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O Crescimento do Déficit e da Dívida Pública Brasileira no Período de 1994 a 2000. Roberto de Souza Rodrigues Monografia final de curso apresentada como requisito à obtenção ao título de bacharel em Ciências Econômicas do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, sob a orientação do Prof. Carlos Pinkusfeld. Rio de Janeiro, Dezembro de 2001. Capítulo 2 Restrição Orçamentária do Governo O presente capítulo procura mostrar a relação entre o déficit público e seu financiamento através da restrição orçamentária. O objetivo é apresentar as diferentes formas do governo financiar seu déficit e os impactos causados por este financiamento no período seguinte. Vamos começar imaginando um modelo simples onde a única forma do governo arrecadar receita é através de tributos (T), então para o governo financiar seus gastos (G) basta ele arrecadar, via tributação, o valor correspondente a esses gastos, logo temos: G = T (1) Nesse caso, por hipótese, não há possibilidade do surgimento de déficit público. Agora se levarmos em conta que o governo pode gastar um valor superior ou inferior a sua arrecadação tributária, surge a necessidade (em caso do valor ser superior) de financiar esta diferença com venda de títulos públicos para o setor privado interno (D) e/ou para o setor externo (D*). No caso, partindo-se de uma situação inicial na qual não havia déficit e, consequentemente, o estoque de dívida pública do período anterior era zero, a equação (1) fica da seguinte forma: Gt = Tt + Dt + D*t (2) Entretanto, ocorre um problema: Ao pegar emprestado o governo terá que pagar juros sobre este empréstimo, estes juros são pagos num momento futuro. Então num período seguinte (t + 1) a necessidade de financiamento do governo será o somatório dos seus gastos diretos em consumo e investimento mais os juros pagos (it+1.Dt + i*t+1.et+1.D*t) sobre a dívida (adquirida num período anterior) ao setor privado interno e ao setor externo, transformando a equação (2) em: G t+1 + it+1.Dt + i*t+1.et+1.D*t= Tt+1 + (D t+1 - Dt) + et+1.(D* t+1 - D*t) (3) Onde, (Dt+1 - Dt) é a variação da dívida do governo com o setor privado interno, (D*t+1 - D*t) variação da dívida com o setor externo, it+1 é a taxa de juros interna, i*t+1 é a taxa de juros externa e et+1 é a taxa de câmbio. Por fim, o governo pode financiar seus gastos através da emissão de moeda (M), aumentando a base monetária. A essa forma de financiamento dá-se o nome de senhoriagem (os custos com a impressão da moeda são incluídos nos gastos). Com a inclusão do financiamento monetário a equação de restrição orçamentária do governo fica: G t+1 + it.Dt + it.et+1.D*t= T + (M t+1 - Mt) +(D t+1 - Dt) + et+1.(D* t+1 - D*t) (4) Agora que chegamos a equação da restrição orçamentária completa, iremos fazer uma análise sobre a variação em alguns dos seus fatores e quais as conseqüências destas mudanças. Para isto iremos considerar a inflação como sendo zero, visto que se houver uma modificação no índice de preços teremos também modificações em todas as variáveis da equação, com efeitos diferenciados sobre fluxos e estoques. Começaremos com um aumento nos gastos do governo. Imaginemos que o governo adote uma política fiscal expansionista. Observando a equação (4) veremos que haverá um aumento no seu lado esquerdo. Para manter a igualdade existem três ações possíveis. A primeira consiste num aumento de tributação, a segunda em emissão de moeda e a terceira (a qual será analisado com maior detalhe) em endividamento com o setor privado interno e/ou com setor