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Introducción
Diferentes conceptos son utilizados en la actualidad y en diferentes 
contextos para aludir al conjunto de actividades que el hombre realiza 
en el tiempo libre o fuera de condicionamientos y obligaciones
En el contexto latinoamericano, en general, se utiliza el término “recrea-
ción”, en España se utiliza el término “ocio”, en Francia el concepto 
loisir; en tanto en Canadá y Estados Unidos se utiliza el término recrea-
tion para aludir a las actividades llevadas a cabo en un tiempo fuera de 
obligación. En síntesis, estas acepciones remiten a la utilización de un 
tiempo de libre disponibilidad del sujeto, para realizar actividades libre-
mente elegidas, vinculadas al placer y al goce.1 
En Argentina, el concepto socialmente instituido y aceptado por la 
comunidad científica y la doxa es el de “recreación” y en él se subsumen 
todas las prácticas de tiempo libre de las personas. Se alude, principal-
mente, al repertorio de actividades desarrolladas por las personas en el 
tiempo libre, al espacio en que éstas se desarrollan y a las motivaciones 
que mueven a los sujetos a realizar esta práctica social.
 Brasil
Christianne Gomes 
 Leila Pinto
O lazer no Brasil 
Analisando práticas culturais 
cotidianas, acadêmicas e políticas
 
O objetivo deste texto é apresentar uma análise sobre o lazer no 
Brasil, construída pela compreensão de sentidos e significados histo-
ricamente constituídos em práticas culturais cotidianas, acadêmicas e 
políticas. Desafio que nos permitiu identificar fundamentos, valores, 
dificuldades e conquistas que marcam o percurso desse fenômeno na 
realidade brasileira.
Essa nossa perspectiva sintetiza os conhecimentos organizados por 
meio de uma investigação que articulou pesquisa bibliográfica e diálogo 
com 31 especialistas: estudiosos e gestores com reconhecida atuação no 
campo do lazer no país.1
Este texto é apresentado em três partes. Na primeira, contextuali-
zamos o lazer no Brasil, considerando mudanças históricas ocorridas da 
recreação ao lazer, do século 19 aos dias atuais. Na segunda, procuramos 
compreender e analisar identidades, conceitos, sentidos e significados 
atribuídos ao lazer pelos pesquisadores e gestores estudados. Finali-
zando, na terceira parte do trabalho discutimos a questão das políticas, 
das experiências vividas em práticas culturais cotidianas, de formação 
e de intervenção profissional, revelando a importância que o lazer tem 
tido na vida do povo brasileiro.
Livro 1-lazer.indb 67 26/11/2009 15:53:01
Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...68
Lazer na realidade brasileira: 
uma história da recreação ao lazer
O uso dos termos 
Na língua portuguesa são utilizados tanto a palavra recreação como 
o termo lazer. O mesmo ocorre na língua inglesa, em que se observa 
o uso das palavras recreation e leisure, cujos significados influenciaram 
consideravelmente a maneira como os termos foram compreendidos no 
Brasil, em especial na primeira metade do século 20. Na língua fran-
cesa, todavia, apenas uma palavra é empregada para designar esse campo 
da vida humana e social dedicado, entre outras coisas, ao descanso, ao 
divertimento e ao desenvolvimento social: a palavra francesa loisir.2
Loisir, leisure e lazer têm origem etimológica no latim licere, que 
significa ser permitido, poder, ter o direito. Essas palavras podem ter 
significados diferentes de acordo com o contexto, mas todas mantêm 
algum tipo de relação com a vivência de atividades culturais, consi-
derando tempo/espaço disponíveis e a atitude assumida pelas pessoas 
neste tipo de experiência – marcada por um sentimento de liberdade 
(mesmo que seja apenas imaginada), impulsionada pela busca de satis-
fação e pelo desfrute do momento vivido.
Em meados do século 20, no Brasil, em geral, o termo lazer indicava 
um tempo vago, ocioso, sendo pouco usado no vocabulário corrente da 
língua portuguesa.3 Quando a palavra lazer era mencionada assumia a 
conotação de um tempo fora do trabalho cujo aproveitamento gerou 
preocupações por parte dos segmentos hegemônicos da sociedade, na 
época constituída pelos valores capitalistas em desenvolvimento. Esses 
significados sofreram mudanças sociais e culturais ao longo do tempo, 
e o lazer passou a ter um uso mais amplo no vocabulário corrente da 
língua portuguesa, a partir de 1970.
Em nossa realidade, os sentidos hoje atribuídos ao lazer no nível 
do senso comum são variados: descanso, folga, férias, repouso, 
Livro 1-lazer.indb 68 26/11/2009 15:53:01
69Brasil
desocupação, distração, passatempo, hobby, diversão, entretenimento, 
tempo livre. Além disso, algumas pessoas associam o lazer a determinadas 
práticas culturais, tomando-o como sinônimo, por exemplo, de esporte, 
cinema, música etc. Outras vinculam o lazer a ações como dançar, 
assistir TV e viajar, entre outras.
Porém, Marcellino4 observa que associar o lazer com as experiências 
pessoais representa um entendimento limitado sobre a questão. Como 
salienta o autor, não é a atividade em si que caracteriza o lazer. Afinal, 
a mesma atividade pode significar lazer para uma pessoa e, para outra, 
não.
De toda maneira, os exemplos anteriores mostram que a palavra lazer 
está presente no dia a dia do brasileiro, salientando-se, hoje, a sua utili-
zação em anúncios veiculados pelos meios de comunicação de massa, 
ações fomentadas por órgãos públicos, bens e serviços comercializados 
por empresas privadas, conhecimentos disseminados no sistema educa-
tivo, demandas apresentadas pelas comunidades e reivindicações feitas 
por entidades sindicais, como será evidenciado no presente texto.
Contudo, considerando os conhecimentos sistematizados sobre o 
assunto, o lazer designa um amplo e complexo campo da vida social 
que inclui uma variedade de temáticas, tais como o tempo livre, o ócio 
e a recreação. Nessa perspectiva, no Brasil, a maioria das propostas, das 
investigações e dos estudos realizados optam pelo uso da palavra lazer 
porque, salvo exceções, este termo indica um campo bem mais abran-
gente, que abarca, inclusive, a recreação. Muitas vezes, em algumas 
iniciativas observamos que o uso do termo lazer é preferível à palavra 
recreação porque esta, em geral, pode ser vista como um fazer pelo fazer, 
como um ativismo destituído de reflexões sistematizadas sobre seus 
valores, significados e fundamentos.
No que se refere aos significados da palavra recreação no contexto 
brasileiro, a pesquisa realizada por Gomes5 constatou que, na maioria 
das vezes, ela é entendida como sinônimo de atividades realizadas com 
o intuito de promover diversão, especialmente aquelas desenvolvidas a 
partir da atuação de um educador profissional ou voluntário.
Dessa maneira, a recreação (do latim recreatio, recreationem) preservou, 
ao longo dos tempos, o caráter de atividade, podendo ser desenvolvida 
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Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...70
em diversos tempos/espaços sociais educativos, tais como na escola, na 
igreja, na família, no trabalho e, obviamente, no lazer, como será apre-
sentado a seguir.
A institucionalização da recreação 
na realidade brasileira
No Brasil, os princípios positivistas que influenciaram o nascer da 
República reforçaram o mito da racionalidade iluminista e destacaram a 
educação como um poderoso instrumento de reprodução e adestramento 
sociais. Este contexto estreitou relações entre o Estado republicano, a 
escola e o modo de trabalho capitalista, influenciando a incorporação da 
recreação ao cotidiano brasileiro.
Nesse contexto, acreditava-se que o tempo vago era nocivo ao desen-
volvimento social, devendo ser preenchido com atividades recreativas 
consideradas saudáveis, higiênicas e moralmente educativas.Comple-
mentando a função da escola, a recreação foi considerada imprescindível 
para que a criança não ficasse ociosa e não sofresse a influência malé-
fica da rua.6 Estratégia essa que, segundo Kishimoto,7 representou uma 
das maneiras de “desmoralizar a rua” com vistas a institucionalização 
de práticas culturais recreativas em espaços fechados, supervisionados 
e orientados. Esse sentido foi difundido como um recurso educativo 
extraescolar, parte integrante das políticas públicas desenvolvidas em 
algumas cidades brasileiras, destacando-se os projetos pioneiros de 
Porto Alegre e São Paulo.8
Na cidade de Porto Alegre, as atividades recreativas foram organi-
zadas segundo orientações trazidas dos Estados Unidos da América 
do Norte pelo professor de educação física Frederico Gaelzer, que se 
qualificou naquele país a partir das ações realizadas pela Associação 
Cristã de Moços (ACM), entidade conhecida internacionalmente 
pela sigla YMCA (Young Men’s Christian Association).9 Influen-
ciado pelo modelo norte-americano, Gaelzer considerava que o poder 
público deveria implantar “jardins de recreio” ou “praças de esportes” nas 
cidades, atendendo às necessidades de recreação da população brasileira. 
