Buscar

VAUCHEZ - EspiritualidadeIdadeMedia

Prévia do material em texto

-
f
i
!
1
I
!
) i
) l
t'
) tl) f
) i(
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
-... )
I
---i
André Vauchez
A espiritualidade
na Idade Média ocidental
(séculos VIII a XIII)
Tradução:
Lucy Magalhães
Jorge Zahar Editor
Rio de Janeiro
-qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1. Y . Congar, "D eux facteurs de sacralisation de Ia vie sociale au M oyen Age
(en Occident)",MLKJIHGFEDCBAC o n c il iu m , 47, 1969, p .53-63.
2 . E . D elaruelle , "La Gaule chrétienne à l'époque franque", R e o u e d 'H is to ir e
d e l 'E g lis e d e F ra n c e , 38, 1952, p .64-72.
3 .]. Chélin i, "La pratique dom inicale dans I'Eglise franque", R e o u e d 'H is -
to ir e d e l 'E g lis e d e F ra n c e , 42, 1956, p . 161-74.
4 .]. -A Jungm ann, M is sa rum S o llem n ia ; Paris, 1964, t. 1, p.106-26.
5 . E . D elaruelle , 'Jonasd 'O rléans et le m oralism e carolingien", B u lle t in d e
L it té r a tu r e e c c lé s ia s t iq u e , 55,1954, p .129-43.
6 . D huoda, M a n u e l p o u r m o n fils, Paris, ed . P . R iché, B . de V regille , C .
M ondésert, Paris, 1991 (" S o u r c e s c h r é t ie n n e s " , 225 0 0 ) .
7. C . Vogel, L e P é c h e u r e t ta P é n ite n c e a u M a y e n A g e , Paris, 1966, principal-
m ente p .15-27.
8 . G . Le B ras, Les pénitentiels irlandais, in L e M ira c le ir la n d a is , Paris, 1956
p.172-207.
9 . N um erosos testem unhos em P. R iché, L a o ie q u o tid ie n n e d a n s l 'E m p ite
c a ro l ig ie n , Paris, 1973, p .215-226.
10 . Textos traduzidos por C . Vogel, op .cit., p .87 .
11 . Ib id ., p. 89.
12. C f. A Franz, D ie k ir c h l ic h e n B e n e d ik t io n e n im M iu e la l te r , 2 vol., 12 1909.
13. C . H eitz, R e c h e r c h e s s u r le s r a p p o r ts e n tr e a r c h i te c tu r e e t l i tu r g ie à l 'é p o q u e
c a ro l in g ie n n e , Paris, 1963, p .245.
14 . C . Leonardi, Spiritualità d i Ambrogio Autperto , S tu d i M e d ie u a li , 3ª série ,
9 ,1968, p .I-131. '
"
~' ..•
30 A E sp ir i tu a l id a d e n a Id a d e M éd ia O c id e n ta l
relação com o divino . A descoberta do C risto histórico , a valori-
zação da vida m oral, a im portância dada aos ritos e aos gestos
constituem os fundam entos de um a espiritualidade que desabro-
charia plenam ente nos séculos seguin tes.
NOTAS
)
)
) II)
I
li!II) 1,;.,.:1) ':::J~ .
)
)
)
~
I
") .iti
I::
~l
)
CA .PÍTULO II
A Idade Monástica e Feudal
( f in a l s é c . X - s é c . X I )
No plano político , as décadas que cercam o ano m il foram
marcadas pela dissolução, m ais ou m enos rápida segundo as
regiões, do sistem a político carolíngio e pela em ergência das
novas institu ições feudo-vassálicas.E las correspondiam aproxim a-
dam ente ao que M arc B loch chamou "a prim eira idade feudal".
N o campo relig ioso , essa época pode sercãiãcterizada peIa in-
fluência crescente exerci da pela espiritualidade m onástica sobre
o conjunto do povo cristão . A s duas ordens de fatos se relacionam .
A Igreja dos tem pos carolíngios era um a Igreja antes de tudo
~r, d irig ida pelo soberano e pelos bispos, que tinham auto-
ridade sobre os m onges no interior de suas dioceses. D epois das
grandes alterações produzidas no Ocidente entre o fim do século
IX e m eados do século X , a or4 .ern-sacéU lotal caiu em profunda
decadência. O processo de secularização,já in iciado no século IX ,
se acelerou com a ascensão do feudalism o. O s patrim ônios ecle-
siásticos foram muitas vezes dilapidados pelos prelados corruptos
ou roubados por leigos invejosos, e o gênero de vida dos cl.ü igos
se aproxim ou cada vez m ais daquele levado pelos 1~~Q§.O riundos
dos m eios aristocráticos e conquistando seus cargos através de
influências antes de tudo políticas e econôm icas, a m aioria dos
bispos viv iam como grandes senhores e se comportavam mais
como potentados do que como hom ens de Igreja. A o m esmo
tem po em que conservavam um a certa dignidade moral- com o
aconteceu muitas vezes no Im pério , no tem po da dinastia o tonia-
31
-
32 A Espiritualidade na Idade Média OcidentalnmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
na - eles se deixavam dom inar pelas tarefas de gestão das suas
questões tem porais e pelas reponsab ilidades po líticas que os
soberanos e os nobres lhes confiavam . O clero ru ra l, constitu ído
em grande parte por seIVOSlibertos para serem m in istros do cu l to
nas ig re jas constru ídas por seus senhores, não brilhava nem pelos
costum es nem pela instrução . M uitos padres eram casados ou
v iv iam m arita lm en te . A maioria deles exercia p ro fissões: nos
cam pos, trabalhavam as terras que fo rm avam a dotação fund iária
da ig re ja paroqu ia l e v iv iam m istu rados aos cam poneses. N as
cidades, com o se v ia por exem plo em M ilão , em m eados do sécu lo
X I, e les se ded icavam a todo tipo de ativ idades pro fanas, com o o
tráfico de d inheiro , o jogo , a caça etc . O program a de v ida com um
im posto ao clero urbano pelos refo rm adores caro líng ios não fo i
com pletam ente abandonado , m as em m uitos lugares a d isc ip lina
com unitária fo i consideravelm en te re laxada.
O s m oste iros tam bém foram ating idos por essa evo lução .
M uitos deles, confiados a abades le igos ou exp lo rados por adm i-
n istradores sem escrúpu los, não escaparam à decadência . M as fo i
m ais um a vez om onaqu ism o que resistiu m elhor a essa crise grave,
que am eaçava a própria ex istência da Ig reja com o risco de
d isso lução , sim ultaneam ente pela secu larização do clero e pela
d ifusão do sistem a da ig re ja p rivada. N o coração das Dark Ages,
abad ias com o Sain t-G all, o M onte C assino ou Sain t-R iqu ier conse-
gu iram m anter na m edida do possível um a observância regu lar e
um a digna celebração do cu lto d iv ino . O s m onges fo ram , de
qualquer fo rm a, os prim eiros a se recuperar: na Borgonha, com
C luny fundado em 909 , na Lorena onde G orze (a partir de 933)
e B rogne (por vo lta .de 950) fo ram cen tros ativos de .renovaçâo j
na Ing la terra , en fim , onde os esfo rços de são E thelw old resu lta- .
ram v porvo lta de 970 , na prom ulgação da Regulam concordia; a
constitu ição do m onaqu ism o insu lar.un ificado e refo rm ado . D e-
po is do ano m il, o m ovim ento se estendeu para a Europa m eri-
d ional: São V íto r de M arselha tom ou-se o cen tro de um a im por-
tan te federação m onástica , que se irrad iou até a Itá lia , enquan to
que, sob a in fluência da abad ia de F ru ttuaria , perto de Turim , as
corren tes refo rm adoras penetraram nos países germ ânicos, a tra-
vés de são B laise e de S iegburg . Fato no tável, esses m ovim entos
não proced iam de um a vontade do poder cen tra l, com o acon te-
cera nas refo rm as relig iosas da época caro líng ia . A volta ao an tigo
fervor não fo i conseqüência de um program a adm in istra tivo de
,f
§
r) IIlí
I
'I~)
.~
li
) .~l
it,' !
