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1 DO RECONHECIMENTO DOS FILHOS 1. FILIAÇÃO HAVIDA FORA DO CASAMENTO Os filhos de pais casados não precisam ser reconhecidos, pois a paternidade, pelo sistema do Código Civil, decorre do casamento dos pais. Se estes são casados e, por desídia ou outra razão, não providenciam o registro do filho, assegura-se a este a ação de prova de filiação (CC, art. 1.606). O filho havido fora do casamento, porém, não é beneficiado pela presunção legal de paternidade que favorece os filhos de pais casados. Embora entre ele e seu pai exista o vínculo biológico, falta o vínculo jurídico de parentesco, que só surge com o reconhecimento. Se tal ato não se realiza voluntariamente, assegura-se ao filho o reconhecimento judicial por meio da ação de investigação de paternidade. A expressão “filho ilegítimo” foi substituída por “filho havido fora do casamento” (art. 1º da Lei 8.560/92; CC, arts. 1.607, 1.609 e 1.611). O filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente (CC, art. 1.607), pessoalmente ou por procurador com poderes especiais. O reconhecimento é ato personalíssimo. Efetuado por um dos pais, só em relação a ele produz efeito, não se dando ao filho reconhecido qualquer direito perante o outro genitor. Se a mãe, não sendo casada, comparece ao registro civil para registrar o filho, não pode exigir o lançamento do nome do pai, salvo se este estiver presente e consentir, ou se aquela exibir procuração, com poderes específicos para tal declaração (LRP, art. 59). Não há igual restrição para o lançamento do nome da mãe, visto que se considera a maternidade sempre certa (mater semper certa est). O reconhecimento de filho pode ser voluntário, também denominado “perfilhação”, ou judicial, também chamado de “coativo” ou “forçado”, que se realiza por meio de ação de investigação de paternidade. Se o reconhecimento for feito pela via testamentária, não se exigirá, efetivamente, a assistência, porque o testamento pode ser feito por menor púbere, independentemente de assistência de seu representante legal (CC, art. 1.860, parágrafo único), mas produzirá efeitos somente após a sua morte. Pode o relativamente incapaz, também, declarar a paternidade perante o oficial do registro civil, para lavratura do termo, sem assistência, porque se trata de declaração de um fato. Para a lavratura de escritura pública, porém, como ato autêntico, deve ser exigida a assistência de seu representante. A condição e o termo eventualmente apostos para o reconhecimento “são ineficazes” (CC, art. 1.613). Malgrado a prerrogativa deferida ao menor de impugnar o seu reconhecimento dentro dos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou emancipação, é ato jurídico unilateral e personalíssimo, tendo em vista que gera efeitos pela mera manifestação de vontade do reconhecente e o outro genitor não pode a ele se opor. Perde essa característica, todavia, em relação ao filho maior de idade, cujo consentimento é exigido pela lei (CC, art. 1.614). 2. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO 2.1. MODOS DE RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DOS FILHOS 2 O reconhecimento voluntário será feito, segundo o art. 1.609 do Código Civil: � “I - no registro do nascimento; � II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; � III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; � IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém”. São cinco, pois, atualmente, os modos de reconhecimento dos filhos. Qualquer que seja a forma, será sempre irrevogável (CC, arts. 1.609 e 1.610). Embora o testamento seja essencialmente revogável, não poderá sê-lo na parte em que o testador reconheceu o filho havido de relação extramatrimonial. Os modos alternativos de reconhecimento voluntário podem ser utilizados tanto pelo pai como pela mãe, embora seja mais frequente sua aplicação no tocante ao pai, uma vez que “a maternidade, como fato positivo, normalmente consta do registro de nascimento (mater semper certa est, pater autem incertus). A maternidade é um fato, a paternidade, presunção”. O reconhecimento voluntário ou perfilhação pode ser feito, portanto: � a) No registro do nascimento, no próprio termo, mediante declaração por um ou por ambos os pais. Se o filho já estiver registrado em nome de um deles, o outro também