, #Wn = n se somente se
p = car(Ω) - n. De fato, #Wn = n se e somente se polinoˆmio xn − 1 ∈ Ω[x] e´
separa´vel, o que ocorre se e somente se car(Ω) = 0 ou p com p - n. Note por
exemplo que Wp = {1}, se car(Ω) = p.
A partir de agora suporemos sempre que car(Ω) = 0 ou p com p - n. Seja
Wn(K) := Wn ∩K.
Este conjunto e´ um subgrupo c´ıclico de Wn e de K
∗. Este subgrupo depende
diretamente de K e n. Por exemplo, se K = Q, Ω = C e n = 6, temos que
W6 = {1, ζ, · · · , ζ5}, onde ζ = e2pii/6, mas W6(Q) = {±1}. Se n = 5, enta˜o
Wn = {1, η, · · · , η4}, onde η = e2pii/5, mas W5(Q) = {1}. Assim, Wn(K) depende
de n e de K. Por outro lado, se n e´ par (resp. ı´mpar), enta˜o Wn(Q) = {±1} (resp.
Wn(Q) = {1}).
Seja ζ um gerador de Wn. Existe um isomorfismo canoˆnico
Wn ∼= Z/nZ dado por ζi 7→ i.
Lembremos que os geradores de Z/nZ sa˜o exatamente as classes
a tais que mdc(a, n) = 1,
i.e., sa˜o os elementos de (Z/nZ)∗. A pre´-imagem destes geradores pelo isomorfismo
anterior e´ o conjunto Pn de geradores de Wn. Tal conjunto e´ chamado o conjunto
das ra´ızes primitivas n-e´simas da unidade. Observe tambe´m que pelo teorema de
Lagrange para todo ϑ ∈Wn temos o(ϑ) = d | n. Assim, podemos escrever
(22.0.1) Wn =
⋃
d|n
Pd.
Como anteriormente definimos
Pn(K) := Pn ∩K.
Assim, Wn(K) e´ c´ıclico de ordem n se e somente se Pn(K) 6= ∅.
Definic¸a˜o 22.1. Dizemos que Ln := K[Rxn−1] e´ a n-e´sima extensa˜o ci-
clotoˆmica de K contida em Ω. Quando K = Q, Ln e´ dito o n-e´simo corpo ci-
clotoˆmico.
159
160 22. EXTENSO˜ES CICLOTOˆMICAS
Teorema 22.2. A extensa˜o Ln/K e´ galoisiana finita, Aut(Ln/K) e´ um grupo
abeliano isomorfo a um subgrupo de (Z/nZ)∗. Em particular, [Ln : K] | φ(n). Ale´m
disto, Ln = K(ζ) para algum gerador ζ de Wn(Ln).
Demonstrac¸a˜o. Esta extensa˜o e´ finita, pois e´ finitamente gerada por ele-
mentos alge´bricos sobre K, as ra´ızes de xn − 1. E´ claro que Ln/K e´ normal, pois
Ln e´ o corpo de decomposic¸a˜o de x
n − 1 sobre K. Tambe´m e´ claro que Ln/K e´
separa´vel, pois xn−1 e´ separa´vel (lembre que p - n, se p > 0). Seja ζ um gerador de
Wn(Ln) = Wn. Enta˜o σ ∈ Aut(Ln/K) se e somente se σ(ζ) for tambe´m um gerador
de Wn, o que ocorre se e somente se σ(ζ) = ζ
aσ para algum aσ ∈ {0, · · · , n− 1} tal
que mdc(aσ, n) = 1. Isto induz a seguinte func¸a˜o
ϕ : Aut(Ln/K)→ (Z/nZ)∗
definida por σ 7→ aσ. Esta func¸a˜o e´ um homomorfismo injetivo de grupos. De fato,
por um lado ϕ(στ) = aστ . Por outro lado, στ(ζ) = σ(ζ
aτ ) = σ(ζ)aτ = ζaσaτ ,
portanto aστ = aσaτ , a fortiori, ϕ(στ) = ϕ(σ)ϕ(τ) e ϕ e´ um homomorfismo de
grupos. Ale´m disto, σ ∈ N(ϕ) se e somente se aσ = 1, o que ocorre se e somente
se σ = id. �
Corola´rio 22.3. [Ln : K] = φ(n) se e somente se Aut(Ln/K) ∼= (Z/nZ)∗.
Verificaremos que a condic¸a˜o do corola´rio e´ satisfeita se K = Q. Para isto
precisamos do seguinte lema elementar cuja demonstrac¸a˜o deixamos a cargo do
leitor.
Lema 22.4. Sejam f, g ∈ Q[x] tais que fg ∈ Z[x], enta˜o f, g ∈ Z[x].
Teorema 22.5. Seja ζ um gerador de Wn ⊂ C∗. Enta˜o [Q(ζ) : Q] = φ(n).
Demonstrac¸a˜o. Seja p um nu´mero primo tal que p - n. Afirmamos que
Pζ|Q = Pζp|Q. Suponha que Pζ|Q 6= Pζp|Q. Seja
κp : Z→ Fp, a 7→ a
o homomorfismo quociente. Este induz um homomorfismo sobrejetivo κ∗p : Z[x]→
Fp[x] dado por ∑
i
aix
i 7→
∑
aix
i.
Observe que ζp ∈ Rxn−1, logo Pζ|Q e Pζp|Q dividem xn−1. Ou seja,existe h ∈ Q[x]
tal que
xn − 1 = hPζ|QPζp|Q.
Pelo lema anterior concluimos que h, Pζ|Q, Pζp|Q ∈ Z[x]. Em particular,
xn − 1 = κ∗p(h)κ∗p(Pζ|Q)κ∗p(Pζp|Q).
Observe que ζ e´ raiz de Pζp|Q(xp), logo
Pζp|Q(xp) = h1(x)Pζ|Q(x),
para algum h1 ∈ Z[x], onde novamente utilizamos pelo lema anterior. Portanto,
κ∗p(Pζp|Q(x
p)) = κ∗p(Pζp|Q)(x)
p = κ∗p(h1)(x)κ
∗
p(Pζ|Q)(x).
Mas κ∗p(Pζ|Q) e κ
∗
p(Pζp|Q) sa˜o irredut´ıveis moˆnicos. Logo κ
∗
p(Pζ|Q) = κ
∗
p(Pζp|Q). Em
particular, xn− 1 possui fator mu´ltiplo. Mas este polinoˆmio e´ separa´vel, pois p - n.
Concluimos assim que
(22.5.1) Pζ|Q = Pζp|Q.
22. EXTENSO˜ES CICLOTOˆMICAS 161
Seja η ∈ Pn, enta˜o η = ζa, onde a = p1 · · · pr, onde pi e´ primo e pi - n.
Aplicando sucessivamente (22.5.1) concluimos que
Pη|Q = Pζ|Q.
Logo
#RPζ|Q ≥ #Pn = φ(n).
Por outro lado,
#RPζ|Q = grau(Pζ|Q) = [Q(ζ) : Q] ≤ φ(n),
onde a u´ltima desigualdade segue do teorema anterior. �
Definic¸a˜o 22.6. Denotamos por
Φn := Pζ|Q
o n-e´simo polinoˆmio ciclotoˆmico.
Segue de (22.0.1) e da prova do teorema anterior que
xn − 1 =
∏
d|n
Φd.
Esta u´ltima igualdade permite recuperar indutivamente os polinoˆmios ciclotoˆmicos,
por exemplo, a partir de Φp para p um nu´mero primo.
O grupo de Galois de extenso˜es ciclotoˆmicas, mesmo sobre os racionais, e´ sem-
pre abeliano, mas raramente e´ c´ıclico. Lembre por exemplo que (Z/nZ)∗ e´ c´ıclico
se n for 2, 4, p nu´mero primo ou 2p. Entretanto, quando substituimos Q pelo corpo
finito Fp de p elementos, para um nu´mero primo p, o que obtemos e´ sempre um
grupo c´ıclico como explicaremos a seguir.
Observac¸a˜o 22.7. Note tambe´m que todo corpo finito Fq de q = pn elementos
da´ origem a uma extensa˜o ciclotoˆmica Fq/Fp de corpos finitos e´ necessariamente
uma extensa˜o ciclotoˆmica, pois Fpn \ {0} e´ exatamente Wpn−1.
Extenso˜es finitas de Q sa˜o ditas corpos de nu´meros. Podemos naturalmente
constuir uma torre de extenso˜es ciclotoˆmicas
Q ⊂ Q[ζp] ⊂ Q[ζp2 ] ⊂ · · · ⊂ Qp∞
chamada uma torre p-a´dica. O estudo deste tipo de torre foi feito por K. Iwasawa
e este associa a cada torre uma se´rie p-a´dica intimamente ligada a` func¸a˜o anal´ıtica
p-a´dica de Kubota e Leopoldt a qual interpola L-func¸o˜es de Dirichlet nos inteiros
negativos.
Por outro lado e´ poss´ıvel construir torres semelhantes quando substituimos Q
pelo corpo de func¸o˜es racionais Fp(x). Neste caso entretanto dois tipos de ciclo-
tomia aparecem, emergindo um fenoˆmeno distinto do caso de corpos de nu´meros.
De um lado as extenso˜es do tipo Fq(x)/Fp(x) por constantes, que como observa-
mos anteriormente e utilizando a teoria de Galois sa˜o extenso˜es ciclotoˆmicas. Por
outro lado, o papel das ra´ızes da unidade tambe´m tem como contrapartida o que
chamamos de pontos de torc¸a˜o de um determinado mo´dulo devido a Carlitz. Para
mais sobre isto ver [Goss].
Finalmente, a teoria de extenso˜es ciclotoˆmicas tanto em um caso quanto em
outro sa˜o incarnac¸o˜es unidimensionais de um fenoˆmeno mais amplo (multiplicac¸a˜o
complexa) que ocorre por exemplo no contexto de variedades abelianas e mo´dulos
de Drinfeld.
162 22. EXTENSO˜ES CICLOTOˆMICAS
Definic¸a˜o 22.8. Seja Ωp um corpo algebricamente fechado contendo Fp. De-
finimos em Ωp o automorfismo de Frobenius Frobp(a) = a
p.
Teorema 22.9. A extensa˜o Fq/Fp e´ galoisiana finita e seu grupo de Galois
Aut(Fq/Fp) e´ c´ıclico de ordem n gerado pela restric¸a˜o (Frobp)|Fq do automorfismo
de Frobenius Frobp a Fq.
