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UNIME SALVADOR CURSO DE FARMÁCIA POLIOMIELITE, TUBERCULOMA, RAIVA, ALZEHIMER, ADENOMA Salvador - BA Setembro de 2013 POLIOMIELITE, TUBERCULOMA, RAIVA, ALZEHIMER, ADENOMA Trabalho acadêmico apresentado à disci- plina Fisiopatologia e Farmacoterapia IV, do curso de graduação em farmácia, da faculdade de ciências agrárias e da saúde da UNIME. Orientadora: Profa. Dra. Elisabeth Lopes Salvador - BA Setembro de 2013 2 POLIOMIELITE ENTEROVÍRUS CLASSIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO Os enterovírus são assim conhecidos por sua capacidade de multiplicar-se no trato gastrintestinal. Apesar do nome, esses vírus não são agentes etiológicos importantes da gastrenterite. Os enterovírus incluem 96 sorotipos humanos: 3 sorotipos do poliovírus, 21 sorotipos do vírus Coxsackie A, 6 sorotipos do vírus Coxsackie B, 28 sorotipos do vírus Echo, os enterovírus 68 a 71 e 34 novos enterovírus (começando com o enterovírus 73), que foram identificados por técnicas moleculares. Os vírus Echo 22 e 23 foram reclassificados como parechovírus 1 e 2; foram identificados 12 parechovírus humanos adicionais. Esses vírus causam uma doença semelhante àquela produzida por echovírus. A vigilância dos enterovírus realizada nos EUA pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) em 2007-2008 mostrou que o sorotipo mais comum, o vírus Coxsackie B1, foi seguido, quanto à sua frequência, dos vírus echo 18, 9 e 6; em conjunto, esses quatro vírus representam 52% de todos os vírus isolados. Os enterovírus humanos contêm um genoma de RNA de filamento simples circundado por um capsídio icosaédrico formado de quatro proteínas virais. Esses vírus não possuem envoltório lipídico e ficam estáveis em ambientes ácidos, inclusive no estômago. Mostram-se suscetíveis a produtos de limpeza contendo cloro, porém são resistentes à inativação pelos desinfetantes convencionais (p. ex., álcool, detergentes) e podem persistir por dias à temperatura ambiente. PATOGENIA E IMUNIDADE Grande parte do que se conhece sobre a patogenia dos enterovírus originou-se dos estudos sobre a infecção por poliovírus. Depois da ingestão, o poliovírus parece infectar as células epiteliais da mucosa do trato gastrintestinal e, em seguida, propagar-se e replicar-se nos tecidos linfoides submucosos das amígdalas e nas placas de Peyer. Em seguida, o vírus propaga-se para os linfonodos regionais, há uma fase de viremia e os vírus replicam-se nos órgãos do sistema reticuloendotelial. Em alguns casos, há uma segunda fase de viremia e o vírus replica-se ainda mais em vários tecidos, algumas vezes causando doença sintomática. Ainda não está claro se o poliovírus chega ao sistema nervoso central (SNC) durante a viremia, ou se também se propaga por meio dos nervos periféricos. Como a viremia ocorre antes do início da doença neurológica nos seres humanos, presume-se que o vírus chegue ao SNC por meio da corrente sanguínea. O receptor do poliovírus é um dos componentes da superfamília das imunoglobulinas. A infecção por poliovírus ocorre apenas nos primatas, principalmente porque suas células expressam o receptor viral. Estudos que mostraram o receptor do poliovírus na região da placa terminal do músculo da junção neuromuscular sugeriram que, se o vírus entrasse no músculo durante a viremia, ele poderia ser transportado pela junção neuromuscular até o axônio e chegar aos neurônios do corno anterior. Estudos realizados com macacos e camundongos transgênicos que expressavam o receptor do poliovírus demonstraram que, depois da injeção IM, o poliovírus não alcançava a medula espinal se o nervo ciático estivesse cortado. Em conjunto, essas observações sugerem que o poliovírus pode propagar-se diretamente do músculo para o SNC por via neural. A molécula de adesão intercelular 1 (ICAM-1) é um dos receptores dos vírus Coxsackie A13, A18 e A21; o CAR para os vírus Coxsackie B; a integrina VLA-2 para os vírus Echo tipos 1 e 8; o CD55 para 3 o enterovírus 70 e alguns sorotipos dos vírus Coxsackie A e B e do vírus Echo; e P-selectina, ligante de glicoproteína 1 e receptor de depuração B2 para o enterovírus 71. Em geral, o poliovírus pode ser isolado por cultura de amostras de sangue dentro de 3 a 5 dias depois da infecção, antes do desenvolvimento dos anticorpos neutralizantes. Embora a replicação viral nos locais secundários comece a diminuir 1 semana após a infecção, ela persiste no trato gastrintestinal. O poliovírus é disseminado pela orofaringe por até 3 semanas depois da infecção e pelo trato gastrintestinal por até 12 semanas; os pacientes com hipogamaglobulinemia podem propagar o poliovírus durante mais de 20 anos. Durante a replicação no trato gastrintestinal, o poliovírus oral atenuado pode sofrer mutações e assumir um fenótipo mais neurotóxico depois de alguns dias; entretanto, são provavelmente necessárias mutações adicionais para a neurovirulência completa. As imunidades, humoral e secretória, do trato gastrintestinal são importantes para o controle das infecções enterovirais. Os enterovírus induzem a produção de IgM específica, que geralmente persiste por menos de 6 meses, assim como de IgG específica, que se estende por toda a vida. A proteína capsídica VP1 é o alvo predominante dos anticorpos neutralizantes, que geralmente conferem proteção duradoura contra a doença subsequente causada pelo mesmo sorotipo, mas não impedem a infecção ou a disseminação do vírus. Os enterovírus também estimulam a imunidade celular, cujo significado permanece incerto. Os pacientes com depressão da imunidade celular não parecem desenvolver doença excepcionalmente grave quando são infectados por enterovírus. Por outro lado, as infecções graves dos pacientes com agamaglobulinemia enfatizam a importância da imunidade humoral na erradicação das infecções enterovirais. Enteroviroses disseminadas ocorrem nos receptores de transplantes de células hematopoiéticas. Os anticorpos IgA são fundamentais para a redução da replicação e da propagação dos poliovírus pelo trato gastrintestinal. O leite materno contém IgA específica para enterovírus e pode proteger os seres humanos contra a infecção. EPIDEMIOLOGIA Os enterovírus têm distribuição mundial. Mais de 50% das infecções por enterovírus não poliovírus e mais de 90% das infecções por poliovírus são subclínicas. Quando há sintomas, geralmente são inespecíficos e estão associados a febre; apenas um pequeno número de infecções está associado a síndromes clínicas específicas. O período de incubação da maioria das enteroviroses varia de 2 a 14 dias, mas geralmente é menor que 1 semana. A infecção por enterovírus é mais comum nas regiões com condições socioeconômicas desfavoráveis, especialmente onde há aglomerações e nas áreas tropicais onde a higiene é precária. A infecção é mais comum nos lactentes e nas crianças pequenas, e a doença grave desenvolve-se mais frequentemente nos primeiros dias de vida e nas crianças maiores e em adultos. Nos países em desenvolvimento, nos quais as crianças são infectadas em uma idade mais baixa, a infecção por poliovírus está associada menos comumente à paralisia; nos países com melhores condições de higiene, as crianças maiores e os adultos têm mais tendência a ser soronegativos, a adquirir a infecção e a desenvolver paralisia. Os anticorpos maternos adquiridos passivamente reduzem o risco de infecção sintomática dos recém-nascidos. As crianças pequenas são os propagadores mais comuns dos enterovírus e geralmente são os casos-índice nos surtos familiares. Nas regiões de clima temperado, as infecções por enterovírus são mais comuns no verão e no outono, mas não há um padrão sazonal nas regiões tropicais. A maioria dos enterovírus é transmitida predominantemente por via orofecal ou oral- oral. Os pacientes são mais contagiosos pouco antes e logo depois do início da doença sintomática,quando o vírus está presente nas fezes e na garganta. A ingestão de alimentos ou água contaminada pelo vírus também pode causar doença. Alguns enterovírus (como o enterovírus 70, que causa conjuntivite hemorrágica aguda) podem ser transmitidos por 4 inoculação direta dos dedos nos olhos. A transmissão pelo ar é importante para alguns vírus que causam doença respiratória, inclusive o vírus Coxsackie A21. Os enterovírus podem ser transmitidos da mãe para o feto pela placenta, causando doença grave no recém-nascido. A transmissão dos enterovírus por transfusões sanguíneas ou picadas de insetos não foi comprovada. A disseminação nosocomial dos vírus Coxsackie e vírus Echo ocorre nas enfermarias dos hospitais. