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A subversão do imaginário literário e histórico-social no romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis

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1 
 
UNIVERSIDADE POTIGUAR- UnP 
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO E AÇÃO COMUNITÁRIA 
CURSO DE LETRAS 
 
 
 
GIOVANNIA ELAINE SANTOS DA SILVA 
NAYANNE KATELINE PEREIRA LOPES DE ALMEIDA 
 
 
 
 
A SUBVERSÃO DO IMAGINÁRIO LITERÁRIO E HISTÓRICO-SOCIAL 
NO ROMANCE ÚRSULA, DE MARIA FIRMINA DOS REIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL 
2013 
2 
 
GIOVANNIA ELAINE SANTOS DA SILVA 
NAYANNE KATELINE PEREIRA LOPES DE ALMEIDA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A SUBVERSÃO DO IMAGINÁRIO LITERÁRIO E HISTÓRICO-SOCIAL NO 
ROMANCE ÚRSULA, DE MARIA FIRMINA DOS REIS 
 
 
 
Trabalho de conclusão de Curso apresentado à 
Universidade Potiguar – UnP, como parte dos 
requisitos para obtenção do título de graduada 
em Letras – Português e suas respectivas 
literaturas. 
 
ORIENTADORA: Profa. Esp. Luciana 
Medeiros Lucena 
 
 
 
 
 
NATAL 
2013 
3 
 
GIOVANNIA ELAINE SANTOS DA SILVA 
NAYANNE KATELINE PEREIRA LOPES DE ALMEIDA 
 
 
 
A SUBVERSÃO DO IMAGINÁRIO LITERÁRIO E HISTÓRICO-SOCIAL NO 
ROMANCE ÚRSULA, DE MARIA FIRMINA DOS REIS 
 
Trabalho de conclusão de Curso 
apresentado à Universidade Potiguar – 
UnP, como parte dos requisitos para 
obtenção do título de graduada em Letras 
– Português e suas respectivas 
literaturas. 
 
Aprovado em: ___/___/2013. 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
____________________________________ 
Profa. Esp. Luciana Medeiros Lucena 
Orientador 
Universidade Potiguar – UnP 
 
 
____________________________________ 
Profa. Dra. Célia Maria Medeiros Barbosa da Silva 
Universidade Potiguar – UnP 
 
 
_____________________________________ 
Profa. Ms. Fabiola Barreto Gonçalves 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
 
 
 
 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedicamos à profa. Dra. Ana Santana Souza 
de Fontes Pereira, por nos ter apresentado o 
romance Úrsula. 
 
 
 
 
 
 
5 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
A Deus, pois sem Ele essa conquista não seria possível. 
 
Aos professores que me acompanharam desde o início da minha formação. 
Destaco aqui, em ordem cronológica, a profa. Maria da Conceição C. de M. G. Matos 
Flores que, sempre com seu amor pela literatura, fez-me amar mais essa área; a 
profa. Ana Santana Souza de Fontes Pereira, por ter apresentado o romance Úrsula; 
e a profa. Luciana Medeiros Lucena pela orientação, pelas enriquecedoras 
observações e sugestões, pelo carinho e respeito sempre. 
 
 Gostaria de expressar minha profunda gratidão aos meus colegas de curso 
que durante esses anos não somente me acompanharam academicamente, mas se 
tornaram meus amigos e partilharam momentos da minha vida: Érica, Juliana, 
Valdete, Raquell, Polliana, Kleber, Milena, Vanessa Lins e Mayre Janne. Em 
especial a minha parceira nessa empreitada de construção do TCC: Nayanne; como 
ela mesma disse “não me imaginaria escrevendo com outra pessoa.” 
 
Não poderia deixar de agradecer à minha família, a base de tudo que sou 
hoje. Minha mãe Elita, pelo apoio. Meu irmão, amado e incentivador, Emanoel (sem 
você eu não teria galgado nem o primeiro degrau desse curso). Minha irmã, 
Emmanuela, linda, batalhadora e forte, que mesmo a distância está sempre ao meu 
lado (saudades constantes). Minha tia Beta, por me ouvir tantas vezes, em altos e 
baixos. Meu pai, Geraldo, que sei que se orgulha muito de mim. 
 
Às minhas amigas, mais que especiais, Ghislaine e Fabíola, irmãs que a 
vida me deu. 
 
A todos os amigos que, de alguma forma, contribuíram para meu 
crescimento, tanto intelectual quanto pessoal. 
 
 
Giovannia Elaine 
6 
 
AGRADECIMENTOS 
 
A Deus, “Porque nele eu vivo, nele eu movo e nele eu existo” 
 
Ao meu esposo, pela compreensão, carinho, atenção e amor que me 
dedicou durante todo período acadêmico e, principalmente, durante a produção do 
TCC. 
 
Aos meus pais e a minha irmã, por compreenderem minha ausência durante 
esta fase do curso e pelo grande amor que me dedicam. 
 
À professora Ana Santana, que nos fez conhecer o livro Úrsula e a temática 
da literatura afro-brasileira. 
 
À minha orientadora Luciana Medeiros Lucena, pela atenção e por ter 
acreditado em nosso projeto desde o início. 
 
À minha amiguinha Giovannia Elaine, por termos juntas desempenhado um 
trabalho tão bom de escrever e pesquisar. 
 
A todos os meus professores, que me transmitiram tantos conhecimentos 
relevantes neste período de graduação. 
 
E a todos que direta ou indiretamente cooperaram para que o meu sonho se 
tornasse realidade. Às vezes são pequenos gestos ou palavras que fazem a 
diferença quando estamos em um momento tão importante da nossa vida, que é a 
nossa formação acadêmica, e principalmente durante o processo de escrita do 
nosso TCC. 
 
Meus sinceros agradecimentos e que Deus abençoe a todos. 
 
 
Nayanne Kateline 
 
7 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A literatura nos oferece a oportunidade de 
apreensão de um imaginário construído acerca 
do sujeito negro na sociedade brasileira. 
Mesmo como fenômeno específico, 
percebemos um discurso literário que, 
coincidentemente, ao construir seus 
personagens negros, o faz sob a mesma ótica 
do pensamento e das relações raciais 
brasileiras, do Brasil colônia à 
contemporaneidade. 
 
Conceição Evaristo 
 
 
 
 
 
8 
 
RESUMO 
 
 
O presente estudo, a subversão do imaginário literário e histórico-social no romance 
Úrsula, de Maria Firmina dos reis, é uma análise do livro Úrsula, publicado em 1859. 
Nesse estudo, será abordada a subversão do imaginário literário e histórico-social 
presente na obra, em que a autora utiliza uma abordagem intimista e comprometida 
sobre a condição do negro, em nosso país, no século XIX. Por meio de pesquisas 
bibliográficas, foi possível identificar que na literatura, especificamente do século 
XIX, no Brasil, o imaginário histórico-social presente era o dos negros bestializados, 
sensualizados, marginalizados e desprezados, reflexo da sociedade burguesa e 
escravocrata, da qual fazia parte a maioria dos escritores brasileiros. No decurso da 
análise, serão apresentados o debate e a comparação da representação do negro 
nesse romance com a representação do negro implícita nos romances do mesmo 
período. Em contrapartida, será mostrado o posicionamento antiescravista da 
autora, bem como o seu lugar na literatura afro-brasileira. Para isso, tomaremos 
como embasamento teórico principal os estudos de Eduardo de Assis Duarte (2011) 
e Algemira de Macedo Mendes (2006). Desse modo, percebe-se que a história não 
foge das representações românticas do período, no entanto, a subversão do 
imaginário literário e histórico-social no romance ocorre de maneira sutil nas falas 
das personagens negras e na maneira como essas mesmas personagens são 
caracterizadas e se portam na história. 
 
Palavras-chave: Subversão. Imaginário literário e histórico-social. Literatura afro-
brasileira. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
ABSTRACT 
 
 
The present study, the subversion of the imaginary literary and socio-historical novel 
Ursula, Maria Firmina dos Reis, and an analysis of the book Ursula which was 
published in 1859. In this study will be focused on the subversion of the imaginary 
literary and socio-historical present in the work, in which the author uses an intimate 
and committed approach on the condition of thenegro in our country in the 
nineteenth century. Via bibliographical researches literature, it was identified, 
specifically in the century XIX, in Brazil, the historical-social imaginary present was of 
blacks disgusted, outcast and despised, as result of a bourgeois and slavery society, 
from where were most of the Brazilian writers. In the course of the analysis, were 
showed a discussion and made a comparison of the representation of the negro in 
this novel with the implicit representation of the black novels from the same period. In 
contrast, will be shown the antislavery positioning of the author, as well as her place 
in the Afro-Brazilian literature. For this, we have as theoretical foundation Eduardo 
de Assis Duarte (2011) and Algemira de Macedo Mendes (2006) studies. In this 
sense, it was seen this story does not escape from the representations of the 
romantic period, however, the subversion of the imaginary literary and the historical-
social aspects in this novel reveal author’s position into the subtle in the discourse of 
black characters, their appearance and behavior. 
 
