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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS THAIS CRISTINA BRAGA CARLOS MAGNO DE ALVARENGA LOPES BRUNA MAYNART FERNANDES RESUMO DO LIVRO “LITERATURA COMPARADA” TÂNIA FRANCO CARVALHAL BELO HORIZONTE Literatura Comparada Ao contrário do que o nome sugere, a Literatura Comparada não é apenas a comparação de duas ou mais obras. Essa definição agrupa diversos tipos de análise, generalizando o que é uma área muito ampla e que envolve temas variados. Definir o que é Literatura Comparada se torna ainda mais complicado com a leitura dos manuais. Cada um tem uma abordagem diferente sobre o assunto. Alguns são generalizadores, enquanto outros preferem não deixar essas questões de lado. Comparar é comum na natureza humana. Até crítico pode utilizar o recurso de comparar obras de um mesmo autor, por exemplo. Mas seu objetivo será diferente de um comparativista. Com isso pode-se concluir que a literatura comparada não é uma mera comparação. E com diversas interpretações e ideias diferentes sobre o assunto, conclui-se que, também, não existe um único método para se trabalhar com a Literatura Comparada. Por sinal, estudos recentes indicam que a análise antecede o método, ou seja, seu método de “comparação” será definido pelo seu método de estudo e suas conclusões. Então, para que serve a “comparação” na literatura comparada? O método comparativo literário é de grande importância para compreender melhor o objeto de estudos e alcançar o objetivo da pesquisa com mais facilidade. Mesmo que utilizado em obras da Idade Média, o termo “comparado” está vinculado a corrente de pensamento cosmopolita do século XIX. Ele surge ligado às obras científicas e filosóficas, mas rapidamente começa a ser utilizado nos estudos literários. O termo literatura como conjunto de obras foi aceito facilmente na França. Isso fez com que a expressão “literatura comparada” fosse amplamente utilizada no país. Nomes como os de Voltaire, Noél e Leplace estão ligados à utilização do termo “literatura comparada”, mas foram Abel-François Villemain, J.J. Ampère e Philarete Chasles os maiores responsáveis pela disseminação do termo. A França foi o berço das primeiras cátedras de literatura comparada. E a ruptura com os valores e estilos intocáveis fez com que o comparativismo se desenvolvesse rapidamente no país. Com isso, o crescimento da literatura comparada está fortemente ligado ao surgimento de novas ideias e abandono dos clássicos. A literatura comparada foi amplamente utilizada na Europa. Na Alemanha, Moriz Carrière e Max Koch foram os encarregados de espalhar a expressão “literatura comparada”. Na Inglaterra, foi Hutcheson Macaulay Posnctl. De Sanctis, na Itália. Teófilo Braga e Fidelino de Figueiredo foram os disseminadores em Portugal. Os Estados Unidos tiveram contado com os estudos comparados apenas no século seguinte. Frequentemente, o uso da literatura comparada está ligado ao uso da expressão “literatura geral” e essas costumam ser confundidas. Existem autores que afirmam que não existem diferenças entre literatura geral e a literatura comparada. Já outros definem a literatura geral como um campo amplo que contempla a literatura comparada. Existe ainda a ideia de que a literatura geral trata das literaturas mundiais, ou seja, características em comum entre as literaturas. No começo do século XX a literatura comparada começou a ser estudada nas grandes universidades europeias e norte-americanas. De início, os estudos comprados seguiam duas orientações básicas. A primeira era de que para comparação literária ser validada, precisaria existir um contato comprovado entre as obras, autores ou países estudados. A segunda é de que os estudos literários deveriam ter ligação com a perspectiva histórica. Com isso, a literatura comparada passou a ser vinculada a história literária. Foi René Wellek quem deu início a denominação “escola” quando ele sugeriu uma ruptura entre a “escola” francesa e a norte americana, mesmo que elas não fossem tão divergentes. Ambas seguiam uma orientação historicista e a única diferença entre as “escolas” acima seria o caráter mais clássico dos estudos literários franceses. As “escolas” norte-americanas são mais ecléticas e com noções mais teóricas. Já as “escolas” soviéticas adotam a compreensão da literatura como produto da sociedade. Essas se preocupam em encontrar influências culturais similares ao desenvolvimento da sociedade. Como visto anteriormente, a literatura comparada se espalhou rapidamente na França, com inúmeros livros e manuais. Isso fez com que nesse país, os estudos comparados possuíssem um caráter normativo. Um grande nome que pode ser citado quando falamos de manuais franceses é o de Paul Van Tieghem. Para o autor, a literatura comparada era uma preparação para trabalhar com a literatura geral. Essa, por sua vez, seria uma visão sintética e contempla o