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CONTEXTO HISTÓRICO - O ESPAÇO SOCIAL E CULTURAL DO PIXO (PICHAÇÃO) “Algumas pessoas tornam-se policiais porque querem tornar o mundo um lugar melhor, e algumas pessoas tornam-se vândalos porque querem tornar o mundo um lugar com melhor aspecto.” (Banksy) “A arte do grafite emprestou alguma graça aos horríveis vagões do metrô e sóbrios monumentos públicos. (BEY. p.6) Escrever em paredes é tão antigo quanto à história do homem, vem desde a pré-história, quando os povos antigos pintavam as rochas, entalhavam e empilhavam as pedras para formar grandes desenhos no chão. "A mais antiga pinturas em cavernas conhecidas datam de c. 30000 a.C. Seu significado permanece desconhecido, mas talvez tivesse uma função religiosa ou mágica" (FARTHING, p.17). Há evidência das pinturas rupestres em todo o mundo, em diversos sítios arqueológicos. "Os artistas optavam por representar o mundo que viam ao seu redor e frequentemente retratam animais, às vezes formas quase humana e, em alguns casos, sinais abstratos que talvez tivessem um significado espiritual (FARTHING, p.17)". Percebe-se que o ser humano, desde suas origens, utilizou da tinta, da escrita e da parede, como forma de comunicação para transmitir sua história, suas ações, seus sentimentos em relação ao mundo no qual estava inserido. Com o desenvolvimento do ser humano essas práticas não foram perdidas, mas melhoradas, adaptadas, através das descobertas e demandas que foram surgindo. Temos como exemplo, a arte egípcia onde é possível testemunhar uma notável variedade de pinturas, esculturas, arquitetura. Nos tempos atuais, a arte que vem tomando conta das paredes, é a pichação e o grafite, que é o ato de escrever, rabiscar ou desenhar sobre muros, fachadas de edificações, asfalto de ruas ou monumentos, usando tinta em spray aerossol, dificilmente removível, estêncil ou mesmo rolo de tinta. Porém, na Antiguidade já era possível encontrar elementos de pichação. Pois, a erupção do vulcão Vesúvio - conhecido pela erupção em 79 d.C., que resultou na destruição das cidades romanas de Pompeia e Herculano - preservou inscritos nos muros da cidade de Pompeia, que continham desde palavreados, declarações de amor, até propaganda política e poesias. “Devido à grande quantidade de inscrições espalhadas por toda a cidade de Pompeia, Itália, a pesquisadora Rebecca Benefiel afirma que grafitar era um hábito comum. Ricos, pobres, escravos, estrangeiros, homens mulheres, todos escreviam nas paredes, inclusive dentro de casa. Foram encontrados muitos e muitos nomes, saudações, poesias, piadas, alguns lamentos de amor, divulgação de lutas entre gladiadores, listas de mercado e, raramente, críticas políticas.” (Estética Marginal, Ed Zupi, 15) Mural grafitado com estêncil de um trabalhador removendo pinturas rupestres pré-históricas (2008) - Banksy As raízes da arte de rua podem ser encontradas nas pinturas rupestres que inspiraram tantos artistas modernos, como podemos observar na imagem anterior do artista de rua britânico, Banksy, que se tornou uma celebridade internacional por seus estênceis de parede mordazmente sarcásticos, e cujos trabalhos são facilmente encontrados nas ruas da cidade de Bristol, mas também em Londres e em várias cidades do mundo. Mas foi só no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, quando cidades como Nova York e Paris tornaram-se a tela de uma geração de artistas não legalmente autorizados da guerrilha visual, onde a noção de arte de rua começou a ganhar força. Do ponto de vista histórico, a pichação e o grafite são formas de comunicação que podem ser referenciadas como herança da pré-história, se considerar as inscrições rupestres gravadas nas cavernas. Porém, os cenários e as formas para essas práticas se alteraram conforme as cidades iam se desenvolvendo, e de acordo com o período e movimentos culturais da humanidade. A arte de rua tornou-se uma presença familiar e cada vez mais bem acolhida em ambientes urbanos no mundo todo. Há uma tendência, por parte da população, em igualar a ação de um pichador, que é tida como uma atividade criminal, - sinônimo de vandalismo, que depreda o patrimônio público e privado -, à de um grafiteiro, que é um artista de rua, mas com viés mercadológico. Porém de uns tempos para cá houve uma aceitação, em relação ao trabalho do grafiteiro, pois esteticamente, sua obra valoriza o espaço social, fazendo-se perceber novos espaços; e suas finalidades e suas abordagens são diferentes da pichação em