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Direito Internacional Público e Privado Renata Campettí Amaral Editora Verbo Jurídico Porto Alegre Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A485d Amaral, Renata Campetti, O direito internacional: público e privado / Renata Campetti Amaral. 6a edição — Porto Alegre : Verbo Jurídico, 2010. 248 p. ISBN: 978-85-7699-244-8 1. Direito Internacional Público. 2. Direito Internacional Privado. 3. Tratados Internacionais. 4. Conflitos Internacionais I Titulo. CDU: 341.124 Bibliotecária Responsável Ginamara Lima Jacques Pinto CRB 10/1204 Editora Verbo Jurídico Ltda> Matriz: Rua Prof, Cristiano Fischer, 2012 Porto Alegre, RS CEP 91410-000 Fone: (51)3076-8686 Filial: Rua Benjamin Constant, 77/107 São Paulo, SP Fone: (11)3106-5287 verbojuridico@verbojurtdico. com.br www.verbojuridico.com.br Direito Internacional Colaboração de Rodrigo TeUectaea Silva Direito Internacional ÍNDICE CAPÍTULO I - DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 1 .Introdução à Disciplina................................................................................... 11 1.1.Origens e Evolução Histórica.... ............................................................... 11 1.2. Conceito................................................ ........... .........................................14 2. Objeto..............................................................................................................15 3.Fonte s..........................................................................................................16 3.1.Tratado s.................................................................................................... 18 3.2. Costume............. ......................................................................... 20 3.3.Princfpios Gerais do Direito...................................................................... 22 3.4.Jurisprudência e Doutrina..........................................................................22 CAPÍTULO II - PERSONALIDADE INTERNACIONAL 1 .Conceito.......................................................................................................... 25 2.Capacidade de Ação..................................................................................... 25 3.Pessoas Internacionais............................................................................ 27 3.1.Estado s ..........................................................................................................,........ ..............27 3.2.0rganismos Internacionais....................................................................... 35 3.2.1. Organização das Nações Unidas - O NU...................................37 3.2.2. Organização dos Estados Americanos - OEA............. ...................... 42 3.3.Indivíduos e Empresas ............................................ ................................44 4. Santa-Sé.......................................................................................... 45 5.Organizações Não-Governamentais - ONGs............................................45 CAPÍTULO III - TRATADOS INTERNACIONAIS 1 .Teoria Geral dos Tratados........................................................................... 47 1.1. Princípios e Classificação dos Tratados................................................49 1.2. Interpretação........................................................ .................................... 51 1.3. Validade, Vigência, Execução e Aplicação............................................ 51 1.4. Relações e Conflitos com o Direito interno ..........................................54 1.5. O Sistema Brasileiro de Incorporação de Tratados..............................55 2. Tratados em Espécie...................................................................................58 2.1. Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos..................58 2.2. Estatuto de Roma e Tribunal Penal internacional................................62 7 2.3. Proteção Internacional do Meio Ambiente....................................... ;... 65 2.4. Outras Convenções Internacionais.......................................................70 2.4.1. Convenção para repressão ao Genocídio........................................70 2.4.2. Convenção contra o crime organizado transnacionai..................... 71 2.4.3. Convenção contra o tráfico ilícito de entorpecentes....................... 75 2.4.4 Convenção contra o tráfico de armas................................................ 77 2.4.5. Convenção sobre o combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais..............78 CAPÍTULO IV - REPRESENTAÇÃO DIPLOMÁTICA 1. Missões Diplomáticas................................................................................81 1.1 Convenções de Viena de 1961 ............................................................. 82 1.2. Privilégios e Imunidades........................................................................83 2. Convenção sobre Relações Consulares de 1963.................................. 86 CAPÍTULO V - RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS 1. Direitos Fundamentais dos Estados........................................................89 2. Deveres dos Estados............................ ................................................... .91 2.1. Dever de Não-lntervenção.....................................................................91 2.2. Responsabilidade por Danos Internacionais.................................... 92 2.2.1. Proteção Diplomática...................................... ....................................95 CAPÍTULO VI - MEIOS DE COMPOSIÇÃO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS 1. Solução Pacífica de Conflitos.................................................................. 99 1.1. Arbitragem Internacional..................................................................... 100 1.2. Corte Internacional de Justiça .............................................................. 101 2. Sanções e Soluções Coercitivas de Controvérsias...............................102 2.1. Rompimento de Relações Diplomáticas..............................................103 2.2. Retorsão..................................................................................................104 2.3. Represálias.............................................................................................104 2.3.1. Embargo.............................................................................................. 104 2.3.2. Bloqueio Pacífico................................................................................ 105 2.3.3. Boicotagem..... .................................................................................... 105 CAPÍTULO VII - DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO 1. Princípios do Comércio Internacional - GATT e OM C.......................... 107 Direito Internacional 2. Processo de Integração Econômica Internacional................. .............. 112 3. Blocos Regionais.......................................................................................113 3.1. MERCOSUL..................................................................... .........................113 3.2. União Européia................... .......................................................................121 3.3. NAFTA eALCA.......................................................................................... 126 4. Nomenclatura Utilizada no Comércio Internacional .............................128 CAPÍTULO VIÜ - DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL MARÍTIMO - Conceitos Fundamentais 1. Mar, Águas Interiores, Mar Territoriai, Zona Contígua e Zona Econômica............................................... .................... ..............................131 2. Plataforma Continental............... ..............................................................1363. Alto-Mar,..... ............................. .................................................................137 4. Rios Internacionais..... .............................................................................. 137 CAPÍTULO IX - DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL AÉREO 1. Espaço Aéreo............................................................................................ 139 2. Princípios Elementares..... ....................................................................... 139 3. Normas Convencionais................................................................................ 140 4. Nacionalidade das Aeronaves.................................................................... 143 5. Espaço extra-atmosférico......................................................... .................. 143 6. Código Brasileiro de Aeronáutica - Lei n° 7.565/86.............. ..................143 CAPÍTULO X - DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO 1. Conceito e Objeto.................... ..................... ..............................................145 2. Relação Típica e Relação Atípica...............................................................146 3. Fontes............................................................................................................146 4. Origens e Evolução Histórica.......................................... ............................146 5. Conflitos de Leis no Espaço e Reenvio.....................................................149 6. Elemento de Estraneidade e Fato Jusprivatista Internacional ............... 