Demonstrac¸a˜o. A primeira parte do teorema ja´ esta´ feita. Note que
(Frobp)
n
Fq = id. Seja ζ um gerador de F
∗
q . Enta˜o o(ζ) = p
n − 1. Se existisse j < n
tal que (Frobp)
j
|Fq = id, enta˜o ζ = Frobp(ζ)
j = ζp
j
, i.e., (pn − 1) | (pj − 1), o que e´
imposs´ıvel. Assim, o((Frobp)|Fq ) = n. Mas # Aut(Fq/Fp) = [Fq : Fp] = n. �
Teorema 22.10. Seja η um gerador de Wn(Ωp). Enta˜o [Fp(η) : Fp] = o(p) em
(Z/nZ)∗.
Demonstrac¸a˜o. Seja m := [Fp(η) : Fp] e f := o(p) em (Z/nZ)∗. Neste caso
Fp(η) ∼= Fq, onde q = pm. Ale´m disto, o(η) = n | |F∗q | = q−1, i.e., pm ≡ 1 (mod n),
em particular pm = 1. Pelo lema chave, o(p) = f | m, a fortiori f ≤ m.
Reciprocamente, como pf ≡ 1 (mod n), enta˜o ηpf−1 = 1, i.e., ηpf = η. Por
outro lado, para todo α ∈ Fp(η) temos que
α =
m−1∑
i=0
aiη
i,
onde ai ∈ Fp para todo i. Pelo pequeno teorema de Fermat, api = ai para todo i,
portanto,
αp
f
=
m−1∑
i=0
ap
f
i η
pf =
m−1∑
i=0
aiη
i = α.
Em particular, tomando α um gerador de Fp(η)∗ concluimos que αp
f−1 = 1, logo
pelo lema chave, o(α) = (pm − 1) | (pf − 1), em particular m ≤ f . �
Definic¸a˜o 22.11. Analogamente, definimos Ψn := Pη|Fp .
Observac¸a˜o 22.12. A decomposic¸a˜o de
Wn(Ωp) =
⋃
d|n
Pd(Ωp)
e o teorema anterior implicam que
xn − 1 =
∏
d|n
Ψd.
Ale´m disto e´ fa´cil ver que Ψd = κ
∗
p(Φd).
CAP´ıTULO 23
Extenso˜es c´ıclicas
Seja K um subcorpo de um corpo algebricamente fechado Ω. Uma extensa˜o
galoisiana finita L/K e´ c´ıclica (resp. abeliana) se Aut(L/K) for c´ıclico (resp. abe-
liano).
Teorema 23.1 (teorema de Abel). Seja K um corpo, car(K) = p primo e
a ∈ K∗. As seguintes condic¸o˜es sa˜o equivalentes:
(1) xp − a e´ irredut´ıvel em K[x].
(2) xp − a na˜o possui raiz em K.
(3) a /∈ Kp := {bp | b ∈ K}.
Demonstrac¸a˜o. E´ claro que (1) implica (2) que implica (3). Suponha que
xp − a seja redut´ıvel em K[x] e seja α ∈ Ω tal que αp = a. Enta˜o Pα|K | (xp − a).
Como xp − a = (x − α)p em Ω[x] concluimos que Pα|K(x) = (x − α)l, onde 1 ≤
l ≤ p − 1. Mas se l > 1, entaˆo Pα|K na˜o e´ separa´vel, consequentemente existe
h ∈ K[x] tal que Pα|K(x) = h(xp). Mas devido ao grau de Pα|K isto na˜o e´ poss´ıvel.
Portanto, Pα|K(x) = x− α e´ separa´vel e α ∈ K, em particular a ∈ Kp. �
Trataremos agora o caso em que car(K) = 0 ou car(K) = p e p - n. Neste caso
Pn 6= ∅, digamos ζ ∈ Pn e
Rxn−a = {ζiα | 0 ≤ i ≤ n− 1, α ∈ Ω, αn = a}.
Analisaremos primeiro o caso em que Pn(K) 6= ∅.
Teorema 23.2. Suponhamos que Pn(K) 6= ∅ e seja L = K[Rxn−a]. Enta˜o
L/K e´ galoisiana e Aut(L/K) e´ isomorfo a um subgrupo de Z/nZ, sendo portanto
c´ıclico. Em particular, [L : K] | n e L = K[α] para qualquer α ∈ Rxn−a.
Demonstrac¸a˜o. Como L e´ um corpo de decomposic¸a˜o, enta˜o L/K e´ normal.
Ale´m disto como p - n e D(xn − a) = nxn−1 concluimos que xn − a e´ separa´vel,
portanto L/K e´ separa´vel. Ale´m disto para todo σ ∈ Aut(L/K), σ(α) ∈ Rxn−a,
portanto existe 0 ≤ iσ < n tal que σ(α) = ζiσ . Consideremos a func¸a˜o
ϕ : Aut(L/K)→ Z/nZ dada por ϕ(σ) = iσ.
Esta func¸a˜o e´ um homomorfismo injetivo de grupos (neste caso, como Z/nZ e´ c´ıclico,
concluimos que Aut(L/K) como subgrupo tambe´m o e´). De fato, dados σ, τ ∈
Aut(L/K), enta˜o τσ(α) = τ(ζiσα) = ζiτ iσ , portanto ϕ(τσ) = iτ iσ = ϕ(τ)ϕ(σ).
Ale´m disto σ ∈ N(ϕ) se e somente se iσ = 0, i.e., iσ = 0, mas neste caso σ = id. �
Definic¸a˜o 23.3. A extensa˜o c´ıclica L = K[Rxn−a] e´ dita uma extensa˜o de
Kummer.
163
164 23. EXTENSO˜ES CI´CLICAS
Observac¸a˜o 23.4. E´ poss´ıvel desenvolver uma teoria de extenso˜es de Kummer
mesmo que Pn(K) = ∅. Para isto e´ necessa´rio cohomologia galoisiana. Para mais
detalhes ver [La, chapter VI].
Nesta u´ltima situac¸a˜o construimos a seguinte sequ¨eˆncia de extenso˜es
K[Rxn−a] = K[ζ, α] ⊃ K[ζ] ⊂ K.
A primeira extensa˜o e´ c´ıclica de grau dividindo n enquanto a segunda e´ abeliana de
grau diviindo φ(n). Mais tarde veremos que isto pode ser traduzido em termos do
grupo Aut(L/K). Ele tem a propriedade de ser um grupo solu´vel. Em particular
obteremos que o polinoˆmio xn − a = 0 e´ solu´vel por radicais (o que e´ exatamente
a pergunta original de Galois para este polinoˆmio particular.
Para provar a rec´ıproca do teorema anterior precisamos do teorema 90 de Hil-
bert. Seja G um grupo e Hom(G,K) denota o conjunto dos homomorfismos mul-
tiplicativos, i.e., dado σ ∈ hom(G,K), σ(xy) = σ(x)σ(y). Por abusode notac¸a˜o
denotaremos ainda por Hom(G,K) o K-espac¸o vetorial gerado por este conjunto.
Teorema 23.5 (teorema de Artin). Dados ϕ1, · · · , ϕn ∈ Hom(G,K) distintos
enta˜o estes elementos sa˜o K-linearmente independentes.
Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que existam a1, · · · , an ∈ K na˜o todos nulos
tais que
a1ϕ1 + . . .+ anϕn = 0,
i.e., para todo y ∈ G temos que
(23.5.1) a1ϕ1(y) + . . .+ anϕn(y) = 0.
Apo´s reenumerac¸a˜o suponhmaos que a1, · · · , ak sejam na˜o nulos que a n-upla
(a1, · · · , ak, 0, · · · , 0) tenha o maior nu´mero de entradas nulas poss´ıveis. Seja x ∈ G
tal que ϕ1(x) 6= ϕk(x). Enta˜o para todo y ∈ G temos que
(23.5.2) a1ϕ1(xy) + . . .+ akϕk(xy) = a1ϕ1(x)ϕ1(y) + . . .+ akϕk(x)ϕk(y) = 0.
Multiplicando a (23.5.1) por ϕk(x) e subtraindo de (23.5.2) obtemos
b1ϕ1(y) + . . .+ bk−1ϕk−1(y) = 0,
onde bi = ai(ϕi(y)− ϕi(x)) e b1 6= 0. Em particular
b1ϕ1 + . . .+ bk−1ϕk−1 = 0
e esta combinac¸a˜o e´ na˜o trivial possuindo um nu´mero de zeros maior que a com-
binac¸a˜o que possui o maior nu´mero de zeros. Isto e´ uma contradic¸a˜o. �
Corola´rio 23.6 (teorema de Dedekind). Sejam σ1, · · · , σn ∈ Aut(K), enta˜o
este conjunto e´ K-linearmente independente.
Teorema 23.7 (teorema 90 de Hilbert). Seja L/K uma extensa˜o c´ıclica de
grau n e σ um gerador de Aut(L/K). Dado β ∈ L temos que
(1) NL/K(β) = 1 se e somente se existe α ∈ L tal que β = ασ(α) .
(2) TL/K(α) = 0 se e somente se existe α ∈ L tal que β = α− σ(α).
23. EXTENSO˜ES CI´CLICAS 165
Demonstrac¸a˜o. Lembremos que como Aut(L/K) = 〈σ〉, enta˜o
NL/K(β) =
n−1∏
i=0
σi(β) e TL/K(β) =
n−1∑
i=0
σi(β).
Em particular, NL/K(σ(β)) = NL/K(β) e TL/K(σ(β)) = TL/K(β). Se existe α ∈ L
tal que β = ασ(α) (resp. β = α− σ(α)) enta˜o NL/K(β) = 1 (resp. TL/K(β) = 0).
Provemos as rec´ıprocas separadamente. Suponhamos primeiro que NL/K(β) =
1. Pelo teorema de Dedekind, id, σ, · · · , σn−1 sa˜o K-lienarmente independentes.
Consideremos a K-combinac¸a˜o linear na˜o trivial
id + βσ + (βσ(β))σ2 + . . .+ (βσ(β) . . . σn−2(β))σn−1 6= 0,
pois o primeiro coeficiente e´ na˜o nulo. Logo existe γ ∈ L tal que
α := γ + βσ(γ) + (βσ(β))σ2(γ) + . . .+ (βσ(β) . . . σn−2(β))σn−1(γ) 6= 0.