poderá fazer o reconhecimento no próprio termo, mediante averbação por determinação judicial, ou a pedido da parte, como prescreve o art. 1.609, I, do Código Civil. Quando não há relação de casamento entre os pais, com suas presunções, a declaração de reconhecimento voluntário é tomada formalmente pelo oficial do registro, complementando-se o termo de nascimento. Se suscitar dúvida quanto à seriedade da declaração, o oficial a submeterá ao juiz competente para decidir. A lei não prevê a audiência prévia do genitor que fez a declaração do nascimento, mas deve ser recomendada no caso de dúvida do oficial do registro. De qualquer forma, o interesse prevalecente é o do filho, devendo ser favorecido seu direito à relação integral de filiação. O reconhecimento no registro do nascimento faz prova eficaz, sem necessitar de outra declaração além da concernente à descendência do registrado, desde que assinado o termo pelo declarante. � b) Poderá o genitor, se o preferir, efetuar o reconhecimento por escritura pública ou escrito particular, que também serão averbados. A escritura pode ser lavrada especificamente para o reconhecimento, ou este pode fazer-se incidentemente em escritura que tenha outros objetivos imediatos, desde que a manifestação seja expressa e não deixe margem a nenhuma dúvida. No atual diploma, vale, por si só, como reconhecimento, desde que expresso. Depois da averbação por determinação judicial, o documento permanecerá arquivado em cartório. Pode- se agora, então, reconhecer um filho por codicilo, já que este é um escrito particular, datado e assinado pelo “de cujus” (art. 1.881). Como a lei não especifica a espécie de documento ou escrito particular, o reconhecimento pode ser feito em declaração escrita, em carta e até mesmo em mensagem eletrônica, desde que não paire dúvida sobre a autoria e sobre sua autenticidade. O testamento também pode ser aproveitado para reconhecimento voluntário de filho, ainda que incidentalmente manifestado (CC, art. 1.609, III). Não se exige, pois, a feitura do testamento para o fim específico do reconhecimento. 3 O reconhecimento pode ser feito inclusive “por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém” (CC, art. 1.609, IV). O ato no qual se dá a manifestação voluntária de reconhecimento de filho pode resultar de qualquer depoimento em juízo prestado pelo genitor, incidentalmente e tomado por termo, ainda que a finalidade desse depoimento seja outra, como, por exemplo, a de reduzir o valor de pensão alimentícia paga a outros filhos, como pode decorrer ainda de qualquer manifestação nos autos, seja na contestação, seja nas alegações finais ou nas razões de recurso. O juiz, diante do reconhecimento manifestado, encaminhará certidão ao Cartório do Registro Civil, para que seja providenciada a averbação no registro de nascimento do filho. Pode-se acrescentar ainda outro modo de reconhecimento paterno que, embora voluntário, não é espontâneo. Encontra-se ele disciplinado no art. 2º da Lei n. 8.560/92, pelo qual o oficial que procedeu ao registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida deverá remeter ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação. Seeste admitir a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento, a ser averbado pelo oficial do Registro Civil junto ao assento de nascimento. Se, porém, negá-la, ou não atender à notificação, os autos serão remetidos ao Ministério Público para que este promova a ação de investigação da paternidade. Embora o aludido modo de reconhecimento de filho não tenha sido reproduzido no Código Civil de 2002, o dispositivo em epígrafe deve ser havido como vigente, porque essa matéria não foi tratada especificamente no novo diploma. ►É proibido reconhecer o filho na ata do casamento (Lei n. 8.560/92, art. 3º), para evitar referência a sua origem extramatrimonial. Com essa finalidade, também não se fará, nos registros de nascimento, qualquer referência à natureza da filiação, à sua ordem em relação a outros irmãos do mesmo prenome, exceto gêmeos, ao lugar e cartório do casamento dos pais e ao estado civil destes (art. 5º). Igualmente, das certidões de nascimento não constarão indícios de a concepção haver sido decorrente de relação extraconjugal, não devendo constar, em qualquer caso, o estado civil dos pais e a natureza da filiação, bem