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Infecção por poliovírus A maioria das infecções por poliovírus é assintomática. Depois de um período de incubação de 3 a 6 dias, cerca de 5% dos pacientes desenvolvem doença leve (poliomielite abortada) evidenciada por febre, mal-estar, dor de garganta, anorexia, mialgias e cefaleia. Em geral, essa condição regride em 3 dias. Cerca de 1% dos pacientes desenvolvem meningite asséptica (poliomielite não paralítica). O exame do líquido cerebrospinal (LCS) demonstra pleocitose linfocítica, concentração normal de glicose e proteínas normais ou ligeiramente aumentadas; os leucócitos polimorfonucleares podem ser encontrados no LCS nas fases iniciais. Em alguns pacientes, principalmente nas crianças, o mal-estar e a febre ocorrem antes do início da meningite asséptica. Poliomielite paralítica A apresentação clínica menos comum é a doença paralítica. Depois de um a vários dias, os sinais e os sintomas da meningite asséptica são seguidos por dores graves nas costas, no pescoço e nos músculos e pelo desenvolvimento rápido ou gradativo de fraqueza motora. Em alguns casos, a doença parece ser bifásica com meningite asséptica seguida primeiramente de recuperação aparente, mas depois (1 a 2 dias) pelo reaparecimento da febre e o desenvolvimento da paralisia; esta forma é mais comum nas crianças do que nos adultos. A fraqueza geralmente é assimétrica, mais proximal do que distal e pode afetar as pernas (mais comumente); os braços; ou os músculos abdominais, torácicos ou bulbares. A paralisia desenvolve-se durante a fase febril da doença e geralmente não progride depois que a febre regrediu. Também pode haver retenção urinária. O exame detecta fraqueza, fasciculações, redução do tônus muscular e diminuição ou supressão dos reflexos nas áreas afetadas. Em alguns casos, a perda dos reflexos é precedida por hiper-reflexia transitória. Os pacientes comumente referem sintomas sensoriais, mas os testes sensoriais objetivos geralmente estão normais. A paralisia bulbar pode causar disfagia, dificuldade de eliminar as secreções ou disfonia. Alguns pacientes podem desenvolver insuficiência respiratória secundária à aspiração, acometimento do centro respiratório do bulbo, ou paralisia do nervo frênico ou dos intercostais; o acometimento grave do bulbo pode causar colapso circulatório. A maioria dos pacientes com paralisia recupera parte da função em semanas ou meses após a infecção. Cerca de 66% dos pacientes têm sequelas neurológicas residuais. A doença paralítica é mais comum nos indivíduos idosos, nas gestantes e nos pacientes que realizavam atividades extenuantes ou que sofreram traumatismo por ocasião dos sintomas referidos ao SNC. A tonsilectomia predispõe à poliomielite bulbar e as injeções IM aumentam o risco de paralisia do(s) membro(s) afetado(s). Poliomielite associada à vacina Até recentemente, a poliomielite causada pelo poliovírus vacinal ocorria nos EUA. O risco de desenvolver poliomielite depois da vacinação oral foi estimado em 1 caso por 2,5 milhões de doses. O risco é cerca de 2.000 vezes maior entre os pacientes imunossuprimidos, especialmente nos indivíduos com hipogamaglobulinemia ou agamaglobulinemia. Até 1997, ocorriam anualmente nos EUA em média oito casos de poliomielite associada à vacina – tanto em indivíduos vacinados quanto em seus contatos. Com a alteração das recomendações, primeiramente para um esquema sequencial, com vacina de poliovírus inativado (VPI) e vacina de poliovírus oral (VPO) em 1997 e, depois, para um esquema completo com VPI em 2000, o número de casos de pólio 5 associado à vacinação diminuiu. Entre 1997 e 1999, foram notificados seis casos desse tipo nos EUA, mas a partir de 1999 não foram notificados novos casos. Síndrome pós-pólio A síndrome pós-pólio evidencia-se por recidiva de fraqueza, fadiga, fasciculações e dor com atrofia adicional do grupo muscular afetado durante a doença paralítica inicial ocorrida de 20 a 40 anos antes. Essa síndrome é mais comum nas mulheres e com períodos longos depois da doença aguda. Em geral, o início é insidioso e ocasionalmente a fraqueza estende-se a músculos que não foram acometidos na doença inicial. O prognóstico geralmente é bom e a progressão da fraqueza geralmente é lenta, com períodos de estabilização de 1 a 10 anos. A síndrome pós-pólio parece ser decorrente da disfunção progressiva e da perda dos neurônios motores que compensavam os neurônios perdidos durante a infecção inicial e não da persistência ou da reativação da infecção pelo poliovírus. Outros enterovírus Algumas estimativas sugerem que, nos EUA, ocorram cerca de 5 a 10 milhões de casos de doença sintomática associada a outros enterovírus não poliovírus. Entre os recém- nascidos, os enterovírus são os agentes etiológicos mais comuns da meningite asséptica e das doenças febris inespecíficas. Algumas síndromes clínicas são causadas mais provavelmente por determinados sorotipos. 6 TUBERCULOMA A tuberculose (TB), que é uma das mais antigas doenças que acometem os seres humanos e provavelmente existiu nos pré-hominídeos, constitui importante causa de morte no mundo inteiro. Esta doença é causada por bactérias pertencentes ao complexo do Mycobacterium tuberculosis e afeta habitualmente os pulmões, embora outros órgãos sejam acometidos em até 33% dos casos. Quando tratada corretamente, a TB causada por cepas sensíveis a fármacos é curável em praticamente todos os casos. Se não for tratada, a doença pode ser fatal em 5 anos em 50 a 65% dos casos. A transmissão ocorre habitualmente por disseminação aérea de perdigotos produzidos pelos pacientes com TB pulmonar infecciosa. AGENTE ETIOLÓGICO As micobactérias pertencem à família Mycobacteriaceae e ordem Actinomycetales. Das espécies patogênicas pertencentes ao complexo do M. tuberculosis, o agente mais comum e importante da doença humana é o M. tuberculosis. O complexo engloba o M. bovis (o bacilo da tuberculose bovina – resistente à pirazinamida; antigamente uma causa importante de TB transmitida pelo leite não pasteurizado e, hoje, a causa de uma pequena porcentagem de casos no mundo inteiro), M. caprae (relacionado com o M. bovis), M. africanum (isolado de casos na África Ocidental, Central e Oriental), o M. microti (o bacilo do “rato-calunga”, um microrganismo menos virulento e raramente encontrado), M. pinnipedii (um bacilo que infecta focas e leões-marinhos no hemisfério sul e recentemente isolado de seres humanos) e M. canettii (um isolado raro de casos da África Oriental que produz colônias lisas incomuns em meios sólidos, sendo considerado estreitamente relacionado com um suposto tipo progenitor). O M. tuberculosis é uma bactéria aeróbia delgada, em forma de bastonete, não formadora de esporos, que mede 0,5 μm por 3 μm. As micobactérias, incluindo o M. tuberculosis, são frequentemente neutras na coloração de Gram. Entretanto, uma vez corados, os bacilos não podem ser descorados pelo álcool-ácido, característica que justifica sua classificação como bacilos álcool-ácido-resistentes (BAAR). A resistência ao álcool-ácido deve- se, principalmente, ao elevado teor de ácidos micólicos, ácidosgraxos de cadeia longa e ligação cruzada, bem como outros lipídios da parede celular do microrganismo. Outros microrganismos além das micobactérias que exibem alguma resistência ao álcool-ácido incluem espécies de Nocardia e Rhodococcus, Legionella micdadei, assim como os protozoários Isospora e Cryptosporidium. Na parede celular das micobactérias, os lipídios (p. ex., ácidos micólicos) estão ligados a arabinolactanos e peptidoglicanos subjacentes. Essa estrutura confere uma permeabilidade muito baixa à parede celular, reduzindo, assim, a eficiência da maioria dos antibióticos. Outra molécula na parede celular das micobactérias, a lipoarabinomanana, está envolvida na interação do patógeno com o hospedeiro e facilita a sobrevida do M. tuberculosis no interior dos macrófagos. A sequência completa do genoma do M. tuberculosis compreende 4.043 genes que codificam 3.993 proteínas e 50 genes que codificam RNA; seu alto conteúdo de guanina mais citosina (65,6%) indica um estilo de vida aeróbio. Uma grande proporção dos genes está dedicada à produção de enzimas envolvidas no metabolismo da parede celular. DO MOMENTO DA EXPOSIÇÃO ATÉ A INFECÇÃO O M. tuberculosis é mais comumente transmitido de uma pessoa com tuberculose pulmonar infecciosa para outras pessoas por núcleos de gotículas, que são aerossolizados pela tosse, espirro ou fala. As minúsculas gotículas secam rapidamente; as menores (< 5 a 10 7 μm de diâmetro) podem permanecer suspensas no ar durante várias horas e alcançar as vias respiratórias terminais quando inaladas. Pode haver até 3.000 núcleos infecciosos por episódio de tosse. Outras vias de transmissão do bacilo da tuberculose (p. ex., por meio da pele ou placenta) são incomuns, carecendo de importância epidemiológica. A probabilidade de contato com uma pessoa que apresenta a forma infecciosa de tuberculose, a intimidade e duração desse contato, o grau de infectividade do caso e o ambiente compartilhado no contato constituem importantes determinantes da probabilidade de transmissão. Diversos estudos sobre situações de contatos próximos demonstraram claramente que os pacientes com tuberculose cujo escarro contém BAAR visíveis à microscopia têm maior tendência a transmitir a infecção. Os pacientes mais infectantes apresentam doença pulmonar cavitária ou, menos comumente, tuberculose laríngea e produzem escarro que contém até 105 a 107 BAAR/mL. Os pacientes que apresentam tuberculose com esfregaço de amostra de escarro negativo/cultura positiva são menos infectantes, embora tenham sido responsáveis por até 20% da transmissão em alguns estudos nos Estados Unidos e os com doença pulmonar com cultura negativa e tuberculose extrapulmonar são praticamente não infectantes. Como os indivíduos com infecção pelo HIV e tuberculose têm menos tendência a apresentar cavitações, podem ser menos infectantes do que os sem coinfecção pelo HIV. A aglomeração em salas pouco ventiladas constitui um dos fatores mais importantes na transmissão de bacilos da tuberculose, visto que aumenta a intensidade de contato com um caso. Em resumo, o risco de aquisição da infecção pelo M. tuberculosis é determinado principalmente por fatores exógenos. Devido à demora na procura de atendimento médico e no estabelecimento de um diagnóstico, geralmente acredita-se que, em condições de alta prevalência, até 20 contatos podem ser infectados para cada caso BAAR-positivo antes da detecção de tuberculose no caso-índice. DO MOMENTO DA INFECÇÃO ATÉ A DOENÇA Diferente do risco de aquisição da infecção pelo M. tuberculosis, o risco de desenvolver a doença após ter sido infectado depende, em grande parte, de fatores endógenos, como as defesas imunológicas inatas e não imunológicas do indivíduo bem como o nível de função da imunidade mediada por células (IMC). A doença clínica que ocorre diretamente após a infecção é classificada como tuberculose primária, sendo a sua ocorrência comum entre crianças nos