Aplicando σ dos dois lados desta igualdade de notando que
∏n−1
i=1 σ
i(β) = β−1 e
que σn(γ) = γ concluimos que
σ(α) = σ(γ) + σ(β)σ2(γ) + (σ(β)σ2(β))σ3(γ) + . . .+ β−1γ
= β−1(γ + βσ(γ) + (βσ(β))σ2(γ) + . . .+ (βσ(β) . . . σn−2(β))σn−1(β))
= β−1α.
Suponhamos agora que TL/K(β) = 0. Como L/K e´ separa´vel existe γ ∈ L tal
que TL/K(γ) 6= 0 (ver exerc´ıcio no capt´ıtulo de extenso˜es separa´veis). Seja
α :=
1
TL/K(γ)
(βσ(γ) + (β + σ(β))σ2(γ) + . . .+ (β + σ(β) + . . .+ σn−2(β))σn−1(γ).
Observe que
σ(α) =
1
TL/K(γ)
(σ(β)σ2(γ)) + (σ(β) + σ2(β))σ3(γ) + . . .
+ (σ(β) + . . .+ σn−1(β))σn(γ)).
Como σn(γ) = γ e
∑n−1
i=1 σ
i(β) = −β concluimos que
α− σ(α) = 1
TL/K(γ)
(βγ + βσ(γ) + . . .+ βσn−1(γ))
=
1
TL/K(γ)
βTL/K(γ) = β.
�
Teorema 23.8. Suponhamos que Pn(K) 6= ∅. Seja L/K uma extensa˜o c´ıclica
de grau n. Enta˜o existe a ∈ K∗ tal que L = K[Rxn−a] e L = K[α] para qualquer
α ∈ Rxn−a.
Demonstrac¸a˜o. Seja ζ ∈ Pn(K), enta˜o NL/K(ζ) = ζn = 1. Pelo teorema 90
de Hilbert existe α ∈ L tal que ζ = ασ(α) , onde 〈σ〉 = Aut(L/K). Em particular,
σ(α) = ζ−1α e σ(αn) = σ(α)n = (ζ−1)nαn = α, i.e., a = αn ∈ K. E´ claro que
Rxn−a = {ζiα | 0 ≤ i ≤ n − 1} ⊂ L, logo K[Rxn−a] ⊂ L. Ale´m disto Rxn−a ⊂
RPα|K , portanto xn−a = Pα|K , assim K[α] = K[Rxn−a] e [K[α] : K] = n, portanto
L = K[α]. �
166 23. EXTENSO˜ES CI´CLICAS
Proposic¸a˜o 23.9. Seja K um corpo de caracter´ıstica p e a ∈ K. Enta˜o
xp − x− a e´ irredut´ıvel em K se e somente se na˜o existe b ∈ K tal que bp − b = a.
Demonstrac¸a˜o. Se existe b ∈ K tal que bp−b = a, enta˜o xp−x−a possui uma
raiz em K sendo portanto redut´ıvel. Reciprocamente, suponha que f = xp − x− a
seja redut´ıvel em K[x]. Seja α ∈ Ω uma raiz de f , enta˜o Pα|K | (xp − x− a). Note
que
Rxp−x−a = {α+ i | 0 ≤ i < p} e Pα|K =
∏
i∈I
(x− α− i)
para algum subconjunto I ⊂ {0, 1, · · · , p− 1}. Portanto o coeficiente de grau d− 1,
onde 1 ≤ d = #I, e´ igual a dα+ c com c ∈ {0, 1, · · · , p− 1}. Em particular, como
dα + c ∈ K, concluimos que dα ∈ K e como d e´ invers´ıvel, pois p - d, concluimos
que α ∈ K, i.e., αp − α = a. �
Teorema 23.10. Seja a ∈ K∗ tal que na˜o existe α ∈ K com αp−α = a. Enta˜o
a extensa˜o K(Rxp−x−a)/K e´ c´ıclica de grau p. Ale´m disto K[Rxp−x−a] = K[α]
para todo α ∈ Rxp−x−a.
Demonstrac¸a˜o. Como L = K[Rxp−x−a] e´ um corpo de decomposic¸a˜o, a
extensa˜o L/K e´ nornmal. Ale´m disto D(xp − x− a) = −1, logo L/K e´ separa´vel.
As ra´ızes de xp−x−a sa˜o da forma α+i para i = 0, · · · , p−1. Portanto, L = K[α].
Pela proposic¸a˜o anterior xp − x − a = Pα|K para algum α ∈ Rxp−x−a, portanto
[L : K] = p. �
Definic¸a˜o 23.11. Uma extensa˜o c´ıclica da forma da forma K[Rxp−x−a]/K em
caracter´ıstica p e´ dita uma extensa˜o de Artin-Schreier.
Observac¸a˜o 23.12. E´ poss´ıvel de forma semelhante ao que foi feito acima ca-
racterizar extenso˜es c´ıclicas em caracter´ıstica p de grau pn. Neste caso e´ necessa´rio
substituir α por um vetor, chamado um vetor de Witt, por isto estas extenso˜es sa˜o
ditas de Artin-Schreier-Witt. Vetores de Witt formam um anel que como espac¸o
vetorial e´ isomorfo a Kn, mas com outra soma e produto de tal forma que seja
um anel em caracter´ıstica 0. Tomando seu limite projetivo (veja cap´ıtulo de teoria
de Galois infinita) obtemos o anel W(K) de vetores de Witt. E´ um anel com um
u´nico ideal maximal pW(K) cujo quociete e´ isomorfo a K. Assim pensamos que ele
levanta K. Isto e´ similar ao fato dos anel inteiros p-a´dicos Zp levantar Fp o corpo
de p elementos.
Vetores de Witt aparecem em va´rias partes na matema´tica. Para citar apenas
duas. Serre introduziu a cohomologia com coeficientes nos feixes de vetores de
Witt que pode ser vista como uma precursora da cohomologia e´tale. De outro lado,
curvas sobre um corpo K de caracter´ıstica p podem ser “deformadas” em curvas
sobre o anel W(K).
Teorema 23.13. Seja K um corpo de caracter´ıstica p e L/K uma extensa˜o
c´ıclica de grau p. Enta˜o existe a ∈ K tal que a 6= bp − b para todo b ∈ K e
L = K[Rxp−x−a].
Demonstrac¸a˜o. Note que TL/K(1) = p = 0. Seja σ um gerador de Aut(L/K
). Pelo teorema 90 de Hilbert existe α ∈ L tal que 1 = α−σ(α), i.e., σ(α) = α− 1.
Logo para todo 0 ≤ j < p, σj(α) = α− j, em particular para todo i = 0, · · · , p− 1,
α+i e´ raiz de Pα|K e ale´m disto σ(αp−α) = αp+j−(α+j) = αp−α (pelo pequeno
23. EXTENSO˜ES CI´CLICAS 167
teorema de Fermat). Ale´m disto, Rxp−x−a ⊂ RPα|K , logo Pα|K | xp − x − a, para
a = αp − α ∈ K e Pα|K = xp − x− a. Em particular, L = K(Rxp−x−a). �
CAP´ıTULO 24
Solubilidade por radicais
Este cap´ıtulo responde a` questa˜o original de Galois : quando uma equac¸a˜o
polinomial com coeficientes racionais tem soluc¸a˜o na forma radical. Observe que
precisamos na˜o so´ da gestalt da teoria de Galois mas tambe´m de extenso˜es ci-
clotoˆmicas e c´ıclicas bem como da noc¸a˜o de grupos solu´veis.
Definic¸a˜o 24.1. Uma extensa˜o galoisiana finita E/k e´ dita solu´vel se e somente
se Aut(E/k) e´ um grupo solu´vel. Isto equivale a dizer que existe uma sequ¨eˆncia de
corpos
E = E0 ⊃ E1 ⊃ E2 ⊃ · · ·En = k
tal que cada extensa˜o Ei/Ei+1 e´ abeliana, ou equivalentemente c´ıclica de grau
primo.
Extenso˜es solu´veis satisfazem a`s seguintes propriedades.
Proposic¸a˜o 24.2. (1) Sejam k ⊂ F ⊂ E corpos tais que E/k e F/k
sejam extenso˜es galoisianas finitas. Enta˜o E/k e´ solu´vel se e somente se
E/F e F/k sa˜o solu´veis.
(2) Suponha que E/k seja solu´vel e que K/k seja uma extensa˜o finita qualquer
com E,K ⊂ Ω e Ω corpo, enta˜o EK/K e´ solu´vel.
(3) Se E/k e K/k sa˜o solu´veis, enta˜o EK/k e´ solu´vel.
Demonstrac¸a˜o. (1) Basta utilizar a proposic¸a˜o 12.17 e notar que basta mos-
trar o resultado para os respectivos gruposde automorfismos, i.e., Aut(E/k) e´
solu´vel se e somente se Aut(E/F ) e Aut(F/k) ∼= Aut(E/k)/Aut(E/F ) sa˜o solu´veis
(lembre que F/k e´ galoisiana se e somente se Aut(E/F ) C Aut(E/k).
(2) Segue da proposic¸a˜o 21.15 que EK/K e´ galoisiana finita. Ale´m disto
Aut(EK/K) ∼= Aut(E/E ∩ K) ⊂ Aut(E/k). Como Aut(E/k) e´ solu´vel, pela
proposic¸a˜o 12.17 concluimos que Aut(EK/K) tambe´m e´ solu´vel.
(3) Novamente, pela proposic¸a˜o 21.15, EK/k e´ galoisiana finita. Ale´m disto,
pela proposic¸a˜o 12.17, utilizando que Aut(EK/K) e Aut(K/k) ∼= Aut(EK/k)/
Aut(EK/K) sa˜o solu´veis, concluimos que Aut(EK/k) tambe´m o e´. Portanto,
EK/k e´ solu´vel. �
Definic¸a˜o 24.3. Uma extensa˜o finita separa´vel F/k e´ dita solu´vel por radicais
se existe E/k finita tal que F ⊂ E e existe uma sequ¨eˆncia de corpos
E = E0 ⊃ E1 ⊃ · · · ⊃ En = k
tal que cada extensa˜o Ei/Ei+1 e´ de um dos 3 tipos seguintes:
(1) Ei = Ei−1[ζ], onde ζ ∈ Rxn−1, para algum n ≥ 1.
