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1 INQUÉRITO POLICIAL E GARANTIAS DO INVESTIGADO Tiago Augusto Wolker 1 RESUMO O presente artigo visa o estudo do sistema de investigação preliminar mais utilizado no âmbito nacional, o Inquérito Policial e a forma como o investigado é tratado no decorrer do procedimento. Para atingir o propósito será abordado o histórico do instituto, serão analisadas garantias imputadas ao investigado e a posição da doutrina e da jurisprudência perante essas garantias. PALAVRAS-CHAVE: Inquérito Policial; Contraditório; Direito de Defesa; Sigilo. INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objeto o inquérito policial e suas peculiaridades, certo de que a Constituição Federal delimitou um amplo leque de garantias inerente ao cidadão, em razão da adoção do constituinte por um modelo de Estado Democrático de Direito. Neste contexto, a questão que não quer calar é: O inquérito policial garante ao cidadão imputado de ter cometido um injusto típico direitos reais ou simplesmente simbólicos? A presente pergunta é de fundamental importância, pois visa o conhecimento da realidade brasileira, visa saber a se a Constituição Federal realmente foi eficaz nas 1 Estudante de Direito. Escola de Direito e Relações Internacionais. Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil. 2 garantias delimitadas aos cidadãos ou encontra-se sendo desrespeitadas pelos aplicadores do direito. O estudo buscará o conhecimento histórico do procedimento Inquérito Policial, suas características serão delimitadas logo após, bem como a aplicabilidade dos preceitos basilares. A resposta a questão será dada levando em conta a opinião de doutrinadores de várias vertentes e a aplicação prática dada ao tema, mediante jurisprudência. 1 HISTÓRICO DO INQUÉRITO POLICIAL Conforme se vislumbra na obra de Laertes de Macedo TORRES, o Inquérito Policial possui histórico longo e ele se remete, se não de antes, da Inquisição européia, onde nasceu o processo secreto, no século XII. A inquisição foi o meio usado pelos papas e reis católicos para perseguir os mouros, judeus e quaisquer outros hereges que importunavam o interesse e a vontade daqueles. 2 A grande verdade é que a Inquisição perseguiu, além de criminosos comuns, os que se chamariam hoje de perseguidos políticos e quaisquer pessoas que negassem a doutrina católica, ou fossem contra eles, desde estudiosos como Galileu à personalidades públicas como Joana D‟Arc. A Inquisição foi transportada à todos os lugares em que a igreja católica possuía influencia, desta forma chegou a Portugal, bem como no Brasil. No começo os Tribunais Inquisitoriais não faziam distinção entre crimes eclesiásticos e crimes comuns, mas com o fim da influência do clero começou a haver uma distinção entre tais naturezas. O Santo Oficio criou o Inquérito secreto 3 , ato este que influenciou o nosso ordenamento jurídico e se estende até os nossos dias com o Inquérito Policial. 2 TORRES, Laertes de Macedo. Estudos sobre execução penal. São Paulo: SOGE, 2000. p. 102. 3 Idem. 3 No Brasil colonial, até abril de 1821, a justiça esteve ligada a Portugal, o Príncipe Regende D. Pedro foi quem criou os primeiros tribunais no país e, logo após descumprir ordem da Corte portuguesa de que se extinguisse tais tribunais, consolidou a independência judiciária e política do Brasil. 4 O autor 5 afirma que em 3 de dezembro de 1841 foi promulgado Decreto-Lei alterando a Constituição do Império, sendo então criada a Justiça. O artigo 18 deste Decreto Lei aboliu simples e definitivamente o inquérito policial como forma de investigação preparatória da ação penal. Marcio Luis Chila FREYESLEBEN em sua obra afirma que em 3 de dezembro de 1841 foi criado o inquérito policial, não com este nome, que só seria regularizado em 20 de setembro de 1871, mas que aquele decreto lei dava obrigações aos Chefes de Policia de que remetessem todos os dados e provas colhidas sobre algum delito ao juízo competente, para que este formasse a opinião sobre o caso, algo bem parecido com o nosso mais expressivo sistema de investigação preliminar, o inquérito policial. 