Buscar

Partidos_em_demasia

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA
PARTIDOS EM DEMASIA
A origem histórica dos partidos políticos remontaà primeira metade do século XIX, na Europa enos Estados Unidos. Era o momento da afir-mação do poder da classe burguesa e da difusão
das instituições parlamentares.1
Nas democracias, os partidos são veículos da repre-
sentação popular. No Brasil, todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente. O candidato a representante do povo,
para ser eleito, necessita obrigatoriamente estar filiado
a um partido político (art. 1°, parágrafo único; e 14,
§3°, inciso V, CF/88).
Celso Ribeiro Bastos definia partido político como
"[...] uma organização de pessoas reunidas em torno
de um mesmo programa político com a finalidade de
assumir o poder e de mantê-lo ou, ao menos, de influen-
ciar na gestão da coisa pública, através de críticas e opo-
sição. [...]. O partido político é uma necessidade. Sem
ele a opinião pública não poderia ser organizada em
torno de propostas políticas alternativas, mas dotadas
cada uma de uma mesma visão inspiradora. De outra
parte, o governo também tem necessidade do partido
político, porque é através dele que é obtido o indis-
pensável apoio da sociedade para a consecução dos
objetivos governamentais".2
Em teoria, pois, figura-se ideal que os partidos desem-
penhem importante função na formação da opinião
pública, na seleção de candidatos, na crítica ou defesa
do governo estabelecido e na formação de lideranças.
Funcionariam, assim, como conduto de comunicação
entre governo e povo.3
No Brasil, tradicionalmente, as agremiações partidá-
rias não desempenham essa importante missão demo-
crática. Na década de 1960, o Ministro Edgard Costa, do
Supremo Tribunal Federal, assinalava que os partidos
brasileiros somente dão sinal de vida às vésperas das
eleições. Limitam-se a mobilizar seus filiados para a
homologação da escolha de candidatos a cargos eletivos
e as campanhas eleitorais. Findo o processo eletivo, caem
novamente na inércia.4
Maurice Duverger também criticava: "A organização
dos partidos políticos, certamente, não se conforma ã
ortodoxia democrática. A respectiva estrutura interna
é, essencialmente, autocrática e oligárquica; os chefes
não são, de fato, designados pelos adeptos, apesar da
NOTAS
1 Cf. Norberto Bobbio e outros. Dicionário de Política, 2000.
2 In: Curso de Direito Constitucional, 1994.
3 BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de Direito Constitucional,
1994.
aparência, mas cooptados ou nomeados pelo centro;
tendem a formar uma classe dirigente, isolada dos mili-
tantes, casta mais ou menos fechada sobre si mesma. Na
medida em que eles são eleitos, a oligarquia partidária
amplia-se, mas não se transforma em democracia, pois
a eleição é feita pelos adeptos, que são uma minoria em
relação aos que dão seus votos ao partido quando das
eleições gerais".5
Outrossim, após a imposição do bipartidarismo pelo
Regime Militar, a Constituição de 1988 foi demasiada-
mente liberal em consentir o pluralismo partidário. Proli-
feraram legendas, muitas delas criadas apenas para barga-
nhar interesses privados de ocasião. As sucessivas filiações
dos políticos a variados partidos - seguindo interesses
pouco republicanos - desmoralizam a atividade política
no País. Mudam os governos e tudo permanece como
sempre foi. Ainda é atual a frase de Hollanda Cavalcanti,
pronunciada ao tempo do Império: "Nada mais parecido
com um conservador do que um liberal no poder".
Nesse contexto, não surpreende a fragilidade das
agremiações partidárias. O fenômeno não é exclu-
sivamente brasileiro. Alain Touraine apontou a ocu-
pação, pelas organizações não governamentais, dos
espaços políticos para desenvolver a defesa dos direitos
humanos, a proteção do meio ambiente e o implemento
de políticas sociais.6
A conjuntura presente, enfim, expressa a descrença
dos cidadãos nos políticos e nas agremiações partidárias.
Portanto, não fortalece a democracia a criação desen-
freada de partidos políticos no Brasil e a volatilidade das
filiações partidárias entre a classe política. Contamos,
hoje, com mais de 30 partidos em atividade no País.
Em suma, concordo com a Cientista Política e His-
toriadora mineira Lucília de Almeida Neves Delgado,
quando critica o "multipartidarismo fragmentado",
decorrente da legislação permissiva quanto às exigên-
cias para registro de partidos políticos: "Partidos polí-
ticos e sociedade civil organizada e atuante são pilares de
democracias sólidas. Portanto, uma revisão na legislação
partidária brasileira reveste-se de extrema urgência. Res-
peitado o pluripartidarismo vigente, é necessário que, ao
ser reformulada, inclua cláusulas referentes à fidelidade
partidária, à exigência de maior coerência na formação
de coligações e à adoção de critérios mais rigorosos para
concessão e manutenção de registros partidários", ffl
4 In: A Legislação eleitoral brasileira - Histórico, comentários e suges-
tões, 1964.
5 Cf. Os Partidos Políticos, 1970.
6 Cf. O Que é a Democracia?, 1996.
ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA é Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Doutor em Direito Administrativo pela Uni-
versidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes/TJMG e do Centro Universitário Newton Paiva.
REVISTA JURÍDICA CONSULEX - WWW.CONSULEX.COM.BR 25
ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA
PARTIDOS EM DEMASIA
A origem histórica dos partidos políticos remontaà primeira metade do século XIX, na Europa enos Estados Unidos. Era o momento da afir-mação do poder da classe burguesa e da difusão
das instituições parlamentares.1
Nas democracias, os partidos são veículos da repre-
sentação popular. No Brasil, todo o poder emana do
povo. que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente. O candidato a representante do povo,
para ser eleito, necessita obrigatoriamente estar filiado
a um partido político (art. l", parágrafo único; e 14,
§3", inciso V, CF/88).
Celso Ribeiro Bastos definia partido político como
"[..-l uma organização de pessoas reunidas em torno
de um mesmo programa político com a finalidade de
assumir o poder e de mantê-lo ou, ao menos, de influen-
ciar na gestão da coisa pública, através de críticas e opo-
sição. [...]. O partido político é uma necessidade. Sem
ele a opinião pública não poderia ser organizada em
torno de propostas políticas alternativas, mas dotadas
cada uma de uma mesma visão inspiradora. De outra
parte, o governo também tem necessidade do partido
político, porque é através dele que é obtido o indis-
pensável apoio da sociedade para a consecução dos
objetivos governamentais".2
Em teoria, pois, figura-se ideal que os partidos desem-
penhem importante função na formação da opinião
pública, na seleção de candidatos, na crítica ou defesa
do governo estabelecido e na formação de lideranças.
Funcionariam, assim, como conduto de comunicação
entre governo e povo.-'
No Brasil, tradicionalmente, as agremiações partidá-
rias não desempenham essa importante missão demo-
crática. Na década de 1960, o Ministro Edgard Costa, do
Supremo Tribunal Federal, assinalava que os partidos
brasileiros somente dão sinal de vida às vésperas das
eleições. Limitam-se a mobilizar seus filiados para a
homologação da escolha de candidatos a cargos eletivos
e as campanhas eleitorais. Findo o processo eletivo, caem
novamente na inércia.4
Maurice Duverger também criticava: "A organização
dos partidos políticos, certamente, não se conforma à
ortodoxia democrática. A respectiva estrutura interna
é, essencialmente, autocrática e oligárquica; os chefes
não são, de fato, designados pelos adeptos, apesar da
NOTAS
1 Cf. Norberto Bobbio e outros. Dicionário de Política, 2000.
2 In: Curso de Direito Constitucional, 1994.
3 BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de Direito Constitucional,
1994.
aparência, mas cooptadosou nomeados pelo centro;
tendem a formar uma classe dirigente, isolada dos mili-
tantes, casta mais ou menos fechada sobre si mesma. Na
medida em que eles são eleitos, a oligarquia partidária
amplia-se, mas não se transforma em democracia, pois
a eleição é feita pelos adeptos, que são uma minoria em
relação aos que dão seus votos ao partido quando das
eleições gerais".5
Outrossim, após a imposição do bipartidarismo pelo
Regime Militar, a Constituição de 1988 foi demasiada-
mente liberal em consentir o pluralismo partidário. Proli-
feraram legendas, muitas delas criadas apenas para barga-
nhar interesses privados de ocasião. As sucessivas filiações
dos políticos a variados partidos - seguindo interesses
pouco republicanos - desmoralizam a atividade política
no País. Mudam os governos e tudo permanece como
sempre foi. Ainda é atual a frase de Hollanda Cavalcanti,
pronunciada ao tempo do Império: "Nada mais parecido
com um conservador do que um liberal no poder".
Nesse contexto, não surpreende a fragilidade das
agremiações partidárias. O fenômeno não é exclu-
sivamente brasileiro. Alain Touraine apontou a ocu-
pação, pelas organizações não governamentais, dos
espaços políticos para desenvolver a defesa dos direitos
humanos, a proteção do meio ambiente e o implemento
de políticas sociais.1'
A conjuntura presente, enfim, expressa a descrença
dos cidadãos nos políticos e nas agremiações partidárias.
Portanto, não fortalece a democracia a criação desen-
freada de partidos políticos no Brasil e a volatilidade das
filiações partidárias entre a classe política. Contamos,
hoje, com mais de 30 partidos em atividade no País.
Em suma, concordo com a Cientista Política e His-
toriadora mineira Lucília de Almeida Neves Delgado,
quando critica o "multipartidarismo fragmentado",
decorrente da legislação permissiva quanto às exigên-
cias para registro de partidos políticos: "Partidos polí-
ticos e sociedade civil organizada e atuante são pilares de
democracias sólidas. Portanto, uma revisão na legislação
partidária brasileira reveste-se de extrema urgência. Res-
peitado o pluripartidarismo vigente, é necessário que, ao
ser reformulada, inclua cláusulas referentes à fidelidade
partidária, à exigência de maior coerência na formação
de coligações e à adoção de critérios mais rigorosos para
concessão e manutenção de registros partidários". »
In: A Legislação eleitoral brasileira - Histórico, comentários e suges-
tões, 1964.
5 Cf. Os Partidos Políticos, 1970.
6 Cf. O Que é a Democracia?, 1996.
ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA é Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Doutor em Direito Administrativo pela Uni-
versidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes/TJMG e do Centro Universitário Newton Paiva.
REVISTA JURÍDICA CONSULEX - WWW.CONSULEX.COM.BR 25

Outros materiais