Keywords: Subversion. Imaginary and social-historic literacy. Afro-Brazilian 
literature. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10 
2 UM ROMANCE INTIMISTA ............................................................................... 12 
2.1 ENREDO ...........................................................................................................13 
2.2 O ROMANCE ÚRSULA E SUAS VERTENTES .............................................. 19 
3 A SUBVERSÃO DO IMAGINÁRIO LITERÁRIO ................................................ 21 
3.1 A VISÃO LIBERTADORA DAS PALAVRAS ................................................. 24 
3.2 LIBERDADE SUPRIMIDA DE CONCEITOS................................................. 33 
4 HISTÓRIA DE UM PAÍS ESCRAVO .................................................................. 37 
4.1 O SOCIAL E O LITERÁRIO DO SÉCULO XIX ............................................. 41 
4.1.1 A educação ................................................................................................. 41 
4.1.2 A literatura .................................................................................................. 44 
4.1.3 O Maranhão ................................................................................................. 48 
4.2 MÃOS ATADAS, PENSAMENTOS SOLTOS .................................................. 53 
4.2 ESCRAVIDÃO E RELIGIÃO ......................................................................... 58 
4.3.1 Escravidão ................................................................................................... 58 
4.3.2 Religião ........................................................................................................ 66 
5. MARIA FIRMINA NA LITERATURA AFRO-BRASILEIRA ............................... 72 
5.1 A TEMÁTICA ................................................................................................... 74 
5.2 A AUTORIA ..................................................................................................... 75 
5.3 O PONTO DE VISTA ...................................................................................... 76 
5.4 A LINGUAGEM ............................................................................................... 78 
5.5 O PÚBLICO ..................................................................................................... 79 
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 81 
REFERÊNCIAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
 
A literatura não é um fiel retrato da sociedade em que é produzida. Apesar 
disso, o discurso literário não fica imune ao meio em que foi criado. Sendo assim, é 
possível perceber presente na literatura brasileira a imagem do negro construída 
com características estereotipadas, animalescas e que são, nitidamente, reflexo da 
sociedade escravocrata do século XIX. Diferentemente do que acontecia nos 
romances publicados no mesmo período, o romance Úrsula, escrito por Maria 
Firmina dos Reis no século XIX, dá uma abordagem diferenciada em sua obra em 
relação ao negro colocando-o em igualdade com o branco e abordando também a 
questão da escravidão vivida à época. Ou seja, ela subverte o que havia presente na 
literatura de seus contemporâneos. 
A subversão do imaginário literário e histórico-social presente no romance 
Úrsula, tema desse estudo, é perceptível a partir de uma leitura mais acurada e 
crítica do romance citado, o qual trata de uma trágica história de amor entre dois 
jovens: a pura e simples Úrsula e o nobre bacharel Tancredo. Nessa obra, o que dá 
o tom de subversão são pequenos detalhes que fazem a diferença no romance. De 
maneira sutilizada pela autora, a subversão está nas falas das personagens negras 
(preta Susana, Túlio e Antero) e na maneira como elas mesmas são caracterizadas 
e se portam na história. 
Este estudo, dentro do tema proposto, tem como objetivos destacar o 
posicionamento da autora em relação à instituição escravidão, e isso em plena 
sociedade escravocrata, machista e preconceituosa. Para isso, será descrito o 
imaginário construído acerca do negro, na sociedade do século XIX, e que estava 
implícito na literatura. Serão citadas ainda as características que diferem Úrsula dos 
demais romances do período. Desse modo, será reafirmada a importância do 
romance para a literatura afro-brasileira. 
O estudo, de caráter teórico, foi feito através de uma leitura minuciosa da 
obra, o romance Úrsula. Foram lidos, ainda, além do romance objeto deste estudo, 
os livros As vítimas-algozes – Quadros da escravidão (1869) de Joaquim Manoel de 
Macedo e A escrava Isaura (1875) de Bernardo Guimarães, publicados no mesmo 
período de Úrsula, os quais serviram como paralelo para a análise. 
12 
 
Para desenvolver o estudo do tema proposto, realizou-se um levantamento 
bibliográfico de fontes, críticas, artigos sobre a autora e o romance em questão. Em 
especial, os estudos de Eduardo de Assis Duarte (2011) que trouxerem à lume a 
autora e suas obras que ficaram por muito tempo silenciadas. 
O presente estudo está divido da seguinte forma: os capítulos 2 e 3 são 
dedicados à análise direta do romance em seus detalhes e peculiaridades que o 
fazem diferenciar-se entre os do mesmo período. No capítulo 4, serão explanados 
os aspectos histórico, social e literário do Brasil do século XIX, situando também a 
escravidão e a religião do período, como também estabelecendo uma ligação com o 
Maranhão da época. O capítulo 5 trará uma abordagem da definição da literatura 
afro-brasileira e o lugar em que Maria Firmina dos Reis se insere. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
2 UM ROMANCE INTIMISTA 
 
 
“O romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, insere-se na moldura do 
folhetim do século XIX” (MENDES, 2006, p. 44) e o que se destaca no romance é o 
contexto da escravidão que segundo Duarte “tematiza o assunto negro a partir de 
uma perspectiva interna e comprometida politicamente em recuperar e narrar a 
condição do ser negro em nosso país” (DUARTE apud ALBERTO, 2009, p. 1). 
Mesmo assim a obra passou por um longo período de invisibilidade e só em 1975 
veio a público através da edição fac-similar preparada por Horácio de Almeida. 
Antes de ser abordado o romance, será tratada a biografia da autora para 
entendermos em quecondições ela escreveu a obra. Maria Firmina dos Reis nasceu 
em 11 de outubro de 1825, no bairro de São Pantaleão, na Ilha de São Luís, capital 
da província do Maranhão. Filha de João Pedro Esteves e Leonor Felipa dos Reis, 
ficou órfã de mãe e não conheceu o pai. Era extremamente pobre e era parente 
distante do escritor maranhense Francisco Sotero dos Reis, por parte de mãe, “a 
quem deve sua cultura, como afirma em diversos poemas” (LOBO apud DUARTE, 
2004, p. 265-266). Menina bastarda e mulata vivendo em um contexto de extrema 
segregação racial e social, aos cinco anos teve de se mudar para a vila de São José 
de Guimarães, no município de Viamão. 
Viveu grande parte da vida com uma tia materna mais abastada. Autodidata, 
sua instrução fez-se por meio de muitas leituras – lia e escrevia francês 
fluentemente. Exerceu a profissão de professora primária, tendo sido aprovada em 
primeiro lugar para a vaga do concurso público estadual em 1847 para mestra régia. 
Aposentou-se em 1881. Um ano antes da aposentadoria, fundou a primeira escola 
mista no Maranhão, tendo esta funcionado até 1890. Além disso, a escritora foi 
presença constante na imprensa local, publicando poesias, ficção, crônicas e até 
enigmas e charadas. Também criou o Hino à libertação dos escravos. Trouxe a 
público dois romances: Gupeva, em 1861, de temática indianista, e Úrsula, em 
1859, no qual aborda a escravidão a partir do ponto de vista do outro. Solteira, cega 
e pobre, faleceu em 11 de novembro de 1917, aos 92 anos, na companhia de Leude 
Guimarães, um de seus filhos de criação. 
Voltando ao romance Úrsula, o tempo e o espaço são indeterminados, 
porém a história está contextualizada no ambiente rural do Maranhão e se passa à 
14 
 
época em que foi escrita e publicada, 1859. Também há um capítulo (XV) que se 
passa em um convento, provavelmente na capital, já que o nome e a localização são 
suprimidos pela autora, identificando-o apenas como Convento de ***1. 
A técnica utilizada para a construção do romance é a de encaixe de 
narrativas, nas quais as personagens contam suas vidas. A narrativa é em terceira 
pessoa, o narrador é um observador que se posiciona com intenções oniscientes. 
As personagens são: 
 1º grupo: Úrsula e Tancredo de***, protagonistas; Fernando P... (o 
comendador), antagonista; 
 2º grupo – secundários: Túlio, Susana e Antero, os negros escravos; 
Luísa B..., mãe de Úrsula; os pais de Tancredo; Adelaide, ex-noiva de Tancredo; e o 
padre F..., capelão da fazenda de Fernando P.... 
O ponto de vista é declaradamente antiescravista, apoiado enfaticamente 
nos conceitos religiosos e amenizado no discurso social. A obra é composta por 
um prólogo, vinte capítulos e epílogo, que serão descritos em resumo a seguir: 
No Prólogo Maria Firmina dos Reis (2004, p. 13) diz que seu romance é 
“mesquinho e humilde” e “que passará entre o indiferentismo glacial de uns e o riso 
mofador de outros, e ainda assim o dou a lume”, nota-se que ela reconhece a sua 
condição de mulher, vista como inferior ao homem e, por isso, o seu livro poderia ser 
desprezado, mas com essa atitude de humildade espera ter seu romance aceito. 
 
 
2.1 ENREDO 
 
 
O primeiro capítulo é intitulado “Duas almas generosas”, no qual o narrador 
descreve o universo da narrativa e apresenta as personagens Tancredo e Túlio. 
Tancredo sofre uma grave queda de cavalo e ali fica desacordado até que “nesse 
comenos alguém despontou longe [...] porque seus passos para ali se dirigiam, 
como se a Providência os guiasse!” (REIS, 2004, p. 21). Este alguém era Túlio, o 
jovem escravo que fica comovido com a situação do cavaleiro e ajuda-o a recobrar 
 
1
 No romance Úrsula, a autora optou por não revelar o sobrenome das personagens, nem dos 
ambientes. Em vez disso, ela fez uso de reticências (Luisa B..., por exemplo) ou de asteriscos 
(Convento de ***) para representar esses nomes. Em capítulo posterior, trataremos desse aspecto. 
15 
 