primeiros anos de vida e entre indivíduos imunocomprometidos. Embora a tuberculose primária possa ser grave e disseminada, geralmente não está associada a um alto nível de transmissibilidade. Quando a infecção é adquirida mais tarde durante a vida, a probabilidade de que o sistema imune maduro possa contê-la pelo menos temporariamente é maior. Entretanto, os bacilos latentes podem persistir durante anos antes de serem reativados, produzindo tuberculose secundária (ou pós-primária), que, devido à frequente ocorrência de cavitação, é mais comumente infectante do que a doença primária. De modo geral, estima-se que até 10% dos indivíduos infectados acabarão desenvolvendo tuberculose ativa durante a sua vida, com metade deles durante o primeiro ano após a infecção. O risco é muito maior entre indivíduos infectados pelo HIV. A reinfecção de um indivíduo previamente infectado, comum em áreas com altas taxas de transmissão de tuberculose, também pode favorecer o desenvolvimento da doença. No auge do ressurgimento da tuberculose nos EUA, no início da década de 1990, a tipagem molecular e comparação de cepas de M. tuberculosis sugeriram que até 33% dos casos de tuberculose ativa em algumas comunidades do interior foram decorrentes de uma transmissão recente mais do que de reativação de infecção latente. A idade representa um importante determinante do risco de doença após a infecção. Entre as pessoas infectadas, a incidência de tuberculose é mais alta no final da adolescência e no início da idade adulta; as razões disso ainda não foram esclarecidas. A incidência entre 8 mulheres atinge o seu valor máximo aos 25 a 34 anos de idade. Nesse grupo etário, as taxas entre mulheres podem ser mais altas que as dos homens, enquanto ocorre o oposto em idades mais avançadas. O risco pode aumentar no indivíduo idoso, possivelmente devido ao declínio da imunidade e à comorbidade. Diversas doenças e condições favorecem o desenvolvimento da tuberculose ativa. Em termos absolutos, o fator de risco mais potente para a tuberculose entre indivíduos infectados é claramente a coinfecção pelo HIV, que suprime a imunidade celular. O risco de a infecção latente pelo M. tuberculosis evoluir para a doença ativa está diretamente relacionado com o grau de imunossupressão do paciente. Em um estudo de indivíduos infectados pelo HIV, com resultado positivo do teste cutâneo com tuberculina (TST), esse risco variou de 2,6 a 13,3 casos por 100 pessoas-ano e aumentou com o declínio da contagem de células T CD4+. HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA Os estudos conduzidos em diversos países antes do advento da quimioterapia mostraram que a tuberculose sem tratamento é frequentemente fatal. Cerca de 33% dos pacientes morriam no período de 1 ano após o diagnóstico, e mais de 50%, em 5 anos. A taxa de mortalidade de 5 anos entre os casos com esfregaço de escarro positivo foi de 65%. Entre os sobreviventes depois de 5 anos, cerca de 60% sofreram remissão espontânea, enquanto o restante ainda excretava o bacilo da tuberculose. Com a quimioterapia efetiva, tempestiva e correta, os pacientes têm uma probabilidade muito alta de cura. Entretanto, o uso inadequado dos agentes tuberculostáticos, apesar de reduzir as taxas de mortalidade, também pode resultar em grande número de casos infectantes crônicos, frequentemente com bacilos resistentes a fármacos. PATOGENIA E IMUNIDADE INFECÇÃO E INVASÃO DOS MACRÓFAGOS A interação do M. tuberculosis com o hospedeiro humano começa quando núcleos de gotículas que contêm microrganismos de pacientes infectantes são inalados. Enquanto os bacilos inalados são, em sua maioria, retidos nas vias respiratórias superiores e expelidos pelas células mucosas ciliadas, uma fração (habitualmente < 10%) alcança os alvéolos, onde os macrófagos alveolares que ainda não foram ativados fagocitam os bacilos. A aderência de micobactérias aos macrófagos resulta, em grande parte, da ligação da parede celular bacteriana a uma variedade de moléculasde superfície celular do macrófago, como receptores do complemento, receptor de manose, receptor GFcγ de imunoglobulina e receptores de varredura do tipo A. A fagocitose é intensificada pela ativação do complemento, levando à opsonização dos bacilos com produtos de ativação de C3, como C3b. Após a formação de um fagossomo, a sobrevida do M. tuberculosis no seu interior parece depender de uma redução da acidificação devido à falta de acúmulo de próton-adenosina trifosfatase vesicular. O glicolipídio da parede celular bacteriana, a lipoarabinomanana, desencadeia provavelmente uma complexa série de eventos. Esse glicolipídio inibe o aumento intracelular de Ca2+. Em consequência, ocorre comprometimento da via Ca2+/calmodulina (que leva à fusão do fagossomo-lisossomo), e os bacilos podem sobreviver no interior dos fagossomos. Descobriu-se que o fagossomo do M. tuberculosis inibe a produção de fosfatidilinositol 3-fosfato (PI3P). Normalmente, PI3P induz os fagossomos a ordenação e maturação da membrana incluindo a formação de fagolisossomo, que destruiria as bactérias. Também se descobriu que os fatores bacterianos bloqueiam a defesa de autofagia, recém-identificada no hospedeiro, na qual a célula sequestra o fagossomo em uma vesícula de membrana dupla (autofagossomo) que se destina a fundir com os lisossomos. Se os bacilos tiverem sucesso na interrupção da maturação do fagossomo, 9 a replicação começa, e o macrófago acaba sofrendo ruptura, liberando seu conteúdo bacilar. Outras células fagocíticas não infectadas são então recrutadas para continuar o ciclo da infecção por meio da ingestão dos macrófagos que estão morrendo e seu conteúdo bacilar, tornando-se assim elas próprias infectadas e expandindo a infecção. VIRULÊNCIA DOS BACILOS DA TUBERCULOSE Desde a elucidação do genoma do M. tuberculosis em 1998, grandes coleções mutantes foram geradas e muitos gentes de bactérias que contribuem para virulência por M. tuberculosis foram encontrados. Padrões diferentes de defeitos de virulência foram definidos em vários modelos animais, predominantemente camundongos mas também porquinhos da índia, coelhos e primatas não humanos. O gene katG codifica uma enzima catalase/peroxidase que protege contra estresse oxidativo e é necessária para ativação da isoniazida e subsequente atividade bactericida. A região de diferença 1 (RD1) é um locus de 9,5 kb que codifica dois antígenos proteicos pequenos essenciais – antígeno ESAT-6 (early secretory antigen-6) e proteína-10 do filtrado de cultura (CFP-10) –, assim como suposto aparelho de secreção que pode facilitar seu egresso; a ausência desse locus da vacina na cepa de vacina do bacilo Calmette-Guérin (BCG) de M. bovis mostrou ser uma mutação atenuante importante. Uma observação recente no Mycobacterium marinum, cuja validade precisa ser confirmada no M. tuberculosis, mostrou que uma mutação no locus de virulência de RD1 que codifica o sistema de secreção ESX1 prejudica a capacidade de macrófagos apoptóticos de recrutar células não infectadas para outros ciclos de infecção. Os resultados são menos replicação e menos granulomas novos. Os mutantes que não possuem enzimas essenciais de biossíntese bacteriana tornam-se auxotróficos para o substrato faltante e frequentemente são totalmente incapazes de proliferar em animais; esses incluem os mutantes leuD e panCD, que requerem leucina e ácido pantotênico, respectivamente. O gene de isocitrato liase icl1 codifica uma etapa essencial no shunt de glioxilato que facilita o crescimento bacteriano nos substratos de ácido graxo; esse gene é necessário para persistência de longo prazo da infecção por M. tuberculosis em camundongos com TB crônica. Os mutantes de M. tuberculosis nos genes reguladores como fator C sigma e fator H sigma (sigC e sigH) estão associados a crescimento bacteriano normal em camundongos, mas falham em evocar patologia tecidual completa. Finalmente, a proteína micobacteriana recentemente identificada CarD (expressa pelo gene carD) parece essencial para o controle de transcrição de rRNA que é necessário para replicação e persistência na célula hospedeira. Sua perda expõe micobactérias a estresse oxidativo, inanição, lesão do DNA e finalmente sensibilidade para ser mortas por uma variedade de mutagênicos e mecanismos de defesa do hospedeiro. RESISTÊNCIA INATA À INFECÇÃO Diversas observações sugerem que os fatores genéticos desempenham um papel fundamental na resistência inata não imunológica à infecção pelo M. tuberculosis e desenvolvimento de doença. A existência dessa resistência, que é de natureza poligênica, é sugerida pelos diferentes graus de sensibilidade à tuberculose em diferentes populações. Em camundongos, um gene denominado Nramp1 (proteína de macrófago 1 associada à resistência natural) desempenha um papel regulador na resistência/sensibilidade às micobactérias. O homólogo humano NRAMP1, mapeado no cromossomo 2q, pode desempenhar papel na determinação da suscetibilidade à tuberculose, conforme sugerido por um estudo realizado com africanos ocidentais. Estudos recentes de genética murina identificaram um novo gene de resistência do hospedeiro, ipr1, que é codificado dentro do locus sst1; ipr1 codifica uma proteína nuclear induzível por interferon que interage com outras proteínas nucleares nos 10 macrófagos estimulados por IFN ou infectados por M. tuberculosis. Além disso, os polimorfismos em múltiplos genes, como os que codificam vários alelos de antígeno leucocitário de histocompatibilidade (HLA), IFN-γ, fator de crescimento de células T β, interleucina (IL) 10, proteína de ligação da manose, receptor de IFN-γ, receptor Toll-like 2, receptor de vitamina D e IL-1, foram associados a suscetibilidade à tuberculose. RESPOSTA DO HOSPEDEIRO E FORMAÇÃO DE GRANULOMA No estágio inicial da interação hospedeiro-bactéria, antes do início