)
1)
I)
i) I
) I)
) I
)
)
)
)
•)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
I
I
I
I
A I Idi.' Monástica e Feudal 33
reo rgan iz :ação ,.m as; a expressão das asp irações pro fundas da
sociedade m onástica a uma renovação esp iritual.
É sign ifica tivoqne 'r em m uitos casos, esses m oste iros tenham
sido fundados ou refo rm ados por in ic ia tiva de b ispos ou de
nobres le igos. Todos os, cristãos desse tem po estavam efetiva-
m ente convencidos da em inen te d ign idade do m onaqu ism o e de
sua superio ridade em relação aos ou tros estados de v ida . Em um a
época em que constru ir um a igreja era considerado com o o ato
m ais m eritó rio . parecia particu larm ente ind icado insta lar nela
um a com unidade relig iosa cu ja precefosse agradável a D eus. A
essas;m otivações de ordem esp iritual acrescen tavam -se ou tras,
ligadas às cond ições da v ida po líticae socia l, no O ciden te pós-ca-
ro ling ,io . N o tem po de Carlos M agno e de seus sucessores im ed ia-
to s. a posse e a fundação dos m oste iros eram um dos atribu tos dos
soberanos .. N as abad ias reais ou im peria is, com o Sain t-D en is,
Farfa ou Fu l~ rezav .t-Se por eles. O s chefes dos principados
terríto ria ís que se ed ifiG ll'a ID ,a partir do sécu lo X , sobre as ru ínas
do . 'Im pério caro líng io re tom aram . para si, com todas as ou tras,
essa prerrogativa real: naN onnand ia , ern F landres e na C atalunha
ou no ducado de Bénêeen t, agucram -se en tão im ponen tes m os-
I te iros, a testando aos o lhos de todos o poder d~s_ j~~ <!2~._condes desde en tão au tônom os, .'(-------
. Por on tro Iado , a novasociedade que se ed ificava no âm bito
feudalado toua ideo log ia das trêsfunçôes, das quais se encon tram
as prim eiras m enções na Idade M édia , p recisam ente no sécu lo X .
Segundo O ' b ispo A dalberon , de Laon , que deu , no in íc io do
sécu lo X I. um a form ulação particu larm ente clara dessa v isão de
CO~lW tO ' das re lações en tre 05 grupos socia is, o povo cristão é uno
aos o lhos de D eus, em virtude do batism o receb ido por todos; m as
se nos referirm os à organ ização da cidade terrestre , e le com -
preende de fato três "ordens": ~~._(l?5,.I,~~~~j_.?~~~~f~,
que com batem ; e 05 laboratores; que trabalham . C ada um desses
grupos cum pre um --;;11 inÇ iõespeC ífíêã ,nenhum deles pode sub-
sistir sem os ou tros. N essa sociedade so lidária , fundada sobre a
tripartição funcional, o clero ocupava um a posição priv ileg iada;
de fa to , e le era nom eado em prim eiro lugar, o que era sinal de
um a prim azia de honra . M as, na nossa perspectiva , é m ais in teres-
san te observar que essa classificaçãoconsagra a u tilidade socia l da
prece , ind ispensável para assegurar a sobrev ivência e a salvação
do m undo . Em bora as suas prim eiras fo rm ulações se encon trem
I
__ 1
-
)
) i,
)
)
)
)
)
)
)
)
)
. /
)
. /
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
34 A Espiritualidade na Idade Média Ocidental
/
e m te x to s r e d ig id o s p e lo s b i s p o s , o e s q u e m a t r i p a r t i t e d e v i a
f a v o r e c e r p r i n c ip a lm e n t e o s m o n g e s q u e , a o s o lh o s d o s h o m e n s
d a q u e l e t e m p o , e r a m o s q u e r e z a v a m m a i s e m e lh o r . N a m e d id a
e m q u e c o n s t i t u í a c o m o ardo o s e s p e c i a l i s t a s d a p r e c e , e s s a t a x i -
n o m ia r e f l e t e u m a d a s t e n d ê n c i a s c a r a c t e r í s t i c a s d a m e n t a l i d a d e
d o t e m p o , q u e c o n s i s t i a e m f a z e r d o r e l i g io s o u m a c a t e g o r i a à
p a r t e , s i t u a d a f o r a d a v id a p r o f a n a . O s v e r d a d e i r o s viri religiosi
e r a m o s c r i s t ã o s q u e v iv i a m f o r a d o m u n d o e s e s a n t i f i c a v a m
d a n d o g r a ç a s e lo u v o r a D e u s . N a é p o c a f e u d a l , o s p r i n c ip a i s
n ú c l e o s e s p i r i t u a i s d o O c id e n t e f o r a m c o m u n id a d e s d e h o m e n s
e m u lh e r e s q u e p r a t i c a v a m ju n to s o c r i s t i a n i s m o e m u m g r a u d e
p e r f e i ç ã o in a c e s s í v e l a o c o m u m d o s f i é i s . D o r a v a n t e , e a t é o s é c u lo
X I I I , t o d o s o s m o v im e n to s e s p i r i t u a i s n o s e io d a I g r e j a t e r i a m
c o m o p o n to d e p a r t i d a o u d e c h e g a d a a f u n d a ç ã o d e o r d e n s
r e l i g io s a s . ;
O e s q u e m a t r i p a r t i t e n ã o v a lo r i z a v a a p e n a s a f u n ç ã o d e
o r a ç ã o ; d i s t i n g u i a t a m b é m , n o s e io d o s l e i g o s , d u a s .c a t e g o r i a s
\ d i f e r e n t e s : o s g u e r r e i r o s e o s t r a b a lh a d o r e s , o u , p a r a f a l a r e m
:~ '. f u n ç ã o d a s - r e a l i d a d e s s o c i a i s d o t e m p o , o s s e n h o r e s e o s c a m p o -
'. \ n e s e s . O f a to d e q u e o s p r im e i r o s f o s s e m n o m e a d o s n a h i e r a r q u i a
d a s f u n ç õ e s a n t e s d o s s e g u n d o s n ã o é a b s o lu t a m e n t e f o r t u i t o .
E s s a c l a s s i f i c a ç ã o c o n f i rm a q u e s e Ii'a, s o c i e d a d e c r i s t ã d a é p o c a
f e u d a l o s c l é r i g o s v in h a m a n t e s d o s l e i g o s , e n t r e e s t e s ú l t im o s o s
s e n h o r e s p r e c e d i a m o s s e u s h o m e n s . P r e c e d ê n c i a q u e n ã o e r a d e
m o d o a lg u m te ó r i c a , p o i s o s p o d e r o s o s d e s t e m u n d o g o z a v a m d e
u m a p o s i ç ã o p r iv i l e g i a d a n a I g r e j a , t a n to d u r a n t e a v id a , p a r a
a c o m p a n h a r a m i s s a , q u a n to d e p o i s d a m o r t e , p a r a o s e u s e p u l -
t a m e n to . E o p a d r e n ã o v in h a , a c a d a d o m in g - o , n o f im d o o f í c i o ,
' · '~ p ~ e s ~ n t a r o ,5 ? m O r~ :p a I < l : s ~ r ,~ ~ U a C l< > ,p ~ 1 ~ .~ ,e r . t ~ ~ rd o l~ g 'a r ? ~ a i s
, 'o p r ô f t i i í d a in e n i ê , : a S a t í 'r u d e s r ê 'l i g i 6 s â S f u n d a m e n ta i s f o r a m I l ) .a 'i : -
c a d a s p e l a in f l u ê n c i a d a c l a s s e f e u d a l q u e , a t é n o d o m ín io e s -
p i r i t u a l , im p ô s o s s e u s m o d e lo s a o c o n ju n to d a s o c i e d a d e . O
p r ó p r io g e s to d a p r e c e - a s m ã o s u n id a s - , q u e s e g e n e r a l i z o u
e n t r e o s s é c u lo s X e X I I , r e p r o d u z o d o v a s s a lo q u e p r e s t a h o m e n a -
g e m a o s e u s e n h o r . Q u a n to a o r i t u a l d e in v e s t i d u r a e p i s c o p a l o u
a b a c i a l , e s t e s e a p r o x im a a t a l p o n to d o r i t u a l d e in v e s t i d u r a d o
f e u d o q u e a c a b o u - s e p o r a s s im i l a r a p r im e i r a à s e g u n d a .