os sentidos porque “as almas generosas são sempre irmãs”. Túlio leva Tancredo 
para a casa de sua senhora (Luísa B..., mãe de Úrsula) e nesse capítulo é 
apresentada ao leitor a positividade moral do texto, representada nas duas 
personagens. 
No segundo capítulo, “O delírio”, Tancredo, já na casa de Luisa B... é 
acometido por delírios e fala por meio de “palavras entrecortadas, gemidos, e 
gesticulações desordenadas” sobre Adelaide, ora com amor, ora com ódio, sem 
deixar claro quem ela é. Ouvindo essas declarações imprecisas, Úrsula fica 
angustiada porque no seu coração já tinha brotado o amor pelo mancebo. 
No terceiro capítulo, “A declaração de amor”, Tancredo, aos poucos, recobra 
as forças e atribui sua melhora aos cuidados do jovem negro e da formosa donzela. 
Tancredo alforria Túlio e preparava-se para seguir a sua viagem. Angustiada pela 
futura ausência de Tancredo e Túlio, Úrsula vai para o lugar que ela considera seu 
refúgio de reflexões e é surpreendida por Tancredo que lhe declara o seu amor e, 
nesse momento, ela pede explicações sobre quem é Adelaide. 
Do quarto ao sétimo capítulo, Tancredo conta para Úrsula a história da sua 
vida até o dia em que sofreu o acidente e conheceu Túlio. Fala que se separou da 
mãe durante muito tempo para estudar Direito e que no seu retorno conheceu 
Adelaide (parente de sua mãe), apaixonou-se por ela e quis desposá-la, mas que o 
seu pai não aceitava a união dos dois. 
Quando o pai resolveu aceitar o casamento de Tancredo, colocou algumas 
condições: ele teria de passar um ano longe da sua mãe e de Adelaide e só voltar 
quando pudesse entregar-lhe uma ordem para assumir a chefia na comarca de***. 
Tancredo ausenta-se acreditando na promessa do pai de cuidar da sua mãe e de 
sua amada. Nesse ínterim, seu único alento eram as cartas recebidas de Adelaide 
que, com o tempo, cessaram de chegar. Tancredo adoece e vai tratar-se em outra 
cidade e quando volta fica sabendo, por meio de uma carta, que a sua mãe morreu. 
Quando finalmente chega à sua casa, encontra Adelaide como esposa do seu pai e 
grande é a fúria de Tancredo contra ele. Foi sobre essa situação que ele estava 
pensando quando sofreu o acidente no início do livro. 
 No oitavo capítulo, “Luísa B...”, Úrsula e Tancredo contam a Luísa B... que 
se amam e querem se casar. Ouvindo isso, emocionada, Luísa vai relatar todo o seu 
infortúnio desde sua relação fraternal com Fernando P... até o seu casamento com 
Paulo B..., noivo que seu irmão considerou inferior e o matou. Depois disso, 
16 
 
comprou as dívidas da família de Luísa para tornar-se proprietário da irmã e da 
sobrinha. 
No nono capítulo, “A preta Susana”, Tancredo e Túlio estão com todos os 
preparativos da viagem prontos. Nesse momento, aparece a velha escrava Susana 
“que lhe serviu de mãe” e tem uma conversa com o jovem negro sobre o que 
realmente é ser livre e diz: “Tu, tu livre, ah não me iludas!” (REIS, 2004, p. 114). E é 
durante essa conversa que é resgatada a narrativa da história de Susana, dos 
tempos que era livre na África até o dia em que foi capturada pelos “bárbaros” e a 
sua trajetória do seu país até o Brasil, no “cemitério” cotidiano do porão do navio 
negreiro. 
No capítulo X, “A mata”, depois que Tancredo parte com Túlio, Úrsula vai à 
mata refletir, e ouve um tiro de “arcabuz” disparado bem junto dela e logo depois um 
homem estranho aparece e fica contemplando sua beleza. Quando tenta ir embora, 
é abordada pelo caçador que implora: “Em nome de vossa mãe, não fujas, Úrsula” 
(REIS, 2004, p. 126). Perturbada com aquele homem que sabe seu nome e que ela 
não conhece, tenta mais uma vez sair dali e ele diz-lhe que a ama.No capítulo XI, “O derradeiro adeus”, Úrsula fica perturbada com o que 
aconteceu na mata e considera que houve um presságio. Após alguns dias, um 
escravo vem trazer uma carta de Fernando P... para Luísa B... dizendo que eles 
iriam se ver e avisa que ele logo chegará. Logo depois, ele chega na casa delas e 
Úrsula o reconhece como o homem da mata que é também o seu tio. Desesperada 
pela repulsa e terror que sente por aquele homem que foi o responsável por todo o 
infortúnio de sua família, incluindo o assassinato de seu pai, ela sai sem rumo e só 
volta para casa ao ser chamada pela preta Susana avisando que sua mãe está 
morrendo. 
No capítulo XII, “Foge”, Luísa pede à filha que fuja. Úrsula conta-lhe que o 
conheceu na mata, que ele se declarou para ela. Sua mãe diz-lhe que Fernando foi 
à cidade de*** buscar um sacerdote para realizar a união entre ele e Úrsula. Ela 
reluta mas sua mãe insiste pra que ela fuja e tema a cólera de Fernando, 
sobretudo tema e repila seu amor desenfreado e libidinoso. Nesse instante, Luísa 
B... morre nos braços da filha e na manhã seguinte é enterrada no cemitério Santa 
Cruz. 
No capítulo XIII, “O cemitério de Santa Cruz”, Úrsula “desatinada por tantas 
dores, depois de vagar incerta no caminho que queria seguir” (REIS, 2004, p. 155), 
17 
 
chega ao cemitério e de joelhos beija a terra úmida do túmulo em que se 
encerravam os restos de sua mãe. Não suportando a dor e a saudade, desmaia. É, 
então, encontrada por Túlio e Tancredo, este a acorda e juntos oram pelo descanso 
eterno de Luísa B.... 
No capítulo XIV, “O regresso”, é explicado como Tancredo e Túlio souberam 
que Úrsula estava no cemitério. Na volta deles, Túlio conta a Tancredo os 
sofrimentos que ele e sua mãe viveram quando eram escravos de Fernando P..., o 
comendador, e que seus sofrimentos foram aliviados quando foi morar com Luísa 
B..., mesmo tendo sido separado de sua mãe biológica. Túlio chora desconsertado, 
com as lembranças. Ao chegarem à casa de Luísa B..., Susana comunica-lhes da 
morte da matriarca, da visita do comendador e de suas intenções para com Úrsula, a 
qual está no cemitério Santa Cruz onde eles a encontram. 
No capítulo XV, “O convento de ***”, há um retorno ao momento de oração 
no cemitério para poder prosseguir na narrativa. Úrsula pede para que fujam, 
Tancredo fica assustado, mas obedece. Eles conversam e ela por alguns instantes 
esquece seus infortúnios e fica feliz. No alvorecer do dia seguinte, Tancredo leva 
Úrsula para o convento de Nossa Senhora da ***, na cidade de ***. Lá, pede que as 
virgens, dedicadas ao Deus do Calvário, cuidem dela até a realização do casamento 
deles. 
No capítulo XVI, “O comendador Fernando P...”, aparece logo no início a 
figura do padre. Fernando retorna da cidade pronto para ser tutor ou marido de sua 
sobrinha, caso encontrasse Luísa morta. Por isso, passa em sua fazenda e procura 
o capelão. Não o encontrando, segue na direção da saída, quando o encontra no 
caminho e recebe a notícia da morte de sua irmã, Luísa B... Diante do exposto, ele 
sai desesperado à procura de Úrsula. Chegando à fazenda de sua irmã, encontra a 
preta Susana, que lhe informa que Úrsula não está, que foi ao cemitério orar. 
Desesperado, ele segue em direção ao cemitério e não encontrando Úrsula, seu 
coração se enche de ódio e sentimento de vingança pela velha escrava, que em sua 
certeza o ludibriou. 
Desse modo, Fernando retorna a sua fazenda e manda o feitor buscar a 
escrava Susana. Ele se nega, é demitido e corre para avisar a escrava que fuja. No 
entanto, ele já a encontra vindo escoltada por dois negros e acompanhada pelo 
padre. Susana nega-se a fugir justificando que os inocentes não fogem. O 
comendador providencia o cativeiro, e a escrava em menos de dez minutos chega. 
18 
 
Por várias vezes o comendador aplica-lhe castigos para que ela revele o paradeiro 
de Úrsula, mas todas as vezes ela nega veementemente, nem mesmo quando 
acorrentada a pão e água, preferia morrer a denunciar sua senhora. No entanto, um 
dos escravos chega e revela ao comendador o paradeiro de Úrsula. Ele lança seu 
ódio sobre a velha escrava e, apesar de o padre tentar interceder por Susana, não é 
ouvido e é repreendido por Fernando que vocifera palavras de ódio e vingança a 
Úrsula. 
No capítulo XVII, “Túlio”, são narrados os últimos momentos que antecedem 
a cerimônia de casamento de Tancredo e Úrsula e a captura de Túlio pelos escravos 
do comendador. Antes de Tancredo ir ao encontro de Úrsula, para que no convento 
de *** seja realizado o casamento, procura Túlio e não o encontra, o que o deixa 
surpreso. Ele manda procurá-lo e, não o encontrando, segue com amigos para o 
convento. No convento, o jovem advogado fica emocionado ao ver sua noiva 
acompanhada pelas jovens religiosas, trajando “um simples vestido de seda preto”. 
Enquanto a cerimônia se realizava, Túlio sofria com os castigos do comendador para 
descobrir a verdade sobre Úrsula e Tancredo, sempre vigiado por um velho escravo, 
de nome Antero, responsável por qualquer tentativa de fuga de Túlio. Por fim, o 
sacerdote dá a bênção, e o casal recebe as felicitações dos amigos que os 
acompanharam. 
No capítulo XVIII, “A dedicação”, Antero, escravo do comendador, cuida da 
vigilância de Túlio, em uma casa abandonada, cumprindo fielmente as ordens de 
seu senhor. Túlio, em sua prisão, porta-se com certa resignação. Muito abatido, 
sofre com os maus tratos, pensa todo o tempo em seus amigos e em como fugir dali. 
Na ocasião, Antero reclama da secura da garganta, Túlio, aproveitando a saída do 
comendador, oferece dinheiro ao velho para comprar bebida. Antero aceita, compra 
a cachaça e passa a beber freneticamente, cai ao chão e Túlio, antes de fugir, 
prepara um estratagema para o velho escravo não ser culpado por sua fuga. 
Túlio, já livre, corre ao encontro dos noivos e de longe avista um coche que 
está partindo a trote largo, e outro, parado. Por isso, ele corre para que dê tempo de 
avisar aos noivos, porém, ao aproximar-se, é atingido por dois tiros. Nesse instante, 
Tancredo sai ao encontro de Túlio e é cercado pelo bando do comendador, Úrsula 
ainda grita, pedindo clemência ao tio e desmaia. Após essa cena de súplica, cai 
aos pés de Fernando. Tancredo, vendo a esposa desmaiada aos pés do 
comendador, abaixa-se, toma-a em seus braços e a beija pela última vez. Fernando 
19 
 