150 7. Elementos de Conexão do Direito Brasileiro........................... ................. 151 7.1. Família e Direitos Pessoais.............................. ................... ...................153 7.2. Adoção Internacional...................................................................... .......154 7.3. Bens................ ...........................................................................................155 7.4. Obrigações e Contratos Internacionais.................................................. 156 9 7.5. Pessoa Jurídica............... ......................................................................... 157 7.6, Sucessão................................................. ........................ ........................ 158 8. Teoria das Qualificações......................................................................... 159 CAPÍTULO XI - NACIONALIDADE 1. População e Comunidade Nacional.................. .........................................161 2. Aquisição, Mudança e Perda da Nacionalidade - Opção e Prazos............. 162 3. Naturalização................................................................................................ 167 4. Posição da Justiça Federai - Jurisprudência............................................ 169 CAPÍTULO XII - REGIME JURÍDICO DO ESTRANGEIRO 1. Estatuto dos Estrangeiros e Vistos............................................................ 175 2. Extradição, Expulsão e Deportação................... ....................................... 178 3. Asilo Político.......................... .......................................................................183 4. Refugio..................................... ................................................... ............... .184 5. Pessoas Jurídicas Estrangeiras................. ................................................185 CAPÍTULO XIII - PROCESSO CIVIL INTERNACIONAL 1. Aplicação da Lei Estrangeira .....................................................................187 2. Competência Internacional no Brasil.............................................. ....... 188 2.1. Competência Concorrente......................................................... ........... 188 2.2. Competência Absoluta.................................................... ...................... . 189 3. Sentença Estrangeira e Cooperação Internacional..................................191 3.1. Cartas Rogatórias.............................................. .......................... ......... 191 3.2. Homologação de Sentenças Estrangeiras e Exequatur...................... 193 3.3. Precedentes Jurisprudenciais envolvendo Homologação de Sentenças Estrangeiras pelo STJ.......................... ........................................ 195 CAPÍTULO XIV - PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS E CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE 1. Noções Gerais segundo o Decreto Legislativo n 10/58 e o Decreto n 56.826/65. Hipóteses de Procedimento.......................................201 2. Competência da Justiça Federal.............. ........................ ........................203 Resolução STJ n. 9/2005............................. ............................................... 205 Questões......................................................................................................... 209 10 Direito Internacional Capítulo I DIREITO INTERNACIONAL PUBLICO 1 introdução à disciplina 1.1 Origens e evolução histórica A origem do Direito Internacional Público (DIP) é contem porânea ao nascimento do próprio Estado. O Direito das Gentes, como era chamado o DIP, nasceu no século XV com a formação dos Estados Nacionais, de cunho absolutista. Todavia, foi a partir do século XVI, com o lançamento dos ensaios do holandês Hugo Grotius (De Jure Belli ac Pacis e De Jure Praedae) que a disciplina conquistou espaço no universo jurídico5. A doutrina especializada distingue 2 (dois) diferentes períodos na evolução do Direito Internacional Público: o sistema clássico (1648-1918) e o moderno (após o término da Primeira Guerra Mundial)2. “O sistema clássico foi baseado no reconhecimento do Estado soberano como o único sujeito do DIP”3 e distingue-se pelos seguintes aspectos: 1 SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo, Editora Atlas, 2002, pg 28. 2 JO, Hee Moon. introdução ao Direito Internacional. São Paulo: LTr, 2000, pp. 52 e 65. 3 JO, op. cit., p. 52. 11 (I) característica européia, em face do período de colo nização; (II) aplicação dos princípios da pacta sant servada nas obrigações internacionais, da soberania territorial, da imunidade estatal e das regras de proteção diplomática; (III) aceitação do uso ilimitado de força e de guerra como direito inerente ao Estado, facilitando a aceitação da idéia de anexação de território estrangeiro conquistado e da colonização dos novos continentes4. Já o sistema moderno é marcado pelas seguintes carac terísticas: (I) desvinculação das características européias, ou seja, uni versalização do DIP, apesar de muitas normas do DIP clássico terem sido mantidas; (II) manutenção da paz e segurança internacionais por meio da organização sistemática da sociedade internacional; (III) surgimento de novas áreas do DIP, como direito inter nacional econômico, direitos humanos, direito internacional ambiental, etc. Em verdade, foi com o final da Primeira Guerra Mundial (1918), a partir da instituição da Liga das Nações e da criação da Orga nização Internacional do Trabalho, que o Direito Internacional Público ganhou notoriedade no contexto internacional. É a partir desse momento histórico que o DIP começa a ser visto como um sistema normativo com o objetivo de instituir o dever jurídico de cooperação entre entidades autônomas (Estados). Houve uma transformação fundamental no sistema legal vigente àquela época, objetivando reorganizar a comunidade interna cional de modo a impedir o uso de força como meio de coação e criação de direitos. Sob o ponto de vista histórico-político, esses períodos podem ser divididos da seguinte forma: (I) da Revolução Russa até a criação da ONU; (II) do estabelecimento da ONU até o período de descolonização 4 É importante lembrar que, atualmente, essa regra foi proibida pela Cartada ONU, que não permite o uso da força para intervenção em assuntos internos dos Estados. 12 Direito Internacional da Ásia e da África (1945-1960); (III) da expansão da comunidade internacional até o fim da Guerra Fria, marcada pela dissolução da União Soviética (1960-89); e (IV) da dissolução até hoje. Um dos principais efeitos práticos da nova concepção de Direito Internacional Público, inclinado para a regulamentação da paz e fundamentado no princípio da não-intervenção e na democratização de direitos, foi a criação de uma diplomacia multilateral institucionalizada, com atuação marcante em diversos fóruns de debate, dentre os quais se destacam: a ONU (Organização das Nações Unidas), a OMC (Organização Mundial do Comércio) e a OMS (Organização das Mundial da Saúde). Além disso, é importante sublinhar a sua influência na extemalização de disciplinas jurídicas antes restritas ao direito interno de cada país, como por exemplo, o Direito Penal Internacional e o Direito Processual Internacional,5 Na atualidade, a grande característica do Direito Inter nacional Público é a sua enorme expansão, tanto relativamente à extensão de assuntos sob sua égide, quanto ao vigor em direção à maior eficácia de suas normas. Ainda nesse particular, é interessante destacar que a socie dade internacional, ao contrário das comunidades internas de cada nação, é organizada de forma descentralizada. Disso resulta que, teoricamente, no plano internacional, não há autoridade superior, nem sujeitos dominantes. Os Estados soberanos organizam-se num plano horizontal de autonomia, prontifícando-se a proceder de acordo com determinadas normas jurídicas, na medida de seu consentimento. A criação das normas de Direito Internacional Público é, assim, obra direta de seus desti natários. Dessa forma, entende-se que as normas vigentes entre os Estados pressupõem a existência de uma ordem de coordenação, e não de subordinação, como ocorre no direito interno6. Essa análise, no entanto, não está isenta de críticas, tendo em vista que a teorização da igualdade soberana entre todos os Estados é um postulado jurídico que enfrenta notória dificuldade em sua aplicação prática. Note-se, por exemplo, a árdua tarefa na aplicação de sanções a 5 SOARES, op. clt., pp. 32 e 33. 6 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 10a ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 01. 13 qualquer dos cinco Estados que detêm o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU (China, França, Rússia, Grã-Bretanha e Estados Unidos). 