de uma resposta IMC adquirida, M. tuberculosis passa por um período de crescimento extenso dentro de macrófagos não ativados imaturos e outros macrófagos imaturos são recrutados para o granuloma inicial. Estudos sugerem que M. tuberculosis usa um mecanismo de virulência específico para subverter a sinalização celular do hospedeiro e para evocar uma resposta inicial pró-inflamatória que promove expansão do granuloma e crescimento bacteriano durante essa fase inicial essencial. Um estudo recente de infecção por M. marinum em peixe-zebra delineou o mecanismo molecular provável pelo qual as micobactérias induzem formação de granuloma. A proteína micobacteriana ESAT-6 induz secreção de metaloproteinase 9 da matriz (MMP9) por células epiteliais vizinhas que estão em contato com macrófagos infectados. MMP9, por sua vez, estimula recrutamento de macrófagos imaturos, induzindo assim maturação do granuloma e crescimento bacteriano. A perturbação da função de MMP9 resulta em redução do crescimento bacteriano. Outro estudo mostrou que AMP cíclico derivado de M. tuberculosis é secretado pelos fagossomos para os macrófagos hospedeiros, subvertendo as vias de transdução do sinal da célula e estimulando uma elevação na secreção do fator de neuro tumoral α (TNF-α) e recrutamento celular pró-inflamatório adicional. Finalmente, as quimiocinas e produtos bacterianos liberados durante as rodadas repetidas de lise celular e infecção de macrófagos de chegada recente possibilitam às células dendríticas ter acesso aos bacilos; essas células migram para linfonodos de drenagem e apresentam antígenos micobacterianos aos linfócitos T. Em tal estágio, começa o desenvolvimento da IMC e da imunidade humoral. Esses estágios iniciais da infecção são habitualmente assintomáticos. Cerca de 2 a 4 semanas após a infecção, surgem duas respostas do hospedeiro ao M. tuberculosis: uma resposta da IMC de ativação dos macrófagos e uma resposta de lesão tecidual. A resposta de ativação dos macrófagos é um fenômeno mediado por células T que leva à ativação de macrófagos capazes de matar edigerir os bacilos da tuberculose. A resposta de lesão tecidual resulta de uma reação de hipersensibilidade do tipo tardio (HTD) a vários antígenos bacilares; destrói os macrófagos inativados que contêm bacilos em multiplicação, mas também provoca necrose caseosa dos tecidos acometidos (ver adiante). Embora ambas as respostas possam inibir o crescimento das micobactérias, é o equilíbrio entre as duas que determina a forma de tuberculose que irá surgir subsequentemente. Com o desenvolvimento da imunidade específica e o acúmulo de grandes números de macrófagos ativados no local da lesão primária, formam-se lesões granulomatosas (tubérculos). Essas lesões consistem em acúmulos de linfócitos e macrófagos ativados que evoluem para morfologias de células epitelioides e células gigantes. A princípio, a resposta de lesão tecidual pode limitar o crescimento das micobactérias no interior dos macrófagos. Conforme assinalado anteriormente, essa resposta, mediada por diversos produtos bacterianos, não apenas destrói os macrófagos como também provoca necrose sólida precoce no centro do tubérculo. Embora o M. tuberculosis possa sobreviver, seu crescimento é inibido dentro desse ambiente necrótico pela baixa tensão de oxigênio e pelo pH baixo. Nesse estágio, algumas lesões podem cicatrizar por fibrose, com calcificação subsequente, enquanto ocorrem inflamação e necrose em outras lesões. Algumas observações desafiaram a visão tradicional de que qualquer encontro entre micobactérias e macrófagos resulta em infecção crônica. É possível que uma resposta imune capaz de erradicar a infecção inicial possa algumas vezes 11 desenvolver-se como consequência, por exemplo, de mutações incapacitantes em genomas micobacterianos tornando sua replicação ineficaz. RESPOSTA DE ATIVAÇÃO DOS MACRÓFAGOS A IMC é fundamental nesse estágio inicial. Na maioria dos indivíduos infectados, os macrófagos locais são ativados quando antígenos bacilares processados pelos macrófagos estimulam os linfócitos T a liberar uma variedade de linfocinas. Esses macrófagos ativados agregam-se ao redor do centro da lesão e neutralizam efetivamente os bacilos da tuberculose, sem causar destruição tecidual adicional. Na parte central da lesão, o material necrótico assemelha-se a queijo mole (necrose caseosa) – um fenômeno que também pode ser observado em outras afecções, como neoplasias. Mesmo quando ocorre cicatrização, bacilos viáveis podem permanecer dormentes no interior dos macrófagos ou no material necrótico durante muitos anos. Essas lesões “cicatrizadas” no parênquima pulmonar e nos linfonodos hilares podem subsequentemente sofrer calcificação. HIPERSENSIBILIDADE DE TIPO TARDIO Em uma minoria de casos, a resposta de ativação dos macrófagos é fraca, e o crescimento das micobactérias só pode ser inibido por respostas de HTD intensificadas, que levam à destruição do tecido pulmonar. A lesão tende a aumentar ainda mais, e o tecido circundante apresenta lesão progressiva. No centro da lesão, o material caseoso se liquefaz. As paredes brônquicas, assim como os vasos sanguíneos, são invadidas e destruídas, com formação de cavidades. O material caseoso liquefeito, que contém grande número de bacilos, é drenado por meio dos brônquios. No interior da cavidade, os bacilos da tuberculose multiplicam-se, espalham-se pelas vias respiratórias e são eliminados no ambiente por meio de manobras expiratórias, como tosse e o ato de falar. Nos estágios iniciais da infecção, os bacilos são habitualmente transportados por macrófagos até os linfonodos regionais, a partir dos quais têm acesso ao retorno venoso central; de lá eles são implantados novamente nos pulmões e também podem disseminar além da vasculatura pulmonar amplamente pelo corpo, por meio da circulação cardíaca. As lesões extrapulmonares resultantes podem exibir a mesma evolução que as dos pulmões, embora a maioria tenha tendência a cicatrizar. Em crianças pequenas com imunidade natural precária, a disseminação hematogênica pode resultar em tuberculose miliar fatal ou meningite tuberculosa. PAPEL DOS MACRÓFAGOS E MONÓCITOS Enquanto a IMC confere proteção parcial contra o M. tuberculosis, a imunidade humoral desempenha um papel bem menos definido na proteção (embora haja crescentes evidências da existência de anticorpos para lipoarabinomannan, que podem impedir a disseminação da infecção em crianças). No caso da IMC, dois tipos de células são essenciais: os macrófagos, que fagocitam diretamente os bacilos da tuberculose, e as células T (principalmente linfócitos T CD4+), que induzem proteção por meio da produção de citocinas, especialmente IFN-γ. Após infecção pelo M. tuberculosis, os macrófagos alveolares secretam diversas citocinas responsáveis por vários eventos (p. ex., formação de granulomas), bem como por efeitos sistêmicos (febre e perda de peso). Os monócitos e macrófagos atraídos ao local constituem os componentes-chave da resposta imune. Seu principal mecanismo está provavelmente relacionado com a produção de óxido nítrico, que possui atividade antimicobacteriana e aumenta a síntese de citocinas, como TNF-α e IL-1, os quais regulam a 12 liberação de intermediários reativos de nitrogênio. Além disso, os macrófagos podem sofrer apoptose – um mecanismo de defesa para evitar a liberação de citocinas e bacilos por meio de seu sequestro na célula apoptótica. PAPEL DOS LINFÓCITOS T Os macrófagos alveolares, monócitos e células dendríticas também são fundamentais no processamento e apresentação de antígenos aos linfócitos T, primariamente as células T CD4+ e CD81; o resultado consiste na ativação e proliferação de linfócitos T CD4+, cruciais na defesa do hospedeiro contra o M. tuberculosis. Defeitos qualitativos e quantitativos nas células T CD4+ explicam a incapacidade dos indivíduos infectados pelo HIV de conter a proliferação de micobactérias. Os linfócitos T CD4+ ativados podem sofrer diferenciação em células TH1 ou TH2 produtoras de citocinas. As células TH1 produzem IFN-γ – um ativador dos macrófagos e monócitos – e IL-2. As células TH2 produzem IL-4, IL-5, IL-10 e IL-13, podendo também promover a imunidade humoral. A inter-relação dessas várias citocinas e a sua regulação cruzada determinam a resposta do hospedeiro. Entretanto, o papel das citocinas na promoção da destruição intracelular de micobactérias ainda não foi totalmente elucidado. IFN-γ pode induzir a geração de intermediários reativos de nitrogênio e regular genes envolvidos nos efeitos bactericidas. TNF-α também parece ser importante. As observações feitas originalmente em camundongos knockout transgênicos e, mais recentemente, em seres humanos sugerem que outros subgrupos de células T, especialmente as células T CD81, podem desempenhar papel importante. As células T CD81 foram associadas a atividades protetoras através de respostas citotóxicas e lise das células infectadas, bem como à produção de IFN-γ e TNF-α. Por fim, as células natural killer atuam como correguladores das atividades líticas das células T CD81, e acredita-se cada vez mais que as células T γδ estejam envolvidas em respostas protetoras nos seres humanos. LIPÍDIOS E PROTEÍNAS DAS MICOBACTÉRIAS Os lipídios são envolvidos no reconhecimento das micobactérias pelo sistema imune inato, tendo sido demonstrado que as lipoproteínas (como a lipoproteína de 19-kDa) deflagram potentes sinais através de receptores Toll-like presentes nas células dendríticas sanguíneas. O M. tuberculosis possui diversos antígenos proteicos. Alguns se encontram no citoplasma e na parede celular, enquanto outros são secretados. A maior importância desses antígenos secretados na produção de uma resposta dos linfócitos T é sugerida por experimentos que documentaram o aparecimento de imunidade protetora em animais