Livro 1-lazer.indb 70 26/11/2009 15:53:01
71Brasil
Por essa razão, o Serviço de Recreação Pública foi criado pela prefeitura 
da cidade de Porto Alegre em 1926 e, posteriormente, implantado em 
todo o estado do Rio Grande do Sul.10
Na metade da década de 1930, representantes do poder público de 
São Paulo conheceram a proposta de Porto Alegre e desenvolveram uma 
ação semelhante na capital paulista, que passava por intenso processo 
de crescimento urbano-industrial. Em decorrência, criaram, em 1935, o 
Departamento de Cultura e Recreação com o objetivo de proporcionar 
recreação, assistência e educação para as crianças da classe proletária nos 
chamados “parques infantis”, considerados valiosos sistemas higienistas 
de educação extraescolar. Este projeto fundamentava-se, sobretudo, no 
pensamento de ilustres pedagogos, como Rousseau, Pestallozzi, Froebel, 
Claparède e Dewey, entre outros, que constituíram as bases do pensa-
mento “escolanovista” que, na época, alcançava cada vez mais adeptos 
no Brasil.11
Os dirigentes do Departamento de Cultura de São Paulo, dentre eles 
Mário de Andrade e Nicanor Miranda, argumentaram que as forças 
morais e sociais da nação dependiam, em parte, das maneiras pelas quais 
os cidadãos aproveitavam as suas horas de descanso. Assim, os programas 
de recreação desenvolvidos nos parques procuravam despertar as novas 
gerações para a importância do emprego de seu tempo livre em atividades 
saudáveis. Esses programas colaboraram para consolidar os significados 
da recreação como sinônimo de atividades diversas: jogos, exercícios 
ginásticos, música, dança, leitura, poesia, dramatização, passeios e festi-
vais, entre outras.
A princípio essa proposta foi direcionada apenas para as crianças da 
classe proletária, mas, posteriormente, foi estendida aos jovens traba-
lhadores da indústria. Foram, assim, organizados em São Paulo (1937) 
os Clubes de Menores Operários, funcionando à noite nos parques 
infantis, que, a partir do momento em que contemplaram os jovens 
trabalhadores, passaram a ser chamados de “parques de jogos”.
é importante salientar que na década de 1930 a política trabalhista 
desenvolvida pelo presidente Getúlio Vargas pretendia criar novos 
conceitos de trabalho e de trabalhador no Brasil. A proposta de 
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Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...72
recreação desenvolvida em São Paulo colaborou com este projeto como 
uma contrapartida do que já era praticado no setor urbano industrial: 
o forjamento do trabalhador despolitizado, disciplinado e produtivo.12
Embora não tenha sido um movimento homogêneo, a organização 
de programas de recreação para a massa operária representou uma possi-
bilidade de difusão desse novo paradigma. Enquanto parte integrante 
desse projeto educativo, gradativamente a recreação passou a ter papéis 
específicos na formação de valores, hábitos e atitudes a serem consoli-
dados nas horas vagas, representando uma base de sustentação para o 
modo de produção capitalista em desenvolvimento no Brasil. Esse novo 
paradigma reforçou a importância da recreação e rechaçou o ócio, visto 
como uma ameaça ao desenvolvimento da sociedade e um mal a ser 
combatido.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1º de maio de 
1943, universalizou as leis referentes à limitação da jornada de trabalho 
no Brasil, fixando-a em oito horas diárias e 48 horas semanais, prevendo 
ainda um período mínimo de descanso de 11 horas entre duas jornadas 
consecutivas de trabalho e um repouso semanal de pelo menos 24 horas 
que, salvo exceções, deveria coincidir com o domingo, além de 30 dias 
consecutivos de férias anuais após 12 meses ininterruptos de trabalho.13
Essa legislação desencadeou um problema de caráter social a resolver, 
que associou o tempo livre assegurado em lei aos operários à necessi-
dade de desenvolver propostas de recreação encarregadas de promover 
a racional organização desse tempo de “não trabalho”. No contexto dos 
últimos anos da fase ditatorial do governo Vargas (1937-1945), por 
exemplo, o aproveitamento “adequado” das horas livres dos trabalha-
dores e de suas famílias representava o corolário sem o qual os repousos 
a que os operários tinham direito em seus contratos de trabalho não 
poderiam atingir seus objetivos. Observa-se, dessa forma, uma preo-
cupação do poder público em controlar não apenas os momentos de 
trabalho, mas também o tempo fora dele.
Foi com esse intuito que logo após a promulgação da CLT, em 
1943, foi criado no Rio de Janeiro o Serviço de Recreação Operária 
(SRO), que proporcionava, em vários centros, recreação organizada para 
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73Brasil
a população operária, integrando ações do Ministério do Trabalho, 
Indústria e Comércio. Esses centros de recreação foram instalados em 
bairros de grande densidade operária e, neles, os trabalhadores e suas 
famílias encontravam, gratuitamente, bibliotecas, discotecas, exibições 
teatrais e cinematográficas, aulas de canto, jogos de salão, sessões de 
ginástica, campos de futebol, quadras de voleibol e basquetebol, além de 
outras opções.14
De acordo com Sussekind – que foi o primeiro dirigente do SRO –, 
as atividades físicas e recreativas, devidamente desenvolvidas nas horas 
de lazer dos operários, auxiliavam a recuperação do organismo debili-
tado pelo modo de produção industrial capitalista. À recreação cienti-
ficamente empregada, e competentemente dirigida, caberia restaurar o 
equilíbrio biológico entre o espírito e o corpo, fazendo com que os traba-
lhadores se sentissem mais felizes. Era necessário entreter os operários 
com algo que os fizesse esquecer o ambiente de seu trabalho, mesmo que 
fosse por alguns instantes. Fazendo com que eles e suas famílias se resig-
nassem em face da difícil realidade vivida, seria “mais fácil” promover 
a paz e a harmonia social, pressupostos básicos para a manutenção do 
status quo almejado não apenas pela classe patronal, mas também pelo 
governo brasileiro da época – que, com esse propósito, procurou atrair 
também os órgãos sindicais, ampliando o alcance dessa proposta.
Neste âmbito, muitos sindicatos incentivaram a participação da 
população operária nas propostas de recreação organizada pelo SRO, 
que tinha intenção de abranger todo o território brasileiro, mas acabou 
restringindo sua ação ao Rio de Janeiro, na época Distrito Federal do 
país. Afinal, os momentos de descontração coletiva eram também consi-
derados um importante recurso para promover a mobilização social e 
política dos trabalhadores.
Obviamente,essas ações possibilitavam momentos de diversão, 
alegria e prazer aos trabalhadores e suas famílias por meio de diferentes 
atividades culturais, o que foi de grande valia para vários segmentos 
da sociedade brasileira, especialmente para as classes social e econo-
micamente desfavorecidas. Mas, de acordo com a pesquisa realizada 
por Gomes15 e também por Bretas16 sobre o SRO, o alcance desses 
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empreendimentos ultrapassou o mero divertimento, com amplos resul-
tados. Era (e em alguns casos ainda é) uma estratégia social, cultural, 
educativa e política de ocupação e controle do tempo de não trabalho 
por meio da difusão de ações assistencialistas de “recreação orientada”, 
promotoras dos “pacotes” de atividades carregados do sentido de doação, 
como discute Pinto.17
Apesar das intenções de controle, não se pode negar que muitas 
das propostas de recreação desenvolvidas no Brasil entre as décadas 
de 1920-1960 contribuíram com a disseminação de diferentes práticas 
culturais, principalmente entre os segmentos sociais desfavorecidos. 
Mesmo privados de condições dignas de existência, estes grupos sociais 
tiveram novas possibilidades de interação, social e cultural. Muitas 
vezes esteve presente a preocupação em proporcionar bem-estar àqueles 
que participavam dos programas de recreação fomentados pelo poder 
público, que seguiam os preceitos vigentes em cada época.18 Esses 
projetos possibilitaram condições diversas (como infraestrutura física, 
material e ação profissional qualificados naquele contexto histórico) 
para que os segmentos populares vivenciassem uma multiplicidade de 
conteúdos culturais do lazer cujas práticas cotidianas, até então, vinham 
sendo reservadas apenas às classes privilegiadas.
A recreação no processo de institucionalização 
do lazer no Brasil
No Brasil, o reconhecimento da importância do lazer ocorre, em 
grande parte, graças às políticas de atividades recreativas difundidas 
nos âmbitos estatal e corporativo, destacando-se iniciativas ligadas aos 
setores públicos federais, estaduais e municipais, assim como de sindi-
catos e instituições sociais como a Associação Cristã de Moços (ACM), 
o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio 
(SESC).
De acordo com as investigações de Linhales,19 a ACM chegou 
ao Brasil por meio de mãos norte-americanas. Sua primeira sede foi 
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75Brasil
fundada no Rio de Janeiro, em 1893, seguida pelas cidades de Porto 
Alegre em 1901 e de São Paulo em 1902. Segundo a autora, na década 
de 1920, a ACM trouxe ao debate o seu projeto de educação esportiva, 
as suas propostas de formação profissional para este setor e também 
a implantação de parques de recreio (playgrounds), como indicado na 
proposta de recreação pública de Porto Alegre mencionada anterior-
mente. A ACM colaborou sobremaneira com a difusão de práticas 
esportivas e recreativas no Brasil e, ainda hoje, desenvolve ações com 
esse intuito nas suas sedes sócio-recreativas distribuídas pelo país.
O SESI e o SESC são instituições de direito privado criadas em 
1946, por meio da iniciativa de empresários brasileiros, com a finali-
dade de ampliar a prestação de serviços sociais (educação, saúde, lazer 
e ação social) para os trabalhadores da indústria e do comércio, respec-
tivamente, e seus familiares. São, assim, instituições privadas sem fins 
lucrativos e orientadas pelos interesses setoriais, encarregadas de desen-
volver serviços sociais que acabam complementando as atribuições do 
setor público. Mantidas com contribuições compulsórias calculadas a 
partir da folha de pagamento dos funcionários da indústria (SESI) e 
do comércio (SESC), possuem sedes distribuídas por todo o território 
brasileiro, colaborando com a prestação de serviços sociais para uma 
parte da população do país. A expansão do SESI e do SESC foi uma 
das razões pelas quais algumas propostas de recreação mantidas pelo 
Estado – como o SRO – foram extintas em meados da década de 1960, 
como esclareceu Arnaldo Sussekind, membro idealizador e primeiro 
presidente do SRO, em 1943, e Ministro do Trabalho responsável pela 
extinção deste órgão, em 1964 (conforme depoimento concedido a 
Gomes),20 revelando que o Ministério do Trabalho deixou de considerar 
a recreação e o lazer como prioridades desse órgão federal.