como o lugar e cartório do casamento, proibida referência à apontada Lei n. 8.560/92, salvo autorizações ou requisições judiciais de certidões de inteiro teor (art. 6º). ►O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho já concebido (CC, art. 1.609, parágrafo único), mas o filho que haja falecido só poderá ser reconhecido se tiver deixado descendentes. A ressalva é feita para evitar reconhecimentos “post mortem” por interesse, pois, se o filho não deixou descendente algum, os seus bens irão para o ascendente que o reconheceu. Filhos adulterinos e incestuosos podem, assim, ser reconhecidos, ainda que os seus pais estejam casados. Mesmo o adulterino “a matre” pode ajuizar a qualquer tempo ação de investigação de paternidade contra o verdadeiro pai, afastando desse modo os efeitos da presunção pater is est.” 2.2. OPOSIÇÃO AO RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO Dispõe o art. 1.614 do Código Civil que “o filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação”. O consentimento independe de forma especial. Poderá ser manifestado no reconhecimento feito por qualquer dos modos indicados no art. 1.609 do Código Civil, com exceção do efetuado por 4 testamento, mediante o comparecimento do filho maior ao ato de perfilhação no termo lavrado no Cartório do Registro Civil, na escritura pública, no escrito particular ou mesmo na manifestação feita perante a autoridade judicial. 3. RECONHECIMENTO JUDICIAL: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE O filho não reconhecido voluntariamente pode obter o reconhecimento judicial, forçado ou coativo, por meio da ação de investigação de paternidade, que é ação de estado, de natureza declaratória e imprescritível. Trata-se de direito personalíssimo e indisponível. Dispõe efetivamente o art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90): “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”. Os efeitos da sentença que declara a paternidade são os mesmos do reconhecimento voluntário e também “ex tunc”: retroagem à data do nascimento (CC, art. 1.616). Embora a ação seja imprescritível, os efeitos patrimoniais do estado da pessoa prescrevem. Por essa razão, preceitua a Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”. Esta prescreve em 10 (dez) anos (CC, art. 205), a contar não da morte do suposto pai, mas do momento em que foi reconhecida a paternidade. É que o prazo de prescrição somente se inicia quando surge o direito à ação, e este só nasce com o reconhecimento. A ação de investigação de paternidade é, assim, um indeclinável pressuposto para o ajuizamento da ação de petição de herança. Não corre contra o filho não reconhecido a prescrição da ação de petição de herança. Geralmente, essa ação é cumulada com a de investigação de paternidade, estando implícita a anulação da partilha, se já inventariados os bens. O pedido, no entanto, deverá ser expresso nesse sentido. Trata-se de ação que interessa ao espólio, devendo ser citados os herdeiros. Se o filho foi reconhecido e já completou dezesseis anos, o prazo prescricional começa a fluir da data da abertura da sucessão, pois não se pode litigar a respeito de herança de pessoa viva. Se ainda não alcançou essa idade, começa a correr somente na data em que a atingir (CC, art. 198, I). 3.1. LEGITIMIDADE PARA A AÇÃO A legitimidade ativa para o ajuizamento da ação de investigação de paternidade é do filho. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, por isso, a ação é privativa dele. Se menor, será representado pela mãe ou tutor. Se a mãe do investigante é menor, relativa ou absolutamente incapaz, poderá ser representada ou assistida por um dos seus genitores, ou por tutor nomeado especialmente para o ato, a pedido do Ministério Público, que zela pelos interesses do incapaz. A mãe natural, ainda que menor, exerce o poder familiar de filho menor não reconhecido pelo pai e, pois, representa-o nos atos da vida civil e pode, destarte, assistida por seu pai, intentar em nome do filho a ação investigatória de paternidade. Se o filho morrer antes de iniciá-la, seus herdeiros e sucessores ficarão inibidos para o ajuizamento, salvo se “ele morrer menor e incapaz” (CC, art. 1.606). Se já tiver sido iniciada, têm eles legitimação para “continuá-la, salvo se julgado extinto o processo” (art. 1.606, parágrafo único). 