sente-se afrontado, os dois brigam e o comendador crava-lhe no peito um punhal. 
Úrsula, ao despertar, joga-se sobre seu amado e ouve-lhe o último suspiro. 
No capítulo XIX, “O despertar”, Fernando P... já não sabe mais o que sente, 
pois parece que seu amor perdera-se e ele já não sonhava com vingança. Após 
algumas noites do ocorrido, Úrsula dorme um sono agitado, nem a dor, que 
despedaça sua alma a tinha arrancado desse doloroso torpor. O comendador a 
contempla, ajoelhado ao pé de sua cama, numa atitude de desespero, mas a adora 
como uma santa, sem tocá-la. Ele tenta acordá-la. Ela abre os olhos e solta um grito 
fulminante que o faz estremecer de angústia. Com isso, Fernando P... reconhece 
que estava sendo punido, pois a presença e o estado mental de Úrsula o 
matavam aos poucos. 
No capítulo XX, “A louca”, o sacerdote faz uma retrospectiva dos crimes que 
o comendador cometera. Fernando P... ouve cabisbaixo e só reage quando o padre 
o aconselha. Pede ao sacerdote que o leve até o quarto da donzela, mas, no limiar 
da porta, não se atreve a entrar. Úrsula sorri debilmente. Com a cena, Fernando P... 
fecha os olhos, agarrando-se à porta para não cair. Úrsula repetia palavras 
insistentemente. Assim passou seus últimos instantes, sempre falando com 
Tancredo comose ele ali estivesse ou repetindo as últimas palavras ditas ao 
comendador antes de Tancredo morrer. O sacerdote acena para o comendador, 
que assiste a tudo imóvel e pálido, e pede que se ajoelhem aos pés da infeliz louca, 
que entregava a alma ao criador. Úrsula, no transe eterno, cruza as mãos sobre o 
peito, suspira e morre. 
No Epílogo, dois anos se passaram dos acontecimentos narrados. Na 
província, ninguém lembra mais das mortes e atrocidades cometidas por Fernando 
P... O único que poderia testemunhar calou-se. Sabe-se que o comendador 
Fernando P. termina seus dias em um convento de Carmelitas, sem que ninguém 
conhecesse seu passado. Adota o nome de Frei Luis de Santa Úrsula e, somente na 
hora da extrema-unção, revela a sua identidade. No delírio de morte, pede perdão 
de seus pecados. Igual fim tem Adelaide, mesmo tendo casado novamente após a 
morte de seu marido, vive infeliz e tomada pela culpa. 
 
 
2.2 O ROMANCE ÚRSULA E SUAS VERTENTES 
 
20 
 
 
Para fins desta pesquisa, realizou-se um levantamento bibliográfico de 
fontes – críticas e análises sobre o romance e a autora em estudo –, documentos 
em bibliotecas, arquivos públicos e acervos eletrônicos. Desse modo, foram 
encontrados diversos artigos científicos, publicações em anais de congressos e 
encontros, publicações em revistas, dissertações de mestrado e tese de doutorado. 
Nesse sentido, as investigações e análises feitas que tematizam o romance 
e/ou a autora dirigem-se para diversos aspectos: a imagem do negro; a construção 
do negro; a figura da preta Susana; gênero, representação e literatura; história; 
estética e ideologia; gênero e etnicidade; afro-brasilidade; abolicionismo. 
As primeiras publicações de estudos a respeito do romance e da autora só 
começaram a ser feitos e publicados praticamente dois séculos depois de sua 
publicação, já nos anos 2000. Isso por causa da invisibilidade em que a obra esteve 
durante muitos anos, e somente após a recuperação da obra da escritora, em 1973, 
em pesquisas de José Nascimento Moraes Filho e com a publicação da edição fac-
similar de Úrsula em 1975, preparada por Horácio de Almeida, é que Maria Firmina e 
seu romance Úrsula começaram a ser objetos de estudo de alguns pesquisadores. 
Um dos estudiosos que deu e dá maior visibilidade a Maria Firmina e sua 
obra é o pesquisador, professor aposentado da UFMG, Dr. Eduardo de Assis Duarte 
que, mantendo vínculo voluntário com a UFMG, atua como professor colaborador do 
Programa de Pós-graduação em Letras e coordena o grupo de pesquisa 
Afrodescendências na Literatura Brasileira (CNPq2) e o literafro, Portal da Literatura 
Afro-brasileira, com informações biobibliográficas, críticas e excertos de mais de 100 
autores, entre eles, Maria Firmina dos Reis. 
No artigo de Eduardo de Assis Duarte (2004) – Maria Firmina dos Reis e os 
primórdios da ficção Afro-brasileira –, ele traz uma análise do livro Úrsula, no qual 
prevalece a afirmação de que pela primeira vez na literatura brasileira há a voz dos 
escravizados no discurso do outro. Desse modo, ele qualifica Úrsula como uma 
desconstrução, não apenas da primazia do abolicionismo branco, masculino e 
senhorial, mas também como “o primeiro romance abolicionista da literatura 
brasileira”, e como “o primeiro romance da literatura afro-brasileira” (DUARTE, 2004, 
p. 279), já que Maria Firmina é afrodescendente. Ele mostra ainda como o romance 
 
2
 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 
21 
 
tematiza o assunto negro a partir de uma perspectiva interna em que mostra 
verdadeiramente a condição do negro em nosso país. As colocações de Eduardo de 
Assis Duarte são comprovadas com uma leitura mais acurada do romance, já que 
muitas das ideias que ele atesta não são perceptíveis em uma primeira leitura. 
No artigo de Algemira de Macedo Mendes (2008) – Maria Firmina dos Reis: 
um marco na literatura afro-brasileira do século XIX – a autora faz um breve passeio 
sobre a literatura maranhense antes de Maria Firmina e analisa Úrsula, mostrando 
que os escritos, às vezes ultrarromânticos, característica do estilo da época em que 
Maria Firmina viveu, considerados, à primeira vista, tolos e açucarados, mencionam 
assuntos negados por seus contemporâneos e revela a veia abolicionista articulada 
com o contexto das relações econômicas, sociais e culturais da época. A 
articulação a que Algemira de Macedo Mendes se refere é a postura política 
abolicionista em defesa dos escravos em contraponto ao posicionamento passivo da 
sociedade ante a escravidão. O que fica mais uma vez reafirmada é a representação 
real de afro-brasileiros conscientes de sua condição enquanto indivíduo, já que à 
época esse direto lhes era negado. 
Atualmente, a obra instiga diversas áreas de estudo, pois trata de temas 
como a escravidão, a mulher afrodescendente, o sistema escravocrata brasileiro, 
propiciando um leque de temas. Por ter tratado tantos assuntos diferentes em sua 
obra, e de um ponto de vista diferente de seus contemporâneos, e pelos anos de 
silêncio literário em que a obra e a autora ficaram envoltas, ainda há muito que ser 
investigado e estudado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
22 
 
3 A SUBVERSÃO DO IMAGINÁRIO LITERÁRIO 
 
 
Um romance brasileiro, no ano de 1859, escrito por uma mulher aos 35 
anos, autoditada, professora, mulata, pobre, maranhense cujo enredo do livro 
tratava sobre a história de um casal apaixonado vivendo numa sociedade aristocrata 
que se utilizava do trabalho escravo para realizações de diversas atividades 
pesadas. Esses mesmos escravos não eram vistos, pela grande parte da população, 
como seres humanos, mas, no romance, tiveram a oportunidade de se expressar. 
Desse modo, a autora traz uma contribuição inovadora para a época. 
Entretanto, a denúncia de Maria Firmina talvez não tenha sido percebida 
pelos seus leitores na época, embora o lançamento do seu livro tenha uma certa 
importância para a sociedade local, inclusive a imprensa da época fez menção, 
como podemos constatar por meio do jornal A moderação, de 11 de agosto de 1860, 
o qual trazia a seguinte notícia: 
 
Úrsula – Acha-se à venda na Tipografia do progresso, este romance 
original brasileiro, produção da exma. Sra. D. Maria Firmina dos Reis, 
professora pública em Guimarães. Saudamos a nossa 
comprovinciana pelo seu ensaio que revela de sua parte bastante 
ilustração; e, com mais vagar emitiremos a nossa opinião, que desde 
já afiançamos não será desfavorável à nossa distinta comprovinciana 
( MORAIS FILHO apud MENDES, 2006, p. 39). 
 
A “visibilidade” (já que na época o maior meio de comunicação era a 
imprensa escrita, ou seja, o jornal) que o romance firminiano obteve no período de 
sua publicação não se prolongou muito, tendo em vista que o livro Úrsula ficou na 
escuridão até o ano de 1975, quando Horácio de Almeida preparou a edição fac-
similar. Portanto, mesmo a imprensa local noticiando, para alguns leitores, e 
indicando onde se achava à venda, o romance era apenas mais um sobre uma 
história de amor que não teve um final feliz. 
Foi com ousadia que Maria Firmina dos Reis escreveu esse romance numa 
sociedade machista, aristocrática, preconceituosa e conservadora no estado do 
Maranhão, porém, ainda assim, no prólogo do livro ela demonstra que é 
conhecedora da situação inferior na qual as mulheres viviam e diz: “Sei que pouco 
vale este romance, porque escrito por mulher e mulher brasileira” (REIS, 2004, p.13), 
de modo que o trouxe a lume e não se intimidou por ser de educação humilde. 
23 
 
Se Firmina foi corajosa ao escrever seuromance, caberia também ao seu 
público leitor entender as críticas contra o regime da escravidão que tem grande 
destaque no livro, porque a história de amor entre a pura e inocente Úrsula e o 
bacharel Tancredo é apenas o pano de fundo da narrativa que na verdade quer 
evidenciar os sofrimentos e amarguras dos escravos, dando-lhes vez de falarem e 
serem vistos como seres humanos. Entende-se, então, que o romance Úrsula deve 
ser lido observando as entrelinhas. 
Entretanto, quem seria o público leitor de romances na época da publicação 
de Úrsula que é considerado o primeiro livro escrito por mulher no Brasil? 
 