1.2 Conceito O conceito e o conteúdo abrangido pelo Direito Inter nacional Público podem variar conforme o critério adotado pelo doutrinador estudado. Para oferecer uma visão sistemática do assunto, adotaremos definições comuns à grande maioria da doutrina especializada. Até fins do século XIX, a doutrina somente atribuía a condição de sujeito do DIP aos Estados. Nesse sentido, Pimenta Bueno (1863) afirmou “o direito internacional público ou das gentes, jus gentium publicum ou jus publicum intergentes ^ é o complexo dos princípios, normas, máximas, atos ou usos reconhecidos como reguladores das relações de nação a nação, ou de Estado a Estado, como tais, reguladores que devem ser atendidos tanto por justiça como para segurança e bem-ser comum dos povos ” Na acepção clássica de Direito Internacional Público, o Estado era visto como um ente soberano, soberbo, o único sujeito capaz de criar direitos e gerar obrigações no âmbito internacional, motivo pelo qual o Estado está sempre presente nas conceituaçoes iniciais da disciplina. A explicação histórica para essa visão centralizadora encontra- se na idéia de que, por muito tempo, o Estado foi visto como detentor de um poder supremo, ilimitado. Todavia, essa noção de soberania incondicionada não é mais absoluta, eis que, atualmente, o exercício do poder do Estado se encontra limitado por fatores e normas externas a sua própria vontade, como por exemplo, pelos compromissos assumidos na esfera internacional e pelas normas de DIP7. Nesse contexto e com a evolução da disciplina, passou- se a incorporar ao lado do Estado, as organizações internacionais enquanto sujeitos do DIP. 7 SEITENFUS, José Ricardo e VENTURA, Deisy. introdução ao Direito internacional Público. 1a ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1999, p 27. 14 Direito Internacional Também a condição jurídica do homem - até então adstrita ao direito interno - passou a ser objeto de estudo da disciplina internacional, de modo que Nicolas Politis definiu: “DIP é o conjunto de regras que governam as relações dos homens pertencentes aos vários grupos nacionais”. Para resumir a questão, a definição de Hildebrando Accioly8 é bastante oportuna. Segundo ele, DIP “é o conjunto de princípios e regras destinados a reger os direitos e deveres internacionais, tanto dos Estados ou outros organismos análogos, quanto dos indivíduos”. 2 Objeto Tradicionalmente, o campo de aplicação do DIP restringia- se às relações diplomáticas, comercias e ao direito de guerra. No entanto, tal como é conhecido na atualidade, o DIP apresenta uma função bastante ampla. No entender da Corte Internacional de Justiça (CLJ), órgão jurídico e consultivo da Organização das Nações Unidas, o DIP se constitui em fator de organização da sociedade, de modo que deve atender a 2 (duas) finalidades: (I) redução da anarquia das relações internacionais; (II) satisfação de interesses comuns dos Estados. De forma mais detalhada e com alicerce na lição de Charles Roí sseau, podemos definir as funções do DIP a partir do seguinte tripé: a) assegurar a divisão de competências entre os Estados soberanos, estabelecendo base geográfica para o exercício de sua jurisdição, não podendo, em regra, excéder esse limite; b) impor obrigações aos Estados no exercício de suas competências, limitando sua esfera de dlscricionariedade; c) delimitar as competências das organizações inter nacionais. Com o incremento das relações internacionais, comerciais e econômicas entre os Estados, o alcance da disciplina ampliou-se 8 SILVA, G. E. do Nascimento e & ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 13a ed. Sâo Paulo: Saraiva, 1998. 15 satisfatoriamente, passando também a regular direitos relativos ao meio ambiente, ao comércio internacional, aos direitos humanos, ao direito do consumidor, entre muitos outros. 3 Fontes A doutrina divide a origem das fontes do DIP em duas concepções: a positivista e a objetivista. A primeira, também chamada voluntarista, é defendida pelos italianos, os quais entendem que a única fonte do DIP é a “vontade comum dos Estados”, sendo que tal vontade se encontra expressamente manifestada nos tratados e, de modo tácito, no costume. Essa concepção (positivista ou voluntarista), todavia, é insuficiente para explicar a obrigatoriedade da norma costumeira, a qual se toma cogente para os Estados-membros da sociedade internacional, independentemente da manifestação de vontade destes9. Em contraposição, a escola objetivista baseia-se na distinção entre fontes formais e materiais. As fontes materiais seriam as “verdadeiras fontes do Direito”, enquanto que as formais seriam apenas “meios de comprovação”. Sendo assim, as fontes materiais seriam, por exemplo, a tradição, a cultura, a história. Já as fontes formais do DIP, ou seja, aquelas por meio das quais se expressa e comprova o direito, seriam os tratados, os princípios gerais do direito e, secundariamente, a jurisprudência e a doutrina. Tradicionalmente, tem-se considerado como rol das fontes formais do Direito Internacional Público a enumeração prevista no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça: A Corte, cuja função é decidir de acordo com o Direito Internacional as controvérsias quelhe foram submetidas, aplicará: a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes. 9 MELLO, Celso D. Albuquerque de. Curso de Direito internacional Público. Vol. 1,12a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 192. 16 Direito Internacional b) o costume internacional, como prova da prática geral aceita como sendo o direito; c) os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas; d) sob ressalva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. Ressalte-se, ainda, que doutrinadores modernos vêm incluindo os atos unilaterais e as decisões tomadas por Organizações Internacionais Intergovemamentais como fontes do DIP, apesar de tais atos não se encontrarem listados no artigo 38 do Estatuto da Cortê. São exemplos práticos de atos unilaterais a notificação, a renúncia e o reconhecimento. Saliente-se, no entanto, que tais atos não apresentam caráter normativo, marcado pela abstração e generalidade. Ao mesmo tempo, porém, é inegável que eles produzem conseqüências jurídicas, criando, eventualmente, obrigações aos Estados. Nesse sentido, é preciso analisar de forma crítica o rol de fontes previsto no artigo 38 do Estatuto da Corte, lavrado em 1920, quando apenas começava a se desenvolver o Direito Internacional Público, não podendo ser estudado como um rol exaustivo. Importante destacar que, a partir dos anos 60, a doutrina intemacionalista tem se debruçado sobre o fenômeno da existência de normas jurídicas com graus de normatividade menores que as tradicionais, mas nem por isso menos significativas. A tais normas denominou-se soft law, por oposição às tradicionais, que então passaram a ser tratadas de hard law.10 O conceito de soft law emergiu a partir da relevância e da atuação crescente da diplomacia multilateral, seja nos foros diplomáticos de negociação, seja a partir de interpretações dadas aos tratados multilaterais elaborados sob a égide das organizações intergover- namentais.11 10 SOARES, op. clt., p. 136. 11 SOARES, op, cft., p. 137. \ No sistema da soft law, o cumprimento das normas jurídicas é meramente recomendado aos Estados, que podem, inclusive, não as cumprir, sem que haja sanções aplicáveis aos inadimplentes. As denominações dessas regras têm variado bastante, como por exemplo, non binding agreements, gentlemen's agreements, códigos de conduta, memorandos, declaração conjunta, declaração de princípios, ata final, etc.12 3.1 Tratados Entende-se por tratado o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas interna cionais13. As Convenções de Viena de 1969 e 1986 estabeleceram as normas pelas quais é regido o tratado no Direito Internacional Publico, conceituando-o como “um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados regidos pelo Direito Internacional, quer inserido num único instrumento, quer em dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua designação específica” (art. 2, item 1, da Convenção de 1969). Essa Convenção foi assinada pelo Brasil em 1980, e ratificada em 25 de setembro de 2009 (Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009). De acordo com o texto da Convenção de Viena, com preende-se que a palavra tratado designa um acordo regido pelo direito internacional, qualquer que seja a sua denominação. Nesse sentido, tratado seria a designação genérica, onde estão abrangidas as expressões: convenção, convênio, protocolo, compromisso, etc. Apesar disso, algumas diferenciações têm sido utilizadas para a designação dos diferentes tratados, de acordo com sua hierarquia e finalidade, tais como: 12 SOARES, op. cit, p. 138, 13 SILVA & ACCIOLY, op. cit., p. 23. Direito Internacional Expressão 1 Designação Carta Designa tratados hierarquicamente supe riores, os quais dispõem sobre a criação de entidades internacionais, como por exemplo a Carta da ONU. Convenção | Vem sendo utilizada nos principais tratados multilaterais de característica normativa, como a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969). Acordo Utilizado quando o número de partes é baixo e sua forma é simples. Possui característica administrativa e técnica. Ajuste ou Acordo Complementar j Ij Ato que possibilita a execução de outro anterior, devidamente concluído. Em geral, são colocados ao abrigo de um acordo-quadro ou acordo-básico. Acordo por Troca de Notas j 1 Empregado para assuntos de natureza administrativa, bem como para alterar ou interpretar cláusulas de atos já concluídos. Memorando de Entendimento Utilizado para registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as Partes, seja nos planos político, econômico, cultural ou em outros. Protocolo | ; Usualmente, designa o documento que visa a dirimir questões adicionais, complementares e interpretativas de tratados ou convenções anteriores. É utilizado ainda para designar a ata final de uma conferência internacional. Protocolo de Entendimento Ato de menor hierarquia que não encerra um acordo de vontades, mas apenas um início de compromisso. Concordata Teimo reservado ao tratado bilateral em que uma das partes é a Santa Sé. 19 Essas denominações, contudo, não têm influência sobre o conteúdo do tratado, podendo variar de acordo com a escolha dos Estados-membros. Portanto, a utilização das expressões é, de certa forma, livre. O capítulo III tratará mais detalhadamente acerca dos tratados internacionais. 