após imunização com micobactérias vivas secretoras de proteínas. Entre os antígenos que podem desempenhar um papel protetor, destacam-se os antígenos30-kDa (ou 85B) e ESAT-6. É provável que a imunidade protetora resulte da reatividade a numerosos antígenos micobacterianos diferentes. REATIVIDADE AO TESTE CUTÂNEO Juntamente com o aparecimento de imunidade, verifica-se o desenvolvimento de HTD ao M. tuberculosis. Essa reatividade constitui a base do TST, utilizado principalmente para a detecção da infecção pelo M. tuberculosis em indivíduos assintomáticos. Os mecanismos celulares responsáveis pela reatividade ao TST estão relacionados principalmente com os linfócitos T CD4+ previamente sensibilizados, que são atraídos ao local do teste cutâneo. Neste local, proliferam e produzem citocinas. Embora a HTD esteja associada à imunidade protetora (os indivíduos TST-positivos são menos suscetíveis a uma nova infecção pelo M. tuberculosis 13 do que as pessoas com TST negativo), esta não garante nenhuma proteção contra a reativação. De fato, casos de tuberculose ativa são frequentemente acompanhados de reações fortemente positivas ao teste cutâneo. Há também evidências de reinfecção por uma nova cepa de M. tuberculosis em pacientes com doença ativa previamente tratada. Essa evidência ressalta o fato de que a tuberculose latente ou ativa prévia pode não conferir uma imunidade protetora total. TUBERCULOSE EXTRAPULMONAR Por ordem de frequência, os locais extrapulmonares mais comumente acometidos na tuberculose são linfonodos, pleura, trato geniturinário, ossos e articulações, meninges, peritônio e pericárdio. Entretanto, praticamente todos os sistemas orgânicos podem ser acometidos. Em consequência da disseminação hematogênica em indivíduos infectados pelo HIV, a tuberculose extrapulmonar é observada mais comumente hoje do que no passado. Meningite tuberculosa e tuberculoma A tuberculose do sistema nervoso central responde por cerca de 5% dos casos extrapulmonares nos EUA. É observada com mais frequência em crianças pequenas, mas também ocorre em adultos, particularmente nos infectados pelo HIV. A meningite tuberculosa resulta da disseminação hematogênica da TB pulmonar primária ou pós-primária, ou da ruptura de um tubérculo subependimário no espaço subaracnóideo. Em mais da metade dos casos, são encontradas evidências de lesões pulmonares antigas ou de um padrão miliar na radiografia de tórax. Com frequência, a doença manifesta-se de modo sutil na forma de cefaleia e alterações mentais discretas depois de um pródromo de semanas de febre baixa, mal-estar, anorexia e irritabilidade. Se não for reconhecida, a meningite tuberculosa pode evoluir de modo agudo com cefaleia intensa, confusão, letargia, alteração do sensório e rigidez de nuca. Em geral, a doença evolui durante 1 a 2 semanas, ou seja, apresenta uma evolução mais longa que a da meningite bacteriana. Como o envolvimento meníngeo é pronunciado na base do crânio, a paresia dos nervos cranianos (em particular dos nervos oculares) constitui um achado frequente, e o acometimento das artérias cerebrais pode ocasionar isquemia focal. A evolução final leva ao coma, com hidrocefalia e hipertensão intracraniana. A punção lombar constitui a base do diagnóstico. Em geral, o exame do líquido cerebrospinal (LCS) revela alta contagem de leucócitos (de até 1.000/μL), habitualmente com predomínio de linfócitos, porém algumas vezes com predomínio de neutrófilos nos estágios iniciais, concentração de proteína de 1 a 8 g/L (100 a 800 mg/dL) e baixa concentração de glicose. Entretanto, qualquer um desses três parâmetros pode estar dentro da faixa normal. Em até 33% dos casos, são observados BAAR no esfregaço direto do sedimento do LCS; todavia, a repetição das funções lombares aumenta a taxa de resultados positivos. A cultura do LCS é diagnóstica em até 80% dos casos e continua sendo o padrão-ouro. A reação em cadeia da polimerase (PCR) apresenta sensibilidade de até 80%, porém as taxas de resultados falsos positivos alcançam 10%. Os exames de imagem (TC e RM) podem revelar hidrocefalia e aumento anormal das cisternas da base ou do epêndima. Se não for diagnosticada, a meningite tuberculosa é sempre fatal1 . A doença responde à quimioterapia; entretanto, são documentadas sequelas neurológicas em 25% dos casos tratados, na maioria dos quais o diagnóstico foi tardio. Os estudos clínicos demonstraram que os pacientes tratados com glicocorticoides adjuvantes podem apresentar uma resolução mais rápida das anormalidades do LCS e da pressão elevada do LCS. Em um estudo, o tratamento adjuvante com dexametasona (0,4 mg/kg/dia IV, com redução gradual de 1 Na Índia e no Extremo Oriente, a infecção micobacteriana (tuberculoma) continua a ser uma causa importante de lesões expansivas focais no SNC. 14 0,1 mg/kg/semana até a quarta semana, quando foi administrado 0,1 mg/kg/dia, seguido de 4 mg/dia VO e redução gradual de 1 mg/semana até a quarta semana, quando foi administrado 1 mg/dia) aumentou significativamente as chances de sobrevida entre indivíduos de mais de 14 anos de idade, porém não reduziu a frequência de sequelas neurológicas. O tuberculoma, manifestação incomum de TB do sistema nervoso central, manifesta- se na forma de uma ou mais lesões expansivas e, em geral, provoca convulsões e sinais focais. A TC ou RM revela lesões em anel contrastadas, porém é necessária uma biópsia para estabelecer o diagnóstico. 15 RAIVA A raiva é uma doença infecciosa aguda e rapidamente progressiva do sistema nervoso central (SNC) em seres humanos e animais, que é causada pela infecção pelo vírus da raiva. A infecção é normalmente transmitida por animais vetores. A raiva tem uma forma encefalítica e uma forma paralítica, que evoluem para a morte. AGENTE ETIOLÓGICO O vírus da raiva é um membro da família Rhabdoviridae. Dois gêneros dessa família, Lyssavirus e Vesiculovirus, contêm espécies que causam doença humana. O vírus da raiva é um Lyssavirus que infecta uma ampla gama de animais e que provoca doença neurológica grave quando transmitido a seres humanos. Esse vírus de RNA de fita simples possui um genoma não segmentado de sentido negativo (antissentido), que consiste em 11.932 nucleotídios e que codifica cinco proteínas: o nucleocapsídio, a proteína fosfoproteína, uma proteína da matriz, glicoproteína e uma grande proteína polimerase. Variantes do vírus da raiva, que podem ser caracterizadas por sequências distintas de nucleotídios, estão associadas a reservatórios animais específicos. Foram descritas cinco outras espécies de vírus não raiva do gênero Lyssavirus, que causam um quadro clínico semelhante ao da raiva. O vírus da estomatite vesicular, um vesiculovírus, provoca vesiculação e ulceração no gado, em cavalos e outros animais e causa uma doença sistêmica leve e autolimitada nos seres humanos (ver “Outros Rabdovírus,” adiante). PATOGENIA O período de incubação da raiva (definido como o intervalo entre a exposição e o início da doença clínica) é habitualmente de 20 a 90 dias; todavia, em raros casos, é curto, como alguns dias, ou estende-se por mais de 1 ano. Durante a maior parte do período de incubação, acredita-se que o vírus da raiva esteja presente no local de inoculação ou próximo a ele. Nos músculos, sabe-se que o vírus liga-se a receptores nicotínicos de acetilcolina nas membranas pós-sinápticas nas junções neuromusculares; entretanto, os detalhes exatos da entrada do vírus na pele e nos tecidos subcutâneos ainda não foram esclarecidos. O vírus da raiva dissemina-se de forma centrípeta ao longo dos nervos periféricos em direção ao SNC, a uma velocidade de até cerca de 250 mm/dia por meio de transporte axônico rápido para a medula espinal ou o tronco encefálico.Não há evidências bem documentadas de disseminação hematogênica do vírus da raiva. Assim que entra no SNC, o vírus da raiva dissemina-se rapidamente para outras regiões do SNC através de transporte axônico rápido ao longo de conexões neuroanatômicas. Os neurônios são proeminentemente infectados na raiva, enquanto a infecção de astrócitos é incomum. Após o estabelecimento da infecção no SNC, ocorre disseminação centrífuga ao longo de nervos sensitivos e autônomos para outros tecidos, incluindo as glândulas salivares, o coração, as glândulas suprarrenais e a pele. O vírus da raiva replica-se nas células acinares das glândulas salivares e é secretado na saliva de animais raivosos que atuam como vetores da doença. 