5 ►Hoje, a ação de investigação de paternidade pode ser ajuizada sem qualquer restrição (ECA, art. 27), isto é, por filhos outrora adulterinos e incestuosos, mesmo durante o casamento dos pais. Também tem legitimidade para propor ação de investigação de paternidade o MP, segundo disposições da Lei n. 8.560/92 que permite que a referida ação seja ajuizada pelo Ministério Público, na qualidade de parte, havendo elementos suficientes, quando o oficial do Registro Civil encaminhar ao juiz os dados sobre o suposto pai, fornecidos pela mãe ao registrar o filho (art. 2º, § 4º), ainda que o registro de nascimento tenha sido lavrado anteriormente à sua promulgação. Trata-se de legitimação extraordinária deferida aos membros do Parquet, na defesa dos interesses do investigando. O direito ao reconhecimento da paternidade é indisponível, pelo que não é possível à mãe ou tutora da menor desistir da ação já em curso. Se a ação é proposta pelo próprio investigante maior, eventual desistência por ele manifestada, embora válida, não resulta em renúncia ao direito à filiação. A legitimidade passiva recai no suposto pai ou na suposta mãe, dependendo de quem está sendo investigado. Se o demandado já for falecido, a ação deverá ser dirigida contra os seus herdeiros. Havendo descendentes ou ascendentes, o cônjuge do falecido não participará da ação, se não concorrer com estes à herança, salvo como representante de filho menor. Deverá a viúva ser citada como parte, todavia, sempre que for herdeira, seja por inexistirem descendentes e ascendentes (CC, art. 1.829, III), seja por concorrer com eles à herança (art. 1.829, I e II). O art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente menciona expressamente “os herdeiros” do suposto pai, mas referida ação pode ser contestada por qualquer pessoa “que justo interesse tenha” (CC, art. 1.615). A defesa pode, assim, ser apresentada pela mulher do investigado, pelos filhos havidos no casamento ou filhos reconhecidos anteriormente,bem como outros parentes sucessíveis, uma vez que a declaração do estado de filho repercute não apenas na relação entre as partes, mas pode atingir terceiros, como aquele que se considera o verdadeiro genitor, por exemplo. Se não houver herdeiros sucessíveis conhecidos, a ação deverá ser movida contra eventuais herdeiros, incertos e desconhecidos, citados por editais. Os legatários, por sua vez, figurarão no polo passivo, caso a herança venha a ser distribuída exclusivamente entre eles. Não se justifica, no entanto, a sua intervenção na demanda, se já há outros herdeiros e o legado não sofre redução, por ter sido respeitada a parte disponível, uma vez que os legados não sofrerão nenhuma diminuição com a procedência da ação investigatória da paternidade. Por outro lado, quando o filho reconhecido por terceiro move ação contra o alegado pai biológico, instaura-se um litisconsórcio passivo unitário e necessário, tendo em vista que a eventual procedência da pretensão acarretará o cancelamento do registro de nascimento em relação ao pai jurídico, que deve, assim, ser incluído no polo passivo. A sentença que julga procedente ação de investigação de paternidade faz coisa julgada também em relação aos demais filhos do investigado, ainda que só este tenha sido parte no processo. 3.2. FATOS QUE ADMITEM A INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE 6 A ação de investigação de paternidade pode ser ajuizada, sem restrição, por qualquer filho havido fora do casamento. O art. 363 do Código Civil de 1916 exigia a prova de um dos seguintes fatos: � a) que ao tempo da concepção sua mãe estivesse concubinada com o pretendido pai; � b) que a concepção coincidisse com o rapto de sua mãe pelo suposto pai, ou de suas relações sexuais com ela; � c) que existisse escrito daquele a quem se atribuía a paternidade, reconhecendo-a expressamente. Bastava a prova, pelo menor, de uma dessas hipóteses. A defesa apresentada pelo réu, em geral, era a negativa do fato. Se este, no entanto, estivesse provado, costumava-se opor a exceptio plurium concubentium (exceção do concubinato plúrimo), que consiste na alegação de que a mulher, à época da concepção, manteve relações sexuais com outro homem. Se tal alegação fosse comprovada, estava lançada a dúvida sobre a paternidade, e esta era suficiente para a improcedência da