3.2 Costume O costume adquire papel fundamental enquanto fonte do DIP, uma vez que muitas das relações de direito internacional não se encontram normatizadas. E, por excelência, a fonte formadora das normas de DIP. Segundo a doutrina, para a formação do costume interna cional é indispensável a existência de 2 (dois) elementos: um de ordem material e outro de caráter subjetivo. O elemento material do costume está consubstanciado na prática, na repetição ao longo do tempo de um certo modo de proceder ante a determinado quadro fático. Essa prática reiterada pode ser omissiva ou comissiva e aplica-se a quaisquer sujeitos na esfera do Direito Internacional Público. Não há transcurso de tempo pré-determinado para a sua formação, devendo ser analisado caso a caso. Nesse sentido, já se manifestou a Corte Internacional de Justiça no julgamento do Caso da Plataforma Continental do Mar do Norte: “o transcurso de um período de tempo reduzido não é necessariamente, ou não constitui em si mesmo, um impedimento à formação de uma nova norma de direito consue- tudinário”14. O elemento subjetivo do costume internacional (Opinio Juris) é o entendimento, a convicção, a crença de que a atitude prática se estima obrigatória por ser necessária, correta, justa, e por assim dizer, digna do bom direito. Do contrário, qualquer conduta internacional reiterada por qualquer Estado durante um certo lapso temporal, por comodismo, hábito ou praxe, se enquadraria nessa definição, formando assim uma nova norma costumeira. 14 REZEK, op. cit.,p. 119. 20 Direito Internacional A formação de um costume internacional não necessita de que determinada conduta seja praticada reiteradamente por todos os membros da comunidade internacional, assim como não precisa que todos a considerem como justa e correta. Impõe-se, todavia, por uma questão de bom senso, a existência de uma pluralidade de Estados que adotem a prática.15 Inúmeras situações encontram-se satisfatoriamente regu ladas pelo direito costumeiro, de modo que não se vislumbra a necessidade de sua codificação. Tanto é assim que é de praxe a adoção pelas Convenções do seguinte preâmbulo:“afirmando que as regras de direito internacional consuetudinário continuarão a reger as questões que não forem reguladas nas disposições da presente Convenção”. 6 Não há desnível hierárquico entre normais costumeiras e convencionais. Logo, um tratado é idôneo para derrogar, entre as partes celebrantes, certo norma costumeira. De igual modo, pode um costume derrogar a norma expressa de um tratado.17 No entanto, é preciso esclarecer que, em termos de operacionalidade e segurança, os tratados primam sobre os costumes, uma vez que, muitas vezes, é árdua e nebulosa a tarefa de verificar a data de surgimento do costume, as partes obrigadas, a profundidade das obrigações, etc. Busca-se, materialmente, a prova do costume em atos estatais, via de regra, aqueles que compõem a prática diplomática, e ainda nos textos legais e nas decisões judiciárias que disponham sobre temas de interesse do direito das gentes18. Geralmente é com base em normas costumeiras que se estabelecem as bases estruturais de um tratado ou convenção internacional. Da mesma forma, algumas convenções internacionais de grande relevância não ratificadas pelas partes são consideradas pela doutrina como direito consuetudinário. Um exemplo interessante dessa hipótese é o Caso da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, datada de 1969, que é obrigatória por força contratual àqueles Estados que a ratificaram e costumeira para aqueles que não o fizeram. 15 REZEK, op. cit., p, 120. 18 SOARES, op. cit., p. 85. ,7 REZEK, op. cit., p. 124. 18 REZEK, op. Cit., p. 125. 21 3.3 Princípios gerais do direito A doutrina destaca que, dentre as fontes de DIP citadas pelo artigo 38 do Estatuto da CIJ {vide item 3 do presente capítulo), os princípios gerais do direito são os mais vagos, os de mais difícil caracterização19. Tais princípios seriam aqueles aceitos por todas as nações in foro doméstico, dentre os quais poderíamos destacar o princípio da boa fé, da não-agressão, da solução pacífica dos litígios, da continuidade do Estado, da autodeterminação dos povos, do desarma mento, pacta sunt servanda e rebus sic stantibus. Na prática, há exemplos da utilização dos princípios gerais do direito como fundamento de decisões. No Caso Chorzów Factory (1927), a Corte Permanente de Justiça Internacional (antecessora da Corte Internacional de Justiça) declarou que “é um princípio de direito internacional, e até mesmo um princípio geral do direito, que qualquer quebra a um acordo acarreta a obrigação de indenização”. 3.4 Jurisprudência e doutrina A alínea d do art. 38 do Estatuto da Corte menciona as decisões judiciárias e a doutrina como fontes do DIP. Essa diretriz está sujeita ao disposto no art. 59 do mesmo Estatuto, que determina que “a decisão da Corte não é obrigatória senão para as partes em litígio e em relação a esse caso específico”. Isso significa que os tribunais não estão obrigados a seguir as decisões anteriores relativas à mesma questão de direito (stare decisis doctrine). Pela expressão decisões judiciárias, entende-se a juris prudência dos tribunais arbitrais, além das decisões dos tribunais e organizações internacionais. Sua importância vem do fato de que a jurisprudência contribui para o desenvolvimento da disciplina, uma vez que interpreta e esclarece as disposições de tratados internacionais e das normas costumeiras. Dentre as decisões judiciárias, aquelas emanadas da CIJ são consideradas as de maior relevância para a interpretação das normas na esfera internacional. Quanto à doutrina, sua caracterização como fonte do DIP é bastante contestada, contudo, não se pode negar sua importância na interpretação dos textos convencionais, que muitas vezes não são devidamente claros e precisos. 19 SILVA & ACCIÓLY, op. cit, p. 7. 22 Direito Internacional Na verdade, tem-se concebido que a jurisprudência e a doutrina não são formas de expressão do direito, mas sim instrumentos úteis a sua correta interpretação. Já a eqüidade e a analogia, por seus turnos, são métodos de raciocínio jurídico, critérios norteadores do julgador face à insuficiência do direito ou a completa obscuridade normativa para o julgamento de um caso concreto20. Sublinhe-se, entretanto, que, para a utilização da eqüidade pelas Cortes Internacionais, é imprescindível a autorização das partes envolvidas21. 20 REZEK, op. cfL, p. 145. 21 O Estatuto da CIJ dispõe em seu artigo 38 que o recurso à eqüidade depende da aquiescência das partes litigantes. Direito Internacional Capítulo 11 PERSONALIDADE INTERNACIONAL 1 Conceito No direito internacional, o “reconhecimento da perso nalidade internacional significa o reconhecimento de sua existência legal na sociedade internacional”22. Como vimos, no DIP Clássico, somente os Estados figuravam como sujeitos de direitos e obrigações. Atualmente, além dos Estados, outros entes figuram como sujeitos de DIP, sendo eles as organizações internacionais e os indivíduos. 2 Capacidade de ação e personalidade A capacidade de ação decorre do reconhecimento da personalidade jurídica de um determinado ente, eis que a capacidade é o “poder de intervir por si mesmo”. Contudo, o exercício de direitos e deveres poderá sofrer limitações, na medida da capacidade conferida a 22 JO, op. cit, p. 186. 25 \ 1 um determinado ente pelo Direito Internacional. A capacidade, portanto, varia de um ente para outro. A capacidade dos Estados é assegurada a partir de sua constituição, desde que haja soberania e independência para tomar decisões. Percebe-se» assim, que a independência e a soberania são elementos indispensáveis para assegurar a capacidade do Estado para figurar como sujeito de direitos e deveres no âmbito internacional. A justificativa lógica para essa afirmação decorre do fato de que um Estado não poderá se encontrar subordinado a outro para manter relações jurídicas na comunidade internacional. No que se refere às organizações internacionais, sua personalidade já foi reconhecida pela Corte Internacional de Justiça. Assim como as empresas no âmbito do direito interno, as organizações internacionais possuem personalidade independentemente de seus membros. No entanto, o exercício de sua capacidade de ação - que, como vimos, é uma conseqüência da personalidade internacional - dependerá do que dispõem seus acordos constitutivos. Assim, o reconhecimento da personalidade de uma organização não significa, necessariamente, que ela possui capacidade para concluir tratados, por exemplo. As organizações exercem, portanto, uma “capacidade legal internacional limitada”, de acordo com as delimitações estabelecidas por seu tratado constitutivo. Além disso, o âmbito de exercício da capacidade da organização está adstrito aos países que a reconhecem23 e é resultante da vontade de seus membros (capacidade derivada). Por fim, relativamente à capacidade de ação dos indivíduos na esfera internacional, ainda não há consenso acerca dos direitos e deveres que eles gozam no DIP. O entendimento majoritário da doutrina é de que a capacidade do indivíduo estende-se até o limite permitido pelas normas internacionais aplicáveis diretamente a ele. Ou seja, no momento em que uma norma internacional confere a possibilidade do exercício de determinados direitos diretamente pelo indivíduo, aí está a delimitação de sua capacidade. 