S e a a r i s t o c r a c i a l e i g a s e d i s t i n g u i a n i t i d a m e n t e d a m a s s a d o s
t r a b a lh a d o r e s , e m c o n t r a p a r t i d a e l a ,v iv e u -e m e s t r e i t a s im b io s e
c o m o c l e r o e p r i n c ip a lm e n t e c o m o s m o n g e s . S e n h o r e s e r e l í g io -
\
t ,
j
I
~.
A Idade Monástica e Feudal 3 5
s o s t i n h a m e m c o m u m o f a to d e q u e e r a m o s d o n o s d o s o lo e n ã o
t r a b a lh a v a m c o m s u a s p r ó p r i a s m ã o s . P o r o u t r o l a d o , a m a io r i a
d o s m o n g e s c o r i s t a s e r a m o r iu n d o s d e f a m í l i a s n o b r e s : e m m u i to s
m o s t e i r o s , o s f i l h o s o f e r e c id o s p o r s e u s p a i s - o s o b l a to s - s ó
e r a m a c e i t o s s e t i v e s s e m u m d o te ; a l é m d i s s o , p a r a s a b e r l e r e m
la t im , e r a p r e c i s o t e r e s t u d a d o , o q u e s ó e r a p o s s ív e l n a q u e l a
é p o c a - c o m i lu s t r e s e x c e ç õ e s - n o a m b ie n t e s e n h o r i a l . A s s im ,
a b a d i a s e m o s t e i r o s f o r a m r e f ú g io s p a r a o s f i l h o s e f i l h a s m a i s
n o v o s d a s l i n h a g e n s a r i s t o c r á t i c a s , q u e e n c o n t r a r a m n a in s t i t u i -
ç ã o m o n á s t i c a u m a s o lu ç ã o p a r a s e u s p r o b l e m a s d e s u c e s s ã o .
E n f im , a I g r e j a c o n s id e r a v a q u e a n o b r e z a d o s a n g u e c o n f e r i a u m
p r e s t í g io s a c r o e , c r i a v a u m a p r e d i s p o s i ç ã o n a tu r a l p a r a a s a n t i -
d a d e : " a q u e l e s q u e s ã o b e m - n a s c id o s t ê m p o u c a c h a n c e d e d e g e -
'n e r a r " , e s c r e v i a .u m c r o n i s t a m o n á s t i c o d o s é c u lo X I . I P o r to d o s
e s s e s s i n a i s , m e d e m - s e o s l a ç o s e s t r e i t o s q u e u n i a m o ' m e io s e -
n h o r i a l e o m u n d o d o s c l a u s t r o s . D e s s e e n co n t r o , n a s c e u u m a !
e s p í r i t u a l i d a d e s im u l t a n e a m e n t e m o n á s t i c a e f e u d a l , q u e m a r c o u
a v id a r e l i g io s a d a s o c i e d a d e o c id e n t a l d e m a n e i r a e x c lu s iv a a t é o
c o m e ç o d o s é c u lo X I I , e c u jo s e f e i t o s s e f a r i a m s e n t i r a t é o f im d a
I d a d e M é d ia . ' .
1 . A e s p i r i t u a l i d a d e m o n á s t i c a
N o s s é c u lo s X e X I , t o d o s o s m o n g e s d o O c id e n t e s e g u i a m a r e g r a
d e s ã o B e n to , d e m o d o q u e e r a p o s s ív e l f a l a r d o m o n a q u i s r n o
c o m o d e u m a e n t i d a d e . N a p r á t i c a , i s s o n ã o e x c lu í a u m a c e r t a i
f l e x ib i l i d a d e , a t é m e sm o u m a r e l a t i v a d iv e r s i d a d e , d e u m a a b a d i a
p a r a o u t r a , s e n d o a a d a p t a ç ã o d a - r e g r a - à s c o n d i ç õ e s lo c a i s e . .à s
i n t e n ç õ e s . d o s f u n d a d o r e s a s s e g u r < id á p o ~ t r a d i ç õ e s q u e d i r i g i a m
c o n c r e t a m e n t e a e x i s t ê n c i a c o t i d i a n a . M a s e r a a r e g r a b e n e d i t i n a ,
v e n e r a d a e in to c á v e l , q u e f i x a v a o s g r a n d e s p r i n c íp io s e a s f o rm a s
d a v id a r e l i g io s a . E s s e m o n o l i t i s m o , im p o s to p e l a l e g i s l a ç ã o c a r o -
l í n g i a ; e s t a v a p e r f e i t a m e n t e a d a p t a d o a u m a s o c i e d a d e a in d a
s im p le s e e s t á t i c a .
a) Prece e liturgia: o exemplo de Cluny
A f a s c in a ç ã o e x e r c id a p e l a v id a e p e l a e s p i r i t u a l i d a d e m o n á s t i c a s
é c o m p r e e n s ív e l e m u m a c iv i l i z a ç ã o p a r a a q u a l o a to r e l i g io s o
-
)
•
1 :
jlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1
i
!
~,
I
'1
J
:!
I
.~
k
)
~
)
)
)
.J
)
i
~
36CBA A E sp ir i tu a l id a d e n a Idade M éd ia O c id e n ta l
po r exce lênc ia e ra o cu lto p res tado a D eus. C om o escreve M arc
B loch , "nessa soc iedade cris tã nenhum a função de in te resse Co-
le tivo parec ia m ais ind ispen sáve l do que a dos o rgan ism os es-
p iritu a is . N ão nos enganem os: enquan to esp iritu a is . O pape l
ca rita tivo , cu ltu ra l, econôm ico dos g randes cap ítu lo s ca ted ra is
e do s m oste iro s pode te r s ido con sid e ráve l. A os o lho s do s con tem -
po râneo s; e le e ra apenas ' acessó rio 't.ê V erdade ira fo rta leza da
p rece , o m oste iro e ra o lugar po r exce lênc ia onde D eus era
ado rado .
. N em sem pre fo i ass im , e o p róp rio são B en to não a tribu íra
um lugar p riv ileg iado à v ida litú rg ica . S egundo e le , o m onge era
an tes de tudo um pen iten te , en trando na v ida re lig io sa para
cho ra r o s seu s pecado s e co loca r-se sob a d ireção esp iritu a l do
abade . F o i na época caro líng ia , p a rticu la rm en te com B eno it
d 'A n iane , que a função de o ração se to rnou p reponderan te no
m onaqu ism o . C oube à p rim eira id ade feuda l, e em particu la r a
C luny , leva r essa tendênc ia a té suas con seqüênc ias ex trem as.
F undado em 910 pe lo abade B ernon , com o concu rso do duque
G u ilh e rm e de A qu itân ia , e sse m oste iro da B o rgonha não ta rda ria
a estendera sua in flu ênc ia a boa parte do O ciden te , d a Ing la te rra
à Itá lia . L igado d ire tam en te à Ig re ja rom ana , con stitu iu , do fim
do sécu lo X ao in íc io do sécu lo X II, a cong regação re lig io sa m ais
im po rtan te da cris tandade , e g raças a um a série de abades no tá -
ve is , su a repercu ssão fo i con sid e ráve l em todos o s m eio s da
soc iedade . S em dúv ida , o m onaqu ism o da época feuda l es tá longe
de se reduz ir a C luny e ou tras trad ições esp iritu a is con tinuaram
bem v ivas , espec ia lm en te na A lem anha e na Itá lia . M as não se ria
exagero ver em C luny a exp ressão m ais au tên tica das asp irações
. é sp iritlla is d asoc iedáde 'féüdaL .:' . . .... • H ...... . ' ....•
_"'Em b~ r~ '-o s Inong~~ ;d~ C luny f()ssem hú i~d itino s com o os
ou tro s m onges da-época , o ritm o ea o rgan izaçâo de sua v ida
e ram , em grande parte , o rig in a is . A ssim , enquan to são B en to
fix ava em 40 o núm ero dos sa lino s rec itado s cada d ia , no fim do
sécu lo X I, d iz iam -se 215 em C luny , A reg ra p rev ia a le itu ra de um
sa lté rio po r sem ana . N o tem po do abade O d ilon , e ra um a B íb lia
in te ira que se deveria le r a cada ano . 3 Enfim , as d ispo sições do
fundado r in stitu íam um equ ilíb rio ap rox im ativo en tre o s d ive rso s
aspec to s da v ida m onástica : qua tro ho ras para a le itu ra do s tex to s
sac ro s e do s au to res ec les iás tico s ( le c t io d iv in a ) , trê s ho ras e m eia
·p a ra a litu rg ia e se is ho ras para o traba lho . N os m oste iro s c lun i-
I
!