ação. O exame hematológico, quando não excluía a paternidade, significava apenas a possibilidade de o réu ser o pai, mas não a afirmava com certeza absoluta. Somente quando o resultado afastava a paternidade é que esta era excluída, de forma incontestável. Hoje, no entanto, com o exame de DNA, é possível afirmar-se a paternidade com um grau praticamente absoluto de certeza. A incerteza trazida aos autos pela exceção oposta pelo réu já não conduz, necessariamente, à improcedência da ação, pois mesmo comprovado o plurium concubentium, tal exame demonstrará, com elevado grau de certeza, quem é o verdadeiro pai. Por essa razão, o Código Civil de 2002 não especifica os casos em que cabe a investigação da paternidade. Poderá ser requerido, assim, como único meio de prova, o exame hematológico. Continuam, todavia, válidos os demais meios de prova disponíveis no diploma processual civil para a determinação da paternidade, que poderão ser utilizados quando o exame hematológico não puder ser realizado por alguma razão, ou para corroborar a certeza científica. ►►É necessário frisar que ninguém pode ser constrangido a fornecer amostras do seu sangue para a realização da prova pericial. No entanto, a negativa do réu pode levar o juiz, a quem a prova é endereçada, a interpretá-la de forma desfavorável àquele, máxime havendo outros elementos indiciários. A propósito, preceitua o art. 231 do Código Civil: “Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”. Complementa o art. 232: “A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”. Nesse sentido, a Súmula 301 do STJ: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. A presunção que resulta da recusa do réu em se submeter ao exame hematológico não deve, todavia, ser tida como absoluta, merecendo ser desconsiderada quando contrariar outros elementos indiciários constantes dos autos, como a não comprovação das relações sexuais com a mãe do investigante e a farta demonstração da exceptio plurium concubentium por viver esta na zona do meretrício. 7 A propósito, a Lei n. 12.004, de 29 de julho de 2009, mandou acrescer à Lei n. 8.560, de 29 de dezembro de 1992, o art. 2º-A, cujo parágrafo único assim dispõe: “A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético — DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório”. Nesse sentido decidiu o STF, reconhecendo a repercussão geral do tema, porém restringindo sua abrangência a casos de investigação de paternidade, sem generalizá-la. Na discussão sobre o reconhecimento da repercussão geral, a referida Corte decidiu relativizar a tese da intangibilidade da coisa julgada, ao cotejar o disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que prevê que a lei não poderá prejudicar a coisa julgada, com o art. 1º, III, do mesmo diploma, que consagra o princípio da dignidade da pessoa humana, conferindo-lhe o direito à verdade real. Reconheceu-se, assim, o direito do filho de saber quem era seu pai. Na hipótese, a ação de investigação de paternidade fora julgada improcedente por insuficiência de provas, sem ter sido realizado o exame de DNA. Mesmo quando a paternidade é reconhecida expressamente em sentença transitada em julgado, tem a jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, admitido o ajuizamento de ação rescisória, considerando “documento novo capaz por si só de lhe assegurar pronunciamento favorável”, nos termos do art. 485, VII, do Código de Processo Civil, o laudo de DNA, ainda que o exame tenha sido realizado posteriormente à investigação de paternidade, uma vez que revela prova existente, mas desconhecida até então. O magistério de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS assinala que não se consideram acobertadas com o manto de coisa julgada “ações nas quais não foram exauridos todos os meios de provas, inclusive científicos (como o DNA), seja por falta de condições das partes interessadas, por incúria dos advogados, por inércia do Estado-Juiz. Em outras palavras não faz coisa julgada material a decisão judicial em ações filiatórias nas quais não se produziu a pesquisa genética adequada, seja por que motivo for”. Engrossando a fileira, preleciona CÂNDIDO DINAMARCO que a relativização da coisa julgada deve aplicar-se também “a todos os casos de ações de investigação de paternidade julgadas procedentes ou improcedentes antes do advento dos modernos testes imunológicos (HLA, DNA), porque do contrário a coisa julgada estaria privando alguém de ter como pai aquele que realmente o é, ou impondo a alguém um suposto filho que realmente não o é...”