estudo de várias literaturas. Com isso, o trabalho do comparativista era apenas pesquisar os fatos comuns entre as literaturas. Tais ideias são reforçadas por J.M. Carrè. Tasso Silveira, que seguia as ideias de Paul Van Tieghem, abusava dos pensamentos dos mestres franceses. A literatura comparada era, também para Tasso Silveira, uma pesquisa de ideias em comuns entre obras ou autores. Seguir tão fielmente os mestres franceses fez com que pensamentos inovadores que poderiam ter surgido nos manuais brasileiros fossem ignorados. Os autores brasileiros poderiam ter renovado a concepção de literatura comparada. No Brasil, a perspectiva comparada era fortemente vinculada aos estudos filólogos. Ao analisarmos Páginas de estética (1905) de João Ribeiro, percebemos que, como os autores da época, sua concepção de literatura comparada está ligada a perspectiva histórica. Contudo, João Ribeiro rompe com o clássico e ignora os jogos de confrontos. Antes mesmo de grandes nomes como R. Wellek e A. Warren mencionarem a inter-relação entre a literatura escrita e oral, João Ribeiro já defendia essa tese. O nome de João Ribeiro poderia estar ao lado de outros três grandes “comparativistas”: Otto Maria Carpeaux, Eugênio Gomes e Augusto Meyer. Todos eles fazem grande uso da comparação em seus estudos. Augusto Meyer teve como “inspiração” para seus estudos as “fontes” de Machado de Assis, Robert Curtius e Rimbaud. Suas pesquisas tinham como objetivo investigar temas e fontes e elaborar relações e divergências entre obras e autores. Meyer destaca que é impossível definir a natureza da influência e se realmente ela ocorreu. Ou seja, ele não queria afirmar com certeza que houve influência. O trabalho realizado nas pesquisas feitas para comparação de obras é o que mais impressiona na literatura comparada. Isso faz com que o verdadeiro objetivo dos estudos, que é o resultado da análise, seja ofuscado, tratando a literatura comparada como uma crítica literária. Marius-François Guyard, por exemplo, defendia fielmente a diferença entre comparativismo e crítica. Para ele, a crítica se destina ao paralelismo. Já o comparativismo faz o levantamento de dados sobre uma obra, é a relação entre as literaturas. Guyard ressalta que quando não existe contato real com a obra, não existe literatura comprada. Ela se torna apenas um amontoado de ideias e história. Com esses pensamentos, Guyard restringe ainda mais a concepção de literatura comparada. O autor também define literatura comparada como “história das relações literárias internacionais”. Afirma que seu uso é feito de maneira superficial. Então, Claude Pichois e André-Michel Rousseau resolvem elaborar um manual mais rico e completo. Mesmo alcançando esse objetivo, o novo manualtrata a literatura comprada da mesma maneira que Guyard. Com a ajuda de Pierre Brunel, Pichois e Rousseau elaboram um novo manual. Apesar do caráter dialético e das discussões teóricas, o manual permanece com a mesma essência dos dois primeiros citados acima. Embora ignorado nas primeiras passagens do texto, o trabalho de Etiemble também deve ser discutido. Etiemble afirmava que não existia distinção entre a literatura comparada e a literatura geral. Ele rompe com as noções clássicas ao considerar as literaturas asiáticas tão importante quanto às europeias. Isso faz com que muitos o considerem mais próximo da “escola” norte-americana do que da francesa. O autor não leva em conta a existência de um contato real para que a literatura comparada seja legitimada. E, por fim, Etiemble é capaz de unir duas questões consideradas extremamente contrárias: a investigação histórica e a reflexão crítica. Essas questões foram dadas como incompatíveis por grande parte dos estudiosos citados acima. Em 1958, no 2º Congresso da Associação Internacional de Literatura Comparada (AILC/IACL), em Chapel Hill, René Wellek apresenta uma conferência de impacto, publicada como artigo: “A crise da literatura comparada”, na qual considera o comparativismo como uma” represa estagnada”. Nesse texto, Wellek investe contra as fragilidades teóricas da disciplina e sua incapacidade de estabelecer um objeto de estudo distinto e uma metodologia específica, até aquela época. O teórico se mostra contrário à distinção entre literatura comparada e literatura geral, julgando-a insustentável e desnecessária. O crítico considera que as propostas que, até então, caracterizavam a disciplina, acabaram por desprestigiá-la, transformando-a em uma subdisciplina de atuação restrita. Wellek, ainda, critica o princípio causalista que rege os estudos clássicos de fontes e influências, manifestando-se contrário aos estéreis paralelismos, resultados de caça às semelhanças que, apenas raramente, investigam. Em sua obra teórica, Teoria da Literatura (1949), Wellek defende o estudo da literatura sem distinções, devido à dificuldade em definir os tópicos e traçar limites para a investigação. Para