No contexto, especialmente, das décadas de 1950-1970, a política 
social brasileira assentava-se em um modelo de desenvolvimento 
baseado na ação e proteção estatal – o Welfare State brasileiro –, que 
instigou debates sobre a expansão global de riqueza e renda como melho-
ramento das capacidades humanas e condição de acesso aos benefícios 
do chamado Estado de Bem-Estar. A esses debates incorporaram-se 
Livro 1-lazer.indb 75 26/11/2009 15:53:01
Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...76
discussões sobre o papel do Estado em relação ao desenvolvimento 
econômico e às políticas sociais, e sobre a redução da ação do setor 
público estatal nas políticas sociais e a reestruturação das mesmas. 
Abriram-se espaços para organização dos sistemas públicos, ou estatal-
mente regulados, na área de bens e serviços sociais básicos e ampliaram- 
-se ações com tendências universalizantes, como as “políticas de massa”.21 
Nesse sentido, ampliando o atendimento de crianças e da popu-
lação trabalhadora, é importante destacar que, no final da década de 
1950, a partir de ações estatais foi promovida a Campanha de Ruas de 
Recreio, que mobilizou atividades esportivo-recreativas em ruas e praças 
das cidades.22 Como destaca Pinto, as Ruas de Recreio, posteriormente 
chamadas de Ruas de Lazer, foram difundidas a partir de 1958 e até 
hoje representam o modelo de política pública de lazer adotada pela 
maioria dos setores públicos municipais e estaduais brasileiros.23 Foi, 
assim, difundido o sentido de política de lazer como ação setorizada, 
institucionalizada e marcada pela promoção de eventos esporádicos, 
como “pacotes de atividades” determinados por gabinetes técnicos e 
políticas de doação de materiais e equipamentos, sem uma preocupação 
com o nível da participação dos sujeitos nas atividades vividas. Nessa 
época, ampliaram-se também as secretarias municipais e estaduais de 
Esporte e Lazer do país, consagrando a área da educação física como o 
principal difusor das políticas brasileiras neste âmbito.24
Nos primeiros anos da ditadura militar iniciada com o golpe de 
Estado de 1964, especialmente no período compreendido entre 1969 e 
1973, ocorreu uma ênfase no trabalho, que foi considerado pelos setores 
hegemônicos como pré-requisito para promover o avanço econômico 
do país.25 Essa conjuntura influenciou a história do lazer no Brasil 
porque reduziu drasticamente o tempo livre dos trabalhadores. Mesmo 
com a limitação da jornada de trabalho definida pela legislação traba-
lhista, era comum a prática abusiva de horas extras, que ocorriam à 
revelia da lei.26 Com a intensificação do tempo de trabalho, trabalha-
dores e órgãos sindicais lutaram arduamente pela ampliação do tempo 
livre dos operários, sendo esse tempo visualizado como válvula de escape 
para as tensões, elemento restaurador das energias despendidas no 
Livro 1-lazer.indb 76 26/11/2009 15:53:01
77Brasil
trabalho e estratégia para relaxar e esquecer os problemas, tornando a 
difícil realidade um pouco mais fácil de ser vivida. Neste contexto 
ampliou-se, gradativamente, a preocupação com os usos do tempo livre 
por parte de muitos setores sociais, numa tentativa de mantê-lo dentro 
dos limites da lei e normas morais estabelecidas socialmente.
Essa situação entrelaça mais ainda lazer e trabalho e gera vários 
questionamentos,o que foi ressaltado por um dos especialistas consul-
tados, que afirmou a importância de compreendermos as contradições 
decorrentes desse processo:
Considerando que não temos como falar de lazer sem considerar (sic) 
as relações de trabalho em um dado modo de vida, torna-se relevante 
a contradição gerada dessas relações no modo do capital organizar a 
vida, isso porque é na contradição que está o elemento de solução de 
problemas vitais para a humanidade como, por exemplo, o problema de 
destruição das forças produtivas: homem, trabalho, natureza. (E. 4)
Essa preocupação histórico-social alcançou maior repercussão na 
década de 1970, quando o lazer expandiu-se por vários setores e ganhou 
uso corrente, sobretudo no âmbito das repartições públicas, estimulando 
debates entre estudiosos brasileiros. Uma discussão de destaque nessa 
época tratou do lazer em relação ao trabalho, mas, em sua maioria, as 
abordagens desenvolvidas sobre o tema focalizavam as perspectivas 
utilitaristas, compensatórias e moralistas, como observa Marcellino.27
Com o término da ditadura militar, em 1985, o Brasil ensaia seus 
primeiros passos em busca da redemocratização. Nesse período foi 
promulgada a Constituição Federal Brasileira de 1988, que significa um 
importante marco social e político para o lazer no Brasil. Com essa 
Constituição, o lazer passou a ser formalmente reconhecido no artigo 6º 
como um “direito social”,28 sendo tratado neste documento mais duas 
vezes: no artigo 217, no contexto “da educação, da cultura e do 
desporto”,29 e no artigo 227, que se refere à temática “da família, da 
criança, do adolescente e do idoso”.30 Conquista que, segundo um espe-
cialista participante do estudo, mostra que “o lazer é uma prática 
social de grande alcance popular embora, em muitas comunidades, se 
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Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...78
desenvolva sem a consciência de que se trata de um direito de todos e 
um dever do Estado”. (E. 3)
é importante esclarecer que essa Constituição aborda questões 
complexas e que, lamentavelmente, a conquista plena dos direitos 
previstos ainda está distante da realidade vivida pela maioria da popu-
lação brasileira. Porém, o reconhecimento do lazer como um direito 
de cidadania deve ser assinalado como uma grande conquista, pois a 
sua presença nos documentos legais nos permite reivindicar do poder 
público, da iniciativa privada e demais setores da sociedade os meios 
para concretizá-lo na vida cotidiana da população.31
Além disso, Pinto32 destaca que a inclusão do lazer na Constituição 
Brasileira de 1988 representou um avanço quanto ao seu reconheci-
mento como um dos direitos sociais a serem garantidos não só para 
os trabalhadores, como previa a legislação trabalhista de 1943 e, sim, a 
todos os cidadãos brasileiros e brasileiras.33 Esse reconhecimento consti-
tucional evidencia que o essencial da vida dos atores sociais se desenrola 
também para além do tempo dedicado ao trabalho assalariado, desa-
fiando o desenvolvimento de políticas integradas que envolvam todos 
os setores sociais, como pode ser verificado no depoimento que se segue.
O lazer é um direito social e, portanto, não basta estar presente na Cons-
tituição Nacional. Ele deve ser garantido a todos e todas por meio de 
políticas públicas e com a participação dos setores da sociedade. (E. 25)
Em outras palavras, a discussão sobre direitos sociais precisa ir além 
da compreensível indignação contra a miséria do mundo, observando 
não somente os dilemas, mas também as possibilidades que podem ser 
criadas por meio de políticas sociais. Como pondera Teles,34 mesmo que 
os sentimentos de impotência e perda sejam uma realidade, é funda-
mental reativar o sentido político inscrito nos direitos sociais, colocando 
em evidência a importância de princípios universais como igualdade e 
justiça.
Dessa maneira, os direitos são possibilidades de compreender a 
ordem do mundo, produzindo novos sentidos de experiências até 
então silenciadas no jogo das relações humanas. é essencial decifrar 
perspectivas para o lazer por esse ângulo, “descortinadas no horizonte 
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79Brasil
das experiências democráticas que, apesar dos limites encontrados 
nesses tempos de incerteza, continuam vigorando, resistindo e aconte-
cendo em nosso país”.35 
Essas considerações nos motivaram a ampliar a compreensão dos 
significados do lazer a partir de elementos presentes na construção das 
identidades desse fenômeno no imaginário social brasileiro, como será 
discutido na segunda parte deste texto.
Identidades do lazer no Brasil: do cotidiano ao 
conhecimento sistematizado
Lazer no imaginário social brasileiro
A ampliação das nossas reflexões sobre o lazer no Brasil, buscando 
compreender suas identidades, tem como ponto de partida o entendi-
mento de que:
Não se pode falar em uma “identidade de lazer no Brasil”. (E. 13)
Vivemos em um país marcado pelo sincretismo, as misturas, o plural, a 
diversidade de culturas e miscigenação dos povos (africanos, indígenas, 
europeus e seus descendentes). Nesse sentido, as formas de manifestação 
dessa multiplicidade de encontros são complexas e pouco exploradas por 
estudos que focalizem o lazer. (E. 27)
Se observarmos, atentamente, podemos ver que o tempo/espaço de 
experiência no lazer não tem um sentido e significado únicos. Muda 
com a idade, com as condições de educação, com as oportunidades para 
as experiências lúdicas nesse tempo, com as condições afetivas, infraes-
truturais (físicas), climáticas, enfim, muda segundo as diferentes condi-
ções da cultura e sociedade. (E. 5)
Concordando com esses argumentos, pensamos que a construção 
social do lazer pode se dar de formas diferentes nas sociedades, culturas 
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Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...80
e momentos históricos. Podemos dizer que cada sociedade e grupo social 
lida e representa de maneira diversa o lazer. Diversidade que se concre-
tiza em diferentes condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, 
identidades religiosas, valores), de gênero, regionais, dentre outras. Pode 
ser muito diferente, por exemplo, a noção do que é tratado em famílias 
de classe média ou de camadas populares, em um grande centro urbano 
ou no meio rural.