. ►►Registre-se a tramitação, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei n. 116/2001, de autoria do Senador WALMIR AMARAL, propondo que o art. 8º da Lei n. 8.560/92 passe a ter o seguinte parágrafo único: “A ação de investigação de paternidade, realizada sem a prova do pareamento cromossômico (DNA), não faz coisa julgada”. 3.3. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE MATERNIDADE A ação de investigação de maternidade, embora rara, uma vez que “mater semper certa est”, é reconhecida ao filho, que pode endereçá-la contra a mãe ou seus herdeiros, pois os arts. 1.606 e 1.616 do Código Civil não fazem nenhuma distinção ou limitação à investigação da filiação. 3.4. MEIOS DE PROVA Todos os meios de prova são admissíveis nas ações defiliação, especialmente as biológicas, consideradas hoje as mais importantes. Já vai longe o tempo em que O exame de DNA é hoje, sem dúvida, a prova central, a prova mestra na investigação filial, chegando a um resultado matemático superior a 99,9999%. Faz-se mister, no entanto, que seja realizado com todos os cuidados recomendáveis, não só no tocante à escolha de laboratório idôneo e competente, dotado de profissionais com habilitação específica, como também na coleta do material. 8 É fundamental que tal coleta seja acompanhada pelos assistentes técnicos indicados pelas partes e o material bem conservado e perfeitamente identificado. Se tais cautelas não forem tomadas o laudo pode ser impugnado, dada a possibilidade de erro. Malgrado a prova pericial genética não seja o único meio idôneo de prova nas ações em apreço, nem constitua prova inconteste, deve o juiz determinar a sua realização, ainda que de ofício, dada a sua precisão e elevado grau de acerto. O STJ em decisão sobre a valoração da prova nas ações de investigação de paternidade, enfatizou: “Diante do grau de precisão alcançado pelos métodos científicos de investigação de paternidade com fulcro na análise do DNA, a valoração da prova pericial com os demais meios de prova admitidos em direito deve observar os seguintes critérios: � se o exame de DNA contradiz as demais provas produzidas, não se deve afastar a conclusão do laudo, mas converter o julgamento em diligência, a fim de que novo teste de DNA seja produzido, em laboratório diverso, com o fito de assim minimizar a possibilidade de erro resultante seja da técnica em si, seja da falibilidade humana na coleta e manuseio do material necessário ao exame; � b) se o segundo teste de DNA corroborar a conclusão do primeiro, devem ser afastadas as demais provas produzidas, a fim de se acolher a direção indicada nos laudos periciais; e � c) se o segundo teste de DNA contradiz o primeiro laudo, deve o pedido ser apreciado em atenção às demais provas produzidas”. Assinala o médico e perito judicial JOÃO LÉLIO PEAKE DE MATTOS FILHO que, “em se tratando de indivíduo vivo, a melhor fonte de DNA é o sangue, mesmo em pequena quantidade (2,5ml, não mais). Uma simples coleta de sangue, então, é adequada para fornecer material para o teste. Outros materiais (cabelo, unhas) são imprestáveis, pois trata-se de tecidos desvitalizados, desprovidos de DNA para este tipo de análise”. Aduz o mencionado experto que “o exame do DNA, devido ao insuperável polimorfismo de seus marcadores, tem-se mostrado de grande utilidade, mesmo quando não dispomos do suposto pai”. Na investigação de paternidade com suposto pai falecido, acrescenta, o primeiro e preferencial caminho é estudar a prole do investigando, pois “é plenamente possível, através de estudo dos descendentes, chegarmos à reconstituição dos alelos paternos (denominada de reconstrução reversa da árvore genealógica) e, desta forma, compará-los com os alelos de origem paterna do reclamante da paternidade. O respaldo deste procedimento, em termos de suporte bibliográfico, é bastante sólido”. Na falta de descendentes, podem ser estudados os ascendentes (pais, avós) e irmãos. A outra forma de abordagem, segundo o citado médico especialista, “é pela exumação do suposto pai e posterior tentativa de encontrar DNA viável para o estudo. Vários fatores