23 JO, op. cit. p. 18Ô. 26 Direito Internacional Exemplo prático desse entendimento é a permissão do acesso de indivíduos a alguns tribunais internacionais, para proteção de seus direitos. Apesar de a CIJ não aceitar demandas propostas por indivíduos, outros tribunais o fazem, dentre eles, o ICSID (tribunal arbitrai ad hoc do Banco Mundial), a Corte Permanente de Arbitragem, em Haia, o Sistema de Resolução de Controvérsias estabelecido no NAFTA e a CorteEuropéia de Direitos Humanos. 3 Pessoas internacionais 3.1 Estados O Estado é, sem dúvida, o ente mais participativo nas relações regidas pelo direito internacional. Diversos são os conceitos de Estado, vejamos alguns: “Estado soberano independente é aquele que tem exclu sividade, autonomia e plenitude de competência, sendo que todas as noções devem ser interpretadas dentro do quadro geral do Direito Internacional" (Rousseau). “Estado sujeito do Direito Internacional é aquele que reúne três elementos indispensáveis para a sua formação: população {composta de nacionais e estrangeiros), territórios (ele não precisa ser completamente definido, sendo que a ONU tem admitido Estados com questões de fronteira, como por exemplo, Israel) e govemo (deve ser efetivo e estável). Todavia, o Estado pessoa internacional plena é aquele que possui soberania" (Celso D. Albuquerque de Mello, 1997, vol. I, p. 329). H0 Estado, personalidade originária de direito internacional público, ostenta três elementos conjugados: uma base territorial, uma comunidade humana estabelecida sobre essa área, e uma forma de governo não subordinado a qualquer autoridade exterior” (J.F. Rezek, 2005, p. 161). Para melhor compreensão, dividiremos o presente estudo nos seguintes itens: a) Elementos Constitutivos do Estado b) Classificação dos Estados 27 c) Nascimento e Reconhecimento do Estado d) Extinção do Estado e) Sucessão de Estados a) Elementos Constitutivos do Estado - Conforme estabelece a Convenção Interamericana sobre os Direitos e Deveres dos Estados, firmada em Montevidéu, em 1933, são quatro os elementos constitutivos do Estado: a) população permanente; b) território; c) governo; d) capacidade de entrar em relação com os demais Estados, a.l) População', trata-se do conjunto de indivíduos, nacionais ou estrangeiros, que habitam o território ém determinado momento. É, pois, um conceito aritmético, quantitativo, de modo que não se confunde com o conceito de povo, que se refere à coletividade determinada pelo aspecto social. A população estatal moderna é de natureza sedentária, estabilizada no interior das fronteiras do território de determinado Estado. A idéia de uma população nômade não condiz com a realidade internacional. A maioria dos governos confrontados com problemas do nomadismo transfronteiriço pratica políticas, por vezes brutais, de sedentarização dos grupos nômades. No entanto, é importante destacar que um Estado não perde sua qualidade porque pratica ou favorece uma política de emigração maciça de sua população ou porque permite uma 24ímigraçao estrangeira importante. O elemento humano garante a manifestação do princípio da continuidade do Estado. a.2) Território: A noção conceituai de território relaciona- se a uma área terrestre, somada àqueles espaços hídricos de interesse puramente interno, como os rios e lagos que se circunscrevem no interior dessa área sólida. Sobre o território, o Estado soberano exerce jurisdição geral e exclusiva, no sentido de que possui domínio territorial sobre todas as competências de ordem legislativa, administrativa e jurisdicional e que não enfrenta concorrência de qualquer outra soberania. 24 DINH, Nguyen Quoc, DAILUER, Daillier e PELLET, Aían. Direito internacional Púbiico, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p. 374. 28 Direito Internacional O requisito referente à existência de um território determinado não significa que o território do Estado deva estar absolutamente delimitado. Um Estado poderá ser reconhecido internacionalmente mesmo que suas fronteiras não estejam perfeitamente definidas. Além disso, a extensão ou tamanho do território não influi sobre o reconhecimento da personalidade internacional. A delimitação territorial de um Estado geralmente ocorre por meio do estabelecimento de fronteiras com base em linhas limítrofes artificiais ou naturais. A primeira caracteriza-se pela utilização de linhas geodésicas (paralelos e meridianos), ou qualquer arranjo ou combinação que se fundamente à base delas. A segunda relaciona-se ao aproveita mento de rios e cordilheiras como formas naturais de determinar as fronteiras de Estados vizinhos. O critério natural prevalece sobre o artificial, quando a natureza assim o permite, como por exemplo, no estabelecimento da fronteira entre Argentina e Chile, com base na Cordilheira dos Andes. a.3) Governo e Capacidade de manter relações: são exigências que se completam, pois é necessária a existência de um govemo não-subordinado, ou seja, soberano, para que o Estado possa exercer sua capacidade de ação no cenário internacional. Não basta a existência de território bem delimitado, população estável, sujeita à autoridade de um govemo para identificar o Estado enquanto sujeito do Direito Internacional, é preciso encontrar a noção de ente soberano, com competências igualitárias a qualquer outro Estado da comunidade internacional. Importante destacar que a idéia de autonomia não se confunde com a de soberania, da mesma forma que o conceito de Confederação não se eqüivale ao de Federação. O primeiro indica a reunião de Estados Soberanos em tomo de interesses comuns, sejam políticos, econômicos ou geopolíticos, sem, no entanto, abdicarem de sua soberania. O segundo, por sua vez, refere-se à união de estados autônomos na qual há a cessão da suas soberanias para um centro de poder único (União Federal), mantendo-se, todavia, um grau variável de autonomia. b) Classificação dos Estados — A maioria dos intemacionalistas classifica os Estados com base na sua estrutura, designando-os como Estados simples ou Estados compostos. 29 \ Os Estados simples caracterizam-se pelos seguintes atributos: são plenamente soberanos e representam um todo homogêneo e indivisível, sendo que não há divisão interna de autonomias. Trata-se da forma mais comum de Estado. Os Estados compostos dividem-se em: (I) Estados compostos por subordinação; e (II) Estados compostos por coordenação. Os compostos por subordinação referem-se a grupos de Estados que não se encontram em situação de igualdade, não possuem plena autonomia e não possuem pleno gozo de alguns direitos (eram os chamados Estados vassalo, protetorado ou Estado cliente). Tais Estados não mais existem na atualidade. Exemplo dessa situação era a da URSS com os países satélites (Polônia, Hungria, Romência, etc.), onde havia controle por parte da URSS relativamente a aspectos econômicos, militares e comerciais. Já os Estados compostos por coordenação ocorrem a partir da associação de Estados soberanos, em situação de igualdade. Exemplo dessa situação é a confederação de Estados, onde se busca determinado fim especial a partir da associação. Esse fim especial pode ser, por exemplo, a defesa dos Estados ou a proteção de interesses comuns. Geralmente há uma autoridade central, chamada Dieta, a qual não se constitui em poder supremo, mas apenas em uma assembléia cujas decisões são tomadas por unanimidade. Atualmente também não há exemplos de confederações de Estados, mas podemos destacar a Confederação Americana, que existiu no período de 1781 a 1789. Dentre os Estados compostos por coordenação, a doutrina destaca ainda o Estado federal ou federação de Estados. Trata-se da união permanente de Estados onde cada um conserva sua autonomia interna enquanto que a soberania externa é exercida pelo governo federal. A autonomia interna dos Estados é, contudo, limitada pela constituição federal. Desde a Constituição de 1891, o Brasil é um Estado federal. c) Nascimento e Reconhecimento do Estado - o nascimento do Estado decorre da reunião de seus elementos constitutivos, conforme vimos no item a. Contudo, a simples reunião dos elementos não permite, por si só, o nascimento do Estado, sendo necessário um elemento de conexão entre eles.A doutrina cita como “elementos de conexão” a nacionalidade e os fatores econômicos (capacidade de sobrevivência por seus próprios meios). 30 Direito Internacional Pode-se'considerar que o surgimento de um Estado se dá por uma das seguintes formas: (I) separação de parte da população e território de um Estado (exemplo: Brasil e Estados Unidos, que surgiram após sua libertação da condição de colônias); (II) dissolução total de um Estado, não subsistindo sua antiga personalidade (exemplo: desmembramento da URSS); (IH) fusão para criação de um Estado novo (exemplo: Itália que surgiu da fusão, em 1860, de Modena, Parma, Toscana e Reino de Nápoles, os quais foram incorporados ao Piemonte para formar um novo país). O reconhecimento é um ato unilateral, por meio do qual se declara a aquisição da condição de Estado. É, portanto, um ato de liberalidade, orientado pelos objetivos políticos do próprio Estado. Contudo, para que um Estado passe a possuir direitos e obrigações perante a sociedade internacional é necessário o seu reconhecimento pelos demais Estados existentes. É importante compreender que o fato de um determinado Estado não reconhecer um outro não significa que este não possua personalidade, mas tão somente que aquele Estado não o reconhece e não deseja manter relações com este. Nesse sentido, o reconhecimento dos demais Estados não é ato constitutivo, mas sim declaratório da qualidade do Estado como sujeito do Direito Internacional Público. É preciso atentar ao fato de que, segundo o direito costumeiro, é possível que certo Estado negocie em conferência, assine ou ratifique tratados coletivos, ou deles seja parte, sem reconhecer todos os outros pactuantes. O reconhecimento mútuo é requisito apenas para celebração de tratados bilaterais, não de multilaterais. Os meios de reconhecimento de um Estado são: (I) expresso (declaração, notificação, dispositivo em tratado); ou tácito (por exemplo, por meio do estabele cimento oficial de relações diplomáticas); (II) individual (realizado individualmente por cada Estado); ou coletivo (por meio de dispositivo em um tratado multilateral ou declaração coletiva); (IIÍ) de facto (provisório e limitado); ou de jure (definitivo e completo). 