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APOSTILA DE CONCEITOS BÁSICOS DE LINGUÍSTICA 
Prof. Tommaso Raso 
 
Langue e parole 
O fundador da linguística geral, o suíço Ferdinand de Saussure, propõe uma distinção 
entre langue, a língua como sistema abstrato, mental e social, e parole, a língua como 
conjunto de elementos concretos realizados pelos indivíduos. A langue lida com a 
competência mental do sistema linguístico que os falantes compartilham entre eles. É o 
fato que uma determinada comunidade compartilha a competência de um código (ou 
seja, de uma langue) que faz com que os indivíduos daquela comunidade se entendam. 
A langue é, portanto, um sistema estruturado e em equilíbrio, que sofre lentas 
mudanças, mas que antes de tudo fica estável. Se assim não fosse, não poderíamos nos 
entender. Por outro lado, as realizações concretas da língua, como a pronúncia de um 
som, de uma palavra ou de uma frase, pertencem à parole. Elas são manifestações 
concretas perceptíveis através dos sentidos (o ouvido percebe a fala e a vista percebe a 
escrita) e mensuráveis como realizações físicas. São os indivíduos enquanto pessoas 
concretas que realizam os atos de parole. Em uma interação oral ou escrita, os 
indivíduos são seres concretos que falam (ou escrevem) elementos concretos da língua. 
É importante manter distintos os níveis do sistema abstrato e estruturado (langue) e da 
realização concreta da língua como comunicação (parole), por muitas razões que 
veremos. 
 
A dupla articulação da linguagem 
Afirmar que a linguagem humana é articulada significa dizer que os enunciados não se 
manifestam como um todo indivisível. Ao contrário, eles podem ser desmembrados em 
partes menores, já que constituem o resultado da união de partes menores, que, por sua 
vez podem ser encontradas em outros enunciados. Vejamos um exemplo: 
 
Os violinistas tocavam música clássica 
 
Essa sentença pode ser dividida em unidades menores (nós não consideraremos 
todas as unidades possíveis). Consideremos primeiro as 5 palavras: 
 
Os / violinistas / tocavam / música / clássica 
 
O falante, para realizar uma sentença como essa, escolhe na sua memória entre 
os vocábulos armazenados aqueles apropriados para o efeito significativo desejado, 
articulando-os de acordo com as regras de formação de sentenças em sua língua. Cada 
vocábulo constitui um elemento autônomo que pode ser usado para compor outras 
sentenças. Por exemplo, a palavra violinistas pode ser usada em uma frase como 
aqueles violinistas trabalham na orquestra de Nova Iorque. 
 Continuando a análise, observemos que cada vocábulo resulta da combinação de 
mais unidades morfológicas, ou seja as menores unidades de significado da língua: 
Os se divide em o e –s, sendo que o primeiro elemento pode arecer como artigo 
em outra sentença (por exemplo, o violinista tocava música clássica) e o segundo como 
plural de nomes ou adjetivos ou pronomes de outras frase (minha-s; roupa-s; nova-s). 
Portanto em o/os, violinista/violinistas, música/músicas, clássica/clássica-s 
notamos 4 duplas de palavras que se diferenciam unicamente pelo significado 
singular/plural que é veiculado pela marca –s. O morfema lexical (ou radical) é o 
mesmo, enquanto o morfema de número muda. 
Essa análise pode ser mais refinada: 
 
Violin/ista Músic/a Clássic/a 
Violin/o Músic/o Clássic/o 
 
O quadro acima mostra que o radical de violinista e violino de um lado, de 
música e músico do outro e de clássica e clássico do outro ainda são os mesmos. No 
primeiro caso, violino e violinista se diferenciam somente por um sufixo que carrega o 
significado de a pessoa que usa o que o radical indica (nesse caso, o violino). No 
segundo caso, o sufixo distingue também (mesmo que de outra forma) o significado do 
radical e aquele de alguém que se ocupa da coisa indicada pelo radical. No terceiro 
caso, o elemento final distingue apenas o significado masculino e feminino. 
Isso pode ocorrer também com os verbos: 
 
Toc/a 
Toc/av/a 
Toc/ar/ei 
Etc. 
 