colaboram para a dificuldade do isolamento do DNA, nestas condições (decomposição do material biológico post mortem, fatores físicos — temperatura, umidade, condições de luminosidade — e contaminação por bactérias saprófitas), embora existam alguns relatos de sucesso”. Relata o ilustre expositor ter participado de um caso em que foi necessária a exumação, tendo a probabilidade de paternidade encontrada sido de 99,71%. Este procedimento, continua o especialista, deve ser considerado como exceção, reservando-o para eventualidades onde não existam quaisquer parentes vivos do suposto pai falecido. “Desde que a exumação seja o único meio de tentar elucidar o caso, aconselhamos que sejam obtidos ossos longos (ex.: fêmur, tíbia, ulna etc.), pois o DNA a ser isolado encontra-se no interior destes ossos (mais precisamente na medula óssea)”. A prova pericial genética, embora importante, não é o único meio hábil para a comprovação da filiação, mesmo porque nem sempre se torna possível a sua realização. 9 Tem-se decidido, por essa razão, que, “diante da ausência do exame de DNA, admitem-se outros tipos probatórios, como o documental e o testemunhal”. Tais provas servem ainda para corroborar a prova técnica, reforçando a certeza científica, ou para contradizê-la, exigindo a realização de novo exame, em laboratório diverso. Assentou o STJ, efetivamente, que a presunção relativa decorrente da recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de DNA, nas ações de investigação de paternidade, não pode ser estendida aos descendentes, por se tratar de direito personalíssimo e indisponível, enfatizando que “a recusa do descendente, quando no polo passivo da ação de investigação de paternidade, em ceder tecido humano para a realização de exame pericial, não se reveste de presunção relativa e nem lhe impõe o ônus de formar robusto acervo probatório que desconstitua tal presunção”. Não são descartados os casos permissivos da investigação da paternidade previstos no art. 363 do Código Civil de 1916, embora não elencados no novo diploma como numerus clausus. Assim, a existência de concubinato (CC, art. 1.727) e de união estável (art. 1.723), com vida em comum, sob o mesmo teto ou não, representa importante prova na determinação da paternidade. O rapto, por meio do qual a mulher é subtraída de seu lar mediante violência, fraude, sedução ou emboscada, desde que houvesse coincidência com o período da concepção, conduzia à presunção de que o filho provinha das relações com o raptor, uma vez que este objetivava tais relações. Malgrado o Código de 2002 não tenha recepcionado o preceito como fundamento suficiente para a ação investigatória, a aludida coincidência pode configurar subsídio relevante para a formação da convicção do juiz, especialmente quando aliado a outras circunstâncias fáticas. A existência de relações sexuais entre a mãe do investigante e o suposto pai, no período da concepção, também mencionada no citado art. 363 do Código de 1916, é de difícil prova, uma vez que costumam ocorrer às escondidas. A jurisprudência admite, contudo, tal meio, mesmo sem a prova direta, prestigiando as declarações da genitora do investigante, desde que se trate de pessoa recatada e de boa conduta. Qualquer escrito particular emanado do pai constituía começo de prova, para fins de investigação de paternidade. Não valia como reconhecimento definitivo, constituindo somente fundamento legal para o ajuizamento da ação investigatória. O art. 1.609, II, do Código Civil de 2002 incluiu o “escrito particular, a ser arquivado em cartório”, como um dos modos de reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento, que vale por si, independentemente de qualquer outra providência. Inexistindo nos autos a prova pericial capaz de propiciar certeza quase absoluta do vínculo de parentesco, é firme a jurisprudência no sentido de admitir “indícios e presunções, desde que robustos, fortes e convincentes para comprovar a paternidade”. ►►A prova testemunhal é admitida com cautela e restrições nas ações de investigação de paternidade, dada sua falibilidade. O art. 405, § 2º, I, do Código de Processo Civil admite nas aludidas ações, que dizem respeito ao estado das pessoas, o testemunho do cônjuge, bem como do ascendente e do descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, se “não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz reputenecessária ao julgamento do mérito”. ►►A posse do estado de filho constitui, todavia, “prova adminicular, que apenas completa ou reforça outros meios probantes. 