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Camila Gonçalves Ciências Sociais FFLCH USP __________________________________________________________________ MARX, Karl. “A jornada de trabalho”. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 345415. RESUMO 1. Os limites da jornada de trabalho Pressuposto: a força de trabalho, como qualquer outra mercadoria, tem seu valor determinado pelo “tempo necessário à sua produção” (p. 345), ou seja, a subsistência do indivíduo em questão. Acontece que a grandeza da jornada de trabalho não é dada só por isso. Há ainda o maistrabalho o tempo que o trabalhador faz seu serviço para além do que é necessário se sustentar , sendo que a proporção tempo de maistrabalho/tempo de trabalho necessário resulta na taxa percentual de maisvalia. Apesar do tempo de trabalho necessário para o pagamento da subsistência ser fixo, a jornada de trabalho é uma grandeza variável por conta do maistrabalho, que também é variável. Entretanto, a jornada de trabalho varia de acordo com certos limites. Seu limite mínimo é indeterminável. Afinal de contas, num cenário em que o maistrabalho equivale a zero, resta apenas o trabalho necessário mas acontece que no contexto capitalista essa situação não é possível: não há jornada de trabalho sem maistrabalho. Já o limite máximo é determinado pela força física do indíviduo ou seja, quanto tempo ele consegue trabalhar sem repor seu esforço e por preceitos morais sobre quanto tempo um indivíduo pode trabalhar sem interrupção. Tudo isso é muito variável. Tecnicamente, o capitalista compra uma jornada de trabalho num período de um dia, 24h. Mas quantas horas de um dia correspondem a uma jornada de trabalho? Isso depende do próprio capitalista. E o capitalista, no final das contas, é um comprador que tenta usufruir o máximo do valor de uso da mercadoria que ele adquiriu. Porém, a força de trabalho não é uma mercadoria qualquer: ela “cria valor e valor maior do que ela mesma custa” (p. 348). Em outras palavras, o maistrabalho do indivíduo se converte em valorização do capital de quem o contratou. Por outro lado, o trabalhador precisa repor suas forças para que possa continuar vendendoas essa é sua única mercadoria. Ele leva três dias para se recuperar de um dia de trabalho, mas o contratante paga o equivalente à subsistência de apenas um dia os outros dois são espoliados. Olhando sob o contexto do intercâmbio de mercadorias, vêse que o capitalista não paga, por essa mercadoria, seu verdadeiro valor. De fato, ele procura estender o maistrabalho o máximo possível, já que busca usufruir do valor de uso de sua mercadoria. Entretanto, isso entra em conflito com a natureza da mercadoria em questão, que possui um limite de utilização. 2. A avidez por maistrabalho. Fabricante e boiardo O maistrabalho não foi originado no capitalismo, ele está presente em todo lugar em que uma parte da sociedade domina os meios de produção e o trabalhador, portanto, também trabalha para a subsistência do proprietário desses meios. Isso foi visto em sociedades de épocas e costumes diversos. Mas em sociedades que o valor de uso tem/tinha mais importância que o de troca, o maistrabalho era menor; e viceversa. Em seguida, Marx mostra, de maneira geral, como isso aconteceu na Antiguidade e no Feudalismo. Compara, então, esses exemplos com as fábricas capitalistas modernas. As fábricas mostramse muito mais sedentas por maistrabalho. Os capitalistas burlam as regras, já não muito restritivas, do tempo referente à jornada de trabalho: fazem “pequenas furtadelas de minutos” (p. 356) dos intervalos para as refeições, e de dez minutos a dez minutos conseguem usufruir de semanas a mais de sobretrabalho ao final do ano. Pensarseia que momentos de crise refreariam essa ambição. Pelo contrário: em momentos de crise, os capitalistas se mostram muito mais desesperados para saírem a frente de seus concorrentes, sentem que qualquer perda minúscula de tempo é estrondosa, por conseguinte pressionam seus funcionários através do prolongamento da jornada de trabalho ainda mais. 3. Ramos da indústria inglesa sem limite legal da exploração Essa prolongação da jornada do trabalho certamente não traz benefícios aos operários. Para demonstrar isso, Marx faz uso de depoimentos de médicos e trabalhadores. A saúde dos funcionários das fábricas é drasticamente mais frágil do que o normal. Eles são mais propensos a desenvolverem doenças comuns a todos, e, além disso, sofrem de males causados especificamente pelo ambiente insalubre das fábricas. As crianças são especialmente lesadas por isso. Seu crescimento é prejudicado, sendo seu corpo deformado pelo trabalho contínuo. Já os capitalistas relataram não encontrar problema nenhum nisso. Há os que nem dão intervalo para as refeições, sendo assim os funcionários precisam ingerir as escassas refeições durante a exerção de sua atividade, no ambiente sem higiene nenhuma que é a fábrica. Por outro lado, essas péssimas condições de trabalho acarretavam consequências nos produtos. Por exemplo, a panificação contava com a falta de higiene do local de trabalho refletida nos próprios pães. Suor e insetos eram encontrados nos produtos. Isso provocou a implementação de órgãos de vigilância sanitária e restrições quanto ao tempo da jornada de trabalho. Ademais, Marx toma como exemplo agrícolas, uma modista e um ferreiro para mostrar como o excesso trabalho desgasta e mata o ser humano. 