O romance romântico brasileiro dirigia-se a um público mais restrito 
do que o atual: eram moços e moças provindos das classes altas, e, 
excepcionalmente, médias; eram profissionais liberais da corte ou 
dispersos pelas províncias: eram, enfim, um tipo de leitor à procura 
de entretenimento, que não percebia muito bem a diferença de grau 
entre um Macedo e um Alencar urbano (BOSI, 1994, p.128). 
 
Portanto, eram essas as pessoas que iriam ler um romance escrito por uma 
mulher que aparentemente era adocicado e romanesco como os demais, mas que 
tinha imbuído em suas páginas um discurso abolicionista que criticava fortemente a 
forma como a sociedade estava articulada naquela época. Contudo, o trecho acima 
diz que esses leitores estavam em busca de entretenimento e, por isso, não 
estavam muito atentos às denúncias presentes nas entrelinhas do livro, ou seja, não 
percebiam que a linda história de amor que não teve final feliz era apenas um 
pretexto para que o assunto de maior importância do livro, que eram as ideias 
abolicionistas, viesse à tona e fosse abordado sem causar tanta estranheza. 
Conhecendo a estrutura da sociedade do seu tempo em que o negro não era 
visto como ser humano, que tinha terra natal, família, história, cultura e sentimentos, 
que a sociedade escravocrata e patriarcal o concebia apenas como animal capaz 
apenas de fazer serviços braçais e pesados, Maria Firmina resolveu dar voz aos 
desprezados e oprimidos em Úrsula e permitiu que eles falassem das suas 
angústias e sofrimentos no desenrolar do romance. 
Maria Firmina permite ainda que os escravos, vistos até então só como 
vítimas de um sistema opressor, dominante e agressivo, contem suas memórias de 
uma época em que podiam gozar a liberdade no seu país e que foram felizes com a 
sua família (caso da preta Susana, capítulo IX); lembrem-se de forma nostálgica da 
24 
 
África, onde a festa do fetiche permitia que durante um dia na semana não se 
trabalhasse, sendo um dia apenas de diversão em que brincavam e bebiam, (como 
fala Antero) (REIS, 2004). E ainda Firmina coloca como parâmetro de elevação 
moral o jovem escravo Túlio, que tem sua liberdade comprada por Tancredo depois 
de salvá-lo, mas que recebeu de Susana conselhos em que ele não seria livre num 
país em que os negros eram escravos. 
A subversão de valores e do imaginário literário presente no romance Úrsula 
é que os negros são vistos na obra como pessoas portadoras de sentimentos e 
emoções, capazes de expressarem suas vontades e principalmente os escravos em 
destaque (Antero, Túlio e Susana) estão totalmente fora dos estereótipos vistos na 
literatura da mesma época. Nesse sentido, o que Maria Firmina faz é deixar que a 
África apareça como o lugar em que eles foram capturados e também como seu 
lugar de origem. 
 
Há neles uma reivindicação estética e outra ideológica de visibilidade 
literária, humana e social. Muito diferentemente das narrativas 
tradicionais que abordaram o negro no século XIX no Brasil, no 
romance Úrsula há originalidade expressiva, por eles (os negros) 
aparecerem ligados à identidade africana e não apenas como 
mercadoria ou escravo sofredor das imposições escravocratas 
(NASCIMENTO, 2009, p. 105). 
 
A escritora é original e arrojada ao subverter a imagem construída sobre o 
negro ao longo dos anos no Brasil e apresentá-lo de uma forma diferente da que era 
usual na época. A citação acima é bem clara a respeito da ideia da identidade 
africana, o que foi um fato inovador. Desse modo, o negro foi retratado como 
afrodescendente e visto também pelas suas particularidades, individualidades como 
ser humano que tem valores morais, espirituais, afetivos e que não é animalesco, e 
que não foi criado exclusivamente para a escravidão. 
Primorosamente, a autora contextualiza a questão da África, a forma como 
foram capturados brutalmente e a maneira como eram felizes antes de serem 
escravos no Brasil. Esses detalhes não eram vistos nas produções literárias 
brasileiras desse período. Interessante mesmo é a questão do local de origem da 
África visto como lugar onde eram felizes e aqui, no Brasil, para eles, era sinônimo 
de frustração, amarguras e tristezas. 
O escravo, para Maria Firmina dos Reis, possui individualidade, não é 
passivo diante da escravidão, mas argumenta contra ela e tem coragem para falar 
25 
 
que só na África conheceu a liberdade e lembra-se da sua terra natal com 
saudosismo e nostalgia. 
Por meio de sua obra, Firmina conseguiu superar todas as barreiras que 
existiam na sociedade estratificada à qual pertencia, entre homens e mulheres, 
brancos e negros, pobres e ricos, legítimos e bastardos, livres e escravos, 
dominador e dominado, e assim fazer com que o seu discurso abolicionista fosse 
ouvido e assim vê, depois de alguns anos, a concretização dele com a abolição dos 
escravos em decorrência da lei Áurea, em 13 de maio de 1888, porque como está 
escrito “dia virá em que os homens reconheçam que são todos iguais” (REIS, 2004, 
p. 28). 
 
 
3.1 A VISÃO LIBERTADORA DAS PALAVRAS 
 
 
Encontramos a definição de palavra como “manifestação verbal ou escrita; 
faculdade de expressar ideias por meio de sons articulados” (FERREIRA, 2000, p. 
509). Ao longo da História, muitas pessoas utilizaram a palavra como instrumento de 
divulgação, manifestação e expressão de ideais. Com Maria Firmina dos Reis não 
foi diferente, ela utilizou as palavras, em um discurso sutil, para manifestar na escrita 
as suas ideias e expressar a sua visão quanto à escravidão. 
Nessa perspectiva, escreveu um romance em que não há peripécias no 
enredo e que a sua heroína Úrsula não é diferente das outras heroínas dos 
romances do século XIX, pois ela é descrita com o ideal de beleza das moças do 
período romântico e “enlouquece em consequência das atrocidades que sofre: é 
raptada após assistir o assassinato do noivo à porta da igreja” (ZOLIN, 2009, p. 
231). A própria autora apresenta as seguintes características de Úrsula: 
 
Úrsula, a mimosa filha de Luíza B..., [...] Bela como o primeiro raio de 
sol [...] Era ela tão caridosa... tão bela... e tanta compaixão lhe 
inspirava o sofrimento alheio, que lágrimas de tristeza e de sincero 
pesar se lhe escaparam dos olhos, negros, formosos, e 
melancólicos. [...] Úrsula era ingênua e singela em todas as suas 
ações (REIS, 2004, p. 32-33). 
 
26 
 
Seguindo o padrão das obras do período e mesmo não diferindo no tema em 
relação a outros romances, essa história serviu como pano de fundo para que a 
autora apontasse: “[...] o caminho do romance romântico como atitude política de 
denúncia de injustiças há séculos presentes na sociedade patriarcal brasileira e que 
tinha no escravo, no índio e na mulher suas principais vítimas” (MENDES, 2006, p. 
44). 
Nesse sentido, só se pode entender que atitude política de denúncia e 
injustiças há no romance de Maria Firmina, em especial relacionada ao escravo, 
quando se estabelece uma relação com o período Histórico que o Brasil vivia. E, 
segundo Figueira (2005), a escravidão no Brasil começou após a chegada deCabral, em que portugueses e franceses escravizaram o nativo (o índio) e, paralela 
a esta, a escravidão dos negros com a vinda dos africanos a partir de 1550. Em 
1570, a Coroa proibiu a escravização dos índios, os quais também contavam com a 
proteção dos jesuítas que tencionavam catequizá-los. Então os colonizadores 
passaram a recorrer cada vez mais à mão de obra africana. 
Foi no decorrer do século XVI, com a colonização da América, que o tráfico 
tornou-se mais intenso, e a partir do ano de 1570 chegavam cerca de dois mil 
cativos africanos à colônia portuguesa por ano. Com a conquista da América, o 
tráfico negreiro através do Atlântico chegaria a 11.313.000 escravos, entre os 
séculos XVI e XIX. 
Em 1859, ano de publicação do romance Úrsula, o Brasil vivia ainda o 
período da escravidão, que só seria abolida em 13 de maio de 1888 com a 
assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel. Nessa década, o Brasil passava por 
um período de crescimento e modernização e mesmo assim ainda se mantinha 
como exceção no mundo, junto a Cuba e Porto Rico, manchando a sua História com 
a cadeia da escravidão. Dentro desse cenário social e político brasileiro foi que 
Maria Firmina dos Reis escreveu o seu romance romântico e desenvolveu o seu 
enredo. 
É no desenrolar da história de Firmina que vemos como as palavras 
libertaram o negro escravo, dentro do romance, da visão estereotipada da época. 
Nessa obra, a autora dá às personagens negras corpo e voz, diferentemente de 
outros romances do período, ela individualiza e não os estereotipa, não os coloca 
como escravos em geral, apenas vítimas da escravidão e por ela marginalizadas. 
Elas são movimentadas mais do ponto de vista externo, mas em alguns momentos 
27 
 
expressam atitudes e sentimentos marcantes, como a narração da velha preta 
Susana (REIS, 2004, capítulo IX, p. 111 a 119), em que a personagem expressa 
sentimentos internos profundos de tristeza e saudades da África. 
Quanto aos exemplos da postura de falar dos escravos, em geral ou de 
maneira estereotipada, há em várias obras do período, porém serão aqui abordadas 
as duas mais conhecidas: As vítimas-algozes – Quadros da escravidão (1869) de 
Joaquim Manoel de Macedo (1820-1881) e A escrava Isaura (1875) de Bernardo 
Guimarães (1825-1884). 
Em As vítimas-algozes, na introdução, o autor fala da escravidão como 
“árvore venenosa plantada no Brasil pelos primeiros colonizadores, fonte de 
desmoralização, de vícios e de crimes” (MACEDO, 2010, p. 17), e já coloca a 
condição do escravo como desmoralizado, viciado e criminoso, retratando os negros 
de maneira estereotipada e marginalizando-os, como no trecho do capítulo VIII da 
história Simeão, o crioulo3, primeira do livro: 
 
Mas no entanto Simeão era mais do que nunca ingrato e perverso. 
Não condeneis o crioulo; condenai a escravidão. O crioulo pode ser 
bom, há de ser bom amamentado, educado, regenerado pela 
liberdade. O escravo é necessariamente mau e inimigo de seu 
senhor. A madre-fera escravidão faz perversos, e vos cerca de 
inimigos (MACEDO, 2010, p. 40, grifos nossos). 
 