(2) Ei = Ei−1[α], onde α ∈ Rxn−a, para algum n ≥ 1, se p - n, onde p =
car(k) (esta condic¸a˜o e´ vazia se car(k) = 0) e a ∈ Ei−1.
169
170 24. SOLUBILIDADE POR RADICAIS
(3) Ei = Ei−1[α], onde α ∈ Rxp−x−a, se car(K) = p > 0 e para algum
a ∈ Ei−1.
Extenso˜es solu´veis por radicais satisfazem as seguintes propriedades. Em todas
as propriedades abaixo suporemos que os corpos estejam todos contidos em um
corpo Ω suficientemente grande, de tal forma a podermos tomar composita de
corpos.
Proposic¸a˜o 24.4. (1) Sejam k ⊂ F ⊂ E corpos com E/k separa´vel fi-
nita. Enta˜o E/k e´ solu´vel por radicais se e somente se E/F e F/k o
sa˜o.
(2) Suponha que E/k seja solu´vel por radicais e seja K/k uma extensa˜o finita.
Enta˜o EK/K e´ solu´vel por radicais.
(3) Suponha que E/k e K/k sejam solu´veis por radicais. Enta˜o EK/k e´
solu´vel por radicais.
Demonstrac¸a˜o. (1) Suponha que F/k e E/F sejam solu´veis por radicais.
Logo existem F ′/k finita tal que F ′ ⊃ F e sequ¨eˆncia de corpos
F ′ = F0 ⊃ F1 ⊃ · · · ⊃ k,
na qual cada extensa˜o Fi/Fi−1 e´ de um dos 3 tipos anterioes. Similarmente, existem
E′/F finita tal que E′ ⊃ E e sequ¨eˆncia de corpos
E′ = E0 ⊃ E1 ⊃ · · · ⊃ F,
onde cada extensa˜o Ei/Ei−1 e´ de um dos 3 tipos acima. Tomando o compositum da
segunda sequ¨eˆncia com F ′ e continuando pela segunda ate´ obtemos uma sequ¨eˆncia
de corpos
E′F ′ = E0F ′ ⊃ E1F ′ ⊃ · · · ⊃ F ′ ⊃ F1 ⊃ · · · ⊃ k.
Finalmente, observe que EiF
′ = Ei−1F ′[ζ] ou Ei−1F ′[α], em qualquer caso recu-
peramos um dos 3 tipos anteriores.
Suponha agora que E/k seja solu´vel por radicais, ou seja existe E′/k finita com
E′ ⊃ E e
E′ = E0 ⊃ E1 ⊃ · · · ⊃ k,
com Ei = Ei−1[α] ou Ei−1[ζ]. Primeiro, como F ⊂ E ⊂ E′, segue imediatamente
que F/k e´ solu´vel por radicais. De outro lado, como acima, tomando o compositum
da sequ¨eˆncia anterior com F concluimos tambe´m que E ⊂ E′ ⊂ E′F e E/F e´
solu´vel por radicais.
(2) Mesmo argumento do u´ltimo para´grafo, tomando agora o compositum da
sequ¨eˆncia com K.
(3) Segue dos 2 anteriores. �
Teorema 24.5. Seja E/k uma extensa˜o galoisiana finita. Enta˜o E/k e´ solu´vel
por radicais se e somente se E/k e´ solu´vel.
Demonstrac¸a˜o. Suponha que E/k seja solu´vel. Neste caso existe uma se-
qu¨eˆncia de corpos
E = E0 ⊃ E1 ⊃ E2 ⊃ · · · ⊃ En = k
tal que cada extensa˜o Ei/Ei+1 e´ c´ıclica de grau primo `i. Seja m =
∏
i `i onde
fazemos o produto apenas nos nu´meros primos `i tais que `i 6= p = car(k). Seja
24. SOLUBILIDADE POR RADICAIS 171
Ω um corpo algebricamente fechado contendo k e ζ ∈ Pm(Ω). Seja K := k[ζ].
Consideremos o compositum da sequ¨eˆncia de corpos acima com K,
EK = L0 ⊃ E1K = L1 ⊃ E2K = L2 ⊃ · · · ⊃ EnK = K.
Cada extensa˜o Li/Li+1 e´ galoisiana e temos que
Aut(Li/Li+1) = Aut(EiK/Ei+1K)
e´ isomorfo a um subgrupo de ordem > 1 de Aut(Ei/Ei+1). Portanto este subgrupo
e´ igual ao pro´prio Aut(Ei/Ei+1), o qual e´ c´ıclico de ordem `i. Mas neste caso, por
construc¸a˜o existe ζm/`i ∈ Ei−1 raiz `i-e´sima da unidade, para `i 6= p. Portanto, a
extensa˜o Li/Li+1 e´ uma extensa˜o de Kummer, se `i 6= p. Caso `i = p a extensa˜o
e´ automaticamente de Artin-Schreier. Portanto, cada extensa˜o Li/Li+1 e´ de um
dos 3 tipos acima, i.e., EK/K e´ solu´vel por radicais. Trivialmente, K/k e´ solu´vel
por radicais. Do item (1) das propriedades anteriores concluimos que EK/k e´
solu´vel por radicais, a fortiori E/k e´ solu´vel por radicais (novamente o item (1) das
propriedades acima, uma vez que E ⊂ EK).
Reciprocamente, suponha que E/k seja solu´vel por radicais. Enta˜o existe E′/k
finita contendo E e uma sequ¨eˆncia de corpos
E′ = E0 ⊃ E1 ⊃ E2 ⊃ · · · ⊃ En = k
tal que cada Ei/Ei+1 e´ de um dos treˆs tipos acima. Note que a priori a extensa˜o
Ei/Ei−1 na˜o e´ galoisiana, isto falha no caso (2) acima. Seja m o produto de todos
os nu´meros primos dividindo [E′ : k] distintos de p = car(k) (caso p > 0). Seja
ζ ∈ Wm(Ω) uma raiz primitiva m-e´sima da unidade em um corpo algebricamente
fechado Ω (como sempre supomos Ω suficientemente grande para conter todos os
corpos considerados). Seja F := k[ζ] a m-e´sima extensa˜o ciclotoˆmica de k. Consi-
dere agora o compositum da sequ¨eˆncia anterior com F dado por
E′F ⊃ E1F ⊃ · · · ⊃ F.
Para cada i, seja Li := EiF . Note que agora cada Li/Li−1 e´ galoisiano, pois
corrigimos o caso Kummer acrescentando um elemento ζmi , uma raiz mi-e´sima
primitiva da unidade a Ei−1, onde mi = [Ei : Ei−1], caso p - mi. Caso contra´rio
nada ha´ a fazer. Ale´m disto neste caso Li = Li−1[αi] = Li−1[Rxmi−ai ], onde
αmii = ai. Finalmente, observe que E
′F e´ o corpo de decomposic¸a˜o sobre k do
polinoˆmio
f :=
∏
i,p-mi
(xmi − ai)×
∏
i,mi=p
(xp − x− ai).
Portanto, E′F/k e´ galoisiana (ja´ que E′F/F e´ separa´vel, pois cada Li/Li−1 o e´, e
F/k tambe´m e´ separa´vel). A fortiori, E′F/F e´ solu´vel. Trivialmente F/k e´ solu´vel.
Assim, pelas propriedades de extenso˜es solu´veis, E′F/k e´ solu´vel. A fortiori, pela
mesma raza˜o, E/k e´ solu´vel. �
Definic¸a˜o 24.6. Dado f ∈ Q[x] irredut´ıvel. Este polinoˆmio e´ dito solu´vel por
radicais se Q[Rf ]/Q e´ solu´vel por radicais.
Corola´rio 24.7 (teorema de Galois, post-mortem). Seja f ∈ Q[x] irredut´ıvel.
Enta˜o f e´ solu´vel por radicais se e somente se Gal(f,K) for solu´vel.
Observac¸a˜o 24.8. Num cap´ıtulo posterior abordaremos o problema inverso
de Galois, que permaence em aberto desde o se´culo XIX. Este diz o seguinte. Dado
um grupo finito G sera´ que existe uma extensa˜o galoisiana finita K/Q tal que
172 24. SOLUBILIDADE POR RADICAIS
Gal(K/Q) seja G? Veremos que a geometria, via o teorema de irredutibilidade
de Hilbert podera´ nos dar informac¸o˜es relevantes para este problema. Um caso
particular e´ aquele no qual o grupo G e´ um grupo solu´vel. Nesta situac¸a˜o sabe-se
que existe K. Isto e´ devido a S˘afarevic˘ e Iwasawa. Para mais sobre isto veja [Ser]
Observac¸a˜o 24.9. Na˜o e´ dif´ıcil provar que S4 e S3 sa˜o grupos solu´veis. Ale´m
disto, para todo polinoˆmio irredut´ıvel f ∈ Q[x] de grau n temos que Aut(k(Rf )/k)
e´ isomorfo a um subgrupo de Sn. Portanto, polinoˆmios de graus 3 e 4 sa˜o sempre
solu´veis. Isto mostra que os algebristas a´rabes e italianos so´ podiam mesmo achar
explicitamente as ra´ızes na forma radical, o que na˜o quer dizer que encontrar as
fo´rmulas por eles obtidas fosse missa˜o fa´cil.
Contrariamente, equac¸o˜es de grau 5 na˜o sa˜o necessariamente solu´veis por radi-
cais, uma vez que S5 na˜o o e´ (veja [GaLe]. O teorema 21.23 nos diz que polinoˆmios
de grau primo p > 2 com exatamente 2 ra´ızes reais teˆm grupo de Galois Sp. Assim,
basta considerar um polinoˆmio de grau 5 com 3 ra´ızes reais.
Parte 5
To´picos adicionais
CAP´ıTULO 25
O problema inverso de Galois
Problema 25.1. Seja G um grupo finito. Sera´ que existe uma extensa˜o galoi-
siana finita K/Q tal que Gal(K/Q) = G?