6 O autor continua a discorrer sobre a regularização do inquérito, em 20 de setembro de 1871, agora com a regularização do nome Inquérito Policial. A lei 2.033 de 20 de setembro de 1871, regulamentada pelo decreto numero 4.824 de 22 de novembro de 1871 dispunha assim de dois de seus artigos: Art. 38 – Os chefes, delegados e subdelegados de policia, logo que, por qualquer meio lhes cheque a noticia de se ter praticado algum crime comum, procederão em seus distritos as diligencias necessárias para verificação da existência do mesmo crime, descobrindo de todas as suas circunstancias e dos delinqüentes. Art. 42 – O inquérito Policial consiste em todas as diligencias necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstancias e dos seus autores e cúmplices; Sendo assim, de fato já existia em 1841 um sistema de investigação preliminar para munir o juízo de provas e informações sobre o fato delituoso, mas formalmente o Inquérito Policial só foi criado em 1871. O inquérito Policial que conhecemos em nosso ordenamento atual é diferente do Inquérito do século XIX, ele foi construído com as bases históricas anteriores e 4 Idem. 5 Ibidem, p. 103. 6 FREYESLEBEN, Marcio Luis Chila. O ministério publico e a policia judiciária: controle externo da atividade policial. 2. ed.Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 58. 4 regulamentada em 1941, com a criação do nosso vigente Código de Processo Penal. Conforme ensinamentos de Aury LOPES JUNIOR, o inquérito policial pelo qual conhecemos hoje é fruto do regime autoritário e excepcional de 1937, de Getulio Vargas, além disto, houve influência do código fascista, Código de Rocco. 7 Daquele tempo ao atual houve inúmeras mudanças no ordenamento jurídico nacional, além de haver decorrido mais de meio século, regimes autoritários entraram e saíram, tanto em sentido internacional, como o fascismo que teve fim meia década após a promulgação do Código como em sentido nacional, pois Getulio Vargas não esteve a frente por muito tempo e houve, tempos depois, a ditadura militar no Brasil, que acabou com a criação da Constituição de 1988 e imputou ao individuo um amplo e vasto rol de direitos e garantias coletivas e individuais, que notadamente se choca com o Código de Processo Penal, que é anacrônico e mesmo assim vigora com força em nossos dias atuais. 2 CONCEITO DE INQUÉRITO POLICIAL Guilherme de Souza NUCCI conceitua o inquérito policial: O inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime. Não podemos olvidar, ainda, que o inquérito serve à composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vítima, em determinados casos, para a propositura da ação penal privada 8 . Fernando da Costa TOURINHO FILHO, por sua vez, de forma sucinta, conceitua o inquérito policial como sendo “o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infraçãopenal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”9. 7 LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. 4. ed. ver. amp. e atual. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 145. 8 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 143. 9 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal. volume I, 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 196. 5 Aury LOPES JUNIOR afirma que a investigação preliminar é considerada uma fase preparatória do processo penal, sem que seja, por si só, um processo penal, e que esta investigação preliminar será administrativa quando um órgão estatal não pertencente aos quadros do Poder Judiciário estiver incumbido da função investigativa. O autor classifica então o inquérito policial como sendo um “procedimento administrativo pré-processual, pois é levado a cabo pela Polícia Judiciária, um órgão vinculado à Administração – Poder Executivo – e que por isso desenvolve tarefas de natureza administrativa.”10 O Inquérito Policial então, é um procedimento administrativo, não judicial, pois não esta na esfera do Poder jurisdicional, é presidido pela autoridade policial, o Delegado de Policial, que possui discricionariedade em relação aos sujeitos e a produção de prova que se busca realizar com a instauração deste procedimento. Este procedimento é administrativo e pré-processual, é uma fase preparatória, um procedimento prévio que visa preparar o processo penal, preparar buscando delimitar a autoria de um suposto ato criminoso, buscando e construindo provas que sirvam de base ao Ministério Publico para que este possa denunciar os sujeitos que forem responsáveis pelo ato criminoso, desta forma o Inquérito Policial não é um processo penal, é sim um procedimento administrativo pré-processual. Aury LOPES JUNIOR leciona que não pode a atividade investigativa policial ser confundida com uma atividade jurisdicional, muito menos de natureza processual. Insta que o trabalho de investigação é tipicamente policial, nos lembra que a Constituição em seu artigo 144 delimitou às policias civis e federais, nas suas respectivas esferas, a função de polícia judiciária. Apesar da nomenclatura de polícia judiciária, estes órgãos não pertencem aos quadros do poder Judiciário e, muito menos seus atos tem o status de ato judicial. Estas atividades investigativas são realizadas fora o processo judicial, por autoridades com poderes meramente administrativos, a autoridade policial e em razão ao poder-dever estatal de garantia da segurança pública, função vinculada ao Estado e à seus órgãos administrativos. 