O negro é colocado pelo autor como era visto pelo branco burguês, racista e 
escravocrata da sociedade do século XIX: por ser escravo é perverso, ingrato, 
degenerado, brutal, corrupto, dado aos vícios e a embriaguez, desavergonhado nas 
palavras e nas ações, características de um “perfeito escravo” (MACEDO, 2010, p. 
33). Ainda que em alguns trechos do livro o autor realmente humanize o negro, na 
maior parte das histórias está presente a depreciação da imagem deste, até 
involuntária ou inconscientemente, e a visão branco-burguesa-escravocrata. 
Macedo (2010) não se limita a essas descrições citadas acima, de cunho 
preconceituoso e racista, embora ele cresse que estivesse sendo ativamente 
antiescravista. Na conclusão da primeira história, Simeão, o crioulo, ele diz: 
 
Pois eu vos digo que Simeão, se não fosse escravo, poderia não ter 
sido nem ingrato, nem perverso. [...] Entre os escravos a ingratidão e 
a perversidade fazem a regra; e o que não é ingrato nem perverso 
 
3
 Crioulos, chamavam aos afrodescendentes nascidos na América e chamavam negros aos nascidos 
 na África. 
28 
 
entra apenas na exceção. [...] E a escravidão degrada, deprava, e 
torna o homem capaz dos mais medonhos crimes. [...] Se quereis 
matar Simeão, acabar com Simeão, matai a mãe do crime, acabai 
com a escravidão (MACEDO, 2010, p. 74, grifos nossos). 
 
Macedo enfatiza, assim, nas entrelinhas, que nem ele percebeu a maldade e 
ingratidão crônicas presentes no homem negro, como os brancos escravistas assim 
acreditavam. Na segunda e terceira histórias, Macedo (2010) continua a desfiar o 
seu terço de preconceitos da visão do homem branco e escravista. Na segunda 
história, Pai-Raiol, o feiticeiro, ele diz: “o feitiço, como a sífilis, veio d’África” 
(MACEDO, 2010, p. 78) e prossegue: 
 
E sempre que puserdes a mão em um desses feiticeiros, 
encontrareis nele um negro escravo... ou algum seu iniciado. 
E tomai sentido e precauções: o escravo, não nos cansaremos de 
repetir, é antes de tudo natural inimigo de seu senhor; e o escravo 
que é feiticeiro, sabe matar (MACEDO, 2010, p. 83). 
 
O autor, na tentativa de um discurso antiescravista, permanece nessa visão 
racista e, na terceira história, Lucinda, a mucama, ele diz que “a escravidão influi 
sempre de perto ou de longe maleficamente sobre a vida das donzelas, perturbando 
e envenenando a educação dessas pobres vítimas” (MACEDO, 2010, p. 161). E 
para descrever que influência maléfica é essa, ele detalha o convívio da mucama 
com a senhora-moça: 
 
A mucama escrava se recomenda pois à menina, e ganha toda a sua 
confiança pela importância delicada, e até certo ponto confidencial, 
do mister que desempenha no toucador4; a mucama, embora 
escrava, é ainda mais do que o padre confessor e do médico da 
donzela: porque o padre confessor conhece-lhe apenas a alma, o 
médico ainda nos casos mais graves de alteração da saúde 
conhece-lhe imperfeitamente o corpo enfermo, e a mucama conhece-
lhe a alma tanto como o padre, e o corpo muito mais do que o 
médico. [...] Alguns minutos apenas em cada dia, uma escrava, e de 
sobra uma só, a sua mucama que com uma palavra, o gesto, o 
elogio, a lisonja, a indiscrição, a petulância, e a protérvia5 dos seus 
vícios, dos vícios próprios da sua miserável condição de escrava, 
comprometerá, arruinará o grande empenho do vosso amor, plantará 
no coração de vossa filha a ciência do mal, muito antes do prazo em 
que o mundo lha devia ensinar (MACEDO, 2010, p. 161-162). 
 
 
4
 Móvel encimado por um espelho, e que serve a quem se penteia (FERREIRA, 2000, p. 678). 
5
 Insolência. Ibid. (2000, p. 564) 
29 
 
É, portanto, notório como o autor demoniza a mucama, colocando-a como 
responsável pelos pecados e maldades que a senhora-moça venha a cometer. Ficou 
evidente, nesses trechos citados das três histórias da obra de Joaquim Manoel de 
Macedo, que ele “apenas reforça o estereótipo do escravo como um ser despido de 
humanidade, receptáculo da maldade, da crueldade e da maledicência” (RUFFATO, 
2009, p. 12). 
Já em A escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães, percebemos que o 
tema escravidão mobilizou o escritor, porém na tentativa de fazer campanha 
antiescravista ele criou uma protagonista que é “uma personagem que em tudo 
seguia o padrão de beleza das heroínas importadas da França” (RUFFATO, 2009, p. 
12). 
A personagem principal, que dá nome ao livro, é descrita da mesma maneira 
que as jovens idealizadas da sociedade da sua época, bem ao “gosto burguês”: 
Branca(mesmo sendo filha de uma mulata com um português), de cabelos pretos e 
ondulados, olhos escuros, linda, ingênua, pura, meiga, de beleza suprema, 
angelical, de alma nobre, pés e traços mimosos; uma típica “moçoila casadoira”: 
 
[...] uma bela e nobre figura de moça. As linhas do perfil desenham 
distintamente entre o ébano da caixa do piano e as bastas madeixas 
ainda mais negras do que ele. São tão puras e suaves essas linhas 
que fascinam os olhos, enlevam a mente, e paralisam toda análise. A 
tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada 
por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez 
ou cor-de-rosa desmaiada. O colo donoso e do mais puro lavor 
sustenta com graça inefável o busto maravilhoso [...] Na fronte calma 
e lisa como mármore polido, a luz do ocaso esbatia um róseo e 
suave reflexo (GUIMARÃES, cap. I, p. 9-10). 
 
O autor ainda desmerece as outras escravas colocando-as numa posição de 
inferioridade se comparada à exaltação em alto grau de intensidade em que ele 
coloca as características físicas e morais de Isaura. Parte disso pode ser também 
visto no capítulo XII quando Isaura é mandada a fiar e tecer lã e algodão num “salão 
toscamente construído, sem forro nem assoalho, destinado ao trabalho das 
escravas” (GUIMARÃES, 2010, p. 41): 
 
Cônscia de sua condição, Isaura procurava ser humilde como 
qualquer outra escrava, porque a despeito de sua rara beleza e dos 
dotes de seu espírito, os fumos da vaidade não lhe intumesciam o 
coração, nem turvavam-lhe a luz de seu natural bom senso. Não 
obstante, porém, toda essa modéstia e humildade transluzia-lhe, 
30 
 
mesmo a despeito dela, no olhar, na linguagem e nas maneiras, 
certa dignidade e orgulho nativo, proveniente talvez da consciência 
de sua superioridade, e ela sem o querer sobressaía entre as outras, 
bela e donosa, pela correção e nobreza dos traços fisionômicos e por 
certa distinção nos gestos e ademanes6. Ninguém diria que era uma 
escrava, que trabalhava entre as companheiras, e a tomaria antes 
por uma senhora moça, que, por desenfado, fiava entre as escravas. 
Parecia a garça-real, alçando o colo garboso e altaneiro, entre uma 
chusma de pássaros vulgares (GUIMARÃES, 2010, p. 45, grifos 
nossos). 
 
O autor coloca Isaura como garça-real e as outras escravas, negras, crioulas 
e mulatas, como “chusma de pássaros vulgares”. Isaura chama a atenção em meio 
as outras justamente pela sua beleza nos padrões branco-burguês. Embora a 
proposição do autor tivesse sido o discurso antiescravista, ele errou na dose de sua 
protagonista, exaltando-a demais em suas características totalmente brancas e 
nobres, em contraposição às características e à origem dos outros escravos, 
colocadas por ele como “ralés” (GUIMARÃES, 2010, p. 42). 
Isaura é colocada como vítima, não pela condição de um ser humano 
escravizado, porém por ser injustamente condenada à escravidão e não poder fazer 
parte da sociedade, dos saraus, das festas, escondendo seus dotes, não só físicos, 
mas da educação erudita que recebeu de sua senhora, dando a entender, 
implicitamente, que se ela fosse negra e sem dotes físicos poderia continuar 
escrava. 
A obra citada de Bernardo Guimarães, A escrava Isaura, teve êxito no 
período de sua publicação justamente por agradar à sociedade da época. Um século 
depois fez grande sucesso após ganhar uma adaptação para a televisão, no ano de 
1976, na Rede Globo, no horário das 18h, tendo como protagonista a atriz Lucélia 
Santos que, devido ao grande sucesso da personagem Isaura, ganhou muitos 
prêmios no exterior. O autor da adaptação para a televisão, Gilberto Braga7, afirmou8 
que a sugestão para adaptar o romance de Bernardo Guimarães partiu de sua 
professora de português dos tempos de ginásio e que quando ele leu ficou certo de 
que aquela história era perfeita para uma novela. 
 
6
 Acenos, gestos, sinais. Trejeitos (FERREIRA, 2000, p. 15). 
7
 Autor de novelas desde 1973, na Rede Globo. 
8
 Trecho retirado de “No memorial Globo de dramaturgia”. Disponível em 
 <http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-224258,00.html>. Acesso em 
 29 març. 2013. 
 