Este problema permanece em aberto desde o se´culo XIX. Entretanto refor-
mulac¸o˜esgeome´tricas na˜o so´ geraram ana´logos desta questa˜o em outras circunstaˆn-
cias, bem como trouxeram de volta resultados para o problema original. Nossa
primeira sec¸a˜o sera´ justamente dedicada a mostrar que o grupo Sn de permutac¸o˜es
de n elementos sempre e´ grupo de Galois de uma extensa˜o do corpo de func¸o˜es ra-
cionais K(x1, · · · , xn) para um corpo K qualquer. Em particular, tomando K = Q
e utilizando o teorema de irredutibilidade de Hilbert, obteremos que Sn e´ grupo
de Galois sobre Q, i.e., existe K/Q galoisiana finita tal que Sn = Gal(K/Q). Em
seguida discutiremos desenvolvimentos na direc¸a˜o do problema inverso para outros
grupos.
25.2. Grupo Sn
Sejam Sn o grupo das permutac¸o˜es de n elementos, R um anel comutativo com
unidade e A = R[x1, · · · , xn] o anel de polinoˆmios em n varia´veis com coeficientes
em R. Para todo σ ∈ Sn e f(x1, · · · , xn) ∈ A definimos
σ∗(f(x1, · · · , xn)) = f(xσ(1), · · · , xσ(n)).
Esta func¸a˜o e´ na verdade um automorfismo de A (verifique!). Dizemos que f e´
sime´trico se e somente se σ∗(f) = f para todo σ ∈ Sn. Por exemplo, as func¸o˜es
sime´tricas elementares s1, · · · , sn nas varia´veis x1, · · · , xn sa˜o polinoˆmios sime´tricos
(veja cap´ıtulo de extenso˜es finitas). E´ claro que nem todo polinoˆmio sime´trico e´
uma func¸a˜o sime´trica elementar, por exemplo,
(25.2.1) x21 + . . .+ x
2
n.
Entretanto, mostraremos que todo polinoˆmio sime´trico se escreve de forma u´nica
como polinoˆmio nas func¸o˜es sime´tricas elementares. Ale´m disto na˜o existem relac¸o˜es
entre estas, ou seja, sa˜o algebricamente independentes (veja cap´ıtulo de teoria de
transcendeˆncia).
Teorema 25.3. Seja f ∈ A sime´trico. Enta˜o existe um u´nico g ∈ R[s1, · · · , sn]
tal que f(x1, · · · , xn) = g(s1, · · · , sn).
Do teorema segue imediatamente o seguinte corola´rio.
Corola´rio 25.4. Na˜o existe g ∈ R[s1, · · · , sn] \ {0} tal que g(s1, · · · , sn) = 0.
Exemplo 25.5. Observe que o polinoˆmio em (25.2.1) pode ser reescrito como
x21 + . . .+ x
2
n = s
2
1 − 2s2.
175
176 25. O PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
Considere o polinoˆmio
f(t) = (t− x1) . . . (t− xn) = xn − s1xn−1 + . . .+ (−1)nsn ∈ A[t].
Definimos o discriminante de f(t) por
D :=
∏
1≤i<j≤n
(xi − xj)2 = (−1)n(n−1)/2
∏
1≤i 6=j≤n
(xi − xj).
E´ imediato da definic¸a˜o que o D e´ um polinoˆmio sime´trico com coeficientes inteiros.
E´ um dos mais importantes invariantes de um polinoˆmio. Assim, segue do teorema,
que podemos escreveˆ-lo de forma u´nica como D(x1, · · · , xn) = ∆(s1, · · · , sn) ∈
Z[s1, · · · , sn]. Na pra´tica e´ bastante laborioso de obter a expressa˜o. Entretanto, se
n = 2 temos
(x1 − x2)2 = s21 − 4s2;
e para n = 3 temos
(x1 − x2)2(x1 − x3)2(x2 − x3)2 =
s21s
2
2 − 4s32 − 4s31s3 − 27s23 + 18s1s2s3.
E´ importante notar que estas igualdades sa˜o identidades no anel Z[x1, · · · , xn].
Assim, permanecem verdadeiras se substituimos as varia´veis x1, · · · , xn por cons-
tantes. Por exemplo, se R for um corpo K e α1, · · · , αn forem elementos alge´bricos
sobre K contidos em alguma extensa˜o L de K, enta˜o
(x− α1) . . . (x− αn) = xn − a1xn−1 + . . .+ an,
onde ai = si(α1, · · · , αn). Neste caso o discriminante do polinoˆmio e´ dado por
∆(a1, · · · , an) =
∏
1≤i<j≤n
(αi − αj)2.
Em particular, f e´ separa´vel se e somente se ∆(a1, · · · , an) 6= 0. Fica como
exerc´ıcio verificar que esta definic¸a˜o de discriminante coincide com a definic¸a˜o an-
terior (cap´ıtulo de ane´is e domı´nios). No caso do polinoˆmio cu´bico x3 − ax + b
obtemos como discriminante −(4a3 + 27b2).
Para a prova do teorema precisamos da noc¸a˜o de grau de um polinoˆmio em
va´rias varia´veis. Se f ∈ A, enta˜o ele pode ser escrito como
f(x1, · · · , xn) =
∑
i1,··· ,in
ai1···inx
i1
1 . . . x
in
n ,
onde cada ai1···in pertence a R. O monoˆmio x
i1
1 . . . x
in
n tem grau i1 + . . . + in. O
grau de f e´ definido como sendo o maior grau dos monoˆmios com coeficiente na˜o
nulo. Por exemplo, o discriminante em 3 varia´veis e´ um polinoˆmio de grau 6.
Demonstrac¸a˜o do teorema. Demonstraremos o teorema por induc¸a˜o no
nu´mero de varia´veis n e no grau d de f . Comecemos com a existeˆncia. Se n = 1,
nada ha´ a fazer, pois x1 = s1. Suponha que o teorema seja verdade para polinoˆmios
em n− 1 varia´veis. Definimos a seguinte func¸a˜o
ϕ : A = R[x1, · · · , xn]→ R[x1, · · · , xn−1]
h 7→ h(x1, · · · , xn−1, 0).
25.2. GRUPO Sn 177
Observe que como f e´ sime´trico com respeito a Sn, enta˜o ϕ(f) e´ sime´trico em
relac¸a˜o a Sn−1. Por hipo´tese de induc¸a˜o existe g′ ∈ R[s′1, · · · , s′n−1] tal que
ϕ(f(x1, · · · , xn)) = g′(s′1, · · · , s′n−1),
onde para 1 ≤ i ≤ n − 1, a func¸a˜o s′i denota a i-e´sima func¸a˜o sime´trica elementar
nas varia´veis x1, · · · , xn−1. Observe que para todo 1 ≤ i ≤ n− 1 temos
ϕ(si(x1, · · · , xn)) = s′i(x1, · · · , xn−1).
Seja
p(x1, · · · , xn) := f(x1, · · · , xn)− g′(s′1, · · · , s′n−1).
Como p e´ diferenc¸a de polinoˆmios sime´tricos (um polinoˆmio sime´trico em n − 1
varia´veis e´ sime´trico em n varia´veis), concluimos que p tambe´m e´ sime´trico. Ale´m
disto, p(x1, · · · , xn−1, 0) = 0. Mas isto significa que p(x1, · · · , xn) e´ divis´ıvel por
xn. Similarmente, definindo a func¸a˜o ϕ anulando qualquer outra das varia´veis,
concluimos que para todo 1 ≤ i ≤ n o polinoˆmio p(x1, · · · , xn) e´ divis´ıvel por cada
xi, a fortiori por x1 . . . xn = sn(x1, · · · , xn), digamos
f(x1, · · · , xn) = g′(s′1, · · · , s′n−1) + snh(x1, · · · , xn),
onde h ∈ A. Por construc¸a˜o o grau de h e´ inferior ao grau de f . Ale´m disto, como
p(x1, · · · , xn) e sn sa˜o sime´tricos, concluimos que h tambe´m o e´. Por induc¸a˜o no
grau, temos que existe q ∈ R[s1, · · · , sn] tal que
h(x1, · · · , xn) = q(s1, · · · , sn),
assim
f(x1, · · · , xn) = g′(s′1, · · · , s′n−1) + snq(s1, · · · , sn)
e´ uma expressa˜o de f em termos de func¸o˜es sime´tricas elementares.
A unicidade tambe´m e´ provada com induc¸a˜o em n e no grau. Considere a
func¸a˜o
ψ : A = R[x1, · · · , xn]→ R[s1, · · · , sn]
f(x1, · · · , xn) 7→ f(s1, · · · , sn).
Esta func¸a˜o e´ um homomorfismo de ane´is (verifique!). A unicidade enta˜o e´ equiva-
lente a injetividade de ψ. Suponha que f(x1, · · · , xn) ∈ ker(ψ), i.e., f(s1, · · · , sn) =
0. Aplicando ϕ a f(s1, · · · , sn) concluimos que f(s′1, · · · , s′n−1) = 0. Por induc¸a˜o
no nu´mero de varia´veis, concluimos que ϕ(f(x1, · · · , xn) = f(x1, · · · , xn−1, 0) = 0.
Logo xn divide f(x1, · · · , xn). Similarmente, redefinindo ϕ de forma a anular
qualquer outra das varia´veis, temos que cada xi divide f(x1, · · · , xn), a fortiori
x1 . . . xn = sn(x1, · · · , xn) divide f(x1, · · · , xn), digamos
f(x1, · · · , xn) = sn(x1, · · · , xn)h(x1, · · · , xn),
para algum h ∈ A. Neste caso, por construc¸a˜o, o grau de h e´ menor que o grau de
f . Ale´m disto,
0 = f(s1, · · · , sn) = s1 . . . snh(s1, · · · , sn)
em R[s1, · · · , sn]. Concluimos portanto que h(s1, · · · , sn) = 0. Logo, por induc¸a˜o
no grau, h(x1, · · · , xn) = 0, em particular, f(x1, · · · , xn) = 0. �
178 25. O PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
Suponhamos agora que R seja um corpo F . Seja F (x1, · · · , xn) o corpo de
frac¸o˜es do anel de polinoˆmios F [x1, · · · , xn]. Este e´ dito o corpo de func¸o˜es racionais
em n varia´veis com coeficientes em F . Analogamente, para todo σ ∈ Sn definimos
σ∗(f(x1, · · · , xn)) := f(xσ(1), · · · , xσ(n)) e dizemos que f e´ sime´trica se e somente
se σ∗(f) = f para todo σ ∈ Sn.
Teorema 25.6. Toda func¸a˜o sime´trica f ∈ F (x1, · · · , xn) pode ser escrita de
forma u´nica como f(x1, · · · , xn) = g(s1, · · · , sn) ∈ F (s1, · · · , sn).