A Id a d e M o n á s t ic a e Feudal 37
s iano s , es te e ra reduz ido a a lgum as a tiv id ades sim bó licas e m u ito
b reves , sendo o essenc ia l do tem po consag rado à p rece litú rg ica
e à le itu ra m ed itada da E scritu ra .v -i., .:. .;
. E ssa p reponderânc ia do o p 'U s ' D e i se m an ifes ta p rin c ip a l-
m en te pe lo a longam en to do o fíc io . L ongas lições - ex tra íd as de
tex to s da B íb lia e do s P ad res - in te rca lavam -se en tre as parte s
can tadas . P o r ou tro lado , se C luny não inven tou o s o fíc io s sup le -
m en ta res e não -ex ig ido s pe la reg ra , e s te s fo ram genera lizado s e
d ifund ido s nas ' casas da sua obed iênc ia ; v e rs ícu lo s e co le tas se
ac rescen ta ram aos sa lm os, po r exem p lo na T r in a o ra t io , rec itada
em hon ra da T rindade . M u ltip lica ram -se tam bém os su frág io s
(um a an tífona , um vers ícu lo , um a o ração ), a s litan ias e te . A
litu rg ia se en riqueceu en fim com gesto s e ações v isando acen tua r
o ca rá te r d ram ático . O s m onges rec itavam um a parte do s sa lm os
p ro strado s no chão e quando se lia o evange lho da P a ixão , n a
S ex ta -F e ira S an ta , do is de les tom avam pedaço s de tec ido deposi-
tado s no a lta r e o s rasgavam ao se ouv irem as pa lav ras : "D io is e r u n t
s ib i u e s t im e n ta s u a ." O ofíc io se estendeu tam bém no espaço , e a
litu rg ia se to rnou pereg rin an te :já no sécu lo IX , em Sain t-R iqu ie r,
po r ocasião das g randes fes tas , o s m onges iam em co rte jo da ig re ja
abac ia l p a ra um a ou tra . Em C luny , um a p roc issão so lene o s
conduz ia duas vezes po r d ia da basílica a té a ig re ja de S an ta M aria ,
onde se can tavam as V ésperas .
A o lado do o fíc io , que era sa lm od iado em co ro , a m issa tinha
g rande im po rtânc ia na v ida e na esp iritu a lid ade dos m onges, Em
C luny , hav ia duas m issas conven tua is todo s o s d ias ; a da m anhã ,
ce leb rada em San ta M aria , e a m issa so lene , can tada no a lta r-rno r
da basílica , d epo is da o ração de S ex tas ; T am bém ali; am p lificações
litú rg icas e ram possív e is e freqúen tesrcan to do In tr o i to r e p e t id o
trê s vezes , d esenvo lv im en to do K y r fJ , ep 'ríh c ip a lm en te ac résc im os
ao A lle lu ia de um a p ro sa e de um a seqüênc ia , tex to s vers ificado s
que exp lic itavam em term os lírico s o sen tido do m isté rio que a
litu rg ia - do d ia ressa ltava . A isso se som avam as m issas p róp rias ,
rezadas pe lo s m onges que fo ssem pad res - is to é , a m aio ria nas
g randes abad ias -, p a ra as qua is fo ra p rec iso m u ltip lica r o s
a lta res , e con seqüen tem en te as cape las la te ra is em to rno do
deam bu la tó rio . E ssas ce rim ôn ias e ram acom panhadas de incen -
so e aspersões de água ben ta . T udo isso con tribu ía para c ria r um
am b ien te sag rado que , p e lo fau sto das ce leb rações , d everia pe r-
m itir à a lm a te r acesso d ire to ao sob rena tu ra l.N ão se neg lig en -
-
)
)
)
)
)
)
3 8 A Espiritualidade na Idade Média Ocidental
c i a v a a o r a ç ã o i n d i v i d u a l e o s r e l i g i o s o s n ã o e r a m o b r i g a d o s a
p a r t i c i p a r a o m e s m o t e m p o d e t o d o s o s o f í c i o s . M a s a p r e c e
l i t ú r g i c a e c o m u n i t á r i a c o n t i n u a v a s e n d o o e s s e n c i a l : f i l e i r a s d e
m o n g e s s e s u c e d i a m n o c o r o c o m o b a t a l h õ e s n a l i n h a d e f o g o ,
p r o c u r a n d o o f e r e c e r a D e u s u m lo u v o r i n i n t e r r u p t o - e u m s a c r i -
f í c i o q u e l h e f o s s e a g r a d á v e l . S ó a r e a l i z a ç ã o d e s s e g r a n d e d e s í g n i o
f o r n e c i a u m a ju s t i f i c a t i v a p a r a o f a r d o s e m p r e m a i s p e s a d o d a s
o b s e r v â n c i a s r i t u a i s .
N a e s p i r i t u a l i d a d e m o n á s t i c a d a é p o c a f e u d a l , a p r e c e l i t ú r -
g i c a n ã o e r a a p e n a s u m a to ' d e l o u v o r , m a s t a m b é m d e i n t e r c e s s ã o
e p e d i d o . P o r v o l t a d o a n o m i l , a s s i s t i u - s e , p o r t o d a a p a r t e , a
u m a m u l t i p l i c a ç ã o e s p e t a c u l a r d a s m i s s a s v o t i v a s , c e l e b r a d a s p o r
i n t e n ç õ e s p a r t i c u l a r e s . E m C lu n y , a : p r im e i r a d a s d u a s m i s s a s
c o n v e n t u a i s e r a s e m p r e c a n t a d a e m m e m ó r i a d o s m o r t o s . N o
o f í c i o d e M a t i n a s , q u a t r o s a lm o s e r a m r e c i t a d o s e m in t e n ç ã o d o s
f a m i l i a r e s d a a b a d i a , o u t r o s p a r a o r e i e t c . R e z a v a - s e p r i n c i p a l -
m e n t e c a d a v e z m a i s e m f a v o r d o s m o r t o s e p a r t e s i n t e i r a s d o
o f í c i o l h e s e r a m d e d i c a d a s . A l i á s , f o i o a b a d e O d i l o n q u e , n o f im
d o s é c u l o X , i n s t i t u i u a f e s t a d a c o m e m o r a ç ã o d o s f i é i s d e f u n t o s ,
o u d i a d e F i n a d o s , a 2 d e n o v e m b r o . E x i s t i a m , a l é m d i s s o , c o r -
r e n t e s d e p r e c e s e n t r e o s m o s t e i r o s , q u e c o m u n i c a v a m s e u s
, o b i t u á r i o s , f a z e n d o f i g u r a r n e l e s o s n o m e s d o s m o n g e s q u e t i -
n h a m m o r r i d o n a s a b a d i a s a s s o c i a d a s , p a r a q u e f o s s e m l e m b r a d o s
e m s u a s o r a ç õ e s . B e n f e i t o r e s l e i g o s , s o b e r a n o s o u n o b r e s , p o d i a m
t a m b é m . s e r i n s c r i t o s . E r a u m a h o n r a c o b i ç a d a e q u e v a l i a o s
g r a n d e s s a c r i f í c i o s m a t e r i a i s r e a l i z a d o s p a r a i s s o , e s p e c i a lm e n t e
s o b a f o rm a d e d o n a t i v o s p i e d o s o s . P a r a r e a l i z a r e s s a f u n ç ã o d e
i n t e r c e s s ã o s o b r e o m u n d o , o s m o n g e s p r o c u r a v a m c o l a b o r a ç ã o . .
e a p o i o : D a í - a im p o r t â n c i a c r e s c e n t e - d o c u l t o . l í t ú r g i c o d o s s a n t o s .