31 
 
No final de 1985, a novela Escrava Isaura já havia sido vendida a 27 países. 
Mesmo 40 anos após sua estreia, ainda está na lista das novelas 
mais comercializadas no exterior; já foi exibida sete vezes na França, cinco na 
Alemanha e três na Suíça e chegou a países africanos como Congo, Gabão, Gana e 
Zimbábue. Entre dezembro de 1979 e janeiro de 1980, a novela foi reapresentada 
num compacto de 30 capítulos, reeditados por Ubiratan Martins. A partir de 
setembro de 1982, foi ao ar dentro do programa TV Mulher. Em 1990, a reprise 
de Escrava Isaura encerrou o Festival 25 Anos da TV Globo. Todo esse grande 
êxito, no Brasil e no exterior, foi responsável pelo sucesso de venda da versão da 
obra de Bernardo Guimarães para o chinês. 
As obras descritas acima foram citadas para que seja perceptível a diferença 
na sutileza das palavras de Maria Firmina dos Reis quando manifesta as suas ideias 
sem ofender os leitores do século XIX. O narrador porta-se sem radicalismo, 
buscando a harmonia, mas revelando a situação do escravo como a maior injustiça 
perante Deus e os homens. Ao ler Úrsula o leitor depara-se com uma tênue 
diferença que, numa primeira leitura, poderá passar despercebida: a maneira como 
ela coloca as personagens negras na trama. 
 
No romance, as personagens protagonistas são brancas, e as negras 
são todas secundárias, mas muito significativas, já que através delas 
são abordadas questões fundamentais, como a problemática da 
escravidão negra. São as personagens negras e escravas que fazem 
com que o romance adquira um tom de denúncia, assim como 
expressa sentimentos de igualdade, fraternidade e liberdade, 
misturados a resignação e revolta. Enquanto outros autores da 
literatura do século XIX punham mordaças nas bocas dos negros, 
Maria Firmina lhes dá voz, para expressarem suas angústias e 
anseios na terra estranha (MENDES, 2006, p. 98). 
 
Ela proclama, dentro de um enredo totalmente receptivo para a época, a sua 
revolta contra a escravidão. No início do romance, para denunciar a escravidão a 
autora utiliza-se do discurso do branco que é de cunho religioso: “ama a teu próximo 
como a ti mesmo –, e deixará de oprimir com tão repreensível injustiça ao seu 
semelhante!” (REIS, 2004, p. 23). E continua o seu discurso antiescravista através 
do protagonista Tancredo: 
 
[...] dia virá em que os homens reconheçam que são todos iguais. 
Túlio, meu amigo, avalio a grandeza de dores sem lenitivo, que te 
borbulha a alma, compreendo a tua amargura... O branco desdenhou 
a generosidade do negro, e cuspiu sobre a pureza dos seus 
32 
 
sentimentos! Sim, acerbo deve ser o seu sofrer, e eles que o não 
compreendem (REIS, 2004, p. 28). 
 
Nessa obra, um branco, nobre, bacharel, coloca-se numa posição de 
igualdade com um negro escravo chamando-o de meu amigo e reconhecendo a 
pureza dos sentimentos deste. Em uma atitude surpreendente, ele fala palavras de 
gratidão, o que poderia não ocorrer na época, já que Tancredo como homem branco 
e nobre poderia exigir de Túlio, negro e escravo, que ele o ajudasse por obrigação 
de posição social. 
Antes disso, o jovem negro escravo, Túlio, respondendo ao questionamento 
de Tancredo sobre sua condição responde-lhe: “A minha condição é a de mísero 
escravo! Meu senhor – continuou – não me chameis amigo. Calculaste já, sondaste 
vós a distância que nos separa? Ah! o escravo é tão infeliz!... tão mesquinha, e 
rasteira é a sua sorte, [...]” (REIS, 2004, p. 27-28). E nesse momento ele é 
interrompidopor Tancredo que lhe fala palavras de revolta contra a escravidão, 
abominando-a e reprovando-a. 
Maria Firmina dos Reis não estereotipa em nenhum momento as suas 
personagens negras, muito menos as retrata de maneira heroica, ela as humaniza, 
dá-lhes personalidade, que são suscetíveis a fraquezas, como o escravo Antero 
(REIS, capítulo XVIII) “cujo maior defeito era a afeição que tinha a todas as bebidas 
alcoolizadas” (REIS, 2004, p. 205). 
Mas a personagem negra de maior destaque no romance é a preta Susana 
que tem um capítulo dedicado a ela: A preta Susana (REIS, capítulo IX). Nesse 
capítulo, a autora liberta a alma da escrava que passa a assumir o discurso e narra 
sobre a verdadeira liberdade, além disso, conta ao jovem Túlio, já alforriado por 
Tancredo, como era sua vida livre na África antes da captura e o traslado até o 
Brasil no navio negreiro: 
 
Liberdade! liberdade... ah! eu a gozei na minha mocidade! [...] 
ninguém a gozou mais ampla, não houve mulher alguma mais ditosa 
do que eu. [...] dois homens apareceram, e amarraram-me com 
cordas. Era uma prisioneira – era uma escrava! Foi embalde que 
supliquei em nome de minha filha, que me restituíssem a liberdade: 
os bárbaros sorriam-se das minhas lágrimas, e olhavam-me sem 
compaixão. [...] a sorte me reservava ainda longos combates. [...] 
Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e 
de cativeiro no estreito e infecto porão de um navio. [...] Para caber a 
mercadoria no porão fomos amarrados em pé e para que não 
houvesse receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes 
33 
 
das nossas matas, que se levam para recreio dos potentados da 
Europa. [...] A dor da perda da pátria, dos entes caros, da liberdade 
foram sufocadas nessa viagem pelo horror constante de tamanhas 
atrocidades (REIS, 2004, p. 115-117). 
 
A preta Susana é, na obra, totalmente humanizada, tem saudades, sofre 
pela brutalidade com que foi tirada de sua pátria, de seu marido, de sua filha, de 
seus entes queridos, mas não se tornou embrutecida e nem vingativa como os 
negros de As vítimas-algozes. 
 
Assim, entre a positividade e a bondade do jovem afro-brasileiro 
Túlio, e a negatividade representada pela decadência do velho 
africano Antero, alcoolizado, a autora abre caminho para o discurso 
de Mãe Susana, elo vivo entre a memória ancestral e a consciência 
da subordinação (MACEDO, 2006, p. 104). 
 
Nessa perspectiva, o discurso da velha escrava preta Susana é pioneiro no 
Brasil, já que “só vamos encontrar semelhante no cotejo das memórias de 
Mahommah Gardo Baquaqua” (MENDES, 2006, p. 113), as quais estão dispostas no 
diário de “um africano escravizado no Brasil, e sua passagem para a condição de 
homem livre, nos Estados Unidos” (EVARISTO, 2009, p. 36). 
O diário de Baquaqua foi publicado em 21 de agosto de 1854, em Detroit – 
EUA. Desse modo, o-romance Úrsula, publicado em 1859, acaba conversando com 
esse diário em vários aspectos, em especial sobre as descrições do navio negreiro. 
Baquaqua diz: 
 
Fomos arremessados, nus, porão adentro, homens apinhados de 
lado e as mulheres do outro. [...] Oh! a repugnância e a imundície 
daquele lugar horrível nunca serão apagados de minha memória. [...] 
sofríamos muito por falta de água, que nos era negada na medida de 
nossas necessidades (BAQUAQUA, 2009, p. 208-209). 
 
Foi citada apenas essa passagem para mostrar um pequeno trecho em que 
a autobiografia de Baquaqua conversa diretamente com as lembranças da preta 
Susana. 
Quanto à Maria Firmina, embora tenha se definido “de educação acanhada e 
sem o trato e conversação dos homens ilustrados, [...] com uma instrução misérrima, 
apenas conhecendo a língua de seus pais, e pouco lida” (REIS, 2004, p. 13), 
escreveu de maneira perspicaz e conseguiu sutilizar o que realmente havia por trás 
do enredo de seu romance romântico, tanto que não foi realmente reconhecida e 
34 
 
muito menos percebida a intencionalidade de suas palavras em Úrsula, como pode 
ser verificado em uma publicação da imprensa da época: “É pena que o 
acanhamento mui desculpável da novela escrita não desse todo o desenvolvimento 
a algumas cenas tocantes, como as da escravidão, que tanto pecam pelo modo 
abreviado com que são escritas” (MORAIS FILHO apud MENDES, 2006, p. 39, 
grifos do autor). 
Ela soube utilizar as palavras certas, no enredo certo e com os ideais de 
liberdade intrínsecos na sua narrativa, sendo muito bem aceita à época de sua 
publicação, antecipando em seu discurso antiescravagista “o Castro Alves poeta dos 
escravos (cuja produção vai de 1876 a 1883), o Joaquim Manoel de Macedo de 
Vítimas-algozes (1869) e o Bernardo Guimarães da virtuosa Escrava Isaura (1875)” 
(DUARTE, 2009, p. 6), que eram reconhecidos como defensores da abolição, e 
sendo a pioneira na prosa romântica brasileira de cunho abolicionista. 
 