Demonstrac¸a˜o. Suponha que
f(x1, · · · , xn) = f1(x1, · · · , xn)
f2(x1, · · · , xn) ,
onde f1, f2 ∈ A, seja sime´trica. Seja
G(x1, · · · , xn) :=
∏
σ∈Sn
σ∗(f2).
Observe que G e Gf sa˜o polinoˆmios sime´tricos em A. Ou seja existem u´nicos
h1,h2 ∈ R[s1, · · · , sn] tais que G = h1 e Gf = h2. Logo f = h2/h1 ∈ F (s1, · · · , sn)
e esta expressa˜o e´ u´nica pela unicidade de h1 e h2. �
Teorema 25.7. A extensa˜o de corpos F (x1, · · · , xn)/F (s1, · · · , sn) e´ galoisi-
ana com grupo de Galois isomorfo a Sn.
Demonstrac¸a˜o. Seja L := F (s1, · · · , sn) e
f(t) := (t− x1) . . . (t− xn) = tn − s1tn−1 + . . .+ (−1)nsn ∈ L[t].
Enta˜o F (x1, · · · , xn) = L[Rf(t)] e´ o corpo de decomposic¸a˜o de f(t) sobre L. Assim,
a extensa˜o acima e´ normal. E´ tambe´m separa´vel, pois as varia´veis x1, · · · , xn sa˜o
distintas, logo f(t) e´ separa´vel. Portanto, a extensa˜o e´ galoisiana. Como f(t) tem
grau n, sabemos que Gal(F (x1, · · · , xn)/L) e´ isomorfo a um subgrupo de Sn (ver
cap´ıtulo de teoria de Galois). Por outro lado,
F (x1, · · · , xn)Sn ⊃ L.
Isto significa que Sn ⊂ Gal(F (x1, · · · , xn)/L). Logo Gal(F (x1, · · · , xn)/L) ∼= Sn.
�
Para passarmos do teorema acima para um resultado sobre Q precisamos do
teorema de irredutibilidade de Hilbert (veja [LaDio, chapter 9].
Teorema 25.8 (teorema de irredutiblidade de Hilbert). Seja L := Q(x1, · · ·
, xn) ⊃ R := Q[x1, · · · , xn] e f(t) ∈ L[t] irredut´ıvel. Enta˜o existem infinitos homo-
morfismos λ : R→ Q tais que λ∗(f)(t) seja irredut´ıvel em Q[t].
Teorema 25.9. Existe uma extensa˜o galoisiana finita K de Q tal que Gal(K/
Q) ∼= Sn.
Demonstrac¸a˜o. Pelo teorema 25.7 a extensa˜o Q(x1, · · · , xn)/Q(s1, · · · , sn)
e´ galoisiana com grupo de Galois isomorfo a Sn. Seja α um elemento primitivo
desta extensa˜o e Pα|M o seu polinoˆmio mı´nimo sobre M := Q(s1, · · · , sn). Pelo
teorema de irredutibilidade de Hilbert existem infinitos homomorfismos λ : R→ Q
tais que λ∗(Pα|M ) =: f seja irredut´ıvel sobre Q[t]. Note que a extensa˜o Q[Rf ]/Q e´
galoisiana de grau n!. E´ poss´ıvel mostrar com argumentos geome´tricos que podemos
25.13. ME´TODO GERAL 179
escolher λ de tal forma que Gal(Q[Rf ]/Q) seja ainda Sn (ver [SerMW, proposition
2, sec¸a˜o 9.2]). �
25.10. Grupo An
Para obter o grupo An como grupo de Galois sobre Q comec¸amos novamente
com a situac¸a˜o gene´rica. SejaD =
∏
1≤i<j≤n(xi−xj)2 o discriminante do polinoˆmio
f(t) = (t−x1) . . . (t−xn) = xn−s1xn−1 + . . .+(−1)nsn. Seja δ :=
∏
1≤i<j≤n(xi−
xj). Observe que para todo σ ∈ Sn temos σ∗(δ) = ±δ. Se o sinal for positivo,
dizemos que a permutac¸a˜o e´ par, sena˜o dizemos que e´ ı´mpar. E´ claro que δ2 = D
e δ /∈ M := F (s1, · · · , sn). Assim, [M [δ] : M ] = 2. Ale´m disto, denotando por An
o subgrupo normal de ı´ndice 2 de Sn formado pelas permutac¸o˜es pares, temos que
F (x1, · · · , xn)An ⊃M [δ]. Obtemos dessa forma o seguinte resultado.
Teorema 25.11. A extensa˜o F (x1, · · · , xn)/M [δ] e´ galoisiana com grupo de
Galois An.
Teorema 25.12. Existe extensa˜o galoisiana K/Q tal que Gal(K/Q) ∼= An.
Demonstrac¸a˜o. A prova e´ como no caso Sn utilizando o fato adicional que
podemos escolher λ de tal forma que λ(δ) /∈ Q (ver [SerMW, sec¸a˜o 10.3]). �
25.13. Me´todo geral
O que esta´ ocorrendo em ambos os casos esta´ longe de ser uma situac¸a˜o parti-
cular. Em primeiro lugar, o corpo de func¸o˜es racionais F (x1, · · · , xn) e´ o corpo de
func¸o˜es racionais do espac¸o afim An(F ) = Fn como variedade alge´brica. O objetivo
e´ primeiramente realizar um grupo finito G como grupo de Galois sobre este corpo.
Isto nem sempre pode ser obtido, e´ quase ta˜o dif´ıcil quanto o problema original.
Entretanto, temos o seguinte resultado.
Teorema 25.14. [SerMW, sec¸a˜o 10.1] Seja G um grupo finito. Suponha que
exista uma extensa˜o galoisiana finita L/Q(x1, · · · , xn) com grupo de Galois G.
Enta˜o existe uma extensa˜o galoisiana K/Q com grupo de Galois G. Ale´m disto,
se L e´ Q-regular, i.e., Q e´ algebricamente fechado em L, enta˜o existem uma infi-
nidade de extenso˜es linearmente disjuntas (para definic¸a˜o ver cap´ıtulo de teoria de
transcendeˆncia).
Observac¸a˜o 25.15. Utilizando a teoria de curvas el´ıticas e´ poss´ıvel provar
que existe uma extensa˜o Q-regular de Q(x) com grupo de Galois PSL2(Fp) =
SL2(Fp)/F∗p. Isto e´ devido a Shih (ver [SerMW, sec¸a˜o 10.4]). Na verdade es-
tas extenso˜es representam do ponto de vista geome´trico recobrimentos galoisianos
finitos de curvas definidas sobre Q com um nu´mero finito de pontos de ramificac¸a˜o.
Isto remete a seguinte pergunta: quando um grupo finito pode ser grupo de Galois
de um tal recobrimento com um conjunto prescrito de pontos de ramificac¸a˜o? Nesta
generalidade a pergunta permanece em aberto, mas se considerarmos a pergunta
sobre C, ela e´ respondida em termos topolo´gicos atrave´s do chamado grupo funda-
mental alge´brico, que neste caso e´ o completamento profinito do grupo topolo´gico
(para mais sobre grupos profinitos ver cap´ıtulo de teoria de Galois infinita). A
reformulac¸a˜o desta pergunta para corpos algebricamente fechados de caracter´ıstica
positiva, so´ foi respondida na de´cada de 90 por Raynaud e depois Harbater corres-
pondendo a uma conjectura de Abhyankar. A resposta e´ que para que um grupo
180 25. O PROBLEMA INVERSO DE GALOIS
G ocorra como grupo de Galois seu maior quociente primo com p deve se realizar
sobre uma curva sobre C com mesmo nu´mero de pontos de ramificac¸a˜o (suposto
pelo menos 1). Seu maior quociente primo com p nada mais e´ que o quociente de
G pelo seu quase-p-subgrupo, i.e., o subgrupo gerado pelos seus p-subgrupos de
Sylow.
Observac¸a˜o 25.16. Um objeto extremamente importante em aritme´tica e re-
lacionado com o problema inverso de Galois e´ o grupo de Galois absoluto GQ :=
Gal(Q/Q), onde Q = AC(Q). O fato de um grupo finito G ser grupo de Galois
sobre Q equivale ao fato de G ser um quociente de GQ. Este tema esta´ intima-
mente relacionado a resolver problemas de mergulhos para o grupo profinito GQ
(para mais ver [Ser]).
CAP´ıTULO 26
Teoria de Galois infinita
26.1. Limite inverso
Consideremos uma sequ¨eˆncia de grupos {Gn}n∈N e suponhamos que para cada
n tenhamos um homomorfismo sobrejetivo de grupos fn : Gn � Gn1 . Consideremos
em
∏
n∈NGn (onde a operac¸a˜o e´ componente a componente) o subconjunto de uplas
da forma x = (x0, x1, x2, · · · ) tais que fn(xn) = xn−1 para todo n ∈ N. Como
cada fn e´ um homomorfismo sobrejetivo, partindo de x1 ∈ G1, tomando uma pre´
imagem sua x2 em G2 e assim sucessivamente, formamos pelo menos uma upla
neste subconjunto que denotaremos por lim←−n(Gn, fn). Este conjunto e´ chamado o
limite inverso ou limite projetivo da famı´lia {Gn, fn} que e´ chamada de um sistema
projetivo.
Exemplo 26.2. Seja A um grupo abeliano, p um nu´mero primo e pA : A→ A a
multiplicac¸a˜o por p em A. Dizemos que A e´ p-divis´ıvel , se pA for sobrejetivo. Neste
caso tomaremos o limite projetivo considerando a sequ¨eˆncia constante An = A para
todo n e fn = pA para todo n. O limite projetivo de (A, pA) sera´ denotado por
Vp(A). Consideremos o subconjunto Tp(A) de Vp(A) formado pelas uplas tais que
x1 = 0. Seja A[p
n] := ker(pnA). Enta˜o Tp(A) = lim←−nA[p
n]. Este e´ chamado
o subgrupo de Tate associado ao grupo p-divis´ıvel A. O exemplo mais comum
deste tipo de grupo e´ no contexto de variedades abelianas sobre corpos globais.
Entretanto, o exemplo mais simples, e´ tomar µpn o grupo das ra´ızes p
n-e´simas da
unidade em um corpo algebricamente fechado Ω de caracter´ıstica distinta de p,
tomar A como µp∞ :=
⋃
n µpn e considerar Tp(µ) := lim←−n µpn .