Nessa perspectiva, não podemos “enquadrar” a identidade do lazer 
no Brasil em critérios rígidos. Devemos entendê-la como parte de um 
processo amplo de constituição de sujeitos e grupos, considerando as 
diferenças e especificidades que marcam a vida de cada um. Somos 
constituídos por várias identidades, que podem ser provisórias e até 
mesmo contraditórias.36 Isso nos leva a enfatizar a noção de identidades, 
no plural, para explicitar a diversidade de modos de pensar, ser, fazer e 
conviver no tempo/espaço/oportunidade de livre escolha dos sujeitos, 
que chamamos de lazer.
Hall37 explica que mesmo que uma sociedade tenha um forte senso 
de identidade grupal, marcado por laços internos de união e fronteiras 
capazes de distingui-la do “mundo exterior”, ela é, em princípio, uma 
“sociedade imaginada”. Afinal, identidade é um lugar que se assume e 
este lugar pode variar porque implica escolhas, que são sempre mutáveis.
Habermas38 complementa essa ideia ao afirmar que a identidade do 
indivíduo está entrelaçada às identidades coletivas e todas integram uma 
rede cultural. Dessa maneira, a vida individual está inscrita em contextos 
culturais e é somente no interior desses espaços que as “escolhas identi-
tárias” fazem sentido.
Considerando esses argumentos, foi fundamental, no presente 
estudo, o diálogo sobre identidades do lazer do povo brasileiro, cons-
cientes de que a sínteseaqui produzida é uma das muitas abordagens 
que podem ser realizadas sobre o tema.
Falando em lazer, os especialistas consultados reforçam o imaginário 
social de que o Brasil é o país do futebol (E. 1, 2, 3, 6, 9, 11, 18, 20, 23, 
25, 26), do carnaval (E. 6, 25, 16, 20, 23), das danças (E. 3, 4, 12, 13, 15, 
23, 25), músicas (E. 3, 9, 13, 15, 16, 25, 26), das festas populares (E. 6, 16, 
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81Brasil
17, 20, 25) e do samba (E. 20, 25). No conjunto das respostas obtidas, os 
esportes (E. 2, 3, 7, 8, 10, 19, 20, 22, 25, 26) se destacaram, assim como as 
tecnologias da informação e comunicação, TV e internet (E. 2, 7, 10, 11, 18, 
22, 25), a praia (E. 1, 6, 9, 20, 25), os jogos e as brincadeiras (E. 3, 4, 11, 
15), as expressões corporais (E. 9, 15, 22), os clubes sociais (E. 9, 11, 14), o 
turismo (E. 2, 11, 12), o cinema (E. 16, 25), a capoeira (E. 1, 20), os espe-
táculos (E. 27), as celebrações religiosas (E. 23), as caminhadas (E. 12) e a 
literatura (E. 16).
O Brasil, assim como os demais países da América Latina e de outros 
continentes, é constituído de povos de origens diversas. Ou seja, é um 
país multicultural. Nossos povos têm suas raízes em todos os pontos do 
globo, desde a Europa, África, Ásia e obviamente a América. São várias 
as diferenças regionais, urbano-rurais, culturais, étnicas e religiosas que 
marcam a territorialidade brasileira.
Por isso, sabemos que as origens de algumas das atividades cultu-
rais registradas pelos especialistas, tais como o futebol e o carnaval, 
remontam a contextos bem distintos do nosso. Porém, foram apropriadas 
e ressignificadas no Brasil, revelando a multiplicidade étnica, racial e 
de nacionalidade, entre outras, que marcaram e marcam a miscigenada 
população deste país. Também as manifestações culturais como o samba 
e a capoeira possuem raízes africanas cujo surgimento está relacionado 
ao Brasil. Seja como uma possibilidade de resistência dos negros à escra-
vidão, no caso da capoeira, ou como um gênero musical e tipo de dança 
– o samba –, ambas realçam a diversidade rítmica e corporal apreciada 
pelos escravos e difundida por diferentes grupos socioculturais no Brasil 
e em outros países.
Em outras palavras, cada atividade cultural está inscrita em uma 
trama de relações sociais, políticas, pedagógicas, econômicas, artísticas 
e ambientais, entre outras, que muito revelam sobre um determinado 
contexto e sobre as pessoas que nele vivem.
De fato, podemos dizer que as várias experiências culturais citadas 
anteriormente são muito difundidas no Brasil. Contudo, até que ponto 
poderíamos afirmar que elas constituem a “identidade brasileira”? Que 
identidade é essa? Existe uma identidade única?
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Tomemos o carnaval, como exemplo, para analisar esses questio-
namentos. Para os brasileiros, as tradicionais experiências carnava-
lescas populares podem ser familiares, como as antigas “marchinhas” de 
carnaval, cantadas pelo povo vestindo fantasias e usando suas máscaras 
nas ruas ou nos salões, ao som das bandas musicais e à “chuva de 
confetes e serpentinas”. Essas práticas culturais, embora persistam, são 
cada vez mais raras no Brasil e desconhecidas por boa parte da popu-
lação. Nos dias de hoje muitas pessoas conhecem apenas os espetáculos 
produzidos profissionalmente e difundidos pelas mídias, que fazem do 
carnaval brasileiro um produto de exportação capaz de alcançar, simul-
taneamente, desde pequenos municípios brasileiros até os vários países 
do mundo globalizado em que vivemos.
Nas grandes cidades como Rio de Janeiro, Salvador e Recife, por 
exemplo, apesar de encontrarmos formas distintas de se brincar o 
carnaval, verificamos que as práticas carnavalescas mais difundidas são 
as mais comerciáveis. O carnaval é uma experiência considerada típica 
do Brasil, mas, a cada dia, vai sendo ressignificado, visualizado e tratado 
como um rentável produto da chamada indústria cultural do entreteni-
mento.
O mesmo vale para o futebol, compreendido e vivenciado tanto 
como uma brincadeira de amantes dessa experiência corporal, quanto 
como um esporte profissionalizado que representa um lucrativo negócio 
capaz de atrair a atenção (e dividendos) não apenas de brasileiros, mas 
de admiradores de todo o planeta.
Poderíamos supor, assim, que essas modificações ocasionam a “perda 
de identidade” ou ferem a “autenticidade” das atividades de lazer consi-
deradas tradicionais no Brasil? Estamos perdendo nossas tradições?
Certamente não. Como observam Gomes e Faria,39 no lazer coexistem 
lógicas diferentes. Sua trama cultural evidencia que é tempo/espaço de 
manifestação do tradicional e da novidade, de conformismo e de resis-
tência. Sua ambiguidade indica que ora é mera reprodução da ordem 
social, ora totalmente produtor do novo.
A cultura não é, portanto, uma questão de ontologia, de ser, mas de 
se tornar, o que envolve modificações e descontinuidades. Tais alterações 
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83Brasil
revelam algumas das contradições e hibridismos que permeiam a cultura 
brasileira e, por essa razão, precisam ser repensadas criticamente. Hibri-
dismo é uma mistura, uma transformação decorrente de novas e inusi-
tadas combinações dos seres humanos, culturas, ideias, políticas, artes. 
Mesmo que represente um processo de tradução cultural que perma-
nece indefinidamente, a hibridização não significa necessariamente um 
declínio da perda de identidade, como comenta Hall.40 Para o autor, essa 
reconfiguração não pode ser vista como uma volta ao lugar onde está-
vamos antes, uma vez que “sempre existe algo no meio”. Autenticidade 
e fidelidade às origens são mitos, pois é impossível preservar um núcleo 
imutável e atemporal. Entretanto, sabe-se que os mitos têm potencial 
para “moldar nossos imaginários, influenciar nossas ações, conferir 
significados às nossas vidas e dar sentido à nossa história”.41 
Assim, o imaginário social na sociedade contemporânea é forte-
mente influenciado pelos meios de comunicação e pelas novas tecno-
logias. Essa pode ser uma das razões pelas quais a TV e a internet 
tenham sido apontadas, por vários especialistas que participaram deste 
estudo, como atividades que configuram o lazer no Brasil. Mesmo que 
a chamada “exclusão digital” seja uma realidade, na América Latina o 
Brasil é o país que mais tem acesso ao mundo virtual. A TV, por sua vez, 
representa a opção de lazer mais presente no dia a dia de brasileiros de 
todas as faixas etárias e grupos sociais.42 “Vejo, cada vez mais presente 
no cotidiano (embora ainda pouco na pesquisa sobre o lazer), o campo 
das tecnologias de informação e comunicação.” (E. 10)
Como enfatizado no depoimento acima, na sociedade contempo-
rânea vivemos o tempo dos fluxos de informações, conhecimentos e 
imagens aparentemente construídos de formas interdependentes, como 
pondera Alves.43 Segundo a autora, essas características introduzem 
novas estruturações sociais quanto às relações entre os indivíduos e 
novas formas de agrupamentos, provocando maneiras diferentes de se 
situar nos tempos e espaços, e produzindo um novo desenho para a 
sociedade. Um bom exemplo são as mudanças provocadas pelas TV’s a 
cabo e pela internet, que rompem fronteiras (mesmo que virtualmente), 
possibilitando novas interações e construções dos sujeitos com o tempo 
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Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...84
e o espaço. Esse novo “desenho social” evidencia a necessidade de 
refletirmos sobre problemas advindos desse contexto, como a produção 
de lixo em excesso, as consequências do uso indiscriminado das reservas 
naturais, o possívelesgotamento de água potável, o aquecimento global 
e os desastres naturais. é, portanto, dentro dessas novas configurações 
societárias que o lazer pode colaborar com o desafio de humanizar o 
homem, desenvolvendo competências e habilidades para que este possa 
compreender sua realidade, intervindo na mesma de forma consciente.
