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O ajuste fiscal como fazê-lo

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Marco Flávio C. Resende
Professor de economia da UFMG, editor da Brazilian Keynesian Review e diretor da Associação Keynesiana Brasileira
Brasil Debates - 06/05/2015 20:00
Ajuste fiscal: como fazê-lo?
O Brasil precisa corrigir a rota porque a relação dívida pública/PIB está crescendo, o que mina a confiança do investidor. Porém, o melhor caminho para isso não é o corte de gastos públicos
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O ajuste fiscal é considerado crucial para a retomada do crescimento da economia brasileira. Os argumentos mais comuns pró-ajuste são: i) torna a dívida pública/PIB sustentável e reduz a desconfiança dos credores sobre a capacidade do governo em honrar a dívida, evitando a perda do grau de investimento do Brasil e o aumento do custo (juros) da dívida do governo e das empresas do País; ii) controla a demanda agregada e as expectativas de inflação e a própria inflação; iii) estimula o investimento privado após o controle dos preços, o aumento da poupança pública e o restabelecimento da confiança do mercado em relação às contas públicas – elevar o investimento é condição sine qua non para o crescimento.
Mas, a vida seria simples assim se houvesse uma espécie de contrato entre empresas e detentores de renda. Na visão da Escola de Chicago, onde estudou o ministro Levy, cada um recebe exatamente aquilo que produz. Se receber menos, gera-se sobrelucro para a firma que irá contratar trabalhadores até que o salário se iguale ao valor da produção – descontados demais custos e lucro.
Ainda, todos querem maximizar sua satisfação e por isso necessariamente compram bens de suas preferências. É como se houvesse um contrato entre quem detém renda e as empresas, garantindo as vendas destas últimas e o emprego. São as maravilhas do mercado: o emprego fica garantido e o salário é o justo. Inexiste luta de classes.
Na Escola inaugurada pelo economista inglês J. M. Keynes, o papel da política fiscal vai além de controlar a dívida pública e a inflação. A economia é permeada pela incerteza, levando as pessoas a buscarem liquidez quando temem o futuro. Mercado financeiro e empresas alocam diariamente sua riqueza em ativos que vão dos mais líquidos aos sem liquidez.
Quando o investimento é feito (compra de máquinas, expansão de fábricas etc.) a riqueza do investidor é alocada em ativos ilíquidos, e não há como voltar atrás, pois esses ativos não têm liquidez para serem vendidos sem perdas. Por isso, diante do menor receio quanto ao futuro, os agentes se protegem colocando sua riqueza na forma líquida, não investindo (compra de máquinas etc.) e causando deficiência de demanda efetiva e desemprego.
Na esteira da crise mundial, trilhões foram injetados nas economias de EUA e Europa, mas mesmo assim os agentes, incertos quanto ao futuro, preferiram ativos líquidos, não investiram e essas economias pararam.
A incerteza quanto ao futuro paralisaria os investidores não fosse: i) a opção de alocar riqueza em ativos líquidos sempre que desejado; ii) os contratos.
Há extensa teia de contratos interempresas e intersetores e contratos salariais – todos em unidades de moeda, ativo de liquidez máxima. Mas não há contratos entre empresas e consumidores e investidores. Consumidores e empresários compram bens e máquinas se quiserem, nada os obriga. Embora contratos com fornecedores, trabalhadores etc. mitiguem a incerteza, se o cenário piora, os agentes buscam liquidez ao invés de investirem em ativos com retorno incerto. Por isso, a moeda e o governo são tão importantes.
Cabe ao governo papel crucial de coordenar as expectativas de empresários e do setor financeiro, que precisam estar confiantes (otimistas) para arriscarem sua riqueza em investimento.
Governos arrecadam mais de 30% do PIB e têm aparato administrativo e operacional. Isto lhes confere poder de orientar as expectativas privadas segundo seus gastos, pois determinam onde gastar, em que gastar e a eficiência na gestão dos recursos.
Se o governo investe onde o investimento privado não é suficiente (infraestrutura, saúde, educação, tecnologia etc.), gera-se emprego, renda e consumidores, sinalizando que haverá um patamar mínimo de demanda e ganhos de produtividade pela redução de custos de produção e ganhos de escala, melhoria na saúde e educação etc. Isso estimula expectativas de lucro e o investimento.
Keynes propôs superávit fiscal em períodos de crescimento e déficit durante as recessões, com o orçamento público equilibrado intertemporalmente. Atualmente, no Brasil, a relação dívida pública/PIB está crescendo, o que pode minar a confiança do investidor, fazendo-se necessária uma correção de rota.
De outro lado, sobre a inflação, o ajuste fiscal por meio do corte de gastos públicos ajuda a controlá-la, mas o faz por meio do desemprego e recessão, inibindo o investimento privado. O ajuste fiscal visando a controlar a inflação e a dívida pública/PIB é mais profícuo se feito sobre aumento da receita ao invés de cortar investimento público, quando o país mostra uma renda concentrada.
Não se trata de cobrar mais imposto das empresas, mas, sim, daqueles que concentram renda e riqueza. Se o ajuste fiscal por este caminho não for suficiente para controlar a relação dívida pública/PIB, tal proposta deve ser implementada até o limite do possível.
No Brasil, 10% da população detêm 40% da renda nacional; 30% dos domicílios vivem com menos de 2 salários mínimos mensais (IBGE). Segundo dados do IRPF, em 2012 os 0,9% mais ricos detinham 68,5% do patrimônio declarado.
Aqui a estrutura tributária concentra-se no consumo e, não, na renda e riqueza; não há ou é baixo o imposto sobre grandes fortunas e heranças, e os mais ricos pagam 27,5% de IR, contra 40% nos EUA, 45% na Alemanha, 57% na Suécia. Deve-se tornar nossa estrutura tributária mais progressiva ao invés de cortar o investimento público e seu alto efeito multiplicador de renda e emprego.
Os mais ricos consomem parcela menor de sua renda do que os mais pobres. Logo, taxar aqueles e distribuir a renda para os pobres amplia o consumo e seus efeitos acelerador e multiplicador do PIB, reduz a concentração da renda e ainda eleva o superávit primário do governo.
Para a Escola de Chicago, cada um ganha exatamente o que produz. Será? Quando a decisão de preços, salários e lucros está com o capital, porque este é escasso em relação ao trabalho – o mercado não promove a distribuição da renda, mas, sim, sua injusta concentração – existe luta de classes. Se o leitor concorda que os 10% mais ricos no Brasil ganham muito mais do que são capazes de produzir, irá concordar que devem devolver aquilo que injustamente o mercado lhes permitiu legalmente retirar.
Crédito da foto da página inicial: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
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