E ~ C lu n y , o s a n t o r a l g r e g o r i a n o s e e n r i q u e c e u c o m n u m e r o s o s
o f í c i o s d e s a n t o s f r a n c e s e s : t o d o s o s d i a s , ' r e c i t a v a - s e o o f i c i o d e
t o d o s o s s a n t o s e a m i s s a s o l e n e e r a p r e c e d i d a d a l e i t u r a d a s
l i t a n i a s . N o d i a d e s u a f e s t a , l i a - s e i n t e g r a lm e n t e a s u a P a i x ã o -
s e s e t r a t a s s e d e u m m á r t i r - o u s u a V id a , n o c a s o d e u m
c o n f e s s o r . O t e x t o , q u e d e v i a s e r l i d o n e s s a o c a s i ã o - e s s e é o
s e n t i d o d a p a l a v r a l e g e n d a - , o c u p a v a a s o i t o p r im e i r a s l i ç õ e s
d a s M a t i n a s , o n d e s e im p lo r a v a m m u i t o p a r t i c u l a rm e n t e o s s e u s
s u f r á g i o s .
E m ú l t im a a n á l i s e , o s i g n i f i c a d o d e s s a l i t u r g i a a o m e s m o
t e m p o s o l e n e e e x u b e r a n t e s ó p o d e s e r c o m p r e e n d i d o c a s o s e
A Idade Monástica eFeudal 39
c o n s i d e r e a p r e c e m o n á s t i c a c o m o u m a a rm a . O m o n g e s e s e r v i a
d e l a p r im e i r a m e n t e c o n t r a s i m e s m o , p a r a c o m b a t e r a s t e n t a ç õ e s
e s o b r e t u d o a acedia, l a s s i d ã o e s p i r i t u a l q u e a m e a ç a p r e c i p u a -
m e n t e a q u e l e s q u e a s p i r a m à p e r f e i ç ã o . S e g u i n d o c o m v i r i l i d a d e
o c a m in h o e s t r e i t o d a o b s e r v â n c i a r e g u l a r , e l e p o d i a e n t r e t a n t o
e v i t a r a s à rm a d i l h a s d o " i n im ig o a n t i g o " , i s t o é , o D e m ô n io .
R e s t a v a - l h e e n t ã o t r a v a r o c o m b a t e c o t i d i a n o , q u e c o n s i s t i a e m
a r r a n c a r , p e l a p r e c e , o m a io r n ú m e r o d e a lm a s p o s s í v e l à d a n a ç ã o
e a o f o g o e t e r n o . E s s a l u t a i n c e s s a n t e c o n t r a a s f o r ç a s d o m a l
p r o d u z i a f r u t o s e s p i r i t u a i s v a r i a d o s , d o s q u a i s a c o m u n id a d e c r i s t ã
s e b e n e f i c i a v a e m v i r t u d e d a r e v e r s i b i l i d a d e d o s m é r i t o s : r e p o u s o
d a a lm a g a r a n t i d o p a r a o s d e f u n t o s e e s p e c i a lm e n t e p a r a a s a lm a s
d o p u r g a t ó r i o , p a z p a r a o s v i v o s , f e c u n d i d a d e d a t e r r a , v i t ó r i a p a r a
o s r e i s e p a r a o s p r í n c i p e s f u n d a d o r e s . E s c o l a d o s e r v i ç o d i v i n o , o
m o s t e i r o e r a t a m b é m o lu g a r o n d e s e a d q u i r i a m , p e l a p r e c e ,
g r a ç a s s o b r e n a t u r a i s q u e j o r r a v a m s o b r e t o d a a s o c i e d a d e .
b) Vida angélica e desprezo pelo mundo
S e r i a i n e x a t o c o n s i d e r a r a p e n a s , n a e s p i r i t u a l i d a d e m o n á s t i c a d o s
s é c u l o s X e X I , o l u g a r o c u p a d o p e l a o r a ç ã o e p e l a l u t a c o n t r a a s
f o r ç a s d o m a l . S e , p a r a o s h o m e n s d e s s e t e m p o , a v i d a d o c l a u s t r o
e r a s u p e r i o r a t u d o o q u e a t e r r a o f e r e c i a d e g r a n d e e b o m , e r a
t a m b é m p o r q u e c o n s t i t u í a u m e s t a d o p r i v i l e g i a d o , q u e p e rm i t i a
o r e t o r n o d a 'c r i a t u r a p a r a o s e u C r i a d o r , a t r a v é s d e u m s e r v i ç o
f i e l a E l e p r e s t a d o . S e m d ú v id a , e s s a c o m u n h ã o c o m h a b i t a n t e s
d o c é u s ó d e v i a s e r e a l i z a r p l e n a m e n t e n o f im d o s t e m p o s , m a s j á
c o m e ç a v a n e s t e m u n d o . O m o n g e m é d i e v a l e r a a n i n Í a d o ,c o r r i ó
m o s t r o u ] ; 'L e c l e r c q , p e l o d e s e j o d e D e u s e d a 'p á t r i a c e l e s t e . " P e l a
p r e c e l i t ú r g i c a , d e s e e s f o r ç a v a p o r j u n t a r s u a v o z a o s c o r o s d o s a n j o s ;
p e l a p r á t i c a d a a s c e s e e d a m o r t i f i c a ç ã o , p r o c u r a v a l e v a r u m a v id a
a n g e l i c a l , l o n g ; - c i o s 'p r a z e r e s e d a s t e n t a ç õ e s d e s t e m u n d o . O
m o s t e i r o , o n d e s e p r a t i c a v a u m a o b s e r v â n c i a r e g u l a r , s e t o m a v a u m a
a n t e c i p a ç ã o d o p a r a í s o , u m p e d a ç o d o c é u s o b r e a t e r r a .
E s s a d im e n s ã o e s c a t o l ó g i c a d o m o n a q u i s m o p e rm i t e c o m -
p r e e n d e r o l u g a r q u e o c u p a v a m a l e i t u r a e a m e d i t a ç ã o d a B íb l i a
n a s u a e s p i r i t u a l i d a d e . O A n t i g o T e s t a m e n t o d e s e m p e n h a v a u m
p a p el im p o r t a n t e n a m e d id a e m q u e s e v i a n e l e u m a p r e f i g u r a ç ã o
d a ú l t im a f a s e d a h i s t ó r i a d a s a l v a ç ã o , i n a u g u r a d a p e l a E n c a r n a -
ç ã o : e m r e l a ç ã o ã P a r u s i a , i s t o é , à v o l t a g l o r i o s a d o C r i s t o n o f im
-
)
) I' I
J
)dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAI . :
I
I
,!
h
~
·.1
i
)
i~
'~
)
II
)
)
)
)
)
)
40 A Espiritualidade na Idade Média Ocidental
d o s te m p o s , o p o v o d e D e u s s e a c h a v a n a m e sm a s i tu a ç ã o q u e
o u t r o r a I s r a e l d ia n te d a v in d a d o M e s s ia s s e g u n d o a c a r n e . N a
h i s tó r i a d o p o v o ju d e u , p r o c u r a v a m - s e m e n o s o s m o d e lo s m o r a i s ,
c o m o e r a o c a s o n a é p o c a c a r o l ín g ia , e m a i s a s a t i tu d e s e s p i r i tu a i s
a d e q u a d a s a o c l im a d e c o n c e n t r a ç ã o p a r a o s f in s ú l t im o s , q u e
c a r a c te r i z o u a v id a r e l ig io s a d o s m o n g e s d a q u e le te m p o . P a r a
e s te s , n ã o s e t r a t a v a d e m o d o a lg u m d e u m te m a l i t e r á r io , e a
p r o c u r a d e D e u s s e in s c r e v ia n o s e u p r o g r a m a c o t id ia n o : a lectio
divina n ã o t in h a p o r f im c o n d u z i r o e s p í r i to à m e d i ta ç ã o , p a r a
f a z ê - lo c h e g a r , m e sm o a q u i n a te r r a , à c o n te m p la ç ã o d o m is té r io
d iv in o ? .
A e s p e r a e s c a to ló g ic a s e t r a d u z iu ta m b ém , p a r a e s s e s
m o n g e s , e m u m a v o n ta d e d e p u r i f i c a ç ã o p e s s o a l e c o le t iv a , q u e
f o i a o r ig e m d a m a io r i a d o s m o v im e n to s r e f o rm a d o r e s d a é p o c a .