Todos esses “pedaços” de palavra carregam um ou mais significados que podem 
aparecer em palavras diferentes de frases diferentes. Esses pedaços (chamados de morfe 
na sua realização física e de morfemas na sua representação significativa) se definem 
como as unidades mínimas da língua que possuem significado. 
A divisão da língua em unidades mínimas portadoras de significado é chamada 
de primeira articulação da língua. Podemos, portanto, dizer que a língua, em primeiro 
lugar, se articula em unidades mínimas portadoras de significado. A sentença acima 
resulta divisível assim: 
 
O/s / violin/ista/s / toc/av/am / músic/a/ clássic/a/ 
 
Mas ainda podemos dividir a nossa sentença em unidades menores, chamadas 
fonemas. Essas unidades, de natureza cognitiva, governam a parte sonora, como em: 
 
/m/, /u/, /z/, /i/, /k/, /a/ 
/k/, /l/, /a/, /s/, /i/, /k/, /a/ 
 
Os fonemas, que constituem a segunda articulação da língua, são unidades de 
natureza diferente do morfema. Enquanto os morfemas fazem parte da estrutura 
morfológica da língua e possuem significado por si (mesmo se, em português, nem 
sempre podem estar separados de outros morfemas na formação da palavra), os fonemas 
constituem a estrutura fonológica da língua e não possuem significado. Eles se definem 
como as menores unidades da língua capazes de distinguir significado. 
Agora podemos entender porque a linguagem humana é articulada: porque se 
manifesta em sentenças resultantes da união de unidades menores. E podemos entender 
porque a articulação da linguagem é dupla. Existem dois tipos diferentes de unidades 
mínimas: os morfemas e os fonemas. 
Os primeiros são elementos significativos. São os elementos da primeira 
articulação: 
 
in / feliz / mente 
Ǿ / feliz / mente 
feliz / Ǿ 
 
in / fiel 
felic / idade 
clara / mente 
 
Cada elemento possui um significado que pode ser utilizado em outras palavras. 
Quanto aos fonemas, eles são definidos como a menor unidade capaz de 
distinguir significados. Pra entender essa definição, pensemos em duplas de palavras 
que se distinguem por um único fonema (essas duplas são chamadas de “par mínimo”). 
Alguns exemplos: 
 
gala e mala se diferenciam apenas porque muda o primeiro fonema 
gala e gula se diferenciam apenas porque muda o segundo fonema 
gala e gata se diferenciam apenas porque muda o terceiro fonema 
gala e galo se diferenciam apenas porque muda o último fonema 
 
Cada fonema pode, portanto, distinguir o significado das palavras, mas o fonema 
em si não possui significado. 
Esse tipo de organização em um sistema de dupla articulação é próprio de todas 
as línguas naturais do mundo. Sua razão de ser está em sua economia: graças a essa 
característica as línguas humanas podem transmitir o máximo de informação com o 
mínimo esforço. A economia fica clara se pensamos no esforço de memória devido a 
casos como homem/mulher, boi/vaca, amar/odiar, ouvinte/surdo comparados com 
feliz/infeliz, animar/desanimar, cantor/cantora. Na primeira série, muda-se a palavra 
inteira; na segunda, a parte lexical permanece a mesma e um prefixo ou um sufixo 
mudam o significado para seu oposto ou para o outro gênero. Imaginem se tivéssemos 
que usar um vocábulo completamente diferente para o singular e o plural de cada 
palavra, ou se tivéssemos que usar um vocábulo diferente para cada pessoa verbal ou 
para cada tempo e modo. Seria um esforço de memória muito maior. 
 
