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Crônica: “Mudez Feminina” (Situada no século XIX) + Análise da Obra

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
LET 330 – LITERATURA BRASILEIRA III
Universidade federal de viçosa
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
LET 330 – LITERATURA BRASILEIRA III
Crônica: “Mudez Feminina”.
Docente: Joelma Siqueira 
Discente: Yasmin Lana, 78715
Mudez Feminina
Encontrava-me no bonde das 11hrs quando o vi tão loquaz. Suas vestes num tom de cáqui e seu cabelo incólume. Sem dúvidas era um dândi. Apesar de haver poucos assentos vazios, passou fugaz e pândego ao meu lado à procura de um lugar ao sol. Imediatamente senti meu rosto ruborizar como nunca dantes ao notar que, não muito longe, estava ele a fitar-me. Se mamãe estivesse ao meu lado, obviamente já teria me repreendido por olhar tanto para trás, mas não pude evitar. Durante a longa viagem mantive a sensação de arroubo, era como se houvesse uma balbúrdia interna incontrolável e perene. 
Quando eu era petiz, mamãe dizia para nunca nos dirigirmos a estranhos, mas senti uma vontade incontrolável de conhecê-lo melhor, afinal ele me parecia tão inócuo. Foi quando ouvi, num tom ardiloso, o jovem rapaz suscitar ao meu lado. O choque foi tremendo e senti-me corar no exato instante. Fitamo-nos por não muito mais que alguns segundos, por medo de alguém notar, e delicadamente reparei que ele deixara cair um papel. 
Reconditamente abaixei-me para pegar o papel inofensivo, e, ao me levantar, o belo rapaz havia sumido. Anotado no papel, com letras garrafais, havia um endereço, não muito longe dali. Quando dei por mim já havia descido do bonde, para ir ao seu encontro. 
Uma rua não muito movimentada seria motivo suficiente para me fazer recuar, mas minha pouca idade e meus modos de veneta não me deixaram notar o perigo que se aproximava. A alguns metros dali pude vê-lo entrar numa espécime de ruela, com passos apressados, como se pretendera esconder-se de alguém. Naquele momento hesitei, pois uma moça como eu não seria tão conseguível assim. Mas pude ouvir um ruído quase ininteligível, um silvo, uma doce voz que me chamava. De súbito me percebi indo ao seu encontro, sem mais pensar em nada.
A ruela estava deserta e, confesso, uma sensação estranha percorreu por todo o meu corpo, fazendo arrepiar os pelos da minha nuca. Havia nela um homizio, onde poderíamos conversar sem que ninguém nos visse ou julgasse por estarmos sozinhos. Quando aconteceu, não sei bem lhes informar quantos eram, ou quem eram aquelas pessoas, mas houve uma irrupção. Tudo aconteceu tão depressa que, felizmente, o tempo irá apagar aos poucos de minha memória aquele dia terrível.
Do que me lembro ou permito-me recordar, havia mais dois rapazes, um deles aparentava ter uns 24 anos ou mais, já o outro eu poderia jurar que não tinha menos de 30. O mais velho, que parecia ser o mais pérfido deles, chamou-me de meretriz e mais algumas palavras de baixo calão que recuso-me a repeti-las. Nunca desejei tanto o fenecimento como naquele momento. Aqueles seres ignóbeis e repugnantes riam como se estivessem se divertindo, e a curra se concretizara. O opróbrio era inevitável, e largada ali, meu pior pesadelo havia se tornado realidade. Calei-me e esperei tudo aquilo terminar.
Quando penso que tudo isso poderia ter sido evitado, é quase impossível não me sentir culpada, e mesmo de não o fosse — e nem ouso levantar tal disparate — quem me acreditaria? Por quem não seria eu alvo de repreensões por toda parte? Equivoquei-me ao pensar ser mais livre do que realmente sou. Hoje, mais do que qualquer outro dia, me senti muda, incapaz e estúpida. Nunca mais tive a audácia de tomar o bonde das 11hrs. 