As novas tecnologias impulsionam novas relações entre a cultura e o 
território. Essa constatação reforça ainda mais a complexidade caracte-
rística de nosso tempo, uma vez que vivemos em uma sociedade globa-
lizada e, sob esse ponto de vista, sem fronteiras nítidas para demarcar o 
que é próprio ou não de um determinado contexto. Em contrapartida, a 
globalização revela o jogo da semelhança e da diferença, colocando em 
evidência as contradições global/local. Há, por um lado, uma tendência 
à homogeneização cultural e, por outro, a disseminação das diferenças 
culturais que revela os níveis de diversidade que compõem uma socie-
dade. Por isso a globalização cultural é “desterritorializante” em seus 
efeitos. As culturas, obviamente, têm seus “locais”. No entanto, não é tão 
fácil dizer onde elas se originam.44
Nesse sentido, identificamos no Brasil um claro exemplo de hege-
monia em termos de produção cultural televisiva. A principal emis-
sora brasileira de TV chega a praticamente todos os 5.400 municípios 
do Brasil, aproximando-se da marca de 100% de alcance. Contudo, o 
sinal emitido para essas cidades – das pequenas zonas rurais às áreas 
mais urbanizadas e desenvolvidas – é gerado exclusivamente no Rio de 
Janeiro, difundindo em todo o Brasil (e até mesmo para outros países) 
determinados valores, ideologias, visões de mundo e compreensões de 
lazer próprias daquela realidade, colaborando com o êxito dos projetos 
políticos de uma sociedade com a qual a emissora se encontra compro-
metida.
Pelo apresentado, observamos que muitos e instigantes são os desa-
fios que perpassam a complexa temática das identidades do lazer no 
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85Brasil
Brasil. O cinema, o turismo – em especial as viagens à praia –, os eventos, 
as feiras e os cursos também foram destacados, em nossa investigação, 
como algumas das diversas opções de lazer consideradas peculiares da 
sociedade brasileira. Isso não significa, no entanto, que sejam realmente 
vivenciadas pelos seus cidadãos. Afinal, uma pessoa pode se tornar 
apenas espectadora dessas atividades. E mesmo que as pratique, não há 
garantia de que a assistência e a prática sejam vivenciadas de maneira 
crítica e contextualizada.
Esses elementos evidenciam alguns paradoxos que envolvem a 
discussão sobre as identidades do lazer na realidade brasileira. Indicam, 
ainda, a multiplicidade de compreensões que pode ampliar a análise 
de um tema como este, a partir do aprofundamento de conhecimentos 
sobre o lazer no país.
Identidades do lazer no Brasil pela produção e difusão 
de conhecimentos
A partir da década de 1970, o lazer passou a ser visualizado por estu-
diosos interessados no assunto como uma temática capaz de mobilizar 
e impulsionar pesquisas, projetos e ações multidisciplinares, coletivas 
e institucionais. Esse período pode ser considerado um marco para a 
organização do lazer como um campo de estudos sistematizados e de 
intervenções, reunindo e consolidando muitas das iniciativas até então 
desenvolvidas de modo isolado no país.
Neste contexto, diversos eventos científicos contribuíram para mobi-
lizar o aprofundamento de conhecimentos sobre o lazer. Um evento de 
grande repercussão foi o Seminário sobre o Lazer: Perspectiva para uma 
Cidade que Trabalha, realizado em 1969, em São Paulo, por meio da 
parceria estabelecida entre a Secretaria do Bem-Estar Social e o Serviço 
Social do Comércio de São Paulo (SESC-SP). A repercussão obtida 
na ocasião foi repetida em diversos eventos sobre o lazer realizados nos 
anos seguintes. Além dessa iniciativa, em novembro de 1974 ocorreu, 
em Curitiba, o primeiro Seminário Nacional do Lazer e, em 1975, 
o primeiro Encontro Nacional de Lazer, no Rio de Janeiro. No ano 
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Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...86
seguinte, a Fundação Van Clé promoveu o Congresso para uma Carta 
do Lazer, evento internacional que objetivava, entre outros aspectos, 
estimular a produção de trabalhos científicos sobre o assunto e contri-
buir para sua consideração como fator de melhoria da qualidade de 
vida. Esse congresso contou com a participação de representantes de 42 
países, inclusive do Brasil.45
O debate sobre o lazer na década de 1970 fundamentou-se, principal-
mente, nas obras do sociólogo francês Joffre Dumazedier, que alcançou 
significativa repercussão no contexto brasileiro da época, influenciando 
muitos estudos produzidos sobre o tema no país. Seu pensamento foi 
difundido por palestras proferidas em eventos científicos, cursos e 
consultorias prestadas a algumas instituições, bem como pela tradução 
de alguns de seus livros sobre o lazer para o português.46
Essa década foi também marcada pela criação de alguns centros de 
estudos sobre o lazer no Brasil. O primeiro, o Centro de Estudos de 
Lazer e Recreação (CELAR), foi criado pela Pontifícia Universidade 
Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) em 1973, sendo consti-
tuído por membros dessa universidade e do poder público municipal. 
Funcionou apenas durante cinco anos, mas desenvolveu várias ações 
significativas no que se refere ao aprofundamento de conhecimentos 
sobre o lazer, à formação de profissionais para atuar neste campo e à 
qualificação da intervenção social e pedagógica por eles realizada junto 
a comunidades. Com essa finalidade, a PUC-RS realizou o primeiro 
Curso de Especialização em Lazer no nível de pós-graduação lato sensu. 
Muitos egressos desse curso continuam produzindo conhecimentos 
sobre o lazer no Brasil, inclusive nos dias de hoje.47
Foi também significativa a organização de um grupo de estudos e 
pesquisas empíricas no SESC de São Paulo: o Centro de Estudos do 
Lazer (CELAZER), que, ao final de 1970, passou a contar com a orien-
tação de Dumazedier. Além do SESC, nessa época o SESI também 
desenvolveu várias ações relativas ao conhecimento e à intervenção no 
campo do lazer, especialmente para a população brasileira trabalhadora 
da indústria que, neste contexto, ampliava-se consideravelmente devido 
ao expressivo crescimento industrial verificado no país.
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87Brasil
Medeiros, Requixa e Gaelzer,48 entre outros, foram alguns dos estu-
diosos brasileiros que se dedicaram às reflexões sobre o lazer nessa época. 
Segundo Marcellino,49 a produção teórica brasileira nesse momento 
histórico baseou-se, sobretudo, no pensamento estrangeiro.
A partir de meados da década de 1980 as produções de alguns 
autores forneceram contribuições significativas para o estudo do lazer, o 
que coincide com o processo de redemocratização do Brasil e da busca 
dos conhecimentos produzidos em outros países. A primeira obra de 
Camargo50 teve grande difusão no Brasil. A de Marcellino,51 por sua vez, 
representa uma importante referência para os estudos do lazer no país, 
considerando o volume de sua produção e a citação de suas publicações, 
especialmente a partir da década de 1990.
Foi nessa última década do século 20 que a visibilidade do lazer 
enquanto campo de vivências, de estudos e de intervenções cresceu consi-
deravelmente no país. Depois de anos sendo alvo de poucas – embora 
importantes – reflexões sistematizadas, nesse período observamos que 
o lazer passou a ocupar espaços significativos nos jornais, revistas de 
informação geral e no mundo acadêmico como um todo, com destaque 
para a formação de grupos de pesquisa advindos de diversas áreas de 
conhecimento, a realização de eventoscientíficos ligados ao assunto e o 
aumento do número de publicações. Segundo Gomes e Melo,52 algumas 
iniciativas podem ser destacadas.
Em 1990, foi criado o Centro de Estudos de Lazer e Recreação 
(CELAR) da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupa-
cional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em 1993, 
o CELAR/UFMG criou o Curso de Especialização em Lazer – Pós- 
-graduação lato sensu, atualmente preparando o oferecimento da sua 10ª 
versão.53 Em 1998, lançou a Revista Licere (<www.eeffto.ufmg.br/licere>) 
que, hoje, publica três números por ano e, no Brasil, no momento é o 
único periódico científico dedicado especialmente à temática do lazer.54
O CELAR/UFMG promove no primeiro semestre de cada ano, 
desde 2000, o Seminário O Lazer em Debate, com o objetivo de contri-
buir com a qualificação das discussões sobre o lazer. O evento vem se 
destacando por promover o debate sobre novas temáticas e abordagens, 
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Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...88
reunindo pesquisadores convidados de diferentes áreas de conheci-
mento, do Brasil e de outros países.