Abstrato e concreto 
Imaginem que a gente tenha uma máquina para medir os sons (isso realmente existe e 
veremos um pouco como funciona mais pra frente). Graças a ela, nós poderíamos medir 
a altura, a intensidade, a duração de qualquer som da mesma palavra. Imaginemos agora 
que uma pessoa diga a mesma palavra (por exemplo, fado) 10 vezes e meça os sons de 
cada uma das 10 realizações da palavra. O resultado serão 10 realizações diferentes, o 
seja, cada [f] será diferente daquele das outras 9 realizações,assim como cada [a], cada 
[d] e cada [o]. 
Mas isso não significa que nós lidamos com a língua como se tivessem 10 (ou 
mais) tipos de /f/ ou de /a/ ou de /d/ ou de /o/. Significa apenas que precisamos 
distinguir um nível abstrato do som (o fonema) e um nível concreto (o fone). De um 
ponto de vista abstrato, ou seja, de um ponto de vista do código língua, o que importa é 
que existe em português uma oposição entre, por exemplo, /l/ e /f/ que me permita 
distinguir entre as palavras /lado/ e /fado/; ou uma oposição entre /d/ e /t/ que me 
permita distinguir entre /fato/ e /fado/. Essa distinção (ou seja, essa oposição) é 
pertinente do ponto de vista do código português. Possui o que se chama de "valor 
fonológico". As diferentes realizações concretas e mensuráveis, ainda que perceptíveis, 
não possuem a capacidade de distinguir significado e possuem apenas valor fonético. As 
diferentes realizações do mesmo fonema são chamadas de alofones. Os alofones são 
fisicamente distintos, mas não geram mudança no nível de sentido se substituímos um 
pelo outro. 
A realização concreta é sempre fonética, mas ela é interpretada no nível 
fonológico, ou seja, enquanto pertinente para distinguir os significados. 
É isso que me permite de associar a uma sequência concreta de sons os fonemas 
que compõem palavras significativas. O significado de "destino" associado à palavra 
/fado/ permanece nas mais diversas realizações concretas dos fonemas /f/, /a/, /d/, /o/. 
Podemos então dizer que um fonema (entidade abstrata e cognitiva) pode ser 
realizado de infinitas maneiras concretas: 
 
 /a/ = [a1], [a2], [a3], [an] 
 
Isso é verdade também em outros níveis da linguagem. Por exemplo, no nível 
morfológico, podemos dizer que em português o significado {plural} é ser realizado 
como {s} em menino-s, como {es} em mar-es, como {is} em caraco-is, etc. Nesse caso, 
{s}, {es} e {is} são chamados de alomorfes. São formas diferentes que carregam o 
mesmo morfema, ou seja, o mesmo significado. 
É importantíssimo distinguir entre o nível concreto e abstrato. Quanto à estrutura 
sonora do sistema, o nível concreto é realizado através do som (audível e mensurável), 
que não é necessariamente ligado a um elemento linguístico. O nível abstrato é mental, 
mas é o que permite codificar ou decodificar o elemento concreto e perceptível dentro 
de um código. A sequência de sons [»sEdia] é decodificável com o mesmo significado 
que permite decodificar em português a sequência [ka»deIªR´]. [»sEdia] é decodificável 
como “o objeto que usamos para nos assentar” por quem possui o código abstrato 
italiano, da mesma maneira que [ka»deIªR´] é decodificável como o mesmo objeto por 
quem possui o código abstrato do português. 
Se não considerássemos esses dois níveis não se explicariam os diversos códigos 
para designar os mesmos significados. Nem se explicaria a diferença entre a mesma 
categoria abstrata (o fonema ou o morfema) e suas variadas realizações na mesma 
língua. 
O que precisamos sempre considerar é que, para que uma mensagem (um 
significado ou conjunto de significados) passe da nossa mente para a mente do 
interlocutor, não é suficiente pensá-lo. Nós humanos não podemos simplesmente pensar 
o que queremos comunicar e a quem queremos comunicá-lo para conseguir essa 
comunicação. Precisamos inevitavelmente que o significado (que é abstrato e mental) 
seja ligado a algo que possa realmente viajar do falante para o interlocutor; algo, 
portanto, que seja perceptível através dos sentidos. Por isso, o significado linguístico 
deve ser associado a algo que o “carregue” até seu destinatário. O elemento perceptível 
da linguagem é em primeiro lugar sonoro. Um conjunto de sons está ligado ao 
significado que queremos transmitir. Por exemplo, a sequência [»a˙vorI] está ligada ao 
signifcado que podemos desenhar como: 
 
