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Teoria do Estado - Hegel e a filosofia da História II

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Teoria Política Contemporânea
Hegel e a filosofia da História II
BOBBIO, Noberto. Estudos sobre Hegel: Direito, Sociedade Civil, Estado. São Paulo: Editora UNESP, 1989. Capitulo 5 – “Hegel e as formas de governo”.
As classificações das formas de governo de Hegel deriva imediatamente daquela de Montesquieu. À tipologia clássica das três formas de governo – monarquia, aristocracia e democracia – diferenciadas com base no numero dos governantes – um, poucos, muitos – e à simplificação introduzida por Maquiavel, que as tinha reduzido a duas – monarquia e republica – com, base no critério do governo de um só (pessoa física) contraposto ao governo de uma assembléia (pessoa moral), que pode ser tanto de nobres (republica aristocrática) quanto popular (republica democrática). Montesquieu havia contraposto a distinção em despotismo, monarquia e republica, que, prescindindo do critério do numero (monarquia e despotismo são, ambos, governos de um só) e mesmo da composição do órgão soberano, assumia um critério de distinção do órgão soberano, assumia um critério de distinção não mais quantitativo e sim qualitativo – o chamado ‘principio’, ou seja, a paixão fundamental que em qualquer tipo de governo induz os súditos a agir conformemente às leis e, por isto, permite a todo ordenamento político durar. Este princípio é, para o despotismo, o medo; para a república, a virtude; para a monarquia, a honra. Se prescindirmos dos escritos teológico-políticos juvenis – em que a idealização da vida pública grega contraposta à cisão entre privado e público introduzida pelo cristianismo induz Hegel a sonhar com um retorno à antiga unidade de púbico e privado, com a recomposição de um dilaceramento, que é prova de decadência, e em que, portanto, o ritmo da história é marcada pelo tipo de relação entre religião e política mais do que pelo tipo de Constituição. Hegel trata do problema da Constituição da Alemanha e, junto com ele, de todos os maiores problemas da teoria tradicional do Estado, as formas de governo historicamente relevantes são aquelas mesmas a que Montesquieu havia dedicado tantas páginas de sua obra: despotismo (oriental), república (antiga), monarquia (moderna). A distribuição dos dois conceitos de monarquia e despotismo, tradicionalmente considerados como duas espécies do mesmo gênero (de acordo com o ensinamento aristotélico), em dois gêneros distintos – ou, se se quiser, a consideração do despotismo como um tipo separado de ordenamento político, a ser contraposto tanto à republica (que compreende seja a república aristocrática, seja a democrática) quanto á monarquia, considerada como aquela forma de ordenamento em que um só governa, mas segundo leis fixas e estabelecidas – é um dos traços característicos, se não o mais característico, da tipologia de Montesquieu. Se se considera que aristocracia e democracia são duas espécies do gênero república, como de resto o eram para Montesquieu, esta célebre divisão do mundo histórico em despotismo, república e monarquia reproduz exatamente aquela já formulada em A Constituição da Alemanha e é reconstruída a partir da teoria das formas de governo do Espirit dês Lois, embora Montesquieu acentue o uso prescritivo da tipologia mais do que o descritivo, e Hegel o uso histórico mais do que o descritivo.
De Montesquieu Hegel acolhe a tipologia das formas de governo a ponto de assumi-la como critério principal da interpretação histórica em sua filosofia da história, mas não acolhe totalmente o critério de diferenciação das três formas, que é em Montesquieu, o principio diferente que preside cada uma (o medo para o despotismo, a virtude para a democracia, a honra para a monarquia), embora preste homenagem a seu autor afirmando que é preciso “reconhecer a argúcia de Montesquieu em sua exposição, que se tornou famosa, sobre os diferentes princípios destas formas de governo’. Mais exatamente, acolhe o principio da virtude para definir a democracia.
Hegel, a quem desagradam a Inglaterra e tudo o que a ela se refere, sempre expressa, quando lhe surge a oportunidade, um juízo negativo sobre os governos aristocráticos, cujo exemplo histórico mais relevante é a Inglaterra, junto com a república romana. Critica igualmente o princípio da honra em relação à monarquia, ou, pelo menos, circunscreve sua validade histórica, observando que tal principio pode ser acolhido para compreender a monarquia feudal fundada em privilégios de indivíduos e corporações, mas não para captar a natureza da monarquia constitucional, que ele, Hegel, vê com simpatia como a forma de governo adequada à maturidade dos tempos, regulada pelos princípios de um direito público universal.