ele, melhor seria falar apenas de literatura, pois literatura “comparada” e” geral” se fundem inevitavelmente. Sua proposta conclui pelo abandono dos estudos de fontes e influências em favor de uma análise centrada no texto e não em dados exteriores. Após a conferência, René Wellek, em vários outros textos, reitera a argumentação empregada e a desenvolve. Sem dúvida, atinge os pontos fracos das propostas clássicas: o exagerado determinismo causal das relações, a ênfase em fatores não literários, a análise dos contatos sem atentar para os textos em si mesmo, o binarismo reducionista. Esse caráter combativo das argumentações criam maior número de restrições do que saídas aos impasses da crise proposta. Enquanto René Wellek não faz propostas específicas para a literatura comparada, o tcheco Dionyz Durisin, apoiado nos princípios do estruturalismo de Praga, formulou uma proposição metodológica que muitos consideraram como um “modelo” inovador. Nessa teoria, os objetos de investigação são as relações entre os textos, isto é, preocupa-se com as transformações dos textos no interior dos sistemas literários, sob influência, sobretudo, das normas impostas pelos próprios sistemas e pela tradição. A articulação entre sistemas literários e não literários não era prevista nessa proposta. Além disso, apontava para o favorecimento de uma simplificação que privilegiava os fatos análogos em detrimentos das diferenças entre os textos. No momento em que as fragilidades do modelo proposto foram apontadas, o autor começou a combinar a análise do processo literário com o contexto da literatura nacional. O formalismo russo propõe uma mudança de enforque dos produtores literários para as obras e público. Caracterizou-se por uma recusa do historicismo vigente no século anterior. Opunha-se, também, às interpretações extraliterárias da obra: sua análise não deveria partir da sociologia, nem da psicologia ou da filosofia, mas antes centrar-se no texto, no estudo do literário em si mesmo. Os estudos comparados mais recentes incorporam os princípios desenvolvidos por essa teoria literária modificando sua forma de atuação. Os formalistas russos romperam com a análise concebida em termos de causalidade mecânica que fazia intervir na investigação do literário, o biografismo, o psicologismo, a história literária e a sociologia. Tynianov desse grupo, foge às concepções de “fechados no texto”. O teórico deixa claro que a obra literária se constrói como uma rede de “relações diferenciais” formados com os textos literários que a antecedem, ou são simultâneos, e mesmo com sistemas não literários. Seguindo Tynianov e Bakhtin, Julia Kristeva chegou à noção de “intertextualidade”, termo usado para designar o processo de produtividade do texto literário. De acordo com Kristeva, o texto é a absorção e réplica de outro texto (ou vários outros). Com essa noção de intertextualidade, novos modelos de atuação são sugeridos aos comparativistas. Além disso, a tradição já não pode mais ser vista como um fluir natural e linear. Ao contrário, a tradição se desenha menos sobre as continuidades do que sobre as rupturas, os desvios das diferenças. O conceito de imitação ou cópia perde seu caráter pejorativo, diluindo a noção de dívida antes firmada na identificação de influências. A intertextualidade é uma constante na literatura. De uma forma ou de outra todo texto dialoga com outro ou com outros textos. A forma mais comum de intertextualidade é a paródia. Como por exemplo Drummond faz com a Canção do Exílio de Gonçalves Dias. Esse processo tem como objetivo refazer o sentido do poema original, de modo a ter algo mais atual ou algo que melhor retrate o ponto de vista do novo autor. As influências de um texto em outro, dentro da intertextualidade, também servem de base para as reflexões de Harold Bloom. Em The Anxiety of Influence, o autor não distingue entre história da poesia e influências poéticas, pois, para ele, os grandes poetas fizeram essa história “deslendo” outros, de maneira a criar espaço imaginativo para si próprio. O autor caracteriza as influências como males benéficos, pois são elas que dinamizam o processo de evolução literária. Ainda de acordo com Harold, a relação dos grandes poetas entre si é conflituosas: trava-se entre eles uma verdadeira luta entre filho e pai, num processo continuado de apropriações. Bloom se limita a analisar apenas a relação entre grandes poetas. Além disso, não examina a possibilidade de que, na construção do poema, coexistiram influências de outra natureza que não a poética. Apesar disso, contribui para a reflexão sobre a literatura comparada, porque obriga a que se contraponha a sua teoria à da intertextualidade, tal como J. Kristeva a formulou. Nesta, há uma despersonalização do processo criador: a ênfase recai no texto. Bloom analisa por outro extremo: a obra como representação de um conflito do processo criador, intimamente relacionado com o autor. O autor designa com termos clássicos esses procedimentos de alterações dos textos originais, classificando-os em seis tipos: “Clinamen” — Indicaria uma correção dissidente, corrigindo o poema original. “Tessera” — Seria um acabamento, o poema anterior seria completado no novo. “Kenosis” — Esvaziamento, ruptura com o poema original “Daemonization” — O novo autor buscaria inspiração em algo anterior ao poema, e que seria a própria alma do poema. “Askesis” — Seria um corte, uma mutilação na obra original.