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AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS
Como seria fácil e agradável a vida se houvesse correspondência e reciprocidade nos afetos das pessoas. Filhos “deveriam” gostar dos pais e estes dos filhos; alunos e professores “deveriam” ter uma convivência prazerosa; colegas de trabalho e chefias “deveriam” juntar esforços, colaborar nas atividades cotidianas e tratar-se com respeito, consideração e amizade etc, etc. Por que as relações entre as pessoas se complicam tanto? Tudo seria mais fácil se todos pudessem agir racionalmente e fazer o que precisa ser feito. 
Que atrapalha a convivência das pessoas, seja na família, no trabalho, na sociedade em geral? O que perturba mais são os mitos da harmonia universal, cooperação, ajuda ao próximo. Desde os tempos bíblicos, o homem sonha com o éden perdido e quer refazê-lo na terra. Seus desejos tomam forma de fantasias, lendas, mitos que preconizam no plano verbal uma vida de perfeita harmonia entre as pessoas, de entendimento pleno, da paz e do amor eternos. Os contos de fadas e as lindas histórias de amor reforçam, como desfecho de uma série de vicissitudes, o refrão é “e viveram felizes para sempre”. A felicidade eterna é prometida em troca de sacrifícios pessoais, após lutas contra obstáculos diversos para cumprir o seu dever ou a missão predestinada. A mensagem implícita é a de que “se você cumpre o seu dever e vence os obstáculos, você merece e conquista a felicidade”. 
Qual o nosso dever maior na sociedade em que vivemos? Quais os obstáculos que precisamos enfrentar e superar? Que necessitamos fazer para merecer a felicidade? Os Dez Mandamentos ainda constituem a fonte primária das diretrizes ético-morais que regem a vida em sociedade. Se todos simplesmente respeitassem esses preceitos, a vida coletiva já se tornaria bem mais amena e fácil. 
As pessoas vêem desvirtuando sua essência humana na medida em que os valores materiais tem prevalecido sobre os éticos. A história da humanidade mostra uma oscilação entre valores materiais e valores espirituais – a busca de posses, de conquistas concretas, de maior poder sobre pessoas contrapondo-se a procura da paz, da harmonia, da felicidade interior. 
As guerras recorrentes demonstram que o homem não é um ser pacífico só porque, em tese, pensa e discursa contra a guerra. É decepcionante e constrangedor constatar a incongruência entre o discurso e a ação de líderes e pessoas importantes de nossa vida, a respeito de quem formamos um conceito altamente positivo. 
Dada a natureza complexa, e freqüentemente contraditória, do ser humano, os paradoxos do seu comportamento não devem surpreender: Onde há amor há ódio também; cooperação e competição pode alternar-se assim como ternura e hostilidade, alegria e tristeza, carinho e agressão, franqueza e dissimulação. 
Não obstante o acalentado desejo de harmonia universal, expresso em histórias e discursos, o homem tem recorrido muitas vezes a força, para conquistar aquilo que almeja.
As pessoas dizem querer a paz, a harmonia, a cooperação. Contudo, mal-entendidos, incompreensões e discórdias emergem, de forma clara ou obscura, intermitentemente, tornando a vida de um grupo uma arena de desencontros e disputas que contradizem aquele ideal proclamado.
O grupo idealizado, todo amor e harmonia, livre de conflitos, é uma ficção literária, a famosa utopia de Thomas More. Todo grupo humano real expressa as contradições e os paradoxos da natureza humana. Contém amor e ódio, confiança e suspeição, entusiasmo e desânimo, dominação e submissão, lógica e intuição, egoísmo e altruísmo, lealdade e traição, razão e tolice.
As relações entre as pessoas percorrem essas dimensões alternativas, sem, entretanto lograr uma posição fixa definitiva em termos de normalidade.
Relacionamento interpessoal é essencialmente um processo, não uma categoria estática; por isso mesmo, fica sujeito a variações conjunturais de espaço, tempo e contexto.
Em nossa cultura ocidental, tecnológica, os valores materiais de posse e poder tem primazia sobre os valores humanistas de ser. As pessoas são vistas, consideradas e tratadas amiúde como objetos cuja “posse” enriquece e amplia o poder do “proprietário”, superior, chefe, patrão. 
Essa “reificação” dos outros foi denunciada por Martim Buber em seu admirável estudo sobre a relação eu-outro. Ele descreve duas orientações básicas: O outro como objeto e o outro como pessoa, caracterizando dois tipos de relação: eu-isto, de sujeito com objeto, e eu-tu, de pessoa com pessoa.
A relação Eu-isto é a mais freqüente. Cada pessoa usa outras pessoas como objetos que servem a satisfação de suas necessidades, carências, desejos. Isto acontece usualmente entre pais e filhos, marido e mulher, professor e alunos, chefe e subordinado, amigos, colegas.
A relação eu-tu, de pessoa a pessoa, pode emergir da conscientização da relação utilitária eu-isto, das descobertas da exploração e manipulação do outro para atender as próprias carências. Quando a pessoa se dá conta desta sua atitude de exploração, de rebaixamento ou negação do valor humano do outro, abre-se um caminho para resgatar o humanismo de ambos, para alcançar respeito, valorização e amor pelo o outro. É um caminho difícil e demorado, de mudança de valores, crenças, atitudes, visão existencial. É uma busca interior de resgate da intuição, da espontaneidade, da condição humana, da plenitude do ser, do misticismo, da espiritualidade.
A relação eu-tu significa diálogo, comunicação autêntica, reciprocidade afetiva, respeito – o verdadeiro encontro entre seres humanos. Constitui um vislumbre de revelação e preparação do encontro com Deus, na concepção de Buber.
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Fela Moscovici
IN Equipes dão Certo – A Multiplicação do Talento Humano
pp/ 40-41-42.

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