externo. Considerando que o aumento nos impostos encontra limitações na própria estrutura tributária de qualquer país e que um aumento na base monetária, por hipótese, não seja desejado, então vamos trabalhar com a terceira hipótese, isto é, que o governo se endivide com o setor privado interno ou com o setor externo. Num primeiro momento haverá uma variação na dívida, que pode tanto ser a interna (Dt+1 - Dt) quanto a externa (D*t+1 - D*t), para que seja respeitada a restrição orçamentária do governo. Já num segundo momento, haverá um novo aumento no lado esquerdo da equação, pois, o montante com juros pagos pela dívida irá aumentar. Com o financiamento via dívida cria-se um elemento endógeno de pressão sobre o déficit público (o pagamento de juros) que cresce com o tempo (tudo mais constante) e que em termos de política econômica é de difícil “manipulação”1. G t+1 + it+1.Dt + i*t+1.et+1.D*t= Tt+1 + (M t+1 - Mt) +(D t+1 - Dt) + et+1.(D* t+1 - D*t) (4) G t+2 + it+2.Dt+1 + i*t+2.et+2.D*t+1=Tt+1 + (M t+2 - Mt+1) +(D t+2 - Dt+1) + et+2.(D* t+2- D*t+1) (5) Na equação (5) it+2.Dt+1 + i*t+2.et+2.D*t+1 será maior que it+1.Dt + i*t+1.et+1.D*t (onde, it+2 = it+1, i*t+2 = i*t+1 e et+1= et+2) devido ao montante dos juros pago sobre títulos que financiaram o déficit no período t. Outra variável que pode aumentar o dispêndio do governo é um aumento na taxa de juros (novamente - tanto interna quanto externa)2. O aumento na taxa de juros 1 O pagamento de juros são considerados mais incompressíveis que outros dispêndios porque o não cumprimento de cláusulas financeiras por parte do governo representaria um “calote” contra o setor privado externo ou interno. Por outro lado, a redução de gastos correntes, mesmo em despesas fundamentais como educação e saúde, apesar de socialmente indesejáveis não caracteriza um comportamento “irresponsável” dos governos. É claro que uma vez assumida a hipótese de “moeda endógena” (ver Costa 1993) admite-se que a Autoridade Monetária seja capaz de estabelecer unilateralmente as taxas de juros básicas da economia, o que eventualmente poderia reduzir o total do dispêndio em juros realizado pelo governo. 2 A determinação dos juros, como mencionado na nota anterior, depende da teoria monetária adotada. Para o objetivo do nosso trabalho nos basta apenas citar que na teoria da moeda endógena tais juros irá elevar o montante de juros pago pela dívida contraída em períodos anteriores e, mais uma vez, para se financiar o governo terá que usar uma das três ações possíveis, com o risco de cair em um ciclo vicioso de aumento do componente financeiro do déficit caso recorra ao financiamento por dívida. Esse fato pode ser representado na equação da restrição orçamentária do governo (ROG) com um aumento na taxa de juros de it para it+1 (taxa de juros interna e externa) da seguinte forma: G t+1 + it+1.Dt + i*t+1.et+1.D*t= Tt+1 + (M t+1 - Mt) +(D t+1 - Dt) + et+1.(D* t+1 - D*t) (4) G t+2 + it+2.Dt+1 + i*t+2.et+2.D*t+1= Tt+1 + (M t+2 - Mt+1) +(D t+2 - Dt+1) + et+2.(D* t+2 - D*t+1) (6) Onde it+1.Dt + i*t+1.et+1.D*t será menor que it+2.Dt+1 + i*t+2.et+2.D*t+1 Finalmente, a última variável do lado esquerdo da equação que pode sofrer modificações é a taxa de câmbio. Se houver um aumento na taxa de câmbio, isto é, uma desvalorização da moeda nacional, haverá um aumento no dispêndio com montante dos juros da dívida externa, pois serão necessários mais reais para pagar o mesmo montante de juros na moeda estrangeira3, e, novamente, o governo terá aquelas três ações possíveis para se financiar e com as mesmas conseqüências. G t+1 + it+1.Dt + i*t+1.et+1.D*t= Tt+1 + (M t+1 - Mt) +(D t+1 - Dt) + et+1.