 
 
Se trata portanto de uma sequência sonora que é mensurável, realizável através 
da voz e percebível através de nosso aparato fonador, mas que não é uma sequência 
sonora qualquer. Ela permite automaticamente ao ouvinte evocar o significado da 
entidade que desenhamos acima. Mas a ligação entre a sequência sonora (ou seja, a 
parte concreta, mensurável e transmissível) e o significado (que é abstrato e mental, mas 
que constitui o verdadeiro objetivo da transmissão) é puramente convencional. É a 
decisão de um grupo de indivíduos (que compõem uma comunidade linguística) que 
estabelece essa ligação. Cada comunidade estabelece uma ligação diferente entre o 
significado (mais ou menos o mesmo) e o elemento concreto que o realiza (que muda 
muito). 
 
Eixo sintagmático e eixo paradigmático 
Em um ato linguístico, os sons são dispostos em uma sequência linear: um depois do 
outro. Observe-se que, dessa maneira, os sons perdem a sua individualidade e se tornam 
uma "cadeia falada". Nós não falamos c-a-n-t-o mas canto. A nasalização de canto é 
diferente daquela de campo. A primeira é um som alveolar enquanto o segundo é um 
som labial. Isso porque os sons se influenciam um com o outro. Em canto, depois da 
vogal nasal, segue um som dental (os dentes ficam perto dos alvéolos); em campo 
depois da vogal vem um som labial. Essas relações são definidas sintagmáticas e são 
relações que ocorrem entre elementos que estão em relação de co-presença. 
Consideremos agora as palavras: 
 
esbórnia 
escola 
esmola 
espólio 
estória 
 
Nesses casos, entre os sons /es/ à esquerda e /ɔ/ à direita, ou seja no mesmo 
contexto, aparece um som sempre diferente: /b/ em esbórnia, /k/ em escola, /m/ em 
esmola, /p/ em espólio, /t/ em estória. Esses sons que podem comparecer em um mesmo 
contexto mantêm entre eles uma relação paradigmática, ou seja relações em que a 
presença de um implica a ausência dos outros. Se eu realizo um desses sons não posso 
realizar os outros. Todos os sons que aparecem em um mesmo contexto têm algo em 
comum (por exemplo, todos os sons em questão formam uma classe, que se chama 
oclusiva, e que tem propriedades similares). 
Mas tanto as relações sintagmáticas quanto as relações paradigmáticas não 
acontecem somente entre sons. Observem as expressões seguintes: 
 
minha amiga bonita 
meu amigo bonito 
meus amigos bonitos 
minhas amigas bonitas 
 
Nessas expressões há relações sintagmáticas entre o a de minha, o a de amiga e 
o a de bonita; entre o u de meu, o o de amigo e o o de bonito; entre o u e o s de meus, o 
o e o s de amigos e o o e o s de bonitos; etc. 
Observem-se os casos seguintes: 
 
o livro 
esse livro 
aquele livro 
 
Entre o, esse e aquele têm relações paradigmáticas, porque, realizando um deles, 
não é possível realizar o outro: 
 
*o esse livro 
*esse aquele livro 
 
Observemos as formas do imperfeito de amar: 
 
(eu) amava 
(tu) amavas 
(ele) amava 
(nós) amávamos 
(vos) amáveis 
(eles) amavam 
 
Essas formas têm uma parte em comum (amav-) e as desinências. Essas 
desinências têm relações paradigmáticas entre elas. 
 