11 10 LOPES JUNIOR, Aury. Op. cit.,. p. 41. 11 Idem. 6 3 O SIGILO NO CURSO DO INQUÉRITO POLICIAL Conforme se vislumbra da redação do artigo 20 do Código de Processo Penal: Art. 20 - A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Tal artigo possibilita a autoridade policial requisitar à autoridade judicial competente o sigilo da fase de investigação preliminar, ou para elucidar o fato ou por interesse público. O objetivo é assegurar no curso do processo maior garantia de êxito na sua função pública de segurança, não garantindo ao investigado o direito de informação aos autos, pelo qual saberia do que é investigado ou presumindo que atitudes a autoridade tomará no curso do procedimento, ao mesmo tempo o sigilo judicial garante, em alguns casos, como familiares, crimes sexuais ou que envolvam menores, que o bojo do conflito não seja divulgado publicamente, de forma a prejudicar desnecessariamente vítimas com a publicidade desnecessária dos fatos ocorridos. Uma garantia decorrente desta característica seria a do investigado não ser prejulgado antes de ser condenado, é inevitável que qualquer ato que seja imputado a uma pessoa e que seja divulgado pela mídia, faz com que a população forme uma opinião sobre o caso, e, logicamente, forma a opinião que a imprensa, responsável pela divulgação, transcreveu sobre o caso, a tal da fábrica da realidade 12 . É óbvio, o sujeito que é, até então, simples investigado, suspeito de ter cometido um injusto típico, já é condenado pela sociedade, se não que a informação prestada desenfreadamente não chegue às mãos do magistrado e que este não forme sua opinião sobre o caso antes mesmo de haver recebido a denúncia. E que ninguém duvide que isto não ocorra em comarcas pequenas, (se não em grandes também...) cidades em que, diferentemente de grandes metrópoles, se impera a paz social, quando esta paz social é quebrada a sensação que a população sente, população esta que não é acostumada com a criminalidade, é de total insegurança, o clamor, a comoção pública é muito maior, pois quase que toda a população fica ciente do fato ocorrido. 12 ZAFFARONI, E. Raúl. Em busca das penas perdidas. p. 128. Apud ROSA, Alexandre Morais da e SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um Processo Penal Democrático – Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2008. p. 5. 7 Neste sentido, sobre o artigo 20 do CPP: O cotidiano da preparação da ação penal de há muito sepultou a regra acima, tendo transformado a investigação criminal em verdadeiro palco para o estrelato de agentes públicos e alimentando toda uma indústria jornalística que vive em torno do tema. Falar de sigilo da investigação nesse quadro é cair no abismo entre a realidade dos fatos e o direito positivo. 13 O que se vê na realidade é um total descompasso desta com o mundo do dever ser, o prejuízo ao individuo imputado injustamente e posteriormente absolvido é irreparável. Falando-se em reparação, a redação do artigo 5º, LXXV da Constituição Federal - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Veja que a redação do artigo garante indenização ao condenado por erro e ao que cumprir pena maior que a fixada na sentença, mas a norma constitucional não trata sobre os que sofrem com medidas cautelares de segurança e ao final do curso são absolvidos. A jurisprudência é praticamente unânime ao afirmar que não cabe responsabilizar o Estado no caso descrito. DECISÃO: ACORDAM os magistrados integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO PREVENTIVA E POSTERIOR ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. INOCORRÊNCIA DE ERRO JUDICIÁRIO. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO QUE AFASTA O NEXO CAUSAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS INDEVIDA. RECURSO DESPROVIDO. Revestida de legalidade a prisão preventiva, a posterior absolvição do acusado, por falta de provas, não conduz à responsabilidade civil do Estado, pois "o dia em que a prisão cautelar ou qualquer outra medida for considerada como erro judicial ou judiciário apenas em razão da absolvição do suspeito, indiciado, ou acusado, todo o arcabouço e o sistema jurídico-penal estarão abalados e irremediavelmente desacreditados" (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, 6ª ed., pp. 1037/1038). 