Este evento bem como o Encontro Nacional de Recreação e Lazer 
(ENAREL) foram salientados no depoimento que se segue:
No Brasil, eventos como o Encontro Nacional de Recreação e Lazer 
e o Seminário Lazer em Debate devem ser estimulados, bem como o 
fortalecimento dos grupos temáticos e das revistas científicas nacionais 
sobre o lazer. (E. 8)
Criado em 1989 e realizado anualmente, o ENAREL é o congresso 
mais importante na área do lazer no Brasil. A 10a versão deste evento 
ocorreu em 1998, em São Paulo, na mesma ocasião em que foi organizado 
pelo SESC-SP (em parceria com a World Leisure Recreation Association) 
o V Congresso Mundial do Lazer, que congregou pesquisadores de 
diversos países para discutir, no Brasil, o tema “Lazer numa sociedade 
globalizada”. Recentemente, em 2008, foi realizada a 20ª edição do 
ENAREL, também em São Paulo, promovida pelo SESI em parceria 
com a Universidade de São Paulo (USP) e outras instituições.
Outra ação significativa foi a criação, em 1997, do Grupo de Trabalho 
Temático (GTT) denominado GTT Recreação e Lazer, que passou a 
integrar a programação oficial do Congresso Brasileiro de Ciências 
do Esporte (CONBRACE), evento promovido a cada dois anos pelo 
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE). Vale lembrar que 
o lazer também vem sendo debatido no âmbito de outros GTT’s deste 
Congresso. Por ser um tema transversal, o lazer integra os estudos dos 
grupos de história e memória, políticas públicas, mídias e educação 
física escolar, dentre outros.
é importante ressaltar que, dos anos finais do século 20 até hoje, essas 
e outras ações vêm contribuindo para consolidar o lazer como campo 
de estudos, vivências e intervenções. Além dos eventos científicos, cada 
vez mais instituições públicas, privadas ou ligadas ao chamado “terceiro 
setor” (sociedade civil organizada) desenvolvem projetos e ações de 
lazer; profissionais são formados em cursos de nível superior, técnicos e 
de pós-graduação nos níveis lato e stricto sensu; são publicados artigos e 
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livros, defendidas monografias de graduação e especialização, disserta-
ções de Mestrado e teses de Doutorado. Centros de estudos e pesquisas 
sobre o lazer são constituídos em várias instituições, vinculados princi-
palmente a universidades; investigações são promovidas por órgãos de 
fomento à pesquisa científica e por programas governamentais, como a 
Rede CEDES, coordenada pelo Departamento de Ciência e Tecnologia 
da Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer do 
Ministério do Esporte.
Sobre esse aspecto, é fundamental salientar que, em dezembro de 
2008, foram identificados na base de dados do Conselho Nacional de 
Pesquisa (CNPq) – principal órgão de fomento à pesquisa científica no 
Brasil – mais de 150 grupos de pesquisa que definiram o lazer como 
uma palavra-chave das produções científicas da equipe.55
Embora a maioria dos grupos cadastrados no CNPq seja atrelada 
à Educação Física, outras áreas também desenvolvem trabalhos de 
pesquisa sobre o lazer, tais como Pedagogia, Sociologia, Antropologia, 
Terapia Ocupacional, Turismo, Fisioterapia, Administração, Economia, 
Engenharia, Urbanismo e Arquitetura, Psicologia e Medicina, entre 
outras.
A grande maioria dos profissionais da área do lazer possuía formação 
em Educação Física, o que gerava uma atuação focada somente no fazer 
das atividades e no entretenimento. Hoje, os profissionais que atuam 
na área do lazer possuem formações mais diversificadas e, além disso, 
a própria educação física avançou para entender seu papel conceitual, 
procedimental e atitudinal (sic) na formação desses profissionais, rela-
cionando mais o lazer, trabalho e exigências da vida como um todo. As 
ações no lazer precisam ser mais integradas, de modo interdisciplinar, 
envolvendo profissionais e possibilidades da multifuncionalidade dos 
equipamentos e da articulação dos projetos. (E. 1) 
Em função do envolvimento com o campo acadêmico, as pesquisas 
sobre o lazer se tornam sazonais e dependentes de interesses conjuntos, 
o que só é possível por intermédio da criação de grupos de estudos e 
pesquisas. (E. 11)
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Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...90
Assim, embora tenha muito a avançar, nos últimos anos o campo do 
lazer ampliou de maneira significativa o conhecimento produzido no 
Brasil, desafiando a perspectiva disciplinar tradicionalmente adotada em 
nossa realidade. Uma experiência marcante nesse sentido foi vivida pela 
Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas 
(FEF/Unicamp) quando da criação do Departamento de Estudos do 
Lazer (DEL), com oferta dos cursos de Bacharelado e de Especialização 
em Lazer, hoje desativados, além da abertura de uma linha de pesquisa 
sobre Estudos do Lazer no Mestrado e no Doutorado em Educação 
Física, entre outras propostas ressaltadas por um especialista: “A criação 
de institutos como o CELAR (RS) e o CELAZER (SESC-SP), o 
antigo DEL da Unicamp e agora o Mestrado em Lazer da UFMG têm 
sido conquistas importantes.” (E. 17) 
Lembramos que, no Brasil, desde 1998 foram criados cursos de 
graduação específicos sobre o lazer, sendo os primeiros: Gestão de lazer 
e eventos (Universidade do Vale do Itajaí, Santa Catarina) e Gestão de 
recreação e lazer, que posteriormente teve sua denominação alterada para 
Lazer e indústria do entretenimento (Universidade Anhembi-Morumbi, 
São Paulo). Estes cursos procuravam tratar o lazer de maneira multi-
disciplinar, mas, por razões diversas, não tiveram continuidade. Assim, 
foram desativados nos primeiros anos deste século 21 – mesma época 
da criação, pelo Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) 
do Rio Grande do Norte, do curso superior atualmente denominado 
Tecnologia em gestão desportiva e do lazer. Há, ainda, outras iniciativas 
em nível superior que vinculam o lazer a outros campos temáticos, como 
o Bacharelado em Lazer e turismo realizado pela Universidade de São 
Paulo e a Graduação tecnológica em desporto e lazer desenvolvida pelo 
CEFET do Ceará, por exemplo.
Atualmente, no nível de pós-graduação observamos, no Brasil, 
outras experiências interdisciplinares e interdepartamentais. O lazer 
não pode ser tratado de forma isolada, pois, além de não se restringir a 
nenhuma área específica, uma abordagem estanque não é suficiente para 
contribuir com o avanço do conhecimento sobre essa temática. Assim, 
diversas áreas vêm articulando suas perspectivas de análise para tentar 
compreender essa temática emergente e complexa.
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91Brasil
Com essa finalidade, em 2006 foi criado, pela UFMG, o Curso de 
Mestrado em Lazer, iniciativa pioneira no Brasil. Seus objetivos são 
promover a pesquisa interdisciplinar e a reflexão crítica sobre o lazer 
em nosso contexto; aperfeiçoar a formação de pesquisadores para que 
produzam e disseminem conhecimento científico sobre o lazer, visando 
promover o avanço qualitativo da área. Esses desafios vêm sendo alcan-
çados por meio da criação e consolidação de grupos de pesquisa, reali-
zação de eventos científicos e difusão de publicações, tendo em vista 
formar e qualificar docentes do ensino superior e profissionais que 
atuam no campo do Lazer e áreas afins.
O Mestrado em Lazer da UFMG compromete-se com a busca de 
uma sólida formação profissional e acadêmica, aliada à sensibilidade 
social, tendo em vista reconhecer o lazer como um princípio de cons-
trução de cidadania com potencial para concretizar ações comprome-
tidas com a inclusão e a responsabilidade social. Nesse sentido, essa 
proposta constituiu uma área de concentração voltada para o aprofunda-
mento de conhecimentos sobre o tema “Lazer, cultura e educação”, que 
possui três linhas de pesquisa: “Lazer, história e diversidade cultural”, 
“Lazer, cidade e grupos sociais” e “Lazer, formação e atuação profis-
sional”. Além disso, é relevante mencionar que o Mestrado em Lazer 
procura favorecer o intercâmbio científico com outros departamentos 
e instituições de ensino nacionais e internacionais, em especial latino- 
-americanos.
Um dos especialistas investigados destacou a necessidade de ampliar 
os diálogos entre estudiosos brasileiros e estrangeiros, lançando assim 
vários desafios para os interessados em trocar experiências sobre a temá-
tica do lazer em todo o mundo, como pode ser visualizado no depoi-
mento a seguir.
Destaco a real necessidade da articulação da produção brasileira com 
a experiência internacional. Temos que, gradativamente, superar as 
barreiras apresentadas (idioma e custo de participação em congressos e 
aquisição de publicações indexadas internacionalmente, por exemplo), 
conquistando junto aos relevantes órgãos internacionais (...) uma aten-
ção especial à América Latina. (E. 21)
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A realização de intercâmbios que possam ampliar oportunidades 
de formação profissional para atuar em diferentes âmbitos e níveis do 
campo do lazer foi um tema colocado em foco a partir da configuração 
de novos postos de trabalho e de geração de renda e vem preocupando 
alguns estudiosos brasileiros. Os eventos, cursos de formação e intercâm-
bios que vêm sendo desenvolvidos no campo do lazer no Brasil revelam 
duas perspectivas de formação profissional, como analisa Isayama.56 
Uma delas prioriza a formação centrada no conhecimento, na cultura 
e na crítica, conscientizando-se por meio da construção de saberes e 
competências comprometidos com os valores democráticos, bem como 
com a compreensão do papel social do profissional na educação para e 
pelo lazer.