Hegel recusa a tripartição clássica da monarquia, aristocracia e democracia, enquanto ‘externa’, e externa enquanto fundada exclusivamente na ‘diferença do número’. Mas, curiosamente, também o critério que ele introduz – a liberdade de um, de poucos, de todos – está fundado numa diferença de número, exatamente naquela mesma distinção entre um, poucos e muitos que serve para definir as três formas clássicas; e, mais curiosamente ainda, na mesma ordem de sucessão, a qual em geral, nas teorias dos antigos, monarquia ou governo de um, aristocracia ou governo de poucos, democracia ou governo de todos. O que distingue a tipologia de Hegel daquela dos clássicos é não somente, mais uma vez, a cisão (derivada de Monstesquieu) entre duas formas de governo de um só – uma das quais no inicio, a outra no fim do decurso histórico -, mas justamente a sua contraposição, capaz de permitir que se atribua à monarquia dos modernos, isto é, à monarquia constitucional, a qualidade oposto àquela da monarquia dos antigos, ou seja, a liberdade não de um só mas de todos. O pressuposto para uma concepção global do decurso histórico possui uma elevada relevância para Hegel: este é marcado pela passagem obrigatória de uma forma de governo para outra. Por outro lado, a importância do trecho consiste na determinação sintética e fecunda do critério distintivo das três formas. Este critério deve ser buscado, em poucas palavras, na diferente relação entre sociedade civil e Estado, desde que se entenda hegelianamente, por ‘sociedade civil’, o conjunto das ‘esferas particulares’ em que os indivíduos estão unidos entre si ou se associam para obter fins particularistas; e por ‘Estado’, a organização do poder político, isto é, do poder que persegue fins universais, o primeiro dos quais é a sobrevivência mesma da comunidade popular. Existem formas de governo em que o Estado é tudo e a sociedade civil não é nada: são as formas primitivas ou aquelas do governo despótico. Existem formas intermediarias em que emergem as esferas particulares e entram em conflito com o Estado até o limite em que a sociedade privada é tudo e o Estado não é nada, como ocorre na sociedade feudal. Enfim, existem as formas evoluídas, em que a sociedade civil e o Estado se compenetram, ou seja, a sociedade civil é plenamente desenvolvida e o Estado, que a regula, reflete-lhe a complexidade na distinção e na articulação de seus órgãos, e, regulando-a , conserva-lhe autonomia dentro dos limites do fim ultimo do Estado, que é a unidade do todo. As três formas de governo correspondem a três tipos de sociedade: a primeira, a uma sociedade ainda indiferenciada e inarticulada, em que as esferas particulares de que se compõe uma sociedade evoluída, como as ordens ou as categorias ou ainda os estamentos, ainda não emergiram da unidade indistinta inicial, como ocorre na família, que é uma totalidade composta por partes relativamente não autônomas (não casualmente, estas formas primitivas de Estado são comparáveis a famílias em maior escala, e o soberano a um pai ou a um patrão); a segunda, a uma sociedade em que começam a emergir as esferas particulares, mas estas não conseguem encontrar sua unidade numa totalidade, e é o momento da unidade desarticulada e não ainda recomposta; a terceira, a uma sociedade em que a unidade se recompõe através da reagregação das diferentes partes sem que a unificaçãoreproduza a indiferenciação primitiva, ou seja, onde existe ao mesmo tempo unidade e distinção, e, portanto, a unidade é compatível com a autonomia relativa das diferentes partes e, antes, só vive e opera através da combinação regulada das diferentes partes.
Não é uma casualidade que Hegel sinta a necessidade de tomar posição em relação à tipologia clássica justamente no momento em que ilustra a natureza de uma monarquia, que não é a monarquia no sentido clássico da palavra e que surge como forma última, ao invés de primeira. Como forma última de governo, a monarquia constitucional é a confirmação da validade de um critério de distinção das formas de governo diferente daquele dos antigos. E, de fato, a crítica que Hegel dirige à distinção clássica é que todas as três formas se referem ‘ a uma unidade substancial ainda indivisa, que ainda não chegou a sua distinção interna (a uma organização desenvolvida de si) e, portanto, à profundidade e a racionalidade concreta’. Noutras palavras, em todas as três formas o poder é unitário, não distribuído em órgãos diversos, qualquer que seja o número dos titulares do poder, de modo que a distinção quanto ao número, comparada com a distinção quanto à organização do poder, articulada dou desarticulada, diferenciada ou indiferenciada, é uma distinção extrínseca, embora que se desconhecia a distribuição dos poderes, característica da monarquia constitucional.