14 Voltando ao sigilo do inquérito policial, além do quadro que possui a finalidade de garantir ao investigado que não será execrado em praça pública (e que nãoé respeitada), a principal função que o sistema quis dar à redação do artigo 20 é garantir a não participação do investigado na fase pré-processual, pois o inquérito 13 CHOUKR, Fauzy Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal, 2. ed. rev. amp. e atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 34-35. 14 Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. 4ª Câmara Cível. Apelação civel nº 336.690- 3 Palotina. Curitiba, PR, 06 de março de 2007. Disponível em < http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/JurisprudenciaDetalhes.asp?Sequencial =1&TotalAcordaos=1&Historico=1&AcordaoJuris=553313> acesso em 08 de outubro de 2009. 8 policial é baseado claramente no sistema inquisitivo. Neste sentido o doutrinador Paulo RANGEL defende o sigilo imposto ao investigado. Segundo o autor supracitado, “o sigilo imposto no curso de uma investigação policial alcança, inclusive, o advogado, pois entendemos que a Lei nº 8.906 /94, em seu art. 7º, III e XIV, não permite sua intromissão durante a fase investigatória que está sendo feita sob sigilo, já que, do contrário, a inquisitoriedade do inquérito ficaria prejudicada, como a própria investigação.”15 E mais: O caráter da inquisitoriedade veda qualquer intromissão do advogado no curso do inquérito. A consulta aos autos (cf. art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94) é para melhor se preparar para eventual acusação feita na ação penal ou, se for o caso, para adoção de qualquer providência judicial visando resguardar direito de liberdade. Jamais para se intrometer no curso das investigações que estão sendo realizadas em face de um fato que é indigitado a seu cliente e não imputado. 16 Vimos que, durante o inquérito, o indiciado não passa de mero objeto de investigação, mas possuidor de direitos e garantias fundamentais, não se admitindo o contraditório, pois não á acusação e, como conseqüência, não pode haver defesa. 17 Não concordamos com a opinião do respeitado doutrinador que, claramente, defende o indiciado como mero objeto de investigação, nesta fase. A lei nº 8.906/94 veio para regulamentar uma profissão que, conforme se deslumbra do artigo 133 da Constituição Federal, é indispensável à administração da justiça. Se analisarmos as garantias individuais do cidadão, as já estudadas neste trabalho, devido processo legal, contraditório, ampla defesa, pelo prima do artigo 133 da CF, concluiremos facilmente que não há motivos justificáveis que vede o acesso do advogado aos autos de inquérito policial. Mas “é ainda bastante comum a prática ilegal e inquisitória de negar ao advogado o acesso aos autos do inquérito policial”.18 Sobre a efetivação da legislação citada, versaremos no próximo título, pois o segredo do inquérito policial é matéria conexa ao contraditório e a defesa nesta fase do procedimento penal. 15 RANGEL, Paulo, Direito Processual Penal. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 87. 16 Idem. 17 Idem. 18 LOPES JUNIOR, Aury, Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, 3. ed. rev. atual. volume I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 307. 9 4 O CONTRADITÓRIO E O DIREITO DE DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL Antes de tecer comentários à aplicabilidade dos institutos é necessário falar sobre eles. O direito de defesa é inerente ao princípio da ampla defesa, que se encontra consagrado no artigo 5º da Constituição Federal, bem como o princípio do contraditório. Romeu Felipe Bacellar Filho discorre sobre ambos, primeiramente sobre o contraditório: traduz-se na efetiva participação do acusado na instrução do processo, ativa e crítica, de modo que ele produza suas próprias razões e provas e que possa contestar argumentos e formação probatória que lhe sejam desfavoráveis. O contraditório reflete um diálogo, uma alternância bilateral da manifestação das partes conforme a fase do processo e a decisão final. A eficiência do contraditório depende que seja sopesada a dialética processual. 19 E sobre a ampla defesa: É inerente ao exercício da ampla defesa que o indiciado tenha conhecimento do que está sendo acusado, ou qual infração foi por ele supostamente cometida, além de todos os detalhes necessários para a elaboração da defesa. No curso do processo a garantia se concretiza pelo direito à informação, como o acesso aos autos e a extração de cópias e, ao final, pelo conhecimento da fundamentação e motivação da decisão; e pelo direito à reação, como a apresentação de documentos, pela defesa e produção de provas prévias à decisão, esta sujeito à interposição de recursos. Em síntese, o direito à ampla defesa impõe à autoridade o dever de observância das normas processuais e de todos os princípios incidentes sobre o processo. 