4. Trabalho diurno e noturno. O sistema de revezamento O desejo do capitalista é obter o máximo possível de maisvalia através do maistrabalho exercido nos meios de produção. Quando os meios de produção estão ociosos, o capitalista não lucra. Se pudesse “sugar as mesmas forças de trabalho continuamente dia e noite” (p. 371), o capitalista o faria. Como limitações física e morais não o permitem, ele recorre ao revezamento de operários para manter sua fábrica produzindo dia e noite. O fato é que frequentemente a alternância de turnos não foi respeitada. Crianças de 9 anos precisavam trabalhar 3 turnos de 12h seguidos para substituir outra criança havia faltado provavelmente por estar desgastada demais para trabalhar. Além disso, trabalhar exclusivamente no período noturno acarretava emproblemas de saúde por conta da falta de luz solar principalmente para as crianças, ainda em fase de crescimento. Mas não é do interesse dos capitalistas limitar o trabalho noturno a adultos, ou ainda extinguir o trabalho noturno. Se é preciso pagar mais adultos, cujo salarário é maior, ou se os meios de produção estão parados, os capitalistas não lucram. 5. A luta pela jornada normal de trabalho. Leis compulsórias para o prolongamento da jornada de trabalho, da metade do século XIV ao fim do século XVII O capitalista prolonga a jornada de trabalho sem se interessar pelos problemas de saúde que isso acarreta. Ele se importa em dar intervalo suficiente simplesmente para que o trabalhador tenha força física suficiente para produzir no outro dia, não lhe convém ter zelo sobre os momentos de lazer ou coisas afins do trabalhador. Ou seja, para o capitalista não é relevante que a jornada de trabalho seja de tempo normal, sendo o descanso aproveitado pelo operário suficiente para que ele mantenha uma vida longa e saudável, consequentemente podendo trabalhar durante mais anos. A ele, só interessa que o operário trabalhe o máximo possível no presente, podendo falecer precocemente por conta do desgaste físico e dos malefícios à saúde que a fábrica provoca. Afinal de contas, o capitalista possui um mercado de trabalho a seu dispor que o permite substituir um trabalhador que faleceu por outro. O mercado de trabalho atingiu proporções comparáveis ao mercado de escravos: faziamse pedidos por trabalhadores em vilarejos distantes, que eram transportados por navios, caminhões ou até simplesmente a pé até onde eram requisitados. Em momentos de prosperidade, com enorme demanda de produtos, o exército ficava escasso e os capitalistas recorriam a orfanatos para contratarem crianças. Assim é possível ver como o capitalismo afetou a saúde de gerações, que a cada vez viviam menos. O capitalista não refreia sua ambição por lucro canalizada no prolongamento da jornada de trabalho a não que a sociedade o force a tal. Marx então faz um apanhado histórico acerca da legislação que envolve o tempo da jornada de trabalho. O autor mostra que a princípio (?) as leis buscavam prolongar a jornada de trabalho mas, ao longo do tempo, essa situação se inverteu. 6. A luta pela jornada normal de trabalho. Limitação por força de lei do tempo de trabalho. A legislação fabril inglesa de 1833/64 As leis de redução da jornada de trabalho não surgiram por pura bondade do Parlamento, mas por intensa luta operária. Mesmo assim, essas leis a princípio não eram respeitadas porque não eram ao menos fiscalizadas. O Parlamento estava submetido às vontades dos capitalistas. Porém, a pressão dos operários paulatinamente ficava maior. Por conseguinte, as leis começaram a efetivamente conceder a crianças e, posteriormente, mulheres, e, em seguidam homens; horários determinados para refeições e limites de carga horária de jornada de trabalho. Essas leis não foram implementadas sem resistência por parte dos capitalistas. Eles burlavamas sempre que possível e pressionavam o Parlamento para que elas não fossem sanciadas, negociando de tal modo que as leis não abrangiam todos os benefícios com os quais haviam sido planejadas de fato, aconteciam retrocessos. Os capitalistas manipulavam seus trabalhadores a declararem apoio a resoluções legais que os prejudicariam ao mesmo tempo que beneficiariam os capitalistas. Ademais, a fiscalização era extremamente prejudicada pelo fato de que, não raramente, os juízes responsáveis por julgar casos irregulares eram, justamente, os empregadores em questão. Isso era sinal de corrupção na composição do júri. 7. A luta pela jornada normal de trabalho. Repercussão da Legislação Fabril inglesa em outros países Marx faz duas observações sobre a “mera interconexão dos fatos históricos” (p. 410). Primeira: as dinâmicas das fábricas de ramos clássicos (tecelagem, por exemplo) se expandiram à manufaturas ou a qualquer local em que há trabalho. As leis trabalhistas seguiram, portanto, o mesmo fluxo. Segunda: a luta de classes é evidente em todo esse processo. O trabalhador não tem como resistir prontamente ao prolongamento da jornada de trabalho, sendo assim ele precisa provocar uma guerra civil contra a classe capitalista pela jornada normal de trabalho. Quanto à repercussão internacional de tal guerra civil na Inglaterra… Na França, seguiramse os passos legislativos da Inglaterra, porém tardiamente e com efetividade drasticamente inferior. Já nos Estados Unidos, a luta pela jornada normal estava fortemente atrelada à questão da escravidão. Lá, a situação em questão ficou conhecida como “escravidão capitalista”. Nesse contexto, o que estava em pauta era a verdadeira liberdade do trabalhador em vender seu trabalho por espontânea vontade, não por coerções diversas. Tudo isso relacionado com o espírito americano de liberdade e, assim, uma lei que realmente assegurasse isso. Ali, lutouse por uma jornada de trabalho de 8 horas. Tese: Há uma luta de classes em torno da jornada de trabalho. Capitalistas buscam maximizar o tempo de usufruto da mercadoria que é força de trabalho e sua consequente maisvalia, trabalhadores desejam vender sua mercadoria, a força de trabalho, a um preço justo ou seja, eles querem uma jornada normal de trabalho.
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