31 Matéria de interessante análise é aquela relativa aos Micro- Estados. São aqueles Estados que dispõem de um território mais ou menos exíguo, como por exemplo, Andorra (467 Km2), Liechtenstein (160 Km2), São Marino (61 Km2), Mônaco (menos de 2Km2) e com uma população inferior a quarenta mil pessoas, todavia, com instituições políticas estáveis e regimes organizados. O que diferencia os Micro-Estados dos demais Estados da comunidade internacional é que, em razão da hipossuficiência ocasionada pela pequena dimensão territorial e demográfica, partes de sua competência (defesa nacional, emissão de moeda) são confiadas a outrem, normalmente a um Estado vizinho, como a França no caso de Mônaco; a Itália, no caso de São Marino; e a Suíça no caso de Liechtenstein25. c.l) Reconhecimento de Govemo: o reconhecimento do Estado não deve se confundir com o reconhecimento de govemo. Uma ruptura na ordem política, como uma revolução ou golpe de estado pode determinar a instauração no país de uma nova forma de poder, à margem das prescrições constitucionais pertinentes à renovação do quadro de condutores políticos26. Por exemplo, quando as modificações de um Estado se dão em violação a sua Constituição, os governos resultantes de golpes precisam ser reconhecidos pelos demais Estados. São exemplos típicos: os Golpes de Estado ocorridos no Brasil em 1930 e 1964 e na Argentina em 1966. Importante atentar para o fato de que o reconhecimento de um Estado, em regra, implica no reconhecimento do govemo que se encontra no poder naquele momento. Contudo, “se a forma de govemo muda, isto não altera o reconhecimento do Estado: só o novo govemo terá necessidade de novo reconhecimento”27. Os meios de reconhecimento do govemo também podem se dar de forma tácita ou expressa; de facto ou de jure. c.2) Reconhecimento de beligerância e insurgência: o reconhecimento de beligerância ocorre quando parte da população se revolta para criar um novo Estado ou então modificar a forma de govemo existente, sendo que tal “revolta” evolui ao nível de uma guerra internacional. Nesse caso, os demais Estados podem passar a considerar 26 REZEK, op. cit., p. 239. 28 REZEK, op. clt., p. 224. 27 ACCIOLY, op. clt-, p. 87. 32 Direito Internacional as “partes” do conflito em condições de igualdade jurídica, reconhe cendo-lhes a condição de beligerantes. Seu principal efeito é o do reconhecimento dos direitos e deveres de um Estado ao grupo de beligerantes, os quais deverão, por exemplo, respeitar normas de guerra. Já o reconhecimento de insurgência ocorre quando há uma situação que assume proporções de guerra civil, sem, contudo haver o reconhecimento de seu caráter jurídico, mas de simples situação de fato. O seu reconhecimento não implica em direitos e deveres especiais, mas os insurretos não poderão ser tratados como ilegais pelos governos que os reconheçam. d) Extinção do Estado - não há no DIP um entendimento pacífico sobre como se dá a extinção de um Estado. Logicamente, uma vez que a criação do Estado se dá pela reunião de seus elementos constitutivos, sua extinção decorreria do desaparecimento de um deles (exemplo: êxodo total da população). Sendo assim, as hipóteses de criação de novos Estados enumeradas no item c podem corresponder igualmente à extinção de um Estado, seja pela sua absorção completa de um Estado por outro, pelo desmembramento para formação de novos Estados ou pela fusão de Estados. Saliente-se que, atualmente, a Carta das Nações Unidas proíbe a anexação e transformação de um Estado em colônia. e) Sucessão de Estados ~ Quando se aborda o fenômeno sucessório no âmbito do direito internacional público é necessário destacar a existência do princípio da continuidade do Estado. Segundo essa máxima, o Estado, pelo fato de existir, tende a continuar existindo, ainda que sob outra roupagem política e até mesmo quando ocorram modificações expressivas na titularidade de sua soberania28. Em outras palavras, é com base nesse princípio que se estabelecerão as regras gerais sobre os efeitos jurídicos decorrentes da sucessão de Estados. Segundo as Convenções de Viena de 1978 e 1983, a sucessão de Estados se dá pela substituição de um Estado (predecessor) por outro (sucessor) nas suas responsabilidades internacionais. As modalidades de sucessão são classificadas da seguinte maneira: (I) pela fusão ou agregação de Estados; (II) pela secessão ou desmembramento de Estados; ou (III) pela transferência territorial. 28 REZEK, op. cit., p. 289. 33 \ Quanto aos efeitos jurídicos da sucessão de Estados, vejamos: e.l) Sucessão em matéria de Tratados: regulada pela Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em Matéria de Tratados, de 1978. A regra geral é de que a sucessão de Estados não afeta os tratados que se referem aos direitos sobre o território (tratados dispositivos). Essa regra pode, contudo, variar de acordo com a mudança territorial ocorrida. Assim, quando um novo Estado é formado pela sucessão do território de um outro, o novo Estado sucede automaticamente o Estado predecessor (art. 34). Também quando há fusão de dois ou mais Estados, os tratados firmados pelos Estados predecessores continuam vigentes no território ao qual eram aplicados antes da fusão, salvo algumas exceções previstas no art. 31. Um Estado apenas sucede num tratado bilateral se o outro Estado e o novo concordarem (art. 24). Por fim, a condição de membro de uma organização internacional, em princípio, não se sucede. e.2) Sucessão em Matéria de Bens: regulada pelos artigos 7 a 18 da Convenção.Caso haja sucessão da totalidade do território, sucede-se toda a propriedade pública, ou seja, todos os bens do Estado predecessor. A convenção estabelece que, salvo disposição em contrário, a passagem dos bens ocorrerá sem compensação ou pagamento. Se houver sucessão apenas de parte do território, os imóveis relativos àquela porção do território passarão ao sucessor, assim como os móveis vinculados às atividades desenvolvida nessa porção do território, salvo disposição em contrário. e.3) Sucessão em Matéria de Arquivos: salvo estipulação em contrário, os arquivos (documentos) transferem-se ao sucessor (arts. 20 a 24). e.4) Sucessão em matéria de Dívidas: regulada pelos arts. 32 a 41 da Convenção. A regra geral é de que a sucessão não influencia os direitos dos credores. Sendo assim: *4>Se o Estado sucessor anexa totalidade do território do predecessor - deve-se cumprir com os deveres perante os credores da dívida do predecessor; 'tS e o Estado predecessor perde parte de seu território - o Estado sucessor assume parte da dívida do predecessor; 34 Direito Internacional ^ S e o Estado predecessor perde totalidade do território em razão de desmembramento em vários Estados - a dívida deve ser assumida por cada um dos Estados, conforme disposições do tratado. e.5) Nacionalidade: em regra, não se aplica o princípio da continuidade no que se refere à nacionalidade. Os Estados envolvidos regularão essa questão por tratado ou na legislação interna. Em determinados casos, poderá se dar liberdade aos indivíduos para decidir sobre a escolha da nacionalidade. 3.2 Organismos internacionais As normas internacionais não conceituam o termo “organização internacional”, de modo que sua definição tem sido dada pela doutrina. No entanto, suas diferenças em relação ao Estado, como sujeito do Direito Internacional Público, são gritantes, seja em relação aos seus objetivos, seja em relação ao seu aparato organizacional. Alguns elementos principais dos conceitos trazidos pelos estudiosos são: a) associação voluntária, isto é, nenhum Estado é obrigado a participar de uma organização internacional; b) formada por sujeitos de Direito Internacional (os sujeitos são os Estados, que passam a ser denominados membros). Algumas organizações aceitam membros classificados como observadores, associados e afiliados, dentre os quais poderão se incluir entidades não- govemamentais e Estados ou territórios não-independentes; c) constituída por ato de Direito Internacional, ou seja, tratados internacionais que adquirem um aspecto de norma constitucional da organização; d) de atuação estável segundo normas de Direito Internacional, o que as confere a condição de ente com personalidade internacional; e) com ordenamento, órgãos e institutos próprios; f) que realiza finalidades comuns de acordo com os poderes conferidos por seus membros, os quais se encontram definidos no tratado que criou a organização; 35 g) em virtude de seu estatuto jurídico, tem capacidade de concluir acordos internacionais no exercício de suas junções e para realização de seu objeto. Pelo menos 2 (dois) órgãos