20 Aury LOPES JUNIOR afirma em seu livro que “é comum na doutrina a afirmação genérica e infundada de que não existe direito de defesa e contraditório no inquérito policial.”21 Dentre os que afirmam não existir as garantias constitucionais supramencionadas encontram-se Fernando da Costa TOURINHO FILHO, o qual afirma que o inquérito policial é um procedimento escrito, sigiloso, não contraditório, 19 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 91. 20 Idem. 21 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual... p. 301. 10 onde o indiciado é objeto de investigação e não sujeito de direitos 22 , Julio Fabbrini MIRABETE também é adepto da mesma concepção, o autor afirma que o inquérito não é processo e sim procedimento administrativo, que a investigação policial não se confunde com a instrução criminal e por estas razões, não se aplicam ao inquérito policial os princípios processuais, nem mesmo o do contraditório, por fim, ainda afirma que a Constituição Federal refere-se ao processo judicial quando assegura aos acusados o contraditório e a ampla defesa, mencionando que na fase procedimental administrativa o indiciado não é acusado. 23 José Frederico MARQUES também se posiciona na mesma corrente, ao discorrer: “A investigação policial, ou inquérito, tem mesmo de plasmar-se por um procedimento não contraditório, porque ali ainda não existe acusado, mas apenas indiciado.”24 Aury LOPES JUNIOR discorre que: O ponto crucial nesta questão é o artigo 5º, LV, da CB, que não pode ser objeto de leitura restritiva. A postura do legislador foi claramente garantista e a confusão terminológica (falar em processo administrativo quando deveria ser procedimento) não pode servir de obstáculo para sua aplicação no inquérito policial, até porque o próprio legislador ordinário cometeu o mesmo erro ao tratar como “Do Processo Comum”, “Do Processo Sumário” etc., quando na verdade queria dizer “procedimento”. Tampouco pode ser alegado que o fato de mencionar acusados, e não indiciados, é um impedimento para sua aplicação na investigação preliminar. 25 Alude que a expressão empregada, acusados em geral, deve compreender também o indiciamento e qualquer imputação determinada, pois não deixam de ser imputação em sentido amplo. Na mesma linha, Aury LOPES JUNIOR traz em seu livro LAURIA e TUCCI, que afirmam: ...de modo também induvidoso, reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, estendendo sua incidência, expressamente, aos procedimentos administrativos... ora, assim sendo, se o próprio legislador nacionalentende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento, nele se encarta, à evidencia, a noção de qualquer procedimento- 22 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 201. 23 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1996. p.52. 24 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, vol. I. Campinas: Bookseller, 1997. p. 89. 25 LOPES JUNIOR, Aury, Direito Processual... p. 302. 11 administrativo e, conseqüentemente, a de procedimento administrativo persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal, que é o inquérito policial. 26 Desta forma, Aury LOPES defende a tese de que se deve aplicar sim o contraditório e o direito de defesa no inquérito policial e mais, segundo o autor, a afirmação de que não se aplicam é errônea, cita que o indiciado pode exercer no interrogatório policial a autodefesa positiva ou negativa, que nada mais é, respectivamente a sua versão dos fatos ou de se calar, usando seu direito de silêncio. 27 O indiciado também possui o direito a defesa técnica, que é o acompanhamento do ato do interrogatório por um profissional do direito. Cita 28 também o artigo 14 do Código de Processo Penal: “O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.” Destes exemplos então, vislumbra-se que existe sim direito a defesa no inquérito policial. Sobre o contraditório, o autor diz “que quando falamos em contraditório na fase pré-processual estamos fazendo alusão ao seu primeiro momento, da informação”.29 Aduz que o direito à informação é importantíssimo para a aplicabilidade dos princípios estudados, pois é desta informação que brotará o exercício da defesa, mas é esta defesa que garantirá o contraditório. “A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório”.30 Além dos princípios constitucionais consagrados, do problema terminológico entre processo e procedimento e a amplitude que quis o constituinte alcançar com o artigo 5º, LV da Constituição Federal, o estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, criada pela lei ordinária 8.906 de 1994, dispõe em seu artigo 7º, “São direitos do advogado: XIV – examinar em qualquer repartição policial, mesmo 26 TUCCI, José Rogério Cruz e TUCCI, Rogério Lauria, Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional. p. 25. Apud LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual... p. 302. 