“Apophrades” — Faz com que o novo texto pareça ser um precursor e não algo que veio depois do poema original. Para Bloom essas alterações às vezes fazem o novo texto mais original que o precursor, embora não necessariamente o faça melhor. Já Eliot (1917) entende que os leitores procuram sempre algo novo, alguma peculiaridade, em tudo o que leem: Insistimos com satisfação na diferença do poeta em relação a seus predecessores, especialmente a seus predecessores imediatos; nós nos empenhamos em achar algo que possa ser isolado para fins de apreciação (p.37-8). Para fazermos essa busca pela diferença precisamos entrar no comparativismo e colocar frente a frente o novo texto e seus predecessores. Para Eliot A noção de originalidade, vista como sinônimo de "geração espontânea", criação desligada de qualquer vínculo com obras anteriores, cai por terra. Em Borges (1974) cria-se a noção de cada escritor cria seus próprios precursores. De modo que sua obra modifica não somente o futuro da literatura como modifica o modo de ver as obras anteriores. Borges em seu conto “Pierre Menard, autor do Quixote” traz à tona a questão da contextualidade. Um texto com referências em outro do passado, ou exatamente igual como no conto, muda completamente de sentido quando o encaramos sobre o contexto de outro tempo. Surge então o conceito da “teoria da recepção”, onde o leitor passa a ter uma influência direta sobre as obras. As obras são “reescritas” cada vez que uma obra é lida sobre outro enfoque: sócio, cultural ou temporal. Assim até a própria tradição não se construiria sozinha, e dependeria da recepção que o público der as obras. Outro ponto importante no comparativismo é o campo das relações interdisciplinares. Literatura e artes, literatura e psicologia, literatura e folclore, literatura e história se tornaram objeto de estudos regulares que ampliaram os pontos de interesse e as formas de "pôr em relação", características da literatura comparada. Ao trabalhar com analogias a Literatura Comparada passa destacar as diferenças e as semelhanças entre culturas e povos, deixando clara a influência cultural dos povos colonizadores sobre os colonizados. Torna-se natural também buscar para cada novo autor quais são suas referências o que cria as linhagens e famílias literárias. Isso de certa forma desvalorizaria os novos trabalhos tornando-os meros reflexos de obras do passo. Silviano Santiago (1978) dará como solução para isso: Um novo discurso crítico, o qual por sua vez esquecerá e negligenciará a caça às fontes e às influências e estabelecerá como único valor crítico a diferença (p. 21). Já em 1928, Oswald de Andrade com seu Manifesto Antropofágico saí totalmente da linha comparativista que existia até então. Declara que as colônias, especialmente o Brasil, não são devoradas pelos colonizadores, em contrário devoram tudo o que vem de fora para criar a verdadeira identidade nacional. A ideia é acentuar o processo de transformação cultural caracterizado pela influência de elementos de outra cultura, acarretando a perda ou a alteração dos já existentes. Busca-se assim a descentralização da literatura, uma forma de acabar com o caráter eurocêntrico que a literatura latina sempre teve e focar nos contrastes para identificar o que há de original em nossos textos. E isso tudo, em contraponto, sem nunca deixar de apresentar a cultura europeia como uma fonte de inspiração e referências para os escritores deste lado do atlântico. Concluindo, os estudos comparados literários devem ser encarados de uma forma diacrônica. Através destes estudos podemos remontar uma história da literatura nacional buscando suas origens sejam estas indígenas, africanas ou europeias. Mas para isso é preciso que o comparativismo se integre com os âmbitos sociais, culturais e políticos de forma a não ser mais apenas o confronto entre obras e autores para buscar uma pesquisa mais ampla acerca da literatura. Além disso, a investigação de um mesmo problema em diferentes contextos literários permite que se ampliem os horizontes do conhecimento estético ao mesmo tempo em que favorece a visão crítica das literaturas nacionais. A literatura comparada também se ocupa dos textos não literários que a crítica ignora fazendo assim um estudo particular e específico e se integrando as demais disciplinas.
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