O signo linguístico 
Uma palavra é um signo. Também uma sentença é um signo, ainda que mais complexo. 
O signo é a união de um significado e um significante. Se pronunciarmos a palavra 
livro, essa unidade é formada por um significante (que é a sequência de fonemas que 
guia a produção da sua forma sonora) e por um significado, que é a representação 
mental que temos de "livro". Note-se que o significado não é o objeto, a coisa "livro", 
mas o "conceito" de "livro". Significado e significante são unidos e não podem ser 
separados, como os dois lados de uma folha ou de uma moeda. Essas considerações 
valem mesmo para a representação gráfica de uma palavra: na forma escrita livro, essa 
unidade é igualmente formada por um significante (a sequência de fonemas à qual 
corresponde a sequência de grafemas da palavra) e o significado. 
O signo linguístico pode ser representado da seguinte maneira: 
significante /livro/
significado 
 
O signopossui várias propriedades. Entre elas: 
1. A distintividade. O signo pato se distingue do signo mato ou dos signos pito, 
paro e pata. 
2. A linearidade. O signo se estende no tempo (se for falado) ou no espaço (se 
for escrito). Isso implica uma sequência, um antes e um depois. Por exemplo, mala tem 
um significado diferente de alma, mesmo se os elementos são os mesmos: a sequência 
em que os elementos são dispostos é diferente. Assim, dizer Marcos ama Maria tem um 
significado diferente de dizer Maria ama Marcos. 
3. A arbitrariedade. O signo é arbitrário no sentido que não existe nenhum 
motivo "natural" que determine a associação do significado "livro" ao significante 
/livro/. Tanto é que em outras línguas o mesmo significado é veiculado por outros 
significantes (book, no inglês, kitab em árabe, etc.). As únicas possíveis exceções à 
arbitrariedade são as formas onomatopaicas. 
 