27 Idem. 28 Idem. 29 Ibidem. p. 302. 30 GRINOVER, Ada Pellegrini. As Nulidades no Processo Penal. p. 63. Apud LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual... p. 302. 12 sem procuração, autos de flagrante e de inquéritos, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;” Sobre o tema, julgado recente, em 18/11/2008 pelo Superior Tribunal Federal pedido de Habeas Corpus contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que denegou outro Habeas Corpus do impetrante com o mesmo teor. EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SÚMULA 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SUPERAÇÃO. POSSIBILIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. CARACTERIZAÇÃO. ACESSO DOS ACUSADOS A PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO SIGILOSO. POSSIBILIDADE SOB PENA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DOS ADVOGADOS. ART. 7, XIV, DA LEI 8.906/94. ORDEM CONCEDIDA. I - O acesso aos autos de ações penais ou inquéritos policiais, ainda que classificados como sigilosos, por meio de seus defensores, configura direito dos investigados. II - A oponibilidade do sigilo ao defensor constituído tornaria sem efeito a garantia do indiciado, abrigada no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, que lhe assegura a assistência técnica do advogado. III - Ademais, o art. 7º, XIV, do Estatuto da OAB estabelece que o advogado tem, dentre outros, o direito de "examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos". IV - Caracterizada, no caso, a flagrante ilegalidade, que autoriza a superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal. V - Ordem concedida. 31 Interessante versar que a egrégia turma do STF considerou o não acesso ao teor do inquérito policial, protegido por “segredo de justiça”, pelo advogado do impetrante um “flagrante constrangimento ilegal, apto a ser superado por meio do presente habeas corpus”, superando a Súmula 691 da Corte, que versa “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.” Conclui-se então, que o segredo dado ao inquérito policial não se estende aos advogados, que é indispensável a administração da justiça e portanto, parte necessária em qualquer relação processual. Desta conclusão, realizamos outra, a de que o contraditório também, como o direito de defesa, se manifesta no inquérito policial, 31 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Processual Penal. Habeas-corpus nº 94.387-0 Rio Grande do Sul, Brasília, DF, 18 de novembro de 2008. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000001819&base=baseAcordao s> acesso em 08 de outubro de 2009. 13 “através da garantia de acesso aos autos do inquérito,”32 firmada jurisprudêncialmente ha apenas meia década. 5 VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL Conforme visualizado dos estudos realizados, o inquérito policial é mera peça de informação, que possui a finalidade de munir o titular da ação penal, que é o promotor de justiça a denunciar, ou não, o que se investiga, por análise e convencimento do material juntado na fase pré-processual. Possuindo esta natureza, o inquérito policial não possui valor probatório que sirva de convencimento a eventual condenação por parte do imputado, logicamente, porque na fase procedimental administrativa o investigado não possui direito a ampla defesa, ao contraditório e a produção de provas sem que sejam produzidas perante a discricionariedade da autoridade policial, que pode negar por entender que não é o caso a produção de tais provas. Neste sentido: “Convém insistir que o inquérito policial, bem como quaisquer peças de informação acerca da existência de delitos, destina-se exclusivamente ao órgão da acusação, não se podendo aceitar condenações fundadas em provas produzidas unicamente na fase de investigação. A violação ao contraditório e à ampla defesa seria manifesta”.33 Sobre as provas, Aury LOPES JUNIOR as divide em provas repetíveis e provas não-repetíveis. Provas repetíveis são as provas que podem ser repetidas no curso do processo, como as declarações, acareações, dentre outras. Para o juiz valorar sua decisão com base nestas peças constantes do inquérito policial, necessariamente terá que realizar novamente o ato sobre o crivo de sua jurisdição, para tornar válida a prova que foi produzida na ausência de igualdade de partes. “Por repetição entendemos a nova realização ou declaração de algo que já se disse ou se fez. A 32 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual... p. 303. 