(D* t+1 - D*t) (4)são decisão unilateral da autoridade monetária enquanto uma vez assumida a hipótese de moeda exógena a taxa de juros se determina no mercado, através da interação entre uma oferta definida pela Autoridade monetária e a demanda do setor privado. Em qualquer dos casos, entretanto, ainda que em maior ou menor grau pode-se perceber que o governo (incluindo Banco central) tem controle sobre os juros internos, enquanto os juros base externos fogem inteiramente ao controle dos gestores de política econômica interna. 3 Haverá também um aumento do estoque da dívida externa – pelo mesmo motivo, isto é, serão necessários mais reais para pagar o mesmo montante da dívida em moeda estrangeira. Há ainda um caso muito relevante para a experiência brasileira recente e que diz respeito ao lançamento de títulos de dívida pública ligados a variação cambial. Nesse caso o dispêndio em reais com a dívida interna se eleva (bem como seu estoque) assim que ocorre uma desvalorização cambial. G t+2 + it+2.Dt+1 + i*t+2.et+2.D*t+1= Tt+1 + (M t+2 - Mt+1) +(D t+2 - Dt+1) + et+2.(D* t+2 - D*t+1) (6) Onde it+2.Dt+1 + i*t+2.et+2.D*t+1 e et+2.(D* t+2 - D*t+1) serão maiores que it+1.Dt + i*t+1.et+1.D*t e et+1.(D* t+2 - D*t+1) respectivamente. Neste caso, et+2 maior que et+1. Vamos verificar agora o lado direito da equação. Primeiro veremos a tributação: uma queda na tributação levará, também, o governo a utilizar uma das três ações acima mencionadas, já que a queda nos tributos arrecadados (T) fará com que haja, para se manter a igualdade da equação, um aumento em um dos outros três componentes que estão do mesmo lado da equação, caso, é claro, o governo mantenha constantes seus gastos. Antes de analisarmos os outros componentes do lado direito da equação faremos uma modificação na estrutura da ROG – colocaremos a tributação no outro lado da equação (esta medida facilitará a análise dos outros fatores), o que resulta na equação: G t+1 - Tt+1 + it+1.Dt + i*t+1.et+1.D*t = (M t+1 - Mt) +(D t+1 - Dt) + et+1.(D* t+1 - D*t) (7) Com esta nova estrutura a análise dos componentes do lado esquerdo da equação passa a ser denominada como a análise “acima da linha”, isto é o comportamento dos fluxos de receitas e despesas, enquanto o lado direito é a variação dos estoques do endividamento público chamados elementos “abaixo da linha” 4. Agora podemos continuar a análise feita no lado direito da equação. Consideremos o lado esquerdo constante durante um determinado período, se houver uma queda na demanda por moeda em poder do público (mudança da estrutura do portfólio de riqueza líquida do setor privado) terá que haver, em contra partida, um 4 O conceito de “acima da linha” e “abaixo da linha” serão melhor desenvolvidos nos capítulos seguintes. aumento na dívida interna para se respeitar a ROG. Desta forma, teremos as seguintes modificações: G t+1 - Tt+1 + it+1.Dt + i*t+1.et+1.D*t = (M t+1 - Mt) + (D t+1 - Dt) + et+1.(D* t+1 - D*t) (7) G t+2 - Tt+2 + it+2.Dt+1 + i*t+2.et+2.D*t+1 = (M t+2 - Mt+1) +(D t+2 - Dt+1) + et+2.(D* t+2 - D*t+1) (8) Onde, (M t+1 - Mt) será maior que (M t+2 - Mt+1), enquanto que (D t+1 - Dt) será menor que (Dt+2 - Dt+1). Porém, o aumento desta dívida levará, num momento futuro, a um aumento da necessidade de financiamento do governo, pois o montante dos juros pagos irá crescer. G t+2 - Tt+2 + it+2.Dt+1 + i*t+2.et+2.D*t+1 = (M t+2 - Mt+1) +(D t+2 - Dt+1) + et+1.(D* t+2 - D*t+1) (8) G t+3 - Tt+3 + it+3.Dt+2 + i*t+3.et+3.D*t+2 = (M t+3 - Mt+2) +(D t+3 - Dt+2) + et+1.