têm sido adotados pelas organizações internacionais, independentemente de seu alcance ou finalidade: uma assembléia geral, onde são deliberadas as questões correspondentes à atuação da organização por parte dos Estados- membros; e uma secretaria, cuja função é de administração, de natureza permanente. A assembléia geral não é permanente, pois se reúne anualmente para assuntos ordinários e, em caráter excepcional, de acordo com necessidades especiais. Há, ainda, em algumas organizações internacionais de vocação política, um Conselho Permanente. Quanto ao processo decisório, as organizações interna cionais geralmente não operam segundo as normas de deliberação por maioria. O Estado soberano somente costuma se sentir vinculado à determinada resolução caso tenhá sido favorável a ela, ao menos no que seja classificado como importante, e não meramente instrumental. Decisão relativa à matéria instrumental seria aquela referente a questões administrativas, como eleições para cargos na organização. Exemplos típicos de insubordinação de Estados membros a deliberações da Assembléia Geral são encontrados na própria Organização das Nações Unidas, como por exemplo, no caso das intervenções no Congo e no Oriente Médio. Essas condutas dissidentes enfatizam ainda mais o valor relativo das recomendações da Assembléia. A jurisdição das organizações internacionais corresponde aos poderes para executar seus objetivos e está delimitada no tratado constitutivo. Sendo assim, as atividades realizadas fora desses objetivos são consideradas ultra vires. Essa regra passou a denominar-se principio da especialidade. Contudo, se tal extrapolação for necessária para a execução dos objetivos da organização, a competência da organização é compreendida como tacitamente ampliada {teoria do poder implícito). A questão relativa à possibilidade de um tratado institu cional de uma organização internacional gerar obrigações a Estados não contratantes é de suma importância. Na verdade, a matéria ganha grande contorno em casos em que uma organização de alcance e finalidade universais, como a ONU, por exemplo, está inserida na discussão. Em 36 Direito Internacional regra geral, não há força jurídica na Carta das Nações Unidas ou em outro tratado institucional para vincular Estados não membros. “Na verdade, a imposição de tratado institucional a terceiro é mera via de fato, condicionada à potência da organização, à conjunção favorável das forças políticas no seu contexto, e finalmente à debilidade do Estado que faça objeto da pretendida coação.”29 As Organizações Internacionais necessitam de um Estado soberano, que, mediante celebração de um tratado bilateral (acordo de sede), facultará a instalação física da organização em algum ponto do seu território. Nada impede que a organização tenha mais de uma sede e que se localize em país não membro, sendo, todavia, muito remota essa última hipótese. A falta de cumprimento dos deveres de sua qualidade de membro de uma organização internacional pode trazer ao Estado conseqüências, de acordo com as previsões estabelecidas pelo tratado constitutivo e aplicáveis pela própria organização, mediante o voto de seus órgãos. Geralmente elas assumem 2 (duas) formas principais: a suspensão de determinados direitos e a exclusão do quadro de Estados membros. Outros exemplos de Organizações Internacionais de alcance mundial, além da Organização das Nações Unidas são: OIT (Organização Internacional do Trabalho, fundada em 1919 e sediada em Genebra, na Suíça), a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, fundada em 1946, com sede em Paris, na França), a FAO (Organização para a Alimentação e a Agricultura, fundada em 1945, como sede em Roma, na Itália), o FMI (Fundo Monetário Internacional), entre muitas outras. Há também aquelas organizações de alcance regional, como por exemplo, o NAFTA (Acordo de Livre Comércio das Américas) e o MERCOSUL. 3.2.1 Organização das Nações Unidas - ONU Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a união dos Estados em tomo de objetivos comuns ~ superar divergências, preservar a paz, e perseguir níveis mais altos de bem-estar para a população mundial 29 REZEK, op. cit., p. 254. 37 ~ acabou por ocasionar, juridicamente, a celebração de acordos internacionais e a criação de organizações, dentre as quais a Organização das Nações Unidas (ONU) foi o exemplo mais representativo, como forma de implementação dessa convergência de interesses30. Em 26-06-1945, em São Francisco, ocorreu a assinatura da Carta da ONU (tratado constitutivo da organização) e do Estatuto da Corte Internacional de Justiça - CIJ. Atualmente,a presença da ONU no cenário internacional é de inegável importância, ainda que, por vezes, sua credibilidade interna/externa seja abalada por iniciativas conjuntas de alguns de seus Estados membros, em áreas de seu interesse, mas sem o seu aval, como por exemplo, na invasão do Iraque por parte dos EUA e seus aliados. A ONU atua nas mais diversas áreas (direitos humanos, direitos do mar, direitos do meio ambiente, etc.), em atividades que compreendem, de certa maneira, as esferas legislativa, administrativa e judiciária. A Carta da ONU estabelece, em seu art. Io, os objetivos da organização: “(1) Manter a paz e segurança internacionais, e para esse fim tomar coletivamente medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz; (2) Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direito e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal; (3) Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; 30 NASSER, Rabih Ali. A Liberalização do Comércio Internacional nas Normas do GATT-OMC. São Pauio: LTr, 1999, p. 22. 38 Direito Internacional (4) Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns”, (grifamos alguns pontos essenciais) O art. 2o da Carta enumera os sete princípios que deverão ser observados pelos Estados-membros: (1) igualdade soberana dos membros; (2) boa-fé no cumprimento das obrigações internacionais; (3) solução dos conflitos por meios pacíficos; (4) abstenção da ameaça e da força contra a integridade territorial; (5) assistência à ONU em qualquer ação; (6) obrigação dos estados não membros da ONU de cumprir os princípios da ONU; (7) não-intervenção em assuntos que sejam, essencialmente, da competência intema dos Estados. Segundo a Carta da ONU, Estados não-membros podem participar dos debates do Conselho de Segurança e atentar o Conselho para controvérsias. Além disso, conforme prevê o art. 2, § 6o, para preservar a paz e segurança internacionais, poderá a organização fazer com que Estados que não são membros das Nações Unidas procedam em conformidade com seus princípios. Os membros das Nações Unidas são aqueles Estados que assinaram a Carta da ONU e a ratificaram. A admissão de novos membros “fica aberta a todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações, contidas na presente Carta e que, a juízo da Organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações” (art. 4o da Carta). A suspensão dos membros se dá por decisão da Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. Quando um Estado-membro viola de forma persistente os princípios da Carta, poderá vir a ser expulso, também por recomendação do Conselho de Segurança. Relativamente à composição de receita, geralmente, as organizações internacionais estabelecem cotizações estatais não paritárias. Anteriormente, essa relação girava em tomo da capacidade contributiva de cada Estado membro, levando-se em conta sua pujança 39 econômica. No entanto, no âmbito da ONU, essa forma de cáiculo foi modificada, na tentativa de evitar o agigantamento de um Estado membro específico. Sendo assim, ficou estabelecido um teto individual de 25% da receita prevista. A título exemplificativo, na virada do século, os EUA contribuíam com 25% da receita, o Japão com 20% e a Alemanha com 10%. Vejamos a seguir um quadro descritivo dos principais órgãos da ONU: | Órgão Função Composição Processo de L... J Votação I Conselho de Manutenção da paz e São 15 Estados- - Cada membro 1 Segurança i da segurança Inter membros, cada (permanente ou (cs) \ nacionais, inclusive um com um não) tem direito a \ mediante o uso de representante. um voto; I força, se necessário. Membros - Decisões sobre 1 i Age em nome dos permanentes: questões 1 1 demais membros - China; processuais são II sobre questões - França; tomadas por voto 1 ^ relativas a: - Rússia; afirmativo de nove 1 a) litígios entre - Reino Unido; membros; Estados-membros; -Estados - Demais assuntos 1 b) regulamentação de Unidos. - voto afirmativoI armamentos; Periodicamente, de nove membros, c) ações em casos de a AG escolhe 10 inclusive os votos 1 ameaça à paz e miembros não- afirmativos de 1 agressão; permanentes, todos os membros 1 d) cumprimento das com mandato de permanentes; 1 sentenças da CIJ. 2 anos. - Decisões sobrei Adota resoluções soluções pacificas 1 para a solução de controvérsias = pacifica de conflitos e parte envolvida se 1 decide sobre abstém de votar e medidas coercitivas, não poderá vetar. 