G r a n d e s a b a d e s , c o m o G u i lh e rm e 'd e V o lp ia n o o u s ã o P e d r o
D am iã o , t iv e r a m o d e s e jo a r d e n te d e f a z e r d o m u n d o d o s c la u s -
t r o s u m a s o c ie d a d e p e r f e i t a , v e r d a d e i r a a n te c ip a ç ã o n e s te m u n d o
d o r e in o d e D e u s . E s s a te n d ê n c ia s e m a n i f e s to u c o m u m a n i t id e z
p a r t i c u la r e m C lu n y , n o s é c u lo X I . S e m a b u s o d e l in g u a g e m , a
e s p i r i tu a l id a d e c lu n i s i a n a p o d e s e r q u a l i f i c a d a d e t r iu n f a l i s t a , a
t a l p o n to a s n o ç õ e s d e p e c a d o e r e s g a te lh e e r a m m e n o s f a m i l i a r e s
d o q u e a c o n te m p la ç ã o d a g ló r i a e d a m a je s ta d e d iv in a s . C e r t a -
m e n te n ã o f o i p o r a c a s o q u e s ã o H u g o m a n d o u r e t i r a r d o c a n to
d o Exultet a s p a la v r a s : " O Jelix culpa! ", e x a l t a ç ã o p a r a d o x a l d a f a l t a
d e A d ã o , c o n s id e r a d a c o m o p o n to d e p a r t id a d a R e d e n ç ã o . E m
u m c l im a e s p i r i tu a l m a i s im p r e g n a d o p e lo m is té r io d a T r a n s f ig u -
r a ç ã o d o q u e p e lo d a E n c a r n a ç ã o , e n o q u a l o m o s te i r o e r a c o m o
q u e a a n te c â m a r a d o c é u , o s ig n i f i c a c \o d e s s e r e ~ m o sQ b r e n a tu r a l
n ã o e r a m a is c o m p r e e n d id o , A s c o n c e p ç õ e s a r t í s t i c a sd e C lu n y ,« d e
m o d o g e r a l d o s M o n g e s N e g r o s , s e d e v e m a o m e sm o . e s ta d o d e
e s p í r i to : n a d a e r a b e lo o u lu x u o s o d e m a is p a r a a c a s a d e D e u s , o n d e
o b r i lh o d o o u r o , a c in t i l a ç ã o d a s lu m in á r i a s e o p e r f u m e d o in c e n s o
c o n c o r r i a m p a r a d a r a o s q u e n e la p e n e t r a v a m u m g o s to a n te c ip a d o
d o s e s p le n d o r e s d a c o r t e c e le s t e .
C o n s id e r a n d o - s e c o m o a v a n g u a r d a d o p o v o d e D e u s já
c h e g a d a à s p o r ta s d o R e in o , o s m o n g e s t iv e r a m à s v e z e s u m a
te n d ê n c ia p a r a d e p r e c ia r o s o u t r o s e s ta d o s d e v id a n o s e io d a
I g r e ja . P e r s u a d id o s d e q u e d e t in h a m a g a r a n t i a d a s a lv a ç ã o ,
c h a m a v am o s m e lh o r e s c r i s t ã o s e p r in c ip a lm e n te o s n o b r e s le ig o s
p a r a q u e v ie s s e m r e u n i r - s e a e le s n a p a z d o c la u s t r o , a b r a ç a n d o a
A. Idade Monástica e Feudal 41
v id a m o n á s t i c a . N o s e io d a s a b a d ia s c o n s t i tu iu - s e a s s im u m a n o v a
a r i s to c r a c ia e s p i r i tu a l , p o u c o d i f e r e n te e m s e u r e c r u ta m e n to
d a q u e la q u e , n a m e sm a é p o c a , im p u n h a a s u a a u to r id a d e a o s
h u m i ld e s n o s e io d a s o c ie d a d e p r o f a n a
A s s im , é p o s s ív e l c o m p r e e n d e r p o r q u e m u i to s te x to s e s -
p i r i tu a i s m - e d ie v a i s a p r e s e n ta m a e n t r a d a n o c la u s t r o c o m o u m
a c o n te c im e n to tã o im p o r ta n te , s e n ã o m a is , q u a n to o b a t i sm o . O
m o s te i r o n ã o e r a a o m e sm o te m p o o 'm em o r ia l d a J e r u s a lé m
h is tó r i c a , a t é m e sm o em c e r to s e le m e n to s d a s u a a r q u i t e tu r a ; e a
p r e f ig u r a ç ã o d a J e r u s a lé m c e le s t e ? S e u s h a b i t a n te s p a r t i c ip a v a m
d a d ig n id a d e d o s f i lh o s d e S io n e g o z a v a m d a s g r a ç a s p r ó p r i a s a o s
lu g a r e s s a n t i f i c a d o s p e la v id a d o S e n h o r . A c o n v e r s ã o , q u e a
p r o f i s s ã o r e l ig io s a im p l i c a v a , e r a s e n t id a c o m o u m a s u p e r a ç ã o d a
c o n d iç ã o te r r e s t r e . F a z e r - s e m o n g e e r a s im u l t a n e a m e n te v o l t a r
a o e s ta d o o r ig in a l d e p e r f e i ç ã o e a n te c ip a r a v id a f u tu r a ; e r a
t a m b ém r e f u ta r , o m u n d o , p a r a e d i f i c a r o h o m em n o v o , c h a m a d o
a to m a r lu g a r ju n to d e D e u s .
A c o n t r a p a r t id a d e s s a a s p i r a ç ã o p a r a a s c o i s a s d o c é u f o i a
t e n d ê n c ia , m u i to m a r c a d a n a m a io r id a d o s a u to r e s e s p i r i tu a i s d a
é p o c a , d e d e s p r e z a r a s c o i s a s d a te r r a . T r a b a lh o s r e c e n te s , e s -
p e c ia lm e n te o s d e R B u l to t , e n f a t i z a r a m c o m in s i s t ê n c ia e s s a
d e p r e c ia ç ã o s i s t e m á t i c a d a s r e a l id a d e s te m p o r a i s e c a r n a i s , q u e
ia m u i to m a is lo n g e d o q u e u m a s im p le s a d v e r t ê n c ia c o n t r a o s
a b u s o s r e s u l t a n te s d e u m u s o im o d e r a d o d o s b e n s m a te r i a i s .
S a n to A n s e lm o , J e a n d e F é c a m p , B e r n a r d d e M o r la a s e m u i to s
o u t r o s p r e g a r a m em s e u s t r a t a d o s o d e s p r e z o p e lo m u n d o
(contemptus mundi; e f i z e r a m u m ju lg a m e n to f u n d a m e n ta lm e n te
p e s s im is t a s o b r e a s r e a l id a d e s te m p o r a i s , a s a t iv id a d e s te r r e s t r e s
e o ~ m o r h u m a n o , i s to é , s o b r e a V id a p r o f a n a e m s e u c o n ju n to .
P o r o u t r o la d o , o s m e sm o s a u to r e s e x a l t a r a m a v id a m o n á s t i c a ,
a p r e s e n ta d a c o m o a f o rm a a u tê n t i c a d a e x p e r i ê n c ia c r i s t ã e ú n ic a
v ia d e s a lv a ç ã o . A o s s e u s o lh o s , o m u n d o e r a c h e io d e i lu s õ e s e
o c a s iõ e s d e p e c a d o . L o g o , e r a m e lh o r r e n u n c ia r à s c r i a tu r a s e
v iv e r n e s ta t e r r a c o m o p e r e g r in o e e s t r a n g e i r o : e r a p e lo e x í l io
q u e s e c o n q u i s t a v a o R e in o . O s a u to r e s e s p i r i tu a i s d o s é c u lo X I
e s ta v a m c o n v e n c id o s d e q u e e x i s t i a u m a in c o m p a t ib i l id a d e
a b s o lu ta e n t r e a v id a r e l ig io s a e a s p r eo c u p a ç õ e s , o c u p a ç õ e s o u
a s s u n to s d o m u n d o . S ó a p a z d o c la u s t r o e a d i s c ip l in a r e g u la r
g a r a n t i a m o otium, i s to é , a t r a n q ü i l id a d e q u e to r n a v a p o s s ív e l a
v id a in te r io r .