Fonética e fonologia 
Comecemos por uma explicação básica do primeiro nível descritivo da lingugem: o 
nível fonético-fonológico. Olhemos logo para a diferença entre a fonética e a fonologia. 
 A fonética é a disciplina que estuda os sons humanos assim como eles se 
manifestam concretamente, ou seja, como são concretamente executados pelo aparato 
fonatório humano ou recebidos pelo aparato acústico humano. Eles podem também ser 
medidos por equipamentos apropriados. Os sons de uma língua podem ser 
representados segundo o alfabeto fonético entre colchetes e o símbolo ’ indica que a 
sílaba seguinte possui acento. A transcrição fonética das palavras casa e vasa é [’kaz´] e 
[’vaz´]. 
 A fonologia é a disciplina que estuda como os sons são representados 
mentalmente e como eles se agrupam pela capacidade de atribuir distinções de 
significado às palavras. Para compreender isso, examinemos as palavras chocar e tocar, 
que são representadas foneticamente como [So’kah] e [to’kah]: o primeiro som de chocar 
(que na escrita é representado com dois símbolos gráficos, ch) é transcrito pelo símbolo 
[S] do alfabeto fonético. O primeiro som de tocar, por outro lado, é representado no 
alfabeto fonético por [t] e no alfabeto gráfico por t. Uma comparação entre a transcrição 
dessas palavras – [So’kah] e [to’kah], respectivamente – nos mostra que elas se 
distinguem unicamente por um som e possuem a mesma estrutura acentual. Por esse 
motivo, chocar e tocar constituem um par mínimo, ou seja, um conjunto de palavras 
com significados diferentes que se diferem por um único som. Note que a alternância 
entre esses sons é suficiente para distinguir o significado dessas palavra. O par mínimo 
formado por chocar e tocar mostra que os fones [S] e [t] têm representações mentais 
diferentes e, portanto, correspondem a fonemas distintos: o /S/ e o /t/. Note também que 
a representação fonológica de um som ou de uma palavra é feita entre barras oblíquas, 
como em /So’kah/ (chocar) e /to’kah / (tocar). 
 Observemos agora os sons [t] e [tS]. O primeiro é o som inicial de teto; o 
segundo o som inicial de tchau. Em português, com a exeção dessa palavra de origem 
estrangeira, o som [tS] não distingue significados. Uma prova disso é o fato de que a 
palavra tia é pronunciada como [‘tiª́ ] em algumas partes do Brasil e como [‘tSiª´] em 
outras partes, mas são sempre entendidas como variações da mesma palavra. De fato, 
apesar da evidente diferença de pronúncia entre elas, nenhum falante de português 
pensa que [‘tSiª´] e [‘tiª´] têm significados diferentes. Isso mostra que os sons [t] e [tS] 
possuem, em português, a mesma representação mental, apesar da diferença acústica 
entre eles. Ao contrário, a diferença entre [p] e [b] – que do ponto de vista acústico é 
bem menor que a diferença entre [t] e [tS] – é mentalmente uma diferença mais 
significativa. Assim, [‘pikU] e [‘bikU], [‘past´] e [‘bast´] são entendidas como palavras 
diferentes (e não como variações da mesma palavra) somente porque no lugar de um [p] 
há um [b]. 
 O objeto da fonética são os fones. Um fone é um som concreto. O objeto da 
fonologia é o fonema, ou seja, uma representação mental de um som que é capaz de 
distinguir significados. A fonologia estuda, por assim dizer, a dimensão cognitiva do 
som. De fato, apesar de todos os seres humanos terem as mesmas potencialidades 
fisiológicas para produzir e escutar sons, sabemos que um brasileiro, um italiano ou um 
chinês não conseguem com a mesma facilidade produzir todos os sons nem decodificá-
los quando os escutam. O que acontece é que tanto o aparato fonatório quanto o aparato 
acústico são comandados pela nossa cognição, e essa cognição é “moldada”, a partir do 
nosso nascimento, de diferentes maneiras, em diferentes lugares. A cognição de um 
brasileiro é moldada diferentemente daquela, por exemplo, de um chinês. Assim, a 
cognição brasileira é moldada para diferenciar claramente os sons [r] e [l], enquanto a 
cognição de um chinês não o é. A cognição de um italiano é moldada para diferenciar 
claramente as consoantes intensas (ou consoantes longas) das simples (ou consoantes 
curtas), e, com isso, diferenciar o significado da palavra /‘palla/ (bola) do significado de 
/‘pala/ (pá), enquanto um estrangeiro geralmente não consegue nem perceber 
acusticamente essa diferença, nem mesmo executá-la foneticamente. Portanto, ainda que 
o aparato fonatório e acústico de todos os seres humanos consiga a princípio produzir e 
receber os mesmos sons (sendo, portanto, uma capacidade da espécie), nem todos são de 
fato realizados e percebidos com a mesma facilidade. Os falantes de uma língua 
produzem com maior facilidade certos sons do que outros e percebem mais facilmente 
certas diferenças de sons do que outras. Um brasileiro, por exemplo, não tem 
dificuldade em perceber a diferença entre /‘pãu/ e /‘pau/ mas para um estrangeiro essas 