(D* t+3 - D*t+2) (9) Onde, it+3.Dt+2 será maior que it+3.Dt+1, devido ao aumento do montante dos juros pagos sobre a dívida5. Outro fato que pode ocorrer é a queda na demanda no mercado externo por títulos públicos (dívida externa), o que “forçaria” o governo a aumentar sua dívida interna e/ou a emitir moeda para manter a igualdade. Mas antes de verificarmos estas mudanças vamos desmembrar a dívida externa. O endividamento externo apresentado na equação (7) (D*t+1 - D*t) está em sua forma líquida, ou seja, considera implicitamente as variações das reservas (R). Se fizermos o desmembramento, a parcela de financiamento externo do déficit público fica da seguinte forma: 5 Supondo que a taxa de juros (i) e de câmbio (e) não variam durante os três períodos. (D*t+1 - D*t) = (D*bt+1 - Rt+1) - (D*bt - Rt) (10) (D*t+1 - D*t) = (D*bt+1 - D*bt) - (Rt+1 - Rt) (11) Onde (D*bt+1 - D*bt) é a variação da dívida externa bruta e (Rt+1 - Rt) é a variação das reservas. Substituindo a equação onze (11) na equação sete (7) teremos: G t+1 - Tt+1 + it+1.Dt + i*t+1.et+1.D*t = (M t+1 - Mt) +(D t+1 - Dt) + et+1.[(D*bt+1 - D*bt) - (Rt+1 - Rt)] (12) Se considerarmos que, por algum motivo, haja um aumento das reservas6 (Rt+1 > Rt) haverá, por conseqüência uma queda (levando em conta que a dívida bruta não aumente) na dívida externa líquida. G t+1 - T + it+1.Dt + i*t+1.et+1.D*t = (M t+1 - Mt) +(D t+1 - Dt) + et+1.[(D*bt+1 - D*bt) - (Rt+1 - Rt)] (12) G t+2 - T + it+2.Dt+1 + i*t+2.et+2.D*t+1 = (M t+2 - Mt+1) +(D t+2 - Dt+1) + et+2.[(D*bt+2 - D*bt+1) - (Rt+2 - Rt+1)] (13) Onde et+2.[(D*bt+2 - D*bt+1) - (Rt+2 - Rt+1)] será menor que et+1.[(D*bt+1 - D*bt) - (Rt+1 - Rt)]7. Porém, como consideramos a restrição orçamentária do governo constante, terá que haver um aumento na dívida interna8 para se manter a igualdade da equação. Contudo, este aumento causará, no momento seguinte, um aumento da 6 Existem vários motivos para aumentar/diminuir as reservas, dentre eles estão o saldo das transações correntes, os fluxos de investimento externo, os fluxos de capital de risco que dependem tanto das condições institucionais da conta de capitais tanto no país como fora dele quanto do aumento/queda na taxa de juros interna ou externa. 7 A taxa de câmbio e a dívida externa bruta se mantiveram inalterados. 8 Pode haver um aumento da emissão de moeda, contudo é pouco provável, pois a moeda não remuneraria o capital externo, ao passo que os títulos dão os juros como remuneração. necessidade do governo se financiar caindo, destarte, novamente no ciclo vicioso de maior dívida - déficit crescente. Por outro lado, se houver uma queda das reservas (Rt+1 < Rt) haverá um aumento na dívida externa líquida (considerando as outra variáveis do lado direito da equação constantes), isto é: (D*t+1 - D*t) = (D*bt+1 - D*bt) - (Rt+1 - Rt) (11) (D*t+2 - D*t+1) = (D*bt+2 - D*bt+1) - (Rt+2 - Rt+1) (13) Onde (D*bt+1 - D*bt) é menor que (D*bt+2 - D*bt+1) e (Rt+1 - Rt) é maior que (Rt+2 - Rt+1). Este aumento na dívida causará um crescimento, no momento seguinte, na necessidade de financiamento do governo devido ao montante dos juros pagos sobre a dívida líquida externa (que está maior). Essas são as possibilidades que podemos utilizar na equação da restrição orçamentária. Esta análise nos dá uma base para fazermos um estudo sobre a variação da dívida no Brasil nos períodos de 1994 a 2000, no próximo capítulo utilizaremoso lado esquerdo da ROG com esse objetivo, ou seja, faremos uma apresentação das finanças públicas “acima da linha” – deixaremos para o capítulo 3 a análise “abaixo da linha”.
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