16 Representação esquemática dos eventos patogênicos após a inoculação periférica do vírus da raiva. Fonte: http://cl.ly/R5ST/Raiva.jpg 17 Estudos patológicos mostram alterações inflamatórias discretas no SNC nos casos de raiva, com infiltração inflamatória mononuclear nas leptomeninges, nas regiões perivasculares e no parênquima, incluindo nódulos da micróglia, denominados Babes. Em geral, as alterações neuronais degenerativas não são proeminentes, e há pouca evidência de morte neuronal; em certas ocasiões, observa-se neuronofagia. As alterações patológicas são surpreendentemente discretas tendo em vista a gravidade clínica e a evolução fatal da doença. O achado patológico mais característico na raiva é o corpúsculo de Negri. Os corpúsculos de Negri são inclusões citoplasmáticas eosinofílicas nos neurônios cerebrais, que são compostos de proteínas e DNA viral. Essas inclusões ocorrem em uma minoria de neurônios infectados, são comumente observadas nas células de Purkinje do cerebelo e nos neurônios piramidais do hipocampo e, com menos frequência, ocorrem nos neurônios corticais e do tronco encefálico. Os corpúsculos de Negri não são observados em todos os casos de raiva. A ausência de alterações neuronais degenerativas proeminentes levou ao conceito de que a disfunção neuronal – mais do que a morte dos neurônios – é responsável pela doença clínica na raiva. A base das alterações comportamentais, incluindo o comportamento agressivo dos animais raivosos, não está bem elucidada. Três grandes corpúsculos de Negri no citoplasma de uma célula de Purkinje cerebelar de um menino com 8 anos de idade que morreu de raiva após ter sido mordido por um cão raivoso no México. Fonte: http://cl.ly/R5gj/Negri.jpg 18 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Na raiva, a ênfase precisa ser na profilaxia pós-exposição iniciada antes do aparecimento de quaisquer sinais ou sintomas. Em geral, deve-se suspeitar da raiva com base na apresentação clínica. A doença manifesta-se habitualmente na forma de encefalite atípica, com relativa preservação da consciência. Pode ser difícil reconhecer a raiva num estágio avançado da evolução clínica, quando já ocorreu progressão para o coma. Em uma minoria de pacientes, ocorre paralisia flácida aguda. São reconhecidas as fases prodrômica, neurológica aguda e comatosa, que habitualmente progridem para a morte, a despeito da terapia agressiva. Características prodrômicas As características clínicas mais precoces da raiva começam com manifestações prodrômicas inespecíficas, incluindo febre, mal estar, cefaleia, náusea e vômitos. Além disso, podem ocorrer ansiedade ou agitação. Os sintomas neurológicos específicos mais precoces da raiva consistem em parestesias, dor ou prurido perto do local de exposição, que ocorre em 50 a 80% dos pacientes e sugere fortemente a raiva. Nesse ponto, a ferida está habitualmente cicatrizada, e esses sintomas provavelmente refletem infecção com alterações inflamatórias associadas na raiz dorsal local ou em gânglios sensitivos cranianos. Raiva encefalítica São observadas duas formas neurológicas agudas de raiva nos seres humanos: a encefalítica (furiosa) em 80% dos casos e a paralítica em 20%. Algumas das manifestações da raiva encefalítica também podem ser observadas em outras encefalites virais. Essas manifestações incluem febre, confusão, alucinações, combatividade e convulsões. A disfunção autônoma é comum e pode resultar em hipersalivação, pele arrepiada, arritmias cardíacas e priapismo. Na raiva encefalítica, os episódios de hiperexcitabilidade são seguidos de períodos de total lucidez, que se tornam mais curtos à medida que a doença progride. A encefalite da raiva distingue-se pelo acometimento precoce do tronco encefálico, que resulta nas características clássicas de hidrofobia (contração involuntária dolorosa do diafragma e dos músculos acessórios respiratórios, laríngeos e faríngeos em resposta à deglutição de líquidos) e de aerofagia (as mesmas características causadas pela estimulação de uma tragada de ar. Esses sintomas são provavelmente devidos à disfunção dos neurônios infectados do tronco encefálico, o que normalmente inibe os neurônios inspiratórios próximos ao núcleo ambíguo, resultando em reflexos de defesa exagerados que protegem o trato respiratório. A combinação de hipersalivação e disfunção faríngea também é responsável pelo aspecto clássico de “boca espumando”. A disfunção do tronco encefálico progride rapidamente, e o coma seguido de morte em questão de dias é a regra, a não ser que a evolução seja prolongada por medidas de suporte. Com essas medidas, as complicações tardias podem incluir insuficiência cardíaca e/ou respiratória, distúrbios do equilíbrio hídrico (síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético ou diabetes insípido), edema pulmonar não cardiogênico e hemorragia gastrintestinal. As arritmias cardíacas podem ser devidas à disfunção que acomete centros vitais no tronco encefálico ou à miocardite. A falência múltipla de órgãos é comum em pacientes tratados agressivamente em unidades de terapia intensiva. 19 Espasmo hidrofóbico dos músculos inspiratórios associado a terror em um paciente com raiva encefalítica (furiosa) que tentou beber água. Fonte: http://cl.ly/R5h0/Espasmo_Hidrofobico.jpg Raiva paralítica Cerca de 20% dos pacientes apresentam raiva paralítica, em que predomina a fraqueza muscular, enquanto as principais características da raiva encefalítica (hiperexcitabilidade, hidrofobia e aerofobia) estão ausentes. Ocorre fraqueza muscular flácida precoce e proeminente, que frequentemente começa no membro onde houve a mordida, disseminando-se para produzir quadriparesia e fraqueza facial. O acometimento esfincteriano é comum, enquanto o comprometimento sensorial é habitualmente leve; esses casos costumam ser diagnosticados incorretamente como síndrome de Guillain-Barré. Em geral, os pacientes com raiva paralítica sobrevivem alguns dias mais do que aqueles que apresentam raiva encefalítica, porém sobrevém, entretanto, a falência de múltiplos órgãos. 20 INVESTIGAÇÕES LABORATORIAIS Os exames laboratoriais de rotina na raiva fornecem, em sua maioria, resultados normais ou exibem anormalidades inespecíficas. O hemograma está habitualmente normal. O exame do líquido cerebrospinal (LCS) frequentemente revela pleocitose mononuclear discreta, com ligeira elevação do nível de proteína. A pleocitose grave (mais de 1.000 leucócitos/μL) é incomum e deve levar à investigação de um diagnóstico alternativo. A TC do crânio está habitualmente normal na raiva. A RM do cérebro pode revelar anormalidades do sinal no tronco encefálico ou em outras áreas da substância cinzenta, porém esses achados são variáveis e inespecíficos. O eletroencefalograma mostra apenas anormalidades inespecíficas. Naturalmente, os testes importantes nos casos em que há suspeita de raiva incluem aqueles que podem identificar um diagnóstico alternativo potencialmente tratável (ver “Diagnóstico Diferencial,” adiante). DIAGNÓSTICO Na América do Norte, o diagnóstico de raiva frequentemente não é considerado até um estágio relativamente avançado da evolução clínica,mesmo com uma apresentação clínica típica. Esse diagnóstico deve ser considerado em pacientes com encefalite atípica aguda ou com paralisia flácida aguda, incluindo aqueles em que se suspeita da síndrome de Guillain- Barré. A ausência de história de mordedura de animal é comum na América do Norte. A ausência de hidrofobia não é rara na raiva. Assim que houver suspeita de raiva, devem-se efetuar exames laboratoriais específicos para confirmar o diagnóstico. As amostras úteis para o diagnóstico incluem amostras de soro, LCS, saliva fresca, amostras de biópsia cutânea do pescoço e tecido cerebral (raramente obtido antes da morte). Como a biópsia cutânea depende da demonstração do antígeno do vírus da raiva nos nervos cutâneos na base dos folículos pilosos, as amostras são habitualmente obtidas da pele com cabelos na nuca. Esfregaços de impressão da córnea têm baixo rendimento diagnóstico e, em geral, não são efetuados. Os exames laboratoriais específicos para raiva antemortem negativos nunca excluem um possível diagnóstico de raiva, e pode ser necessário repeti-los depois de um intervalo de tempo para confirmação diagnóstica. Anticorpos específicos contra o vírus da raiva Em um paciente previamente não imunizado, a presença de anticorpos neutralizantes séricos contra o vírus da raiva é diagnóstica. Entretanto, como o vírus da raiva infecta tecidos neuronais imunologicamente privilegiados, pode não haver produção de anticorpos séricos até um estágio avançado da doença. Os anticorpos podem ser detectados dentro de poucos dias após o início dos sintomas, porém alguns pacientes morrem na ausência de anticorpos detectáveis. A presença de anticorpos específicos contra o vírus da raiva no LCS sugere encefalite da raiva, independentemente do estado de imunização. Amplificação por RT-PCR A detecção do RNA do vírus da raiva pela RT-PCR é altamente sensível e específica. Essa técnica pode detectar o vírus em amostras de saliva fresca, LCS e tecido cutâneo e cerebral. Além disso, a RT-PCR com sequenciamento genético pode distinguir as variantes do vírus da raiva, possibilitando a identificação da provável fonte de uma infecção. Teste do anticorpo fluorescente direto O teste do anticorpo fluorescente direto (AFD) com anticorpos contra o vírus da raiva conjugados a corantes fluorescentes é altamente sensível e específico e pode ser realizado rapidamente e aplicado a amostras de biópsia cutânea e tecido cerebral. Nas biópsias 21 cutâneas, pode-se detectar o antígeno do vírus da raiva nos nervos cutâneos, na base dos folículos pilosos. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico da raiva pode ser difícil na ausência de história de exposição a animais, e quando o indivíduo pode não lembrar de qualquer exposição a animal (p. ex., morcego). A apresentação da raiva é habitualmente muito diferente daquela da encefalite viral aguda devida à maioria das outras causas, incluindo encefalite por herpes simples e encefalite por arbovírus (p. ex., do Nilo Ocidental). Podem ocorrer sintomas neurológicos precoces no local da mordida, e pode haver manifestações precoces de comprometimento do tronco encefálico com preservação da consciência. Pode ocorrer encefalomielite pós-infecciosa (imunologicamente mediada) após influenza, sarampo, caxumba e outras infecções; além disso, pode ocorrer como sequela de imunização com vacina contra a raiva derivada de tecidos neurais, que é usada apenas em países de recursos limitados e países pobres. A raiva pode manifestar-se na forma de sintomas neuropsiquiátricos incomuns e pode ser diagnosticada incorretamente como transtorno psiquiátrico. Pode ocorrer histeria da raiva como resposta psicológica ao medo da raiva, que frequentemente se caracteriza por um período de incubação mais curto do que a raiva, por comportamento agressivo, incapacidade de se comunicar e evolução longa com recuperação. Conforme anteriormente assinalado, a raiva paralítica pode simular a síndrome de Guillain-Barré. Nesses casos, a disfunção da bexiga, o exame sensorial normal e a pleocitose do LCS