Exemplo 26.3. Dado um grupo G considere uma sequ¨eˆncia de subgrupos Hn
de G tais que Hn ⊃ Hn−1. Considere o homomorfismo sobrejetivo fn : G/Hn �
G/Hn−1 (projec¸a˜o). Isto nos permite tomar o limite projetivo lim←−n(G/Hn, fn)
e observar que os homomorfismos anteriores implicam um homomorfismo natural
g : G→ lim←−nGn dado por x 7→ (· · · , xn, · · · ), onde xn := x+Hn.
Exemplo 26.4. Para todo n ≥ 0 considere Gn := Z/pnZ e o homomorfismo
sobrejetivo de projec¸a˜o fn : Z/pn+1Z → Z/pnZ. O limite projetivo lim←−n Z/p
nZe´
chamado o anel Zp dos inteiros p-a´dicos (para mais detalhes ver [Ne, chapter II].
Definiremos agora a noc¸a˜o de produto inverso de forma um pouco mais geral.
Seja I um conjunto de ı´ndices dotado de uma ordem parcial i ≤ j. Diremos
que I e´ direcionado se para quaisquer i, j ∈ I, existe k ∈ I tal que i ≤ k e
j ≤ k. Suponhamos que I seja direcionado. Uma famı´lia inversa direcionada de
grupos e´ uma famı´lia de grupos {Gi}i∈I e para cada par i ≤ j um homomorfismo
fji : Gj → Gi tal que se k ≤ i ≤ j, enta˜o fjk = fji ◦ fik e fii = id. Seja G :=
∏
iGi
com a operac¸a˜o compenente a componente. Seja Γ o subconjunto de G formado
181
182 26. TEORIA DE GALOIS INFINITA
pelos elementos (xi) tais que xi ∈ Gi satisfazendo a para todo j ≥ i, fji(xj) = xi.
Enta˜o Γ conte´m o elemento neutro e e´ um subgrupo de G dito o limite inverso da
famı´lia e denotado por Γ = lim←−iGi.
Exemplo 26.5. Seja G um grupo e F o conjunto de subgrupos normais em
G de ı´ndice finito. Se H,K ∈ F , enta˜o H ∩ K ∈ F , assim F e´ uma famı´lia
direcionada (com respeito a` inclusa˜o). Consideramos o limite inverso lim←−H∈F G/H.
Este subgrupo de G e´ o que se chama um grupo profinito (no sentido de ser limite
de grupos finitos). Uma variante desta construc¸a˜o consiste em nos restringirmos a`
famı´lia Fp de subgrupos normais H de G cujo ı´ndice e´ uma poteˆncia de p. Podemos
similarmente tomar o limite inverso lim←−H∈Fp G/H, este grupo e´ chamado um grupo
pro-p profinito.
Exemplo 26.6. Logo em seguida consideraremos o contexto natural onde gru-
pos profinitos aparecem, na teoria de Galois infinita. Seja k um corpo e A uma
extensa˜o infinita de k. Por exemplo, k = Q e A = Q. Seja G := Aut(A/k) o grupo
de k-automorfismos de A. O limite inverso lim←−H∈F G/H coincide na verdade com
G (vamos mostrar isto em sec¸a˜o posterior). Ale´m disto os grupos quocientes G/H
sa˜o na verdade grupos de automorfismos de extenso˜es finitas K/k contidas em A.
Analogamente, se X for uma superf´ıcie compacta de Riemann de geˆnero g ≥ 2
e p : X ′ → X for a aplicac¸a˜o de recobrimento universal, F := C(X), F ′ := C(X ′)
seus corpos de func¸o˜es. Exites uma injec¸a˜o natural pi1(X)
top ↪→ Aut(F ′/F ) do
grupo fundamental topolo´gico de X (que e´ um grupo em 2g geradores com uma
relac¸a˜o) e Gal(F ′/F ) e´ o grupo profinito definido como limite projetivo com relac¸a˜o
a subgrupos de ı´ndice finito de AutX(X
′). Chamamos a Aut(F ′/F ) de grupo fun-
damental alge´brico de X, que coincide com o completamento profinito de pitop1 (X)
(ver sec¸a˜o seguinte). Grothendieck definiu isto de maneira geral para curvas sobre
um corpo qualquer. Isto permitiu transpor a noc¸a˜o tradicional de grupo funda-
mental na topologia alge´brica para a geometria alge´brica. Permanece um grande
miste´rio a estrutura dos grupos fundamentais alge´bricos de curvas, embora por
exemplo conhec¸a-se bem todos os quocientes finitos deste grupo, no caso de curvas
afins (isto nada mais e´ que uma conjectura de Abhyankar, provada por M. Ray-
naud e D. Harbater nos anos 90, que diz que para que um grupo seja quociente e´
necessa´rio e suficiente que seu maior quociente primo com p o seja).
26.7. Completamento de um grupo
Seja G um grupo e suponhamos que {Hr} seja uma famı´lia de subgrupos nor-
mais de ı´ndice finito tais que Hr ⊂ Hr+1 para todo n. Uma sequ¨eˆncia de elementos
{xn} em G e´ dita uma sequ¨eˆncia de Cauchy, se dado Hr existe N ≥ 1 tal que
para quaiquer n,m ≥ N tenhamos xnx−1m ∈ Hr. Dizemos que a sequ¨eˆncia {xn}
e´ a sequ¨eˆncia nula se para todo Hr existir um N ≥ 1 tal que para todo n ≥ N
tenhamos xn ∈ Hr. Fica como exerc´ıcio provar que o conjunto C de sequ¨eˆncias
de Cauchy com operac¸a˜o termo a termo e´ um grupo e que as sequ¨eˆncias nulas N
formam um sugrupo normal. O grupo quociente C/N e´ chamado o completamento
de G com respeito a`s sequ¨eˆncias nulas e denotado por Gˆ.
Observe que existe um homomorfismo naturalG→ Gˆ dado por x 7→ (x, x, x, · · · )
mod N . O nu´cleo deste homomorfismo e´ igual a
⋂
rHr. Quando este nu´cleo e´ tri-
vial temos uma injec¸a˜o.
26.9. TEORIA DE GALOIS INFINITA 183
Teorema 26.8. Existe um isomorfismo de grupos Gˆ ∼= lim←−r G/Hr.
Demonstrac¸a˜o. Seja x = {xn} uma sequ¨eˆncia de Cauchy em G. Para todo
n suficientemente grande a classe de xn mod Hr independe de n, denotamos esta
classe por x(r). Assim, (x(1), x(2), · · · ) ∈ lim←−r G/Hr.
Reciprocamente, todo elemento (x1, x2, · · · ) ∈ lim←−nG/Hn, com xn ∈ G/Hn e
xn um representante de xn em G. A sequ¨eˆncia {xn} e´ uma sequ¨eˆncia de Cauchy,
que fica como exerc´ıcio provar que esta´ bem definida, a menos de sequ¨eˆncias nulas.
Tambe´m fica como exerc´ıcio mostrar que a correspondeˆncia acima nos da´ a bijec¸a˜o
requerida (que por construc¸a˜o e´ um homomorfismo). �
Podemos fazer a construc¸a˜o acima mais geralmente da seguinte forma. Seja
F uma famı´lia, uma sequ¨eˆncia de Cauchy e´ uma famı´lia {xj}j∈J indexada por
um conjunto arbitra´rio J tal que para cada H ∈ F existe j ∈ J tal que para
k, k′ ≥ j temos xkx−1k′ ∈ H. Na pra´tica trabalhamos realmente com sequ¨eˆncias,
pois os grupos profinitos considerados na maior parte dos casos que trataremos teˆm
uma base enumera´vel de abertos. Por exemplo, isto ocorre quando G e´ finitamente
gerado.
Mais geralmente, uma famı´lia {Hi} de subgrupos normais contida em F e´ dita
cofinal em F se dado H ∈ F existir i tal que Hi ⊂ H. Suponhamos que exista uma
famı´lia {Hi} cujos ı´ndices percorram um conjunto enumera´vel. Fica como exerc´ıcio
mostrar que lim←−iG/Hi ∼= lim←−H∈F G/H.
26.9. Teoria de Galois infinita
Estenderemos agora a teoria de Galois para extenso˜es infinitas. Uma extensa˜o
alge´brica infinita K/k e´ dita galoisiana, se for normal e separa´vel (lembre que para
definir normalidade e separabilidade precisamos apenas que a extensa˜o K/k seja
alge´brica). Para toda subextensa˜o finita F/k de K/k tal que F/k seja galoisiana, te-
mos que # Gal(F/k) = [F : k]. Pela teoria geral K/F e´ galosiana (a separabilidade
e´ clara, a normalidade, segue do fato que para qualquer α ∈ K temos Pα|K | Pα|k).
Seja H := Gal(K/F ) := Aut(K/F ). Enta˜o H tem ı´ndice finito em G := Gal(K/k).
De fato, consideremos o homomorfismo sobrejetivo (pela normalidade) de restric¸a˜o
G→ Gal(F/k) dado por σ 7→ σ|F . O nu´cleo deste homomorfismo e´ exatamente H,
logo, pelo teorema dos homomorfismos, G/H ∼= Gal(F/k), a fortiori, H tem ı´ndice
finito em G. Pelas propriedades anteriores de limite projetivo, isto permite definir
um homomorfismo de grupos G → lim←−H∈F G/H, onde F := {Gal(F/k) |F e´ uma
extensa˜o galoisiana finita de k}.
Teorema 26.10. O homomorfismo G → lim←−H∈F G/H e´ um isomorfismo de
grupos.
Demonstrac¸a˜o. Observemos inicialmente que o nu´cleo e´ trivial. De fato se
σ pertence ao nu´cleo, enta˜o para toda extensa˜o galoisina finita F/k contida em K
temos que σ|F = 1. Mas como todo α ∈ K pertence a alguma extensa˜o galoisiana
finita F/k concluimos que σ = 1.
Para ver a sobrejetividade, observe que um elemento (σH) de lim←−H G/H satisfaz
a compatibilidade σH 7→ σH′ para H ′ ⊃ H. Isto nos permite definir σ ∈ G
globalmente da seguinte forma. Seja α ∈ K, como observado, existe F/k galoisiana
finita contida em K tal que α ∈ F . Seja H := Gal(K/F ) e σ(α) := σH(α).