duas sequências podem parecer iguais, exatamente como para um brasileiro podem 
parecer iguais as sequências italianas /‘kasa/ (casa) e /‘kassa/ (caixa) ou as sequências 
inglesas /‘tin/ (lata) e /‘θin/ (magro, fino). 
 Também é importante notar que as diferentes línguas não possuem os mesmos 
fonemas. Em outras palavras, um som que é fonema em uma língua pode não ser 
fonema em outra língua. Assim, enquanto o português considera os sons [t] e [tS] (o som 
inicial nas duas pronúncias de tia) como duas realizações possíveis do mesmo fonema, 
o italiano considera esses dois sons como dois fonemas diferentes, e a partir deles 
diferencia os pares mínimos /‘tinZere/ (tingere, que em português significa ‘tingir’) e 
/‘tSinZere/ (cingere, que significa ‘cercar’). Enquanto em português ou em italiano a 
substituição do som [t] pelo som [θ] em uma palavra não muda o seu significado, em 
inglês essa substituição tem o poder de mudar o significado de várias palavras. 
 Ainda com relação à distinção entre fones e fonemas, vale ressaltar que os fones 
que o ser humano pode produzir são infinitos, ao passo que os fonemas de cada língua 
são limitados: por volta de 30 em boa parte das línguas. Os fonemas são decididos 
autonomamente em cada comunidade de falantes, ou seja, em cada língua. Enquanto o 
português diferencia como fonemas /ã/ e /a/, por exemplo, o italiano percebe os sons [a] 
e [ã] como diferentes realizações do mesmo fonema /a/. Ao contrário, enquanto o 
italiano percebe como diferentes fonemas /t/ e /tS/, o português não atribui aos sons [t] e 
[tS] o poder de diferenciar significados. Essa é uma das razões que torna difícil aprender 
uma língua estrangeira quando o cérebro de um falante está já moldado e portanto 
acostumado a agrupar cognitivamente os fones em fonemas. As distinções que são 
importantes na língua que queremos aprender e que não são importantes na língua que 
falamos são as distinções mais difíceis. Por esse mtoivo, é comum ouvir um brasileiro 
ou um italiano que pronunciam a palavra think do inglês como se fosse tink ou sink. Isso 
deve-se ao fato de que tanto o portuguêsquanto o italiano possuem os fonemas /t/ e /s/ 
mas não possuem o fonema /θ/ do inglês. 
 Mesmo dentro da mesma língua, um fonema pode ser realizado por mais de um 
fone, em função de fatores diversos. Entre os mais importantes, há o fator diatópico 
(geográfico) e o fator contextual (o contexto fonético criado pelo som imediatamente 
antes e imediatamente depois daquele que queremos pronunciar). É sabido que em, Belo 
Horizonte, a palavra tia é pronunciada como [‘tSiª´], ao passo que, em outros lugares do 
Brasil, pronuncia-se [‘tiª´]. Essa é uma diferença diatópica, ou seja, geográfica. Outro 
exemplo de variação diatópica é a pronuncia carioca do s em final de sílaba ou de 
palavra. No Rio de Janeiro, o s em posição final é realizado como [S], da mesma 
maneira que primeiro som da palavra chocar [So‘kah]. Quando dois fones são usados 
para realizar o mesmo fonema, são chamados alofones. O [S] final da pronúncia do Rio, 
assim como o [s] usado em Belo Horizonte, são alofones de /s/, assim como os fones [tS] 
e [t] são alofones de /t/. 
 Os exemplos anteriores mostram a variação em função do fator diatópico. 
Examinemos agora a variação em função do contexto fonético de ocorrência de um 
som. Em primeiro lugar, note-se que, o fonema /s/ é pronunciado como [S] no Rio 
somente em contextos fonéticos específicos: em final de palavra (asas, paz, etc) ou em 
posição final de sílaba seguido de consoante (amigos, casca, etc). Por outro lado, 
quando em início de palavra, o fonema /s/ é pronunciado sempre como [s] (são, sinal, 
etc). Assim, a variação entre [s] e [S] na pronúncia carioca trata-se de uma variação 
contextual. 
Também na pronúncia de Belo Horizonte podem-se notar variações em função 
do contexto fonético em que um som ocorre. O fonema /t/, por exemplo, é pronunciado 
como [tS] somente quando é seguido pelo fone [i] (tia, Sebastião, leite, etc). Por outro 
lado, quando se encontra diante das demais vogais, o mesmo fonema é realizado como 
[t] (tatu, tomar, até). A explicação para isso é a de que a vogal [i] é pronunciada com a 
língua muito próxima ao palato duro (o ‘céu da boca’) e na parte anterior da boca 
(próximo aos dentes). Assim, em palavras como tia, forte, arte e tirar, em que o fonema 
/t/ é imediatamente seguido por um [i], o /t/ assimila uma das características do som que 
o segue, sendo realizado pelo som [tʃ], que se pronuncia colocando a língua em contato 
com o palato. Esse processo chama-se assimilação. A palatalização do /t/ diante do fone 
[i] é um caso de assimilação regressiva, porque o som posterior gera um efeito no som 
anterior. Também há casos de assimilação progressiva, em que o som anterior influencia 
na realização do som posterior.

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