favorecem um diagnóstico de raiva. Em contrapartida, a síndrome de Guillain-Barré pode ocorrer como complicação da vacinação contra a raiva quando se usa um produto derivado do tecido neural (p. ex., vacina de cérebro de filhote de camundongo), podendo ser confundida com a raiva paralítica (isto é, falha da vacina). TRATAMENTO DA RAIVA Não existe nenhum tratamento estabelecido para a raiva. Houve várias falhas recentes do tratamento com combinação de agentes antivirais, cetamina e coma terapêutico (induzido) – medidas que foram usadas em um sobrevivente sadio nos quais foram detectados anticorpos contra o vírus da raiva por ocasião da apresentação. Deve-se procurar a opinião de um especialista antes de iniciar um ciclo de terapia experimental. Uma abordagem paliativa pode ser apropriada para alguns pacientes. PROGNÓSTICO A raiva é uma doença quase uniformemente fatal, porém quase sempre passível de prevenção com terapia pós-exposição apropriada durante o período de incubação inicial (ver adiante). Existem sete casos bem documentados de sobrevida da raiva. Todos esses pacientes, exceto um, tinham recebido vacina contra a raiva antes do início da doença. O único sobrevivente que não havia recebido vacina tinha anticorpos neutralizantes contra o vírus da raiva no soro e no LCS por ocasião da apresentação clínica. A maioria dos pacientes com raiva morre dentro de vários dias da doença, a despeito dos cuidados agressivos em uma unidade de terapia intensiva. 22 PREVENÇÃO Profilaxia pós-exposição Como não existe nenhum tratamento efetivo para a raiva, é extremamente importante prevenir a ocorrência da doença após exposição a um animal. A Figura 1 mostra as etapas envolvidas na tomada de decisão acerca da profilaxia pós-exposição (PPE) contra a raiva. Com base na história de exposição e informação epidemiológica local, o médico tem de decidir se institui a PPE. Cães, gatos ou furões saudáveis podem ser isolados e observados por 10 dias. A PPE não é necessária se o animal permanecer sadio. Caso ele desenvolva sinais de raiva durante o período de observação, deve ser submetido imediatamente a eutanásia, e a cabeça levada para um laboratório sob refrigeração e examinada em busca do vírus da raiva pelo teste de AFD e isolamento do vírus com cultura celular e/ou inoculação em camundongo. Qualquer animal que não um cão, gato ou furão deve ser submetido à eutanásia imediatamente e ter a cabeça submetida a exame laboratorial. Em exposições de alto risco e áreas onde a raiva canina é endêmica, a profilaxia antirrábica deve ser iniciada sem se esperar pelos resultados laboratoriais. Caso eles sejam negativos, pode-se concluir com segurança que a saliva do animal não contém o vírus da raiva, e a imunização deve ser interrompida. Se o animal escapar após a exposição, deve ser considerado raivoso, e a PPE deve ser instituída, a menos que a informação dos órgãos de saúde pública indique de outra forma (isto é, de que não existe raiva endêmica na área). A PPE se justifica em situações em que uma pessoa (p. ex., uma criança pequena ou adulto dormindo) esteve presente no mesmo espaço que um morcego e não é possível excluir com certeza a ocorrência de uma mordida despercebida. Figura 1 Algoritmo para a profilaxia pós-exposição contra a raiva. RIG (IGAR), imunoglobulina antirrábica. Fonte: http://cl.ly/R5ay/Algoritmo.jpg 23 A PPE inclui cuidados locais com a ferida e imunização ativa e passiva. Os cuidados locais com a ferida são indispensáveis e podem diminuir acentuadamente o risco de infecção pelo vírus da raiva. Os cuidados com a ferida não devem ser adiados, mesmo que o início da imunização seja à espera dos resultados dos 10 dias de observação. Todas as feridas causadas por mordeduras e arranhões devem ser bem lavadas com água e sabão. Os tecidos desvitalizados devem ser desbridados,a profilaxia antitetânica administrada e a antibioticoterapia iniciada sempre que indicado. Todas as pessoas ainda não vacinadas (mas não aquelas previamente imunizadas) devem receber imunização passiva com imunoglobulina anti-rábica (RIG ou IGAR). Caso essa imunoglobulina não esteja disponível de imediato, deve ser administrada não mais que 7 dias após a primeira dose da vacina. Após o sétimo dia, anticorpos endógenos vão sendo produzidos e a imunização passiva pode na verdade ser contraproducente. Se for viável em termos anatômicos, a dose inteira de RIG (20 UI/kg) deve ser infiltrada no local da mordida; do contrário, qualquer RIG restante após a infiltração do local da mordida deve ser administrada por via intramuscular em um local distante. No caso de feridas múltiplas ou grandes, pode ser necessário diluir a preparação de RIG para obter um volume suficiente para infiltração adequada de todas as feridas. Se a exposição envolver uma mucosa, a dose inteira deve ser administrada por via intramuscular. A vacina anti-rábica e a RIG nunca devem ser administradas no mesmo local nem com a mesma seringa. A RIG à venda no comércio nos EUA é purificada a partir do soro de doadores humanos hiperimunes. Tais preparados da RIG são muito mais bem tolerados que a preparação derivada de equinos ainda usada em alguns países (ver “Considerações globais”, adiante). Efeitos adversos sérios da RIG humana são incomuns, mas podem ocorrer dor no local da aplicação e febre baixa. Há duas vacinas antirrábicas inativadas purificadas para a PPE nos EUA. Elas são altamente imunogênicas e muito seguras, em comparação com as primeiras vacinas. Devem ser administradas quatro doses IM de 1 mL na área deltoide. (A parte anterolateral da coxa também é aceitável em crianças.) Injeções na região glútea, que nem sempre alcançam o músculo, não devem ser aplicadas e têm sido associadas a raras falhas da vacina. O ideal é administrar a primeira dose o mais cedo possível após a exposição, sem demora. As outras três doses devem ser dadas no terceiro, no sétimo e no 14o dias; não se recomenda mais a administração de uma quinta dose no 28o dia. Gravidez não é contraindicação para a imunização. Glicocorticoides e outros medicamentos imunossupressores podem interferir no desenvolvimento de imunidade ativa e não devem ser administrados durante a PPE, a menos que sejam indispensáveis. A estimativa rotineira dos títulos séricos de anticorpos neutralizantes não é necessária, mas em pessoas imunocomprometidas eles devem ser medidos 2 a 4 semanas após a imunização. Reações locais (dor, eritema, edema e prurido) e sistêmicas leves (febre, mialgias, cefaleia e náuseas) são comuns, podendo-se usar anti-inflamatórios e antipiréticos para combatê-las, mas sem interromper a imunização. Reações alérgicas sistêmicas são incomuns, porém raramente ocorre anafilaxia, que pode ser tratada com epinefrina a anti-histamínicos. O risco de raiva deve ser considerado com cautela antes da decisão de interromper a vacinação por causa de uma reação adversa. Vacinação pré-exposição contra a raiva Deve-se considerar a profilaxia antirrábica pré-exposição para pessoas sob risco ocupacional ou recreativo de exposição à raiva, inclusive certos viajantes para áreas onde a doença é endêmica. O esquema primário consiste em 3 doses de vacina antirrábica nos dias 0, 7 e 21 ou 28. Testes para anticorpos séricos neutralizantes ajudam a determinar a necessidade de doses de reforço subsequentes. Quando um indivíduo previamente imunizado é exposto à raiva, devem ser administradas 2 doses de reforço da vacina nos dias 0 e 3. Os cuidados com a ferida continuam fundamentais. Conforme assinalado anteriormente, a RIG não deve ser administrada a pessoas já vacinadas. 24 CONSIDERAÇÕES GLOBAIS Em todo o mundo, estima-se que a raiva canina endêmica cause 55.000 mortes humanas anuais, a maioria na Ásia e na África, com as populações rurais e crianças sendo acometidas com maior frequência. A maior parte da PPE antirrábica é necessária para pessoas com os menores recursos. Na América Latina, os esforços para manter a doença sob controle têm tido bastante êxito nos últimos anos. No Canadá e na Europa, uma epizootia de raiva em raposas foi bem controlada pelo uso de iscas contendo a vacina contra a raiva. Uma abordagem semelhante é usada no Canadá para controlar a raiva do guaxinim. Além das vacinas antirrábicas supracitadas, em muitos países que não os EUA existem outras satisfatórias, cultivadas em linhagens celulares primárias (em rim de hamster ou de cães) ou contínuas (células Vero). Vacinas menos onerosas derivadas de tecidos neurais têm sido usadas em países em desenvolvimento; todavia, essas vacinas estão associadas a complicações neuroparalíticas graves, incluindo encefalomielite pós-infecciosa e síndrome de Guillain-Barré. O uso dessas vacinas deve ser interrompido tão logo seja possível, e foram feitos progressos nesse aspecto. Em todo o mundo, mais de 10 milhões de indivíduos recebem vacinação pós-exposição contra a raiva a cada ano. Caso não se disponha da RIG humana, pode-se usar a RIG purificada de origem equina da mesma forma, na dose de 40 UI/kg. Antes de sua administração, deve-se testar a hipersensibilidade por teste intradérmico diluído 1:10. A incidência de reações anafiláticas e doença do soro tem sido baixa com os derivados equinos recentes da RIG. 25 DOENÇA DE ALZHEIMER Aproximadamente 10% das pessoas com mais de 70 anos apresentam perda significativa de memória e, em mais de 50%, a causa é a DA. Estima-se que o custo total da assistência a um único paciente com DA em estágio avançado da doença seja superior a 50.000 dólares por ano. A doença também impõe um pesado fardo emocional aos familiares e cuidadores. A DA pode ocorrer em qualquer década da idade adulta, porém é a causa mais comum da demência no idoso. Apresenta-se mais frequentemente com início insidioso de perda de memória, seguida de demência lentamente progressiva ao longo de vários anos. Ao exame