10 4. EFEITOS DO RECONHECIMENTO DOS FILHOS HAVIDOS FORA DO CASAMENTO O reconhecimento produz efeitos de natureza patrimonial e de cunho moral. O principal deles é estabelecer a relação jurídica de parentesco entre pai e filho. Embora se produzam a partir do momento de sua realização, são, porém, retroativos ou retro- operantes (ex tunc), gerando as suas consequências, não da data do ato, mas retroagindo “até o dia do nascimento do filho, ou mesmo de sua concepção, se isto condisser com seus interesses”. O efeito retro-operante tem por limite, todavia, as situações jurídicas definitivamente constituídas, encontrando embaraço em face de direitos de terceiros, pela proteção legal concedida a certas situações concretas. O reconhecimento, pois, quer voluntário, quer judicial, tem um efeito declarativo apenas, não atributivo, só fazendo constar o que já existe, retroagindo até a data presumível da concepção e dando direito de concorrer às sucessões abertas anteriormente à sentença. A retroatividade do estabelecimento da filiação tem sua aplicação mais importante, com efeito, sob o ângulo patrimonial, no âmbito do direito sucessório, pois “o filho que obteve o reconhecimento de seu estado quando seu pai já havia falecido, nem pelo atraso no estabelecimento da filiação deixa de ser herdeiro dele; e herdeiro em igualdade de condições com os demais filhos, se existirem, e que já estavam registrados antes”. ►►Com o reconhecimento, o filho ingressa na família do genitor e passa a usar o sobrenome deste. O registro de nascimento deve ser, pois, alterado, para que dele venham a constar os dados atualizados sobre sua ascendência. ►►Se menor, sujeita-se ao poder familiar, ficando os pais submetidos ao dever de sustentá-lo, de tê-lo sob sua guarda e de educá-lo (CC, art. 1.566, IV). ►►Entre o pai e o filho reconhecido há direitos recíprocos aos alimentos (CC, art. 1.696) e à sucessão (art. 1.829, I e II). Malgrado adstrito ao poder familiar, “o filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro” (CC, art. 1.611). O art. 15 do Decreto-Lei n. 3.200/41 determina que, nesse caso, todavia, caberá ao pai ou à mãe prestar ao filho reconhecido, fora do lar, idêntico tratamento ao que dispensa ao filho havido no casamento, se o tiver, correspondente à condição social em que viva. A regra em apreço encontra-se em harmonia com o princípio da absoluta igualdade entre os filhos, estatuído no art. 227, § 6º, da Constituição Federal e no art. 1.596 do Código Civil de 2002. “O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob a de quem melhor atender aos interesses do menor” (CC, art. 1.612). Na hipótese de ambos os genitores reconhecerem o menor, aquele que não detiver a guarda não deixará de ter o poder familiar, cabendo-lhe o direito de visitar e ter o filho em sua companhia, fiscalizar sua educação e demais direitos e deveres daí decorrentes. Proclama o art. 1.609 do Código Civil, como já foi dito, que “o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável”. A irrevogabilidade não se confunde, todavia, com a anulabilidade do ato, que pode ser arguida pelo reconhecente ou seus herdeiros, sob fundamento de qualquer dos defeitos que maculam os atos jurídicos. 11 Será admitida a ação anulatória de reconhecimento sempre que se verificar a sua desconformidade com a verdadeira filiação biológica, pois, como preceitua o art. 113 da Lei dos Registros Públicos, “as questões de filiação legítima ou ilegítima serão decididas em processo contencioso para anulação ou reforma do assento”. Assim, provando-se a falsidade ideológica do registro de reconhecimento de paternidade não presumida, poderá ser-lhe alterado e retificado o conteúdo, como se extrai do disposto no art. 1.604 do Código Civil, verbis: “Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro Dispõe o art. 1.616 do Código Civil, por fim, que “a sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade”. O dispositivo permite, portanto, que, em nome do melhor interesse da criança, ela possa permanecer na companhia de quem a acolheu e criou.
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