Observe que a condic¸a˜o de compatibilidade acima afirma justamente que σ(α) na˜o
184 26. TEORIA DE GALOIS INFINITA
depende da escolha de F . Portanto, isto define um elemento σ ∈ G. Ale´m disto,
por construc¸a˜o σ 7→ (σH). �
Exemplo 26.11. Seja p um nu´mero primo e para todo inteiro n ≥ 1 considere-
mos Kn := Q(µpn) o pn-e´simo corpo ciclotoˆmico. Seja K := Q(µp∞). A extensa˜o
K/Q e´ abeliana infinita. Como para todo n ≥ 1 temos que Gal(Kn/Q) ∼= (Z/pnZ)∗
concluimos que temos um isomorfismo de grupos Z∗p → Gal(K/Q). Este tipo de ex-
tensa˜o cicltoˆmica foi estudada por K. Iwasawa e esta´ associada a func¸o˜es L anal´ıticas
na topologiap-a´dica.
Exemplo 26.12. Similarmente, dada uma curva el´ıtica E sobre Q conside-
ramos a extensa˜o ciclotoˆmica Q(E[pn]) gerada pelas coordenadas dos pontos de
pn-torc¸a˜o de E, lembre que E[pn] ∼= (Z/pnZ)2. Observe tambe´m que o grupo de
Galois absoluto GQ := Gal(Q/Q) de Q age em E[pn], para todo n, assim temos
uma representac¸a˜o de GQ dada por ρn : GQ → GL(E[pn]) ∼= GL2(Z/pnZ) e pe-
las construc¸o˜es anteoriores podemos tomar o limite projetivo destas representac¸o˜es,
obtendo assim a representac¸a˜o p-a´dica GQ → GL2(Zp). Na verdade o estudo destas
representac¸o˜es remonta a trabalhos de Serre, Shimura e Lang-Trotter e um teorema
profundo de Serre afirma que a representac¸a˜o galoisiana ρ : GQ →
∏
p GL2(Zp) tem
imagem aberta, se E na˜o tem multiplicac¸a˜o complexa, i.e., a imagem de GQ e´ um
subgrupo de ı´ndice finito em GL2(Zp) para todo p sendo igual a GL2(Zp) para quase
todo p. O mesmo tipo de problema´tica pode ser encontrado no caso de variedades
abelianas, mas a extensa˜o do teorema de Serre depende de um conjectura sobre o
grupo de Mumford-Tate da variedade abeliana.
Pode-se considerar tambe´m extenso˜es ciclotoˆmicas de extenso˜es ciclotoˆmicas.
Isto e´ o conteu´do da seguinte conjectura devida a S˘afarevic˘.
Conjectura 26.13. Seja k0 := Q(µ∞) o compositum de todas as extenso˜es
ciclotoˆmicas de Q em Q. Seja k/k0 uma extensa˜o finita e Gk := Gal(Q/k). Enta˜o
Gk e´ isomorfo ao completamento de um grupo profinito livro em um nu´mero enu-
mera´vel de geradores.
E´ poss´ıvel formular um ana´logo desta conjectura para curvas el´ıticas substi-
tuindo Q(µ) por Q(E(Q)tor).
CAP´ıTULO 27
Teoria de transcendeˆncia
27.1. Bases de trasncendeˆncia
27.2. Transcendeˆncia de e
27.3. Transcendeˆncia de pi
27.4. Elementos de teoria de transcenceˆncia
185
Bibliografia - Livros
[Ap] T. M. Apostol, Introduction to Analytic Number Theroy.
[Ar] M. Artin, Algebra.
[Co] S. Collier Coutinho, Nu´meros Inteiros e Criptografia, SBM.
[En] O. Endler, Teoria de Corpos, IMPA.
[GaLe] A. Garcia, Y. Lequain, Elementos de A´lgebra, Projeto Euclides, IMPA.
[Go] D. Gorenstein, Finite Groups
[Goss] D. Goss, The Basic Structures of the Arithmetic of Functions Fields
[Ha] J. Harris, Algebraic Geometry, Springer-Verlag.
[IrRo] K. Ireland, M. Rosen, A Modern Introduction to Classical Number Theory, Springer-
Verlag.
[Kob] N. Koblitz, p-adic analysis.
[La] S. Lang, Algebra, Springer-Verlag.
[LaDio] S. Lang, Fundamentals of Diophantine Geometry
[Li] E. L. Lima, Curso de Ana´lise, vol. 1, Projeto Euclides, IMPA.
[Lins] A. Lins Neto, Func¸o˜es de uma varia´vel complexa, projeto Euclides.
[Lo] D. Lorenzini, An Invitation to Arithmetic Geometry, Graduate Studies in Mathematics,
AMS, vol 9, 1996.
[Mi] J. S. Milne, E´tale Cohomology
[Ne] J. Neukirch, Algebraic Number Theory
[Ser] J.-P. Serre, Topics in Galois Theory
[SerMW] J.-P. Serre, Lectures on the Mordell-Weil theorem
[Sh] D. Shanks, Solved and Unsolved Problems in the Theory of Numbers
[Si] W. Sierpinski, A Selection of Problems in the Theory of Numbers
[Sil] J. Silverman, The Arithmetic of Elliptic Curves, GTM, Springer.
[Sp] M. Spivak, Calculus.
[vWa] van der Waerden, Algebra.
187
Bibliografia - Artigos
[Le1] H. Lenstra
[Le2] H. Lenstra
[Ma] B. Mazur, Modular curves and the Eisenstein ideal, Pub. IHES, 1969.
[We1] P. Deligne, Conjectures de Weil I, Pub. Math. IHES 43 (1974), 273-307.
[We2] P. Deligne, Conjectures de Weil II, Pub. Math. IHES 52 (1981), 313-428.
189
	Capítulo 1. Preliminares
	1.3. Relação de equivalência
	1.9. Lema de Zorn e aplicações
	Parte 1. Números Inteiros
	Capítulo 2. Algoritmos Euclideanos
	2.1. O algoritmo euclideano para números inteiros
	2.5. Máximo divisor comum
	2.11. Anéis e ideais
	2.15. Exercícios
	Capítulo 3. Fatoração de inteiros
	3.1. Existência
	3.4. Unicidade
	3.8. MDC e fatoração
	3.10. Aplicações
	3.19. Funções aritméticas elementares
	Capítulo 4. Indução finita
	4.1. Enunciados
	4.4. Exemplos da indução na sua primeira forma
	4.10. Exemplos da indução finita na sua segunda forma
	Capítulo 5. Números primos
	5.1. Infinidade de primos
	5.4. Primos em progressões aritméticas
	5.7. Infinidade de compostos por funções polinomiais
	5.9. Números de Fermat e Mersenne
	5.12. Contando números primos
	5.20. Função zeta
	Capítulo 6. Aritmética modular
	6.1. Aritmética modular
	6.9. Critérios de divisibilidade
	6.13. Contando elementos inversíveis
	Capítulo 7. Sistemas de congruência
	7.1. Equações diofantinas
	7.3. Equações lineares
	7.7. Sistemas de equações lineares
	7.10. Teorema Chinês dos Restos
	7.13. Aplicação
	Capítulo 8. Aplicações da teoria de grupos à teoria elementar dos números
	8.1. Primalidade de números de Mersenne
	8.3. Primalidade de números de Fermat
	8.5. Números de Carmichael
	8.11. Teorema da raiz primitiva
	Parte 2. Grupos
	Capítulo 9. Teoria de Grupos I
	9.1. Definição e exemplos
	9.11. Subgrupos
	9.17. Classes Laterais e Teorema de Lagrange
	9.25. Ordem de elemento e expoente de grupo abeliano
	Capítulo 10. Teoria de grupos II
	10.1. Subgrupos normais e grupos quocientes
	10.10. Homomorfismo de grupos
	10.27. Produtos de grupos
	10.33. Grupos metacíclicos
	10.37. Classificação de grupos de ordem 11
	Capítulo 11. Teoremas de Sylow
	11.1. Represesentações de grupos
	11.7. Os teoremas de Sylow
	11.15. Exemplos
	Capítulo 12. Grupos solúveis
	12.1. Teorema de Jordan-Hölder
	12.10. Grupos solúveis
	Capítulo 13. Grupos abelianos finitamente gerados
	13.1. Módulos sobre anéis
	13.3. Diagonalização de matrizes
	13.6. Geradores e relações para módulos
	13.11. O teorema de estrutura
	Parte 3. Anéis
	Capítulo 14. Anéis de polinômios
	14.1. Algoritmo da divisão
	14.3. Máximo divisor comum de polinômios
	14.11. Fatoração única de polinômios
	Capítulo 15. Anéis e domínios
	15.1. Domínios euclideanos
	15.15. Domínios fatoriais
	15.25. Fatores múltiplos e resultante
	15.34. Anéis quocientes e teorema chinês dos restos
	15.50. Aplicações
	Parte 4. Corpos
	Capítulo 16. Extensões finitas
	16.10. Exercícios
	Capítulo 17. Extensões algébricas
	17.1. Elementos algébricos e transcendentes
	17.4. Extensões algébricas
	17.12. Adjunção de raízes
	17.18. Fechos algébricos
	Capítulo 18. Extensões separáveis
	18.17. Corpos Finitos
	Capítulo 19. Extensões puramente inseparáveis
	Capítulo 20. Corpos de decomposição e extensões normais
	20.17. Exemplos
	Capítulo 21. Teoria de Galois
	21.1. Correspondência de Galois
	21.10. Extensões e subgrupos normais
	21.18. Coeficientes e raízes
	Capítulo 22. Extensões ciclotômicas
	Capítulo 23. Extensões cíclicas
	Capítulo 24. Solubilidade por radicais
	Parte 5. Tópicos adicionais
	Capítulo 25. O problema inverso de Galois
	25.2. Grupo Sn
	25.10. Grupo An
	25.13. Método geral
	Capítulo 26. Teoria de Galois infinita
	26.1. Limite inverso
	26.7. Completamento de um grupo
	26.9. Teoria de Galois infinita
	Capítulo 27. Teoria de transcendência
	27.1. Bases de trasncendência
	27.2. Transcendência de e
	27.3. Transcendência de 
	27.4. Elementos de teoria de transcencência
	Bibliografia - Livros
	Bibliografia - Artigos

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