33 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de,Curso de Processo Penal, 7. ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 11. 14 repetição exige que a pessoa que originariamente praticou o ato volte a realizá-lo da mesma forma.”34 As provas não repetíveis são as provas que devem ser realizadas necessariamente após a prática do injusto típico e, por estas razões, não podem ser refeitas no momento da ação penal. É o caso das provas técnicas, como por exemplo, exame de corpo de delito ou de local de crime. “Pela impossibilidade de repetição em iguais condições, tais provas deveriam ser colhidas pelo menos sob a égide da ampla defesa, posto que são provas definitivas e, via de regra, incriminatórias.”35E continua ao afirmar que “é importante permitir a manifestação da defesa, para postulação de outras provas; solicitar determinado tipo de análise ou de meios; bem como formular quesitos aos peritos, cuja resposta seja pertinente para o esclarecimento do fato ou da autoria.”36 A produção antecipada de provas é a única possibilidade de tornar válida formalmente a produção de uma prova técnica que, posteriormente, não poderá ser repetida na fase processual e necessariamente servirá de base à valoração de futura sentença judicial. Entende-se como produção antecipada o citado acima por LOPES JUNIOR, a manifestação da defesa, propondo quesitos e solicitando análises. Desta forma, o inquérito policial não possui valor probatório, as provas repetíveis deverão ser refeitas de forma satisfatório no curso da ação penal, e as não repetíveis, para se tornarem válidas, dever ser feitas com a efetiva participação de um defensor. Paulo RANGEL, que se alinha aos que defendem a impossibilidade de possuir valor prova obtida em sede pré-processual, as margens das garantias inerentes ao sistema acusatório. “Entendemos inadmissível a condenação do réu com base apenas na provas colhidas durante a fase do inquérito policial, sem que as mesmas sejam corroboradas no curso do processo judicial, sob o crivo do contraditório, pois a „instrução‟ policial ocorre sem a cooperação do indiciado e, portanto, inquisitorialmente.”37 34 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual... p. 282. 35 Ibidem. p. 283. 36 Ibidem. p. 284. 37 RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 71-72. 15 CONCLUSÃO Este artigo nasce com o objetivo de se chegar a uma resposta à seguinte dúvida: “O inquérito policial garante ao cidadão imputado de ter cometido um injusto típico direitos reais ou simplesmente simbólicos?” Após o estudo realizado, defende- se que as garantias almejadas ao cidadão em face de inquérito policial sempre foram tratadas de forma simbólica, sendo que timidamente, a muito pouco tempo, o direito à informação foi reconhecido pela jurisprudência do Superior Tribunal Federal. O princípio do contraditório, consagrado na Constituição Federal, apenas garante em fase pré-processual o direito à informação, à vista dos olhos do defensor do imputado aos autos de inquérito policial. Este direito a informação consagrado ao advogado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, é quem garante a defesa do imputado, mas que será exercida apenas em sede processual, pois como vislumbrado, a autoridade policial é discricionária na fase procedimental a ponto de poder negar pedido de produção de provas elaborado pelo defensor. É simbólica a afirmação de possuir contraditório e direito de defesa no inquérito policial, pois estas garantias não estão sendo exercidas na essência de seu bojo, a amplitude do significado das garantias não são nem de longe respeitadas pelo Estado, como detentor do monopólio da segurança estatal. 16 REFERÊNCIAS BRASIL. Superior Tribunal Federal. Processual Penal. Habeas-corpus nº 94.387-0 Rio Grande do Sul, Brasília, DF, 18 de novembro de 2008. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000001819&bas e=baseAcordaos> acesso em 08 de outubro de 2009. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. 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