Mudez Feminina
Encontrava-me no bonde das 11hrs quando o vi tão loquaz. Suas vestes num tom de cáqui e seu cabelo incólume. Sem dúvidas era um dândi. Apesar de haver poucos assentos vazios, passou fugaz e pândego ao meu lado à procura de um lugar ao sol. Imediatamente senti meu rosto ruborizar como nunca dantes ao notar que, não muito longe, estava ele a fitar-me. Se mamãe estivesse ao meu lado, obviamente já teria me repreendido por olhar tanto para trás, mas não pude evitar. Durante a longa viagem mantive a sensação de arroubo, era como se houvesse uma balbúrdia interna incontrolável e perene. 	Comment by Windows 7: LOQUAZ: Falador.	Comment by Windows 7: INCÓLUME: Intacto.	Comment by Windows 7: DÂNDI: Que procura se vestir com elegância.	Comment by Windows 7: FUGAZ: Passageiro, que passa rápido.	Comment by Windows 7: PÂNDEGO: Feliz, alegre.	Comment by Windows 7: ARROUBO: Entusiasmo, fervor, encanto.	Comment by Windows 7: BALBÚRDIA: Baderna, bagunça, confusão.	Comment by Windows 7: PERENE: Que dura muito.
Quando eu era petiz, mamãe dizia para nunca nos dirigirmos a estranhos, mas senti uma vontade incontrolável de conhecê-lo melhor, afinal ele me parecia tão inócuo. Foi quando ouvi, num tom ardiloso, o jovem rapaz suscitar ao meu lado. O choque foi tremendo e senti-me corar no exato instante. Fitamo-nos por não muito mais que alguns segundos, por medo de alguém notar, e delicadamente reparei que ele deixara cair um papel.	Comment by Windows 7: PETIZ: Criança, adolescente. 	Comment by Windows 7: INÓCUO: Inofensivo.	Comment by Windows 7: ARDILOSO: Manhoso, esperto.	Comment by Windows 7: SUSCITAR: Fazer surgir, encorajar, provocar.
Reconditamente abaixei-me para pegar o papel inofensivo, e, ao me levantar, o belo rapaz havia sumido. Anotado no papel, com letras garrafais, havia um endereço, não muito longe dali. Quando dei por mim já havia descido do bonde, para ir ao seu encontro. 	Comment by Windows 7: RECÔNDITO: Escondido, encoberto, secreto, oculto.
Uma rua não muito movimentada seria motivo suficiente para me fazer recuar, mas minha pouca idade e meus modos de veneta não me deixaram notar o perigo que se aproximava. A alguns metros dali pude vê-lo entrar numa espécime de ruela, com passos apressados, como se pretendera esconder-se de alguém. Naquele momento hesitei, pois uma moça como eu não seria tão conseguível assim. Mas pude ouvir um ruído quase ininteligível, um silvo, uma doce voz que me chamava. De súbito me percebi indo ao seu encontro, sem mais pensar em nada.	Comment by Windows 7: VENETA: Acesso de loucura.	Comment by Windows 7: INITELIGÍVEL: Indecifrável.	Comment by Windows 7: SILVO: Assovio.
A ruela estava deserta e, confesso, uma sensação estranha percorreu por todo o meu corpo, fazendo arrepiar os pelos da minha nuca. Havia nela um homizio, onde poderíamos conversar sem que ninguém nos visse ou julgasse por estarmos sozinhos. Quando aconteceu, não sei bem lhes informar quantos eram, ou quem eram aquelas pessoas, mas houve uma irrupção. Tudo aconteceu tão depressa que, felizmente, o tempo irá apagar aos poucos de minha memória aquele dia terrível.	Comment by Windows 7: HOMIZIO: Esconderijo.	Comment by Windows 7: IRRUPÇÃO: Entrada violenta.
Do que me lembro ou permito-me recordar, havia mais dois rapazes, um deles aparentava ter uns 24 anos ou mais, já o outro eu poderia jurar que não tinha menos de 30. O mais velho, que parecia ser o mais pérfido deles, chamou-me de meretriz e mais algumas palavras de baixo calão que recuso-me a repeti-las. Nunca desejei tanto o fenecimento como naquele momento. Aqueles seres ignóbeis e repugnantes riam como se estivessem se divertindo, e a curra se concretizara. O opróbrio era inevitável, e largada ali, meu pior pesadelo havia se tornado realidade. Calei-me e esperei tudo aquilo terminar.	Comment by Windows 7: PÉRFIDO: Cruel	Comment by Windows 7: MERETRIZ: Perdida, prostituta.	Comment by Windows 7: FENECIMENTO: Fim.	Comment by Windows 7: IGNÓBIL: Sem caráter, vergonhoso.	Comment by Windows 7: REPUGNANTE: Nojento, repulsivo. 	Comment by Windows 7: CURRA: Abuso sexual.	Comment by Windows 7: OPRÓBIO: Grande desonra pública, degradação social, humilhação, vexame.