Hegel não ignora que os antigos haviam apreendido claramente a unilateralidade das Constituições puras e com base em alguns exemplos concretos, haviam elaborado a teoria do governo misto, ou seja, do governo que é o resultado de uma sábia combinação de todas as três formas, tendo celebrado sua excelência. E eis que, logo depois de ter destacado a insuficiência da tripartição da antiga para a compreensão da monarquia moderna, acrescenta: as três formas antigas que, enquanto tais, caracterizam as três formas diferentes de governo (embora diferentes tão somente de modo extrínseco) ‘são reduzidas a momentos da monarquia constitucional’: o monarca é uno; com o poder governativo intervêm alguns, e, com o poder legislativo, a maioria em geral’. Não era por certo uma novidade que a monarquia constitucional, ou seja, a monarquia em que os poderes são divididos, devesses ser interpretada como uma forma de governo misto, ainda que de modo falso ou, pelo menos, deturpando ou forçando o significado originário deste conceito.
Hegel, faz corresponder as três formas puras não mais ao rei e às duas Câmaras, mas os três poderes que compõe a monarquia constitucional segundo seu conceito (inédito e jamais repetido), e que não são mais o poder legislativo, o executivo e o judiciário, mas o legislativo, o executivo e o príncipe, sendo o judiciário atribuído a sociedade civil; por outro, exatamente na medida em que cancela o poder judiciário e divide o poder executivo em poder do príncipe e em poder governativo, possibilita novamente a correspondência entre os três poderes e o numero dos governantes segundo a tipologia de um, poucos ou muitos: uma correspondência que na teoria da divisão dos poderes nao tinha mais razão de ser, dado que, se o poder executivo podia ser distinto do legislativo segundo o numero, uma distinção deste tipo não podia ser feita para o poder judiciário em relação ao executivo e ao legislativo. Noutras palavras, Hegel, considerando as três formas puras de governo como momentos de uma Constituição em que os três poderes não mais são aqueles tradicionais, torna de novo plausível a correspondência entre a teoria tradicional do governo misto e a teoria da divisão dos poderes. É impossível dizer se Hegel estava consciente desse resultado. 
O fato de que toda Constituição é a expressão do ‘espírito do povo’ e que, portanto, não faz sentido nem perguntar quem tenha dado tal ou qual Constituição nem criar em gabinete uma Constituição perfeita e acabada e aplicável indiferentemente a tal ou a qual povo. Quanto ao problema das formas de governo, a tese de que a Constituição não é objeto de escolha e todo povo, portanto, tem a Constituição que deve ter – sendo inútil impor a um determinado povo uma Constituição a partir de fora – acarreta uma conseqüência: é vão qualquer discurso sobre a republica ótima ou sobre a melhor forma de governo. Para Hegel, o problema da melhor forma de governo é um problema sem sentido vale tanto quanto a afirmação de que em sua teoria das formas de governo não há – ou pelo menos não deveria haver – lugar para seu uso prescritivo. 
Independentemente da situação histórica, dado que um povo é diferente do outro e todo povo tem a Constituição que reflete sua individualidade histórica, não impede de dizer concretamente, isto é, historicamente, segundo o desenvolvimento necessário e ao mesmo tempo progressivo da história universal, que uma Constituição seja melhor do que outra ou, mais precisamente, que uma Constituição sucessiva seja melhor do que uma precedente. De fato, numa concepção da história como progresso, ainda que alternado com períodos de decadência, aquilo que vem depois é melhor do que o que veio antes, salvo os momentos negativos, os quais, de resto, sempre e necessariamente se resolvem em momentos positivos, porque, se não fosse assim, a própria idéia de progresso desapareceria.
Para Hegel as principais formas de governo que dividiram o curso do mundo são essencialmente quatro: despotismo, democracia, aristocracia e monarquia (constitucional). Na linguagem hegeliana, dois destes temos – democracia e aristocracia – são usados habitualmente com uma conotação negativa; e os outros dois – democracia (se referida a pequenos estados) e monarquia – habitualmente com uma conotação positiva.
Comparar Hegel e Vico????? ( professor não citou Vico em sala, ou citou?)
Hegel e a filosofia da História II

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