..•..
)
I
)cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA; 1
) I :I·,
~
i
)
f i
j
j
)
j
j'I"·'
)
)
42 A Espiritualidade na Idade Média Ocidental
E s s a v i s ã o d e m u n d o r e p o u s a s o b r e u m te o c e n t r i sm o a b s o -
lu to - j á q u e D e u s r e p r e s e n ta to d o o b e m , é in ú t i l p e r s e g u i r a s
r e a l id a d e s t e r r e s t r e s , q u e s ã o f r u s t r a n te s e a p r e s e n ta m r i s c o d e
p e c a d o : " S e n s ív e l a p e n a s à d e s p r o p o r ç ã o e n t r e D e u s e o s e r f in i to ,
a e s p i r i t u a l id a d e m o n á s t i c a d e s q u a l i f i c a e s t e ú l t im o n a 'o r d e r n d o s
v a lo r e s , s e m in d a g a r - s e s o b r e a s u a e s s ê n c ia e s u a s ig n i f i c a ç ã o
p r ó p r i a s " (R . B u l to t ) , " A c o n d e n a ç ã o d o "m u n d o " , q u e c o n s t i t u i
u m d o s te m a s m a io r e s d o E v a n g e lh o d e s ã o J o ã o , é in t e r p r e t a d a
p e lo s a u to r e s m o n á s t i c o s c o m o u m ju lg a m e n to n e g a t iv o s o b r e o
c o n ju n to d a c r i a ç ã o . .
E s s a d e s c o n f i a r i ç a , p a r a n ã o d iz e r m a i s , d i a n te d a s r e a l i -
d a d e s h u m a n a s p o d e p a r e c e r s u r p r e e n d e n te a u m h o m em d o
s é c u lo X X , p r in c ip a lm e n te s e e s t e s e r e f e r i r , a t í t u lo d e c o m p a r a -
ç ã o , a c e r to s d e c r e to s f u n d a m e n ta i s d o c o n c i l i o V a t i c a n o l I . O
p a p e l d o h i s to r i a d o r n ã o é o p o r e s s e s t e x to s a o s d o s m o n g e s
d a é p o c a f e u d a l , m a s p r o c u r a r c o m p r e e n d e r e e x p l i c a r a s s u a s
c o n t r a d iç õ e s , q u e n ã o s ã o a p e n a s a p a r e n te s . É e s s e n c ia l , n e s s e
a s p e c to , t e r c o n s c i ê n c ia d e q u e o s a u to r e s e s p i r i t u a i s d o s é c u lo X I
f o r a m t r ib u tá r io s d a s u a p r ó p r i a l e i tu r a d a B íb l i a . N a V u lg a ta , a s
o p o s i ç õ e s e s c r i t u r á r i a s e r a m r a d ic a l i z a d a s e e m p o b r e c id a s p o r
_ a d u ç õ e s in a d e q u a d a s ; f o i a s s im q u e a a n t í t e s e s e m í t i c a e n t r e a
C a r n e e o E s p í r i t o s e r e d u z iu a u m a n ta g o n i sm o e n t r e o c o r p o e
a a lm a , a o p a s s o q u e e la r e c o b r e , n a v e r d a d e , r e a l id a d e s m u i to
m a i s c o m p le x a s . P o r o u t r o l a d o ; e l e s a d o ta r a m , m u i t a s v e z e s s e m
d i s c e r n im e n to , c o n c e p ç õ e s f i l o s ó f i c a s d a A n t ig u id a d e , v e i c u la d a s
p e la l i t e r a tu r a p a t r í s t i c a , p o r e x e m p lo a d e f in i ç ã o d a a s c e s e c o m o
u m a p r o c u r a d a in s e n s ib i l i d a d e , m a i s in s p i r a d a p e lo e s to i c i sm o
e lo q u e p e lo E v a n g e lh o ,o u a o p o s i ç ã o p la tô n ic a e n t r e a c o n te m -
p la ç ã o e - a - a ç ã o , O b a ix o n ív e l d a c u l tu r a m e d ie v a l n ã o 'p e rm i t iu
q u e s e f i z e s s e a e s c o lh a c o r r e t a n o s e io d e s s a h e r a n ç a c o m p ó s i t a .
P o r o u t r o l a d o , c e r to s c o n c e i to s f u n d a m e n ta i s d a e s p i r i t u a -
l i d a d e m o n á s t i c a n ã o s ã o d e s p r o v id o s d e a m b ig ü id a d e : a " v id a
a n g e l i c a " , t ã o p r e g a d a p e lo s a u to r e s e s p i r i t u a i s , e r a s im p le s a s -
p i r a ç ã o à u n id a d e e m D e u s , o u ta m b é m r e c u s a d a c o n d iç ã o
. h u m a n a e p a r t i c u l a rm e n te d a s e x u a l id a d e ? T o m a n d o a o p é d a
le t r a d iv e r s o s t r e c h o s d e s a n to A g o s t in h o - u m d o s a u to r e s m a i s
l id o s d o te m p o - a lg u n s m o n g e s s e d e ix a r a m le v a r p e lo g n o s -
t i c i sm o , e a t é m e sm o p e lo d u a l i sm o , p a r a o q u a l o s in c l in a v a a s u a
e x p e r i ê n c ia a s c é t i c a . P a r a e l e s , c o m e f e i to , o m u n d o e r a a p e n a s
u m a r e a l id a d e s e m c o n s i s t ê n c ia p r ó p r i a , s im p le s r e f l e x o d e g r a d a -
A Idade Monástica eFeudal 43
d o d e u m m u n d o c e le s t e o n d e s e e n c o n t r a v a a s u a v e r d a d e . N a
s u a h i s tó r i a , d a v a - s e m e n o s im p o r t â n c ia a o q u e s e c o n s t r u í a d o
q u e à q u i lo q u e o a p r o x im a v a d o s e u f im . C a m p o d o t r a n s i tó r io e
d o c o n t in g e n te , o c r i a d o n ã o d e v ia s u s c i t a r n e m a p e g o n e m
m e sm o e s t im a , m a s d e s p r e z o e f u g a . R e p u d ia n d o o m u n d o te r -
r e s t r e , a e s p i r i t u a l id a d e m o n á s t i c a d o s é c u lo X I d e c e r t a f o rm a
p r o je to u o m a l p a r a f o r a d o h o m em , p a r a s i tu á - lo n a s c o i s a s /
c o n f e r in d o - lh e a s s im u m a r e a l id a d e o b je t iv a e p r e m e n te . L o n g e
d e a n u la r o in im ig o , e l a a p e n a s r e f o r ç o u o s e u d o m ín io s o b r e o s
e s p í r i t o s .
T o d a v ia , s e r i a n e c e s s á r io e q u i l i b r a r o q u e o s ju lg a m e n to s
f e i to s s o b r e o m u n d o p o r m u i to s a u to r e s e s p i r i t u a i s m o n á s t i c o s
p o d ia m te r d e a b s o lu to e d e d o g m á t i c o , c o n s id e r a n d o o s m o t iv o s
q u e o s g u ia r a m . D e f a to , a c o n d e n a ç ã o i r r e c o r r ív e l d a s r e a l id a d e s
t e r r e s t r e s s e s i tu a v a , e m g e r a l , e m Um c o n te x to p o lê m ic o . A
m a io r i a d o s t e x to s s o b r e o d e s p r e z o p e lo m u n d o f o r a m r e d ig id o s
n o s é c u lo X I e n o c o m e ç o d o s é c u lo X I I , e m u m a é p o c a e m q u e
a lu t a c o n t r a a s im o n ia e s t a v a e m p r im e i r o p la n o ; o r a , o s v a lo r e s
p r o f a n o s e r a m tã o b e m c u l t iv a d o s p e lo s c l é r ig o s s im o n ía c o s q u e
e r a d e s n e c e s s á r io l e m b r a r - I h e s a s u a im p o r t â n c ia . A lé m d o m a i s ,
n o c o r a ç ã o d o c o m b a te t r a v a d o p e la s f o r ç a s v iv a s d a I g r e j a p a r < ; l /
a r r a n c á - I a à in f lu ê n c ia d o s im p e r a d o r e s e à " d i s s o lu ç ã o f e u d a l , a
f u g a d o m u n d o p r e c o n iz a d a p e lo s m o n g e s a p a r e c e m e n o s c o m o
u m a e v a s ã o p a r a f o r a d a v id a s o c ia l e d a a ç ã o te m p o r a l d o q u e
u m ju lg a m e n to d e c e r t a s e s t r u tu r a s o p r e s s o r a s , q u e e r a m o b s -
t á c u lo a o d e s e n v o lv im e n to r e l ig io s o e à c a r id a d e . N e s s e c a s o , o
contemptus mundi t r a d u z m u i t a s v e z e s " a r e c u s a d e c o m p r o m e t i -
m e n to c o m u m a s o c ie d a d e p o l í t i c a t a lv e z m e n o s c r i s t ã d o q u e o
m a i s l e ig o c io s n o s s o s e s t a d o s " ." A s s im , e m u m t r a t a d o a t r ib u íd o
a S a n to A n s e lm o , e n c o n t r a - s e u m a s e v e r a c r í t i c a d a d o m e s t i c à ç ã o
. d o s p r e l a d o s p e lo r e i d a I n g la t e r r a e d a v io l ê n c ia in c o n t r o l a d a d a s
f o r d e n s d e c a v a la r i a . N e s s e c a s o p r e c i s o , o " d e s p r e z o p e lo m u n d o "
.1 é m a i s a e x p r e s s ã o d a r e c u s a d e u m a s o c ie d a d e d a d a d o q u e u m a
'J d e p r e c i a ç ã o s i s t e m á t i c a d a s r e a l id a d e s p r o f a n a s .
P o r o u t r o l a d o , c o n v é m in d a g a r o q u e p o d ia r e p r e s e n ta r o
mu n d o p a r a o h o m em d a p r im e i r a id a d e f e u d a l , i n d e p e n d e n -
t e m e n te d e to d a in f lu ê n c ia id e o ló g ic a t r a n sm i t id a p e la c u l tu r a .
P a r a q u a lq u e r l a d o q u e e le s e v o lt a s s e , s ó v ia a o s e u r e d o r v io l ê n c ia
e in ju s t i ç a ; e r a - lh e b e m d i f i c i l p e r c e b e r v a lo r e s p o s i t i v o s n o s e io
d a s o c ie d a d e p r o f a n a : p o u c o s c a s a m e n to s f u n d a d o s n o a m o r ,
:~ 1 1 ;
l
!
)
44 A Espintualidade na Idade Média Ocidental
in e x is tê n c ia d e um a c u l tu ra le ig a d ig n a d e s s e n om e , n a d a d e
p ro g re s s o té c n ic o o u c ie n t í f ic o . O p ró p r io E s ta d o c o n s t i tu ía m e -
n o s a fo rm a p o lí t ic a d a c id a d e tem p o ra l d o q u e um a o rd em sa c ra ,
c u lm in a n d o n a p e s s o a d o im p e ra d o r o u d o re i , u n g id o d o S e n h o r
e s e u re p re s e n ta n te n a te r r a . A s s im , a fam o s a q u e re la d a s In v e s -
t id u ra s , q u e o p ô s , n o f im d o s é c u lo X l e n o f im d o V I l , o s p a p a s
a o s s o b e ra n o s g e rm â n ic o s , n ã o fo i - c om o s e d iz m u ita s v e z e s -
um c o n f l i to e n tr e o p o d e r e s p ir i tu a l e a a u to r id a d e le ig a , m a s um a
lu ta fe r r e n h a e n tre d u a s s a c ra l id a d e s r iv a is . E m um m u n d o c u ja
o rd em . e s ta v a f ix a d a p e la P ro v id ê n c ia e a o rg a n iz a ç ã o p o l í t ic a e
s o c ia l e ra re g id a p o r m o d e lo s tr a n s c e n d e n te s , a p ró p r ia n o ç ã o d e
tem p o ra l n ã o t in h a s e n t id o . N ã o s e p o d ia a c u s a r o s m o n g e s d e
te rem s id o in c a p a z e s d e e la b o ra r um a e sp ir i tu a l id a d e p a ra o s
. le ig o s , " q u a n d o n ã o e x is t ia la ic a to , p o r fa l ta d e um m u n d o q u e
p e rm it is s e a p re e n d e r - lh e a e s p e c if ic id a d e " ."
E n f im , n a p rá t ic a , n em o s m o n g e s n em m e sm o o s e rem ita s .
q u e p a re c iam , e n tr e ta n to , te r p ra t ic a d o a o p é d a le tr a o d e s p re z o
p e lo m u n d o , n ã o e ram to ta lm e n te e s tr a n h o s o u h o s t is à s re a l i -
d a d e s h um a n a s . A d e p re c ia ç ã o in c o n te s tá v e l d a s re a l id a d e s te r -
r e s tr e s n a e s p ir i tu a l id a d e m o n á s t ic a fo i m u ita s v e z e s tem p e ra d a
p o r um se n t id o p ro fu n d o d a s c o is a s e d o s h om e n s . A s a b a d ia s d a
é p o c a fe u d a l n ã o s e is o la ram d a v id a s o c ia l : n o s g ra n d e s m o s te iro s
g e rm â n ic o s e n a p ró p r ia F ra n ç a , n o s p e q u e n o s p r io ra d o s , m u ito s
f i lh o s d a a r is to c ra c ia re c e b iam um a in s tru ç ã o e lem e n ta r , s em s e r
to d o s n e c e s s a r iam e n te d e s t in a d o s à c a r re ir a e c le s iá s t ic a . A e s -
p ir i tu a l id a d e c lu n is ia n a , p o r o u tro la d o , n ã o e x ig ia d o h om em
~ q u e re n u n c ia s s e a s i m e sm o , m a s q u e c o n s a g ra s s e a s u a v id a a o
.~ e rv iç o d e D e u s . S e g u n d o a fe l iz fó rm u la d e E tie n n e G ils o n ,
l í . . ' ' 'C lú n y n o s tom a ta l c om o som o s> m e n o s corno a lm a s d o q u e
.. . . c om ê h om e n s , e é ' c om a ,a ju d a d ó n o s s o c o rp o .e n ã o c o n tra e le
q u e C lu n y e s p e ra n o s s a lv a r " .8T om a r o h om em ta l c om o é , n e s s a
p e r s p e c t iv a , n ã o e s p e ra r d e le p ro e z a s < Ís c é t ic a so u m o r t i f ic a ç õ e s
e x c e s s iv a s , é tam b ém p e n s a r q u e a r iq u e z a , o p o d e r e a b e le z a ,
lo n g e d e c o n s t i tu ir p o r s i m e sm o s o b s tá c u lo s a o am o r d e D e u s ,
p o d iam c o n c o r re r p a ra O lo u v o r d a s u a g ló r ia e p a ra o s e rv iç o d a
s u a c a u s a . A s s im , um a v e z p a s s a d a um a p r im e ira fa s e r ig o r is ta , a
a t i tu d e d o s c lu n is ia n o s em fa c e d a s o c ie d a d e d o s e u tem p o fo i
m a rc a d a p o r um a p re o c u p a ç ã o d e c om p re e n s ã o e d e a b e r tu ra ,
f a v o re c id a a l iá s p e lo s la ç o s d e p a re n te s c o e d e s o l id a r ie d a d e , q u e
n ã o ta rd a ram a s e e s ta b e le c e r e n tr e o s a b a d e s d a c a s a -m ã e e o s
I
I
I
i
": I
, 1
i 1
A Idade MunÓJtUa eFeudal 45
g ra n d e s d e s te m u n d o , c u ja a ç ã o e le s s e e s fo rç a v am p o r in f lu e n -
c ia r . M a s a s im p a t ia tem p e ra d a d e in d u lg ê n c ia q u e e le s m a n ife s -
ta ram p a ra c om o s le ig o s n ã o s e l im ito u à s c la s s e s d ir ig e n te s : o
a b a d e ' O d ilo n d e s em p e n h o u um g ra n d e p a p e l n a d ifu s ã o d o
m o v im e n to d e p a z e n ã o s e -p o d e r ia e s q u e c e r q