1 em caso de Obs: os Membros 1 ameaças. Ê um Permanentes tem 1 órgão permanente e direito de vetar 1 suas resoluções qualquer decisão 1 deverão ser sobre assunto não 1 cumpridas pelas processual, dentre ! Nações Unidas. os quais se j encontram as ] “ações ! coercitivas”. ] 40 reito Internacional Assembléia Principal órgão Representantes - Cada membro ! Gerai (AG) deliberativo da ONU. j de todos os tem um voto; j Competência geral e Estados- -Questões j abrangente de membros. importantes j acordo com as (recomendações finalidades da ONU j sobre manutenção j (cooperação 1 da paz e ] internacional em segurança, eleição j diversas áreas). de membros não Fornece j permanentes do recomendações ao CS, admissão e j CS e adota expulsão de mem resoluções não- bros) = tomadas obrigatórias. por maioria de dois terços dos membros presen- i tes e votantes; i - Outras matérias = maioria dos f membros presen- j tes e votantes. j Ôrgão Função Composição Processo de ~ 1 Votação | Secretariado 0 Sôcretário-Geral é o principal funcio nário administrativo da ONU, atuando em todas as reuniões da AG, CS, Conselho Econômico e Conse lho de Tutela. Poderá 0 Secretariado possui diversos funcionários e um Secretário- Geral (indicado pela AG | mediante recomendação chamar a atenção do CS para assuntos j ao CS), com mandato de 5 que ameacem a paz e segurança. Não pode solicitar ou receber instruções de gover-nos ou autoridades. 1 anos. Conselho Promover coope í Cinqüenta e Decisões tomadas 1 Econômico e ração internacional e quatro membros pela maioria dos f Sociai econômica. Coorde da ONU eleitos membros 1 nar as atividades das pela AG presentes e 1 organizações espe i votantes. | cializadas nos 1 I 41 \ i I campos econômico, social, cultural, educacional, sanitário, etc. mediante consulta ou fazendo recomendações. Pode elaborar estudos, relatórios, recomendações, pre para projetos de convenções e organiza conferências internacionais. Pode con-sultar ONGs que se ocupem de assuntos de sua competência. Conselho de Tutela É o responsável por acompanhar o progresso social dos territórios onde não há governo independente. Hoje não há mais territórios em tais condições. Composto pelos membros permanentes do CS. 3.2.2 Organização dos Estados Americanos ~ OEA A OEA surgiu a partir de um longo período de negociações, sendo que em 1948 as Nações Americanas adotaram, em Bogotá, a Carta da Organização dos Estados Americanos. Nesse documento foram estabelecidos os objetivos da Organização, cuja principal finalidade é garantir a paz e a segurança do continente, promovendoo bem social A Carta de Bogotá entrou em vigor em 13 de novembro de 1951, com o depósito da 14a ratificação. De acordo com o art. 4o da Carta, “são membros da organização todos os Estados Americanos que ratificarem a presente Sendo assim, o ingresso na OEA é facultado a todo Estado americano independente. É, pois, uma Organização Internacional de alcance regional. 42 Direito Internacional Diferentemente do que ocorre na ONU, não existia nessa organização um processo de candidatura para ingresso, bastando que o Estado ratificasse a Carta. Atualmente, pela reforma de Buenos Aires (1967), há um processo de candidatura, a qual deve ser aprovada pela Assembléia Geral, após recomendação do Conselho Permanente. A Carta não prevê a expulsão dos membros, mas esses poderão denunciá-la. Em caso de exercer o direito de denúncia, o Estado estará desligado dentro de 2 anos, desde que, até então, haja cumprido as obrigações emanadas da Carta. A OEA é composta dos seguintes órgãos: | Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores: j j - tem por finalidade “considerar problemas de natureza urgente e de interesse j j.;^r3piu^^am:os^t^os íAmenetoos, e para servir de órgão de consulta?’; ; 1 j I | Conselhos da Organização: | | a) Conselho Permanente: trata de assuntos determinados pela AG e pela I | Reunião de Consulta. Dentre suas funções destacam-se: velar pela j i manutenção das relações de amizade entre os Estados-membros, executar ! decisões da AG, formular recomendações à AG sobre funcionamento da|j [•organização^,;; ^ "'/"V •• ••J ppâfquerEslmlo osf:EstSdpsÍêstàoírepr£fcfin^ 43 A OEA possui, ainda, vários organismos especializados, tais como a Organização Pan-Americana de Saúde, a Junta Interamericana de Defesa (cuja finalidade é traçar medidas de defesa do continente) e o Instituto Internacional Americano de Proteção à Infância. 3.3 indivíduos e empresas A personalidade internacional dos indivíduos vem sendo ampliada de acordo com a modernização do DIP. Isso significa dizer que os indivíduos vêm, de certa forma, desvenciliando-se da proteção exclusiva do Estado soberano. Isso porque, toda vez que há a aplicação direta do DIP a um indivíduo, há uma diminuição do exercício da jurisdição do Estado. Essa lógica aplica-se igualmente às empresas. Um exemplo disso é á tentativa de regulamentação internacional das empresas trans- nacionais, de modo que tais empreendimentos não se encontrariam mais limitados ao âmbito de aplicação dô direito interno, mas sim ao direito internacional. 44 Direito Internacional Parte da doutrina, contudo, resiste ao reconhecimento da personalidade jurídica dos indivíduos e empresas. Afirma Rezek, “não têm personalidade jurídica de direito internacional os indivíduos, e tampouco as empresas, privadas ou públicas”31. O papel dos indivíduos no direito internacional tem se destacado, principalmente, quando são abordadas questões relativas aos direitos humanos. Tais questões serão analisadas no capítulo III, item 2.1. 4 Sania-Sé A Santa-Sé é a cúpula da Igreja Católica, localizada na cidade de Roma. Sua personalidade internacional foi reconhecida a partir dos Acordos de Latrão (1929). Por meio desse tratado, a Itália declarou reconhecer a "soberania da Santa-Sé, no domínio internacional, com os atributos inerentes à sua natureza...” (art. 2o). Declarou também reconhecer à Santa-Sé “a plena propriedade, o poder exclusivo e absoluto e a jurisdição soberana sobre o Vaticano...”(art. 3o). As relações entre a Igreja Católica e os Estados dão-se por meio de concordatas, os quais são tratados internacionais, normalmente bilaterais. 5 Organizações não-governamentais - ONGS As organizações internacionais privadas, que não são criadas pelos Estados, mas sim pelos indivíduos, são denominadas organizações não-govemamentais - ONGs. Essas organizações vêm proliferando-se e atuam nas mais diversas áreas (legal, política, social, econômica, educacional, de meio ambiente, de direitos humanos, etc.). Atualmente, não há norma internacional que regule a criação o e funcionamento das ONGs, de modo que são regidas pelas leis nacionais do país de constituição. Até o momento, as ONGs não são 31 REZEK, op. cit., p. 152. 45 \ consideradas como entes com personalidade jurídica internacional, apesar de algumas organizações internacionais» como a ONU, outorgarem a condição de “observador” a algumas ONGs. Contudo, essa condição não as confere o status de sujeito de direito internacional. Exceção, contudo, se faz ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha, fundado em 1863, ao qual se reconhece personalidade internacional por meio. da Convenção de Genebra do ano seguinte. 46 Direito Internacional TRATADOS INTERNACIONAIS 1 Teoria geral dos tratados Conforme ensina Marques32, historicamente, foram as regras consuetudinárias que regeram os acordos entre Estados, utilizando- se de princípios gerais, notadamente, o do respeito ao acordado (pacta sunt servanâa), o do livre consentimento e o da boa-fé das Partes contratantes. “No século XX, surgem dois fenômenos novos: o aparecimento das organizações internacionais e a codificação do direito dos tratados, transformando regras costumeiras em regras convencionais escritas, expressas elas mesmas no texto de um tratado”. Os trabalhos desenvolvidos pela Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, resultaram, em 1969, na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. No Brasil, o texto da Convenção foi enviado ao Congresso para aprovação em abril de 1992. Embora a ratificação por parte do Brasil ainda não tenha ocorrido, “suas normas são tidas como vigentes por expressarem costume internacional”.33 32 MARQUES, Frederico. Direito Internacional Privado e Mercosul. Disponível em; <http://www.dip.com.br>. Acesso em: 10 de maio de 2005. 33 MARQUES, idem. 47 A Convenção de Viena define tratado internacional como “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica” (Art. 2, a). Conforme Rezek34, “tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional, e destinado a produzir efeitos jurídicos”. A celebração de tratados se constitui em exercício de soberania. Mas, além do reconhecimento de sua soberania, o Estado, ao celebrar tratados, reconhece e se compromete a uma fonte de limitação de suas competências. Por isso, a doutrina costuma afirmar que o compro metimento do Estado por meio de tratados internacionais implica em: (I) manifestação do atributo de soberania; (II) instrumento de limitação do exercício do poder soberano.35 De maneira geral, a elaboração de um tratado internacional segue as seguintes etapas: 1. Negociacão. Realizada por autoridades nacionais desig nadas pela ordem constitucional do Estado, muitas vezes acompanhados de especialistas no assunto sob discussão; 2. Elaboração do texto. Os tratados são compostos de um preâmbulo, o qual espelha os motivos da realização do tratado, fornecendo elementos para sua interpretação, e do chamado dispositivo, ou seja, o texto ou corpo onde são definidas as obrigações dos Estados- Partes; 3. Adoção. Segundo a Convenção de Viena (art. 9o), a adoção de um texto efetua-se pelo voto da maioria de dois terços dos Estados presentes, salvo se esses Estados, pela mesma maioria, decidam aplicar outras regras; 4. Manifestação do Consentimento. O artigo 11 da Convenção reza que o consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se pela assinatura, troca de instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se
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