Quando penso que tudo isso poderia sido evitado, é quase impossível não me sentir culpada, e mesmo que não o fosse — e nem ouso levantar tal disparate — quem me acreditaria?Por quem não seria eu alvo de repreensões por toda parte? Equivoquei-me ao pensar ser mais livre do que realmente sou. Hoje, mais do que qualquer outro dia, me senti muda, incapaz e estúpida. Nunca mais tive a audácia de tomar o bonde das 11hrs. 
Análise da obra:
A presente crônica possui um assunto muito pertinente ao se falar de século XIX: a mudez feminina. Hoje, encontramos mulheres ocupando espaços na política, na justiça, no esporte, no militarismo, enfim, espaços antes ocupados somente por homens e, vale ressaltar, muitas vezes com capacidade e eficiência ainda maior do que a masculina. É claro, que para garantir estes espaços, houve muitas lutas sociais que culminaram nas conquistas dos direitos e sabemos que muitas mulheres deram suas vidas para que a mulher atual pudesse desfrutar do espaço conquistado, mas nem sempre foi assim. 
No século XIX, a mulher tinha o papel de submissa, de obediente e serva, advinda da imagem da mesma como ser intelectualmente inferior aos homens. As que ousaram romper com este papel, enfrentaram os tabus para cessar preconceitos e lutar por sua liberdade pessoal. Podemos observar que desde o início a personagem está num conflito interno entre suas vontades e seus deveres, deixando sobressair o mais forte deles. As consequências de seus atos não foram muito agradáveis, por assim dizer — como podemos observar nos últimos parágrafos — sendo ela abusada por três homens. 
A crônica aborda a ausência de voz nas mulheres de antigamente, onde, ao sofrerem qualquer forma de abuso, se culpam por não terem sido submissas ou omissas a qualquer situação, e acabam se culpando também pelas atitudes impróprias de terceiros, ou seja, após ser abusada, ao invés de culpar os agressores, ela culpa a si mesma. Essa realidade poderia estar há séculos de distância, mas, infelizmente, ainda vemos situações parecidas no século XXI. Esse pensamento vai de uma mulher que deixou de usar uma roupa decotada porque poderia ser violentada, até uma esposa que aceita as agressões do marido calada ao invés de denunciá-lo. Há ainda a mulher que continua submissa ao homem, seja ele pai, irmão, esposo; ela não se indispõe, obedece, respeita e age vivendo em função do homem, ele é quem determina tudo, não importando quem é e, o que é a mulher. 
Hoje, reconquistando uma igualdade há muito devida — e se reencontrando enquanto mulher muito mais evoluída, decidida e batalhadora — é capaz de enfrentar a tudo e a todos pelos seus sonhos e ideais. Sem deixar de ser mãe, esposa, companheira, amante, filha, irmã, amiga, feminina, sedutora e misteriosa e muitas vezes, se necessário, provedora do sustento familiar, uma nova voz se levanta na sociedade.
Referências Bibliográficas:
A mulher no século XIX. Disponível em: < http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3511571 > Acesso em 15 de setembro de 2015.
As facetas da crônica no século XXI. Disponível em: < http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=320 > Acesso em 10 de setembro de 2015.
Dicionário de sinônimos. Disponível em: < http://www.sinonimos.com.br/ > Acesso em 11 de setembro de 2015.
Jornais do século XIX. Disponível em: < http://bndigital.bn.br/acervodigital > Acesso em 15 de setembro de 2015.
Os Jornais dos séculos XIX e XX. Disponível em: < http://tipografos.net/jornais/jornais-19-20.html > Acesso em 12 de setembro de 2015.

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