patológico, atrofia é distribuída em todos os lobos temporais mediais, bem como lobos parietal lateral e medial e córtex frontal lateral. Microscopicamente, observam-se placas neuríticas contendo amiloide Aβ, emaranhados neurofibrilares (ENF) composto de filamentos tau hiperfosforilados e acúmulo de amiloide nas paredes dos vasos sanguíneos no córtex e leptomeninges (ver Patogenia, adiante). A identificação de quatro diferentes genes de suscetibilidade forneceu os fundamentos para um rápido progresso na compreensão da base biológica do distúrbio. Base molecular da doença de Alzheimer. Fonte: http://cl.ly/RCnV/DA.tiff MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As alterações cognitivas da DA tendem a seguir um padrão típico, começando com deficiência de memória e expandindo-se para déficits visuoespaciais e da linguagem. Contudo, aproximadamente 20% dos pacientes com DA apresentam-se com queixas não relacionadas com a memória, como dificuldade na escolha de palavras, organização ou navegação. Nos estágios iniciais da doença, a perda de memória pode não ser percebida ou ser atribuída a esquecimento benigno. Quando a perda de memória torna-se perceptível para o paciente e cônjuge e cai 1,5 desvio-padrão abaixo do normal em testes de memória padronizados, aplica- se o termo DCS. Essa ideia fornece informações prognósticas úteis, porque aproximadamente 50% dos pacientes com DCS (quase 12% ao ano) evoluem para DA em 5 anos. Lentamente, os problemas cognitivos começam a interferir nas atividades diárias, como manter as finanças sob controle, seguir instruções no emprego, conduzir veículos, fazer compras e manter o lar. Alguns pacientes não têm consciência dessas dificuldades (anosognosia), enquanto outros permanecem agudamente ajustados aos seus déficits. Alterações no ambiente (como férias ou internações) podem desorientar o paciente, o qualpode perder-se ao caminhar ou dirigir. Nos estágios intermediários da DA, o paciente é incapaz de trabalhar bem como se perde e se confunde com facilidade, exigindo supervisão diária. As boas-maneiras, o comportamento rotineiro e a conversação superficial podem se mostrar surpreendentemente preservados. A linguagem torna-se comprometida – primeiro a denominação, depois a compreensão e por fim a fluência. Em alguns pacientes, a afasia é um aspecto precoce e proeminente. A dificuldade de encontrar palavras e circunlocução podem ser um problema, mesmo quando exames formais demonstram denominação e fluência intactas. A apraxia surge, e os pacientes têm problemas na execução de tarefas motoras sequenciais. Os déficits visuoespaciais começam a interferir nos hábitos de vestir-se, comer ou mesmo andar e os pacientes não conseguem resolver adivinhações simples e copiar figuras geométricas. Realizar cálculos simples ou dizer que horas são torna-se difícil em paralelo. 26 Nos estágios avançados da doença, algumas pessoas mantêm-se ambulatoriais, mas vagam a esmo. A perda do discernimento e do raciocínio cognitivo é inevitável. Delírios são comuns, em geral simples, com temas comuns de furto, infidelidade ou identificação equivocada. Cerca de 10% dos pacientes com DA manifestam a síndrome de Capgras, acreditando que um cuidador foi substituído por um impostor. Ao contrário da DCL, na qual a síndrome de Capgras é manifestação precoce, na DA esta síndrome surge tardiamente. Perda das inibições e agressão podem ocorrer e alternar-se com passividade e retraimento. Os padrões de sono-vigília são alterados, e o hábito de vagar durante a noite perturba o domicílio. Alguns pacientes apresentam marcha arrastada, com rigidez muscular generalizada associada à lentidão e inadequação dos movimentos. Os pacientes com frequência parecem parkinsonianos, mas raramente têm tremor em repouso, de alta amplitude e rítmico. Na DA avançada, os pacientes se tornam rígidos, mudos, incontinentes e confinados ao leito. É necessária ajuda para alimentar-se, vestir-se e cuidar da higiene. Podem ocorrer reflexos tendíneos hiperativos e espasmos mioclônicos (contrações bruscas breves de vários músculos ou de todo o corpo) podem ocorrer espontaneamente ou em resposta a estímulos físicos ou auditivos. Também podem ocorrer crises epilépticas generalizadas. Com frequência, a morte decorre de desnutrição, infecções secundárias, embolia pulmonar, cardiopatia ou, mais comumente, aspiração. A duração típica da DA é de 8 a 10 anos, mas a evolução varia de 1 a 25 anos. Por motivos desconhecidos, alguns pacientes com DA evidenciam um declínio constante da função, enquanto outros têm platôs prolongados sem deterioração importante. Doença de Alzheimer. Imagens axiais de RM ponderadas em T1 através do mesencéfalo de atleta normal de 86 anos (A); e homem de 77 anos com DA (B). Observe que os dois indivíduos têm alargamento brando dos sulcos e discreta dilatação dos cornos temporais dos ventrículos temporais. Porém, há redução do volume do hipocampo no paciente com DA (setas) em comparação com o volume do hipocampo normal para a idade (A). Imagens de PET com fluorodesoxiglicose de controle normal (C) e paciente com DA (D). Observe que o paciente com DA exibe redução do metabolismo de glicose nas regiões temporoparietais posteriores bilateralmente (setas), achado típico nesta afecção. DA, doença de Alzheimer; PET, tomografia por emissão de pósitrons. Fonte: http://cl.ly/RDCW/DA_Mesencefalo.tiff 27 EPIDEMIOLOGIA Os fatores de risco mais importantes para a DA são a idade avançada e história familiar positiva. A frequência de DA aumenta a cada década da idade adulta, atingindo 20 a 40% da população com mais de 85 anos. História familiar positiva de demência sugere uma causa genética de DA, embora ocorra herança autossômica dominante em apenas 2% dos pacientes com DA. O sexo feminino também pode ser um fator de risco independente da maior longevidade das mulheres. Alguns pacientes com DA têm história prévia de traumatismo craniano com concussão. A DA é mais comum nos grupos com nível educacional inferior, porém a educação influencia a capacidade de ser submetido a testes e, obviamente, a DA acomete pessoas de todos os níveis intelectuais. Um estudo observou que a capacidade de expressar linguagem escrita complexa no início da idade adulta correlacionou-se com a redução do risco de DA. Vários fatores ambientais, como o alumínio, mercúrio e vírus, foram propostos como causas de DA, mas nenhum comprovou ter um papel significativo na doença. De modo semelhante, vários estudos sugeriram que o uso de anti-inflamatórios não esteroides está associado a redução do risco de DA, mas isso não foi confirmado em estudos prospectivos de grande porte. As doenças vasculares e em particular o acidente vascular encefálico parecem reduzir o limiar da expressão clínica da DA. Além disso, em muitos pacientes com DA, a angiopatia amiloide pode produzir micro-hemorragias, hemorragias lobares grandes ou infartos isquêmicos. O diabetes triplica o risco de DA. Níveis de homocisteína e colesterol elevados; hipertensão; níveis séricos de ácido fólico reduzidos; baixa ingestão alimentar de frutas, vegetais e vinho tinto; e pouca prática de exercício estão sendo explorados como fatores de risco em potencial para a DA. PATOLOGIA À necropsia, a degeneração mais precoce e mais grave geralmente é observada no lobo temporal medial (córtex entorrinal/perirrinal e hipocampo), córtex temporal lateral e núcleo basal de Meynert. Os achados microscópicos mais típicos são placas neuríticas e ENF. Essas lesões acumulam-se em pequenos números durante o envelhecimento normal do cérebro, mas dominam o quadro na DA. Há crescentes evidências que sugerem que as espécies amiloides solúveis, denominadas oligômeros, podem causar disfunção celular e representam a molécula toxica inicial na DA. Subsequentemente, mais polimerização amiloide e formação de fibrila produzem placas neuríticas (Figura 2), as quais contêm um cerne amiloide central, proteoglicanas, Apo ε4, α-antiquimotripsina e outras proteínas. Aβ é uma proteína de 39 a 42 aminoácidos derivada proteoliticamente de uma proteína transmembrana maior, a proteína precursora de amiloide (APP), quando a APP é clivada pelas secretases β e γ. A função normal do amiloide Aβ é desconhecida. A APP tem propriedades neurotróficas e neuroprotetoras. O cerne da placa é circundado por um halo, que contém neurites distróficas, tau-imunorreativas e micróglia ativada. O acúmulo de Aβ nas arteríolas cerebrais denomina-se angiopatia amiloide. Os ENF são compostos de fibrilas citoplasmáticas neuroniais que se coram pela prata compostas de proteína tau (τ) anormalmente fosforilada; elas surgem como pares de filamentos helicoidais à microscopia eletrônica. Tau liga-se a e estabiliza microtúbulos, sustentando o transporte axonal de organelas, glicoproteínas, neurotransmissores e outras substâncias importantes por todo o neurônio. Após ser hiperfosforilada, tau não pode mais ligar-se adequadamente aos microtúbulos e suas funções são prejudicadas. Por fim, os pacientes com DA frequentemente apresentam DCL comórbida e patologia vascular. 28 Figura 2 Placa neurítica madura com cerne de amiloide central denso circundado por neuritos distróficos (coloração com tioflavina S). Fonte: http://cl.ly/RD39/Placa_Neuritica_Com_Amiloide.tiff Bioquimicamente, a DA também está associada à redução dos níveis corticais de diversas proteínas e neurotransmissores, em especial a acetilcolina, sua enzima sintética colina acetiltransferase e receptores colinérgicos nicotínicos. A redução da acetilcolina pode estar relacionada, em parte, com a degeneração de neurônios colinérgicos no núcleo basal de Meynert, que se projetam por todo o córtex. Há ainda depleção noradrenérgica e serotonérgica decorrente da degeneração do núcleo do tronco encefálico, como
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