A outra perspectiva se preocupa com a formação técnica e prioriza 
o domínio de conteúdos e metodologias. A prática torna-se o eixo da 
formação, minimizando assim o papel da teoria. Reafirma-se a dico-
tomia entre a teoria e a prática, atribuindo pouca importância aos 
fundamentos e reflexões de cunho filosófico, político, cultural e socio-
lógico. Em geral, essa segunda perspectiva de formação corresponde às 
demandas crescentes do mercado, principalmente nas últimas décadas, 
quando o lazer ganhou espaço como um mercado emergente, em pleno 
crescimento, que gera expressiva atividade econômica.57
De modo diferente das épocas anteriores, na atualidade o campo do 
lazer passou a exigir mão de obra diversificada e qualificada para atender 
aos novos empreendimentos e demandas. Além disso,
o crescente mercado do lazer, tanto na natureza como nas cidades, 
tem ampliado cada vez mais as perspectivas do desenvolvimento do 
país. Como expressiva atividade econômica, hoje o lazer é conside-
rado por alguns como uma das atividades que mais cresce no mundo: 
o turismo é um exemplo. As grandes cidades cada vez mais o incluem 
no conjunto de seus serviços e negócios culturais. Ao mesmo tempo, 
essas cidades também investem na conservação e na expansão de seus 
patrimônios ambiental e cultural, especialmente usufruídos como lazer, 
investindo na capacidade e modernização de espaços para eventos, na 
construção/animação de equipamentos públicos de lazer como parques 
e praças e equipamentos privados para o lazer como clubes, cinemas, 
teatros, restaurantes, shoppings, feiras, dentre outros. Vivemos, assim, 
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93Brasil
a ampliação de possibilidades de emprego e trabalho neste campo 
com visíveis participações das iniciativas privada, pública e do terceiro 
setor na proposição e na execução direta de serviços de lazer, contando 
com recursos na sua manutenção, especialmente alocados por meio de 
Fundos Municipais, Leis de Incentivo e financiamentos de fundações 
nacionais e internacionais. Desenvolvimento que implica um processo 
de consumo no lazer que se desenvolva de forma dinâmica, pressupondo 
uma democratização de possibilidades. (E. 5)
Nesse contexto, o campo do lazer amplia-se como campo de formação 
e de ação profissionais, ampliação que reflete o crescimento da visibili-
dade alcançada pelo lazer como campo de atuação de diferentes lide-
ranças. Há que se observar, contudo, que: “Há limites significativos em 
função da pressão exercida pela indústria cultural em um país com limites 
educacionais.” (E. 23)
Assim, cabe pensar na própria qualidade educativa do trabalho 
desempenhado pelos profissionais imersos no mercado do lazer, pois 
Marcellino58 observa que muitas equipes são compostas por profis-
sionais despreparados e desqualificados para atuar crítica e criativa-
mente neste campo.
Análises de Pinto59 sobre lazer e mercado ressaltam a necessidade 
de buscar o estabelecimento de relações éticas, pautadas no respeito aos 
profissionais e públicos envolvidos, de modo a conferir oportunidades 
a todos nos processos de tomada de decisão. Esse discurso é integrado 
pela responsabilidade social, sendo necessário lembrar que uma atitude 
socialmente responsável depende da coerência entre o discurso e a ação. 
Todos esses aspectos precisam ser observados nas reflexões que incidem 
sobre lazer e mercado, analisando os desdobramentos sociais, políticos e 
econômicos das oportunidades de formação e de trabalho que se abrem 
na atualidade.60
Como campo abrangente de ação, temos que considerar, ainda, as 
influências do aumento das iniciativas governamentais (federal, estadual 
e municipal), não governamentais e corporativas relacionadas ao lazer. 
A expansão desse campo tanto pode ser devido a políticas de controle 
social como a políticas que reconhecem o lazer como direito e/ou a 
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ações desenvolvidas em vários tempos e espaços educativos (escolas, 
clubes, empresas, parques, ruas, praças etc.), difundidas pela participação 
de agentes culturais engajados com as políticas educativas.
Trata-se de um tema polêmico que envolve concepção e atuação 
profissional na ambiência do lazer e que deve, no seu fazer formativo 
conscientizador, buscar combinar competência técnica e compromisso 
político com a cidadania emancipatória. (E. 3)
O mercado exige profissionais que nem sempre as agências formadoras 
oferecem, particularmente os empreendimentos privados de lazer. (E. 2)
O lazer será um dos maiores campos de atuação dos próximos 15 ou 
20 anos, o que representauma grande oportunidade principalmente se 
estiver comprometido com a promoção do bem-estar e com a busca da 
qualidade de vida. (E. 9)
Por isso, é necessário dedicar especial atenção à formação de profis-
sionais do lazer comprometidos com o processo de construção do saber, 
que questionem a realidade, perguntem pelo sentido de sua atuação, 
assumam uma atitude reflexiva face aos processos sociais e às contradi-
ções de nosso meio, fazendo do lazer não um mero (e alienante) produto 
a ser consumido, mas uma possibilidade lúdica, crítica, criativa e signifi-
cativa a ser vivenciada com autonomia e responsabilidade. Ressalta-se, 
nesse processo, a importância do conhecimento profundo da reali-
dade, o que demanda uma sólida fundamentação teórico-prática e 
uma consistente instrumentalização político-pedagógica por parte 
dos profis-sionais em formação, permitindo o empreendimento de 
ações sobre o lazer que sejam coerentes no contexto em questão.61
Para isso, os profissionais do lazer precisam ser agentes de mudança e, 
nisso, a comunidade tem um papel importante.
Temos experiências de lideranças voluntárias que estão sendo mais 
reconhecidas e qualificadas, mas, várias vezes, pouco aproveitadas em 
função dos medos em relação às leis trabalhistas. (E. 15)
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Nos meus estudos sobre sociabilidades no lazer em espaços públicos, 
tenho percebido uma enorme diversidade de práticas auto-organizadas 
e do desenvolvimento de atividades comunitárias. (E. 18)
A área de lazer carece de profissionais para o campo da gestão, com 
conhecimentos dos diferentes conteúdos culturais, bem como capaci-
dade e sensibilidade comunitária para entender o lazer como uma forte 
possibilidade educativa transformadora. (E. 20)
A “animação sociocultural” gera outras demandas à formação de 
quadros do lazer. De acordo com Melo,62 a animação (socio)cultural 
pode ser compreendida como uma das possibilidades de intervenção 
pedagógica nos momentos de lazer e define a peculiaridade de ação 
de um profissional que tem a cultura como foco e estratégia central de 
atuação.
Sobre essa estratégia de intervenção, alguns especialistas entendem 
que:
A animação sociocultural é uma alternativa muito importante no 
sentido de ampliação e qualificação do acesso ao lazer, não por tratar-se 
de uma alternativa barata, e sim pela capacidade de multiplicação das 
ações e reflexões. (E. 6)
A animação sociocultural é uma construção política que transcende 
uma pessoa, um professor, um líder comunitário (...) é uma atitude que 
pode ser construída política e pedagogicamente. (E. 24)
Nossos estudos indicam a problemática da “construção da cultura” e da 
“política cultural”. (E. 4)
A construção de identidades do lazer no Brasil pela produção e 
difusão de conhecimentos se insere, assim, em contextos de formação e 
atuação profissionais, bem como da produção social e cultural de socie-
dades específicas, produções essas constituídas pelas teorias em ação, 
discussão proposta a seguir.
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Lazer no Brasil: teorias em ação
Construção teórica do lazer no Brasil
A discussão até aqui realizada evidencia algumas marcas da produção 
teórica que, historicamente, vem sendo sistematizada no Brasil, susten-
tadora de mudanças significativas nos conceitos e ações do campo. 
Na perspectiva conceitual, segundo os estudiosos da área, são várias as 
maneiras de entender o lazer, sendo três aspectos considerados básicos a 
elas: a dimensão do tempo-espaço, as atividades realizadas neste tempo 
e a atitude de livre escolha do sujeito, que caracteriza o que ocorre nesse 
momento.
Porém, como o lazer é conceituado culturalmente, suas caracterís-
ticas e fundamentos têm sido construídos a partir de diferentes pontos 
de vista. Alguns deles contrapõem o lazer à questão das obrigações, que 
são vistas como mais importantes na vida humana, como ressaltou um 
especialista:
Creio que a compreensão do lazer começa por uma dimensão da vida 
humana ainda pouco explorada e valorizada num mundo que é pautado 
pelas “obrigações” e que relega às “não obrigações” um plano inferior. 
(E. 2)
Essa compreensão foi, durante muito tempo, relacionada ao pensa-
mento teórico de Joffre Dumazedier, cujo conceito de lazer foi utilizado 
como referência para estudos no Brasil e em outros países. De acordo 
com o autor, o lazer
é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se 
de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e 
entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua informação ou formação 
desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade 
criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, 
familiares e sociais.63 
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97Brasil
Faleiros64 chamou a nossa atenção para as inconsistências, incoe-
rências e fragilidades dessa definição de lazer. A autora salientou que 
Dumazedier procurou explorar as implicações do que considerou como 
lazer sem, no entanto, compreender a dinâmica social que permite a 
sua manifestação em nossa sociedade. Para ela, Dumazedier pretendeu 
construir um conceito operacional cuja utilização, no máximo, implica o 
preenchimento do tempo de lazer por atividades que atenderiam às suas 
características, sem, entretanto, conseguir explicá-las. Dessa maneira, 
o lazer seria um “invólucro vazio” a ser preenchido com determinadas 
atividades cuja importância está vinculada ao atendimento das necessi-
dades de descanso, divertimento e desenvolvimento da personalidade.