si. Dentro da Legislação brasileira, a Lei Ambiental 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, aponta o grafite e a pichação como atividades ilegais, onde ambos constituem crimes contra o meio ambiente. Mas em 25 de maio de 2011, foi publicada a Lei 12.408 alterando o art. 65 da Lei 9.605, para descriminalizar o ato de grafitar. Porém o ato torna-se ilegal a partir do momento que o grafiteiro não possui uma autorização do responsável do estabelecimento permitindo a ação. O fato da Legislação não aceitar a pichação como uma ato legítimo, a prática fica à margem socialmente, onde a sociedade, continua os identificando como marginais, vândalos, fazendo com que o anonimato seja um fator importante, pois assim não facilita o reconhecimento do pichador, permitindo que a lei seja deixada de lado. Nesse momento é perceptível a mudança na qual as duas ações submeteram-se; a arte de grafitar saiu do estado de marginalização social para o circuito legitimador da arte apontado pelo sociólogo Becker. Que "afirma que o ato de selecionar mundos como sendo autênticos e rejeitar os demais como menos importantes ou verdadeiros não corresponde a nenhuma necessidade científica e sim a um mero preconceito estético ou filosófico. (BECKER, p. 11)” Porém em “A Distinção”, Pierre Bourdieu, afirma que a hierarquia socialmente reconhecida das artes – e, no interior de cada uma delas -, dos gêneros, escolas, ou épocas, corresponde à hierarquia social dos consumidores. O que predispõe os gostos a funcionar como marcadores privilegiados da “classe”. Ou seja, as práticas culturais (frequência dos museus, concertos, exposições, leituras, etc.) estão associadas ao nível de instrução (anos de estudo) e pela origem social. Assim consolidando o que é legitimo e o que não é. O grafite entrou nesse circuito de legitimação a partir do momento que se tornou reconhecido e entrou para o mercado de bens simbólicos. Em paralelo acontece o grafite da periferia, o grafite do protesto, que continua estigmatizado pela sociedade, onde seu "autores", mesmo com toda a visibilidade espacial, continua invisível socialmente e sua arte sendo marginal, onde pelas classificações de gostos não são produtos da educação, não podendo ser considerada matéria de cultura legítima. Os pichadores de rua são pessoas, grupos sob pressão social cujos conceitos, ideologias e propósitos não encontram abrigo nos veículos de comunicação de massa privado, como a mídia, tanto televisiva quanto impressa, por isso buscam por meio das paredes expressar sua voz, sua arte; Esse silenciamento dá-se porque existe uma estrutura de hierarquização social, na qual pessoas que não se encaixam nesse pequeno percentual estão estigmatizado socialmente, e dentro dessa estrutura há violências tanto física, como a violência policial para com os pichadores, como simbólica, a desvalorização de seu material como arte; A violência simbólica é enrustida muitas vezes em discursos justificados e legitimados pela sociedade, quando por exemplo, se projeta um perfil do pichador, denominando-o vagabundo, marginal, por fazer uma arte ilegal, ou melhor por elanão ser considerada arte, sendo que essa área, a pichação, pode envolver pessoas de todos os níveis e classes sociais. Mas para essa sociedade hierarquizada, que determina como as pessoas devem pensar a arte e a cultura, a pichação é nada mais que a degradação do espaço público e que seus praticantes devem ser julgados e condenados. A ordem simbólica social se constitui na classificação objetiva: os detentores de um sólido capital (cultural/econômico), aqueles que são conhecidos e reconhecidos, estabelecem e garantem oficialmente os postos, impondo-se sobre a outra cultura, definindo a lei, o bem e Deus, um arbitrário cultural dominante. Dentro do mundo da pichação, existe técnicas de escritas, estética das assinaturas que estão presentes somente no Brasil, nos grandes centros. Diferente do grafite que ocorre no mundo todo. A pichação em termos de estética, ela pode ser considerada apenas um rabisco, - para aqueles que não estão inseridos dentro do campo e não compartilham dos códigos de linguagem, de escrita -, mas em termos culturais, a pichação possui muitos conteúdos simbólicos, como histórias, revoltas e até mesmo moda. O piche popularizou-se em um estilo próprio, difundido sobretudo a partir da cidade de São Paulo, onde tornou-se referência mundial, existem estudos que abordam a estética da pichação de São Paulo, considerada única no mundo. Os traços que compõem a letra