 
3.2 LIBERDADE SUPRIMIDA DE CONCEITOS 
 
 
Uma das particularidades de Úrsula é o não uso dos sobrenomes nas 
personagens, todas são identificadas apenas pelos seus primeiros nomes (nomes 
próprios ou prenomes) acompanhados de uma letra e reticências ou três asteriscos: 
Úrsula e Tancredo de***, protagonistas; Fernando P..., antagonista; Túlio, Susana e 
Antero, os negros escravos; Luísa B..., mãe de Úrsula; os pais de Tancredo; 
Adelaide, ex-noiva de Tancredo; e o padre F..., capelão da fazenda de Fernando 
P.... Isso não deve ser visto como falta de criatividade da autora, mas como algo 
totalmente pensado para o propósito do romance. 
Pensar sobre a supressão de sobrenomes em um romance escrito em 
meados do século XIX em que tão importantes eram as identificações com os laços 
familiares – e o sobrenome como elemento de reconhecimento da família à qual 
pertencia o indivíduo, identificando-o no meio social, além de conduzir, através dos 
tempos, à reputação do grupo familiar – é no mínimo motivo de análise mais 
apurada. 
O nome próprio ou prenome distingue cada indivíduo, é por meio dele que o 
indivíduo é conhecido e reconhecido, permitindo que seja individualizado em meio a 
35 
 
muitos outros. Desde a antiguidade, nos primórdios das civilizações, Hebreus e 
Gregos eram identificados por um só nome, equivalente ao prenome nos dia de 
hoje, “Tal prática, todavia, foi sendo superada em virtude do crescimento 
populacional, que acabou impondo a adoção de nomes complementares para evitar 
a homonímia9 e alcançar uma identificação efetiva” (SIQUEIRA, 2010, p. 14). 
Com isso, foram acrescidos os sobrenomes ou patronímicos que “é 
elemento a compor o nome civil que identifica a família a que pertence o indivíduo” e 
“que este deve ser correlato dos apelidos de família dos genitores” (SIQUEIRA, 
2010, p. 22). 
As regras que visavam à proteção dos sobrenomes foram evoluindo ao 
longo do tempo e só alcançaram importância no final do século XIX, quando passou 
a ser entendido como Direto da Personalidade. Porém, em um primeiro momento 
não era obrigatório, servia apenas para evitar possíveis homonímias. 
 
A noção de obrigatoriedade do apelido de família no Brasil se 
confunde com as tradições reinóis10, trazidas pelos colonizadores 
portugueses, então afeitos à ideia de que a incorporação de 
sobrenomes importaria em demonstração de importância do grupo 
familiar, denotando bem-nascença (SIQUEIRA, 2010, p. 22). 
 
A citação acima demonstra que em meados do século XIX, período da 
publicação de Úrsula, os sobrenomes gozavam de grande importância na 
sociedade, o que se pode inferir com isso é que foi proposital a escolha de Maria 
Firmina em identificar as suas personagens apenas pelo prenome ou nome próprio e 
deixar o sobrenome incógnito. 
Como o nome humaniza e o sobrenome “traz consigo a função de identificaro indivíduo no meio social, além de conduzir através dos tempos a reputação do 
grupo familiar” (SIQUEIRA, 2010, p. 22), pode-se dizer que a autora suprimiu por 
escolha própria os sobrenomes até dos protagonistas, colocando-os, assim, em 
igual posição das demais personagens, principalmente dos escravos a quem ela 
quis humanizar e personalizar em sua obra. Isso torna-se mais claro em alguns 
momentos do romance, por exemplo: 
 
 
9
 São palavras (nesse caso, nomes) que têm a mesma pronúncia, e às vezes a mesma grafia, mas 
 significação diferente (CEGALA, 2008, p. 311). 
10
 Reinóis – plural de reinol: natural do reino; próprio dele; aquele que nasceu em reino (FERREIRA, 
2000, p. 593). 
36 
 
– Puro é o seu amor, minha pobre mãe! – animou-se a dizer a moça, 
rubra de pejo – é o esposo que meu coração tem escolhido. 
– Ele? – perguntou-lhe angustiada a receosa mãe, conchegando-se 
a si – ele? E sabes tu quem seja? 
Então o jovem cavaleiro, erguendo-se com dignidade exclamou: 
– Senhora, eu sou Tancredo de ***. 
– Tancredo de ***!!!... – exclamaram ao mesmo tempo mãe e filha; e 
depois um profundo silêncio reinou na câmara. (REIS, 2004, p. 106) 
 
Esse momento é de grande importância no romance, pois é quando 
Tancredo pede Úrsula em casamento à mãe dela, Luísa B..., e revela-se como 
alguém de um sobrenome ilustre, o que constrange Úrsula e a leva a pensar que ele 
não mais cumprirá a promessa de casamento feita, já que ele é primo delas, porém 
de distinto nascimento, diferente dela. O que fica visível é que nem nesse momento 
de grande importância no romance a autora explicita o sobrenome da personagem, 
apenas deixa subentendido que é de linhagem nobre. 
Ainda que os protagonistas do romance sejam brancos, ela não os coloca na 
posição de superioridade em nenhum momento e isso é visível, também, através do 
simples gesto de suprimir os sobrenomes e identificar as personagens em todos os 
momentos da narrativa apenas pelo seu primeiro nome e somente em alguns 
momentos citar o “sobrenome” com a primeira letra acompanhada de reticências ou 
três asteriscos. 
Também se pode entender essa escolha, já que se repete também com os 
nomes dos lugares – O convento de ***, capítulo XV –, como dando a possibilidade 
do enredo de seu romance se passar em qualquer lugar da sociedade da época, 
pois não é determinado o espaço da narrativa, identifica-se apenas contextualizada 
no ambiente rural do Maranhão e, provavelmente, passa-se à época em que foi 
escrita e publicada, 1859. Ainda se repete a supressão no capítulo XV e nos 
seguintes com o nome da cidade em que está situado o convento – cidade de *** – e 
na demanda do convento – convento de Nossa Senhora da ***. 
Isso se dá pela “consciência da negritude de Maria Firmina dos Reis” 
(DUARTE et al, 2011, p. 119) que possibilita uma visão social de oprimida, pois 
ocupava as camadas subalternas da sociedade brasileira, tendo assim o 
conhecimento e a percepção de que para alcançar os seus objetivos com a obra, se 
fazia necessário, além de dar voz e vez as personagens negras, colocá-las no 
mesmo patamar social das personagens brancas, individualizando-as através do seu 
nomes próprios (da não existência de sobrenome nos escravos, o que era normal), e 
37 
 
também na supressão dos sobrenomes nas personagens brancas, o que diferencia 
sua obra. 
Outra razão poderia ser para dar um tom de veracidade à obra, mostrando 
que a história aconteceu, mas os nomes foram suprimidos porque a história não foi 
conhecida pela sociedade à época. Tanto que o narrador, no epílogo, mostra que a 
única testemunha que podia falar sobre o assunto, ou seja, o padre Fernando P... 
calou-se e que o comendador permaneceu incógnito, utilizando outro nome, Frei 
Luis de Santa Úrsula, até a ocasião de sua morte. Mesmo tendo confessado seus 
crimes na hora de sua morte, isso se deu durante a extrema-unção, de modo que o 
padre que deve ter ouvido o seu relato, nada podia fazer por se tratar de uma 
confissão. Por isso, a autora pode ter adotado esse posicionamento porque não 
havia ninguém que pudesse legitimar os fatos narrados, não houve testemunhas que 
o comprovassem e não seria o narrador que iria revelar esse segredo. Sendo assim, 
suprimindo os sobrenomes e a indicação dos lugares, a história poderia se passar 
em qualquer lugar, inclusive no local onde estava o leitor. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
38 
 
4 HISTÓRIA DE UM PAÍS ESCRAVO 
 
 
Para compreender o valor e inovação presentes em Úrsula, em que 
sociedade cresceu sua autora e na qual foi produzida a referida obra, faz-se 
necessário perpassar a sociedade do século XIX em alguns de seus aspectos 
históricos, sociais e literários. 
Com a vinda de D. João VI e a corte real em 22 de janeiro 1808, para o 
Estado da Bahia, foi que o Brasil realmente passou por mudanças significativas em 
sua sociedade. A partir de então houve a abertura dos portos brasileiros às nações 
amigas (28 de janeiro de 1808), a permissão para instalar manufaturas (01 de abril 
de 1808) e a fundação do Banco do Brasil (12 de outubro de 1808). Depois disso, 
uma sequência de órgãos foram criados: a Imprensa Régia (1808); a biblioteca 
(1810) com os 60 mil volumes trazidos por D. João VI; o Jardim Botânico do Rio de 
Janeiro (1810); o Museu Real (1818); Missão cultural francesa, em que foram 
“convidados artistas franceses que influenciaram a criação da Escola Nacional de 
Belas Artes” (ARANHA, 2006, p. 221); Academia Real da Marinha (1808) e 
Academia Real Militar (1810) que, após 1832, foram anexadas formando uma só 
instituição de engenharia militar, naval e civil; cursos médico-cirúrgicos (a partir de 
1808) na Bahia e no Rio de Janeiro. No entanto, mesmo com essas mudanças, o 
Brasil continuava como colônia de Portugal e 
 
Em 1818, de seus 3.817.900 habitantes, 1.887.900 eram livres 
(sendo 1.043.000 brancos, 585.500 negros e mestiços e 259.400 
índios), e 1.930.000, escravos. Tanto as taxas de fecundidade 
quanto as de mortalidade (em especial a infantil) eram muito altas. A 
idade média no momento do casamento era baixa para as mulheres 
(20 a 21 anos), um pouco mais elevada para os homens (LINHARES 
et al, 1990, p. 125). 
 
Às vésperas de apartar-se de Portugal eram esses os números de que se 
compunha a estrutura do Brasil colônia, quando em 09 de janeiro de 1822, o 
chamado dia do “Fico”, começou o processo de independência que só foi 
proclamada em 07 de setembro do referido ano. A sociedade era composta nas 
classes mais altas, e de brancos, pelo modelo de “família patriarcal11”, nas classes 
 
11
 Estrutura composta de família extensa em que todos (filhos, escravos e “agregados”) dependiam 
do chefe da família. 
39 
 
mais pobres eram frequentes a união livre, sendo muito alta a incidência dos 
nascimentos ilegítimos que fazia com que os núcleos familiares fossem formados 
por uma mulher e seus filhos. Além disso, o crescimento demográfico dos pobres 
livres era grande e a sociedade dominante continuava com sua separação social de 
base étnica, excluindo os brancos livres (imigrantes, em boa parte), negros e 
sobretudo os mestiços. 
Após a proclamação da independência (em 07 de setembro de 1822), D. 
Pedro I foi coroado o 1º Imperador do Brasil, em 19 de dezembro de 1822, 
começando então o Primeiro reinado que, após muitas críticas e choques violentos 
entre partidários de apoio e contra o imperador, chegou ao fim em 07 de abril de 
1831 com a renúncia de Pedro I. 
Dá-se início, a partir daí, a um governo

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