Dumazedier define o lazer em oposição ao conjunto das necessidades 
e obrigações da vida cotidiana, especialmente do trabalho profissional, 
interpretação passível de questionamentos. Trabalho e lazer, apesar de 
possuírem características distintas, integram a mesma dinâmica social e 
constituem relações dialéticas. é preciso considerar o dinamismo desses 
fenômenos, atentando para as inter-relações e contradições que apre-
sentam. Afinal, não vivemos em uma sociedade composta por dimensões 
neutras, estanques e desconectadas umas das outras, como o conceito de 
lazer proposto pelo autor nos faz pensar.65
Para conceituar o lazer, Dumazedier66 tomou como referência as 
sociedades industriais avançadas do século 20, fossem elas capitalistas 
ou socialistas. No entanto, nos dias de hoje observa-se uma passagem 
da sociedade industrial para a sociedade de serviços, complexas, o que 
demanda analisar criticamente o conceito elaborado pelo sociólogo 
francês. Afinal, vivemos em uma realidade muito distinta da francesa, 
por ele estudada especialmente no decorrer da década de 1950.67
Além disso, em defesa da tese de que as atividades de lazer são 
preferíveis ao ócio, o pensamento de Dumazedier também necessita 
ser repensado. O ócio é encarado como algo “nocivo” para indivíduo e 
sociedade por contrapor-se à lógica da produtividade e, assim, dificultar 
o disciplinamento das pessoas por meio do trabalho alienado e compul-
sivo. Atualmente essa questão vem sendo redimensionada por estudos 
sobre o lazer no Brasil e em outros países, porque o ócio, enquanto 
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manifestação cultural, em geral, é negligenciado e evitado quando há 
intenção de conferir utilidade e funcionalidade ao lazer, equivocada-
mente tratado como um apêndice do trabalho produtivo.68
Analisando as diferenças conceituais entre alguns estudiosos brasi-
leiros do lazer, verificamos uma tendência em compreendê-lo como 
uma dimensão da cultura. Ao chamar a atenção para a importância de 
se consideraro lazer pelo prisma da cultura, Marcellino69 deu um passo 
fundamental para uma compreensão mais contextualizada do lazer no 
Brasil.70
Essa “mudança de enfoque” indica que a consideração do lazer como 
um mero conjunto de ocupações passa a ser redimensionada no Brasil, 
sugerindo uma ampliação do olhar sobre o que foi destacado na presente 
pesquisa pela maioria dos especialistas ouvidos e é fundamental para o 
avanço do saber sobre esse fenômeno.
Sendo cultura, o lazer é, pois, produto humano construído por meio de 
processos que se constituem a partir de valores, saberes, motivações e 
desejos de cada sujeito, influenciados pelos sentidos e significados que 
os mesmos atribuem às suas experiências. Processos localizados, uma vez 
que cada construção cultural depende do contexto social onde se realiza, 
do cotidiano onde os sujeitos criam as técnicas corporais próprias de sua 
cultura e seus modos específicos de lidar com os limites de tempo, lugar, 
infraestrutura, condições econômicas e outras dimensões que condicio-
nam suas realizações no lazer. (E. 5)
Por isso, Alves71 chamou a atenção para a necessidade de também 
aprofundarmos conhecimentos sobre a cultura, evitando análises super-
ficiais sobre o lazer. Cultura é uma palavra polissêmica, objeto de estudo 
de diversas áreas e que instiga várias correntes teóricas.
Muitas são as abordagens possíveis de serem feitas, mas, ao 
optarmos pela perspectiva antropológica para discutir o lazer não 
estamos dizendo que a antropologia tenha uma única vertente teórica 
ou que suas várias abordagens compreendam a cultura da mesma 
maneira. Por isso, buscamos fundamentos em autores como Geertz, 
Sahlins e Hall72 para compreender a cultura como produção humana e 
como dimensão simbólica na qual o significado é central.
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Nessa discussão, o lazer é uma criação humana em constante diálogo 
com as demais esferas da vida. Participa da complexa trama histórico- 
-social que caracteriza a vida em sociedade, e é um dos fios tecidos na 
rede humana de significados, símbolos e significações. Gomes e Faria73 
colaboram com esse debate entendendo que o lazer deve ser pensado no 
campo das práticas humanas como um emaranhado de sentidos e signi-
ficados dialeticamente partilhados nas construções subjetivas e objetivas 
dos sujeitos, em diferentes contextos de práticas sociais.
Nessa perspectiva, os olhares sobre o lazer são diferentes e comple-
mentares. Cada pesquisador pode adotar um ponto de vista distinto 
para compreender o lazer. Marcellino,74 por exemplo, entende o lazer 
como cultura vivenciada (praticada ou fruída) no tempo disponível das 
pessoas. O importante, como traço definidor, é o caráter desinteres-
sado dessa vivência, pois nela não se busca, fundamentalmente, outra 
recompensa além da satisfação provocada pela situação. Para o autor, a 
disponibilidade de tempo significa possibilidade de opção pela atividade 
prática ou contemplativa em um tempo disponível que, por sua vez, 
implica liberação das obrigações de diferentes naturezas. Além disso, 
o autor observa que o lazer é um fenômeno historicamente situado, do 
qual podem emergir valores questionadores da ordem moral e social 
estabelecida.
Para Gomes,75 o lazer é uma dimensão da cultura caracterizada pela 
vivência lúdica de manifestações culturais (tais como as festas, os jogos, 
as brincadeiras, os esportes, as artes e até mesmo o ócio) no tempo/
espaço conquistado pelos sujeitos e grupos sociais. De acordo com a 
autora, não existem fronteiras absolutas entre o trabalho e o lazer, 
tampouco entre o lazer e as obrigações cotidianas. O lazer é um fenô-
meno dialético e, mesmo que o sujeito esteja em busca de satisfação, 
maior flexibilidade e liberdade de escolha, nem sempre estará isento de 
obrigações sociais, familiares, profissionais etc. O lazer não é um fenô-
meno isolado: ele se manifesta em diferentes contextos de acordo com 
os sentidos e significados dialeticamente produzidos/reproduzidos pelas 
pessoas nas suas relações com o mundo. Assim, ao propiciar o desfrute 
da vida no momento presente, o lazer dialoga com o contexto e reflete as 
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Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...Lazer na América Latina/Tiempo libre, ocio y ...100
ambiguidades e contradições nele presentes. Nesse âmbito, por um lado, 
infelizmente o lazer pode contribuir com a manutenção do status quo, 
reforçar estereótipos e valores excludentes, consumistas e alienantes. 
Mas, por outro lado, reveste-se de possibilidades para colaborar com a 
constituição de uma nova sociedade, mais justa, humanizada, inclusiva, 
digna e comprometida com os princípios democráticos. Tais considera-
ções revelam que, em nossa sociedade, o lazer é um fenômeno dinâmico, 
complexo, dialético, permeado de conflitos, tensões e ambiguidades.
Pinto76 compreende o lazer como tempo/espaço/oportunidade para 
vivências culturais lúdicas, ou seja, fundadas no prazer pela vivência 
da liberdade/autonomia. Seus estudos sobre sentidos e significados 
atribuídos por jovens brasileiros ao tempo de lazer na atualidade77 
o destacam como um tempo regido pela lógica kairós e, como tal, 
compreendido pela qualidade de sua apropriação e não pela organização 
lógica instrumental de seus usos, como acontece na constituição do 
lazer segundo princípios da sociedade industrial. Como vivência de um 
tempo kairós, o lazer é momento de escolha e de superação de limites 
sociais postos às realizações desejadas. Os sujeitos atribuem sentidos à 
duração, à posse/pertencimento dos lugares, aos modos de ser e conviver, 
aos afetos, fazeres e aprendizagens vividos. A essência dessa experiência 
reside, em parte, no ajustamento dos sujeitos às condutas postas pelas 
regras institucionais (forte presença da família, escola, mídia, mercado, 
igreja, entre outras). Mas, em parte, também na resistência a essa ordem, 
pois os eventos e as rotinas não possuem fluxos de mão única. Aí reside 
a possibilidade de liberdade no lazer. Liberdade construída no binômio 
produção/reprodução da vida sociocultural. 
Com os exemplos anteriores vemos que múltiplas e complementares 
podem ser as compreensões sobre o lazer. Nesse sentido, é fundamental 
ter sensibilidade para entendê-lo e vivenciá-lo na sociedade contempo-
rânea, um contexto
de estruturações sociais e culturais diferentes, no que tange às relações 
entre as pessoas; novas formas de agrupamentos e relações culturais 
desafiaram-nos a analisar o lazer como cultura, ajudando-nos a perceber 
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101Brasil
aspectos importantes como: o lazer hoje é vivido em vários lugares 
(casa, rua, escolas, empresas, shopping centers, museus, centros culturais, 
bares, praças, parques etc.); a cultura vivida no lazer traduz pluralidade, 
diversidade, sensibilidade e afetividade, numa profusão de estilos de 
vida e paisagens; na ótica da diversidade, são muitas as demandas pelo 
acesso ao lazer, respeitando e valorizando as características específicas 
de cada grupo, atentas para o fato de que os indivíduos, diferentemente, 
constroem e/ou usufruem das oportunidades disponíveis para o lazer; a 
importância da difusão de informações e troca de experiências culturais 
nas políticas de lazer, superando preconceitos e exclusões que vêm 
dificultando o acesso; o lazer representa tempo-espaço de convivência 
intra e entre gerações, lembrando que são diferentes as necessidades 
e interesses dos sujeitos (como mulher, homem, criança, jovem, 
adulto, idoso, trabalhador, futuro trabalhador, futuro aposentado, 
pessoas com habilidades diferentes etc.); o lazer é tempo-espaço de ricas 
possibilidades expressivas, de formação de hábitos, de desenvolvimento 
de gostos, aprendizagens e sonhos. (E. 5)
As compreensões de lazer aqui destacadas não

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