da pichação, são traços retos que formam diversas arestas em uma forma homogeneizadora. No Documentário Pixo, produzido no Brasil no ano de 2009, dirigido pelos diretores João Wainer e Roberto T. Oliveira, informa que a as letras tipográfica da pichação foi baseado de acordo com um estudo nos hieróglifos, que é cada um dos sinais da escrita de antigas civilizações, tais como os egípcios, os hititas, e os maias; e nas capas de discos de heavy metal, como por exemplo o Iron Maden, banda britânica de heavy metal, formada em 1975, como ficou conhecida como “Iron Maiden” posteriormente. Iron Maden, banda britânica de heavy metal, formada em 1975. O grafite, a pichação, possui várias técnicas paralelas, como por exemplo o estêncil, o lambe- lambe, o bomb, o grapichos, o throw up, entre outras. O estêncil consiste numa máscara vazada, na qual o pichador passa o spray e deixa a sua marca. Imagem abaixo: Imagem retirada da internet. fonte: https://www.google.com.br No lambe-lambe, o pichador tem sua marca no papel, tira cópias e cola na cidade, em espaços que o pixo não alcança, não chega. Imagem abaixo: Imagem retirada da internet. fonte: https://www.google.com.br A técnica bomb, são letras arrendondadas, rápidas, com profundidade, e cada letra respeitando o espaço da outra letra. Imagem abaixo: Imagem retirada da internet. fonte: https://www.google.com.br Diferente da técnica bomb, onde as letras estão em seus espaços, a técnica throw up, as letras são bem próximas uma da outra, sendo mais complexa em questão de dimensão da letra. Imagem abaixo: Imagem retirada da internet. fonte: https://www.google.com.br O pichador quando começa a fazer grafite ele vai para o grafito, são letras que são a transição entre a pichação e o grafite. É uma pichação com características do grafite. Por exemplo é a letra reta simples, mas contornada, sombreada, sub contornada e com brilho. Imagem abaixo: Imagem retirada da internet. fonte: https://www.google.com.br No texto Culturas Híbridas, Poderes Oblíquos, Néstor García Canclini, dentro do cotidiano do mundo moderno está presente uma miscigenação entre diferentes culturas, o que ele define como "culturas híbridas", vistas como um rompimento entre o que é tradicional e o que é moderno, entre o culto e o popular (massivo). Como exemplo, tem-se a organização social da cidade, que confere vários estilos a períodos históricos e artísticos diversos e hoje se somam a publicidade, aos grafites e aos movimentos modernos, que convivem em um mesmo espaço e representam as principais forças que atuam nas cidades. O autor critica os movimentos tradicionais que se limitam a usar formas tradicionais de comunicação, orais, produção artesanal ou textos escritos que circulam de mão em mão. A pichação faz o caminho contrário, trazendo a tona uma nova ferramenta de produção de leitura de "textos", que diminuem as distâncias e mostram essa multiculturalidade, em novos espaços. O que permite, de acordo, com Canclini um processo de descolecionamento e desterritorialização. O descolecionamento permite que um bem cultural seja reproduzido, difundido e disponibilizado mais facilmente a toda população, e a desterritorialização permite a perda da relação de um bem cultural com os territórios geográficos e sociais, fazendo com que assim difundam os espaços em vários outros meios. Esses processos, de acordo com Canclini, permitem a expansão dos "gêneros impuros, por exemplo, a pichação e o grafite, pois não são categorizados entre o culto, popular ou massivo, são um movimento que pode estar presente em qualquer espaço geográfico e social. Para Canclini, os grafites, as pichações, cartazes comerciais e manifestações sociais e políticas são linguagens que ressignificam os espaços públicos, que expressam a crítica popular à ordem imposta de forma vertical, pois o Estado é o detentor das nominações oficiais, é ele que define quem deve ser homenageado, com nomes em ruas, por exemplo, estátuas, monumentos consagrados. Sendo assim, o pixo, o grafite seria uma forma, infelizmente à margem social, de ocupar a cidade, que todo dia oprime os setores populares. Luma Coelho REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997. p.283-350: Culturas híbridas, poderes oblíquos. . BORDIEU, Pierre. “Espaço Social e Poder Simbólico” in. Coisas Ditas – São Paulo: Brasiliense, 2004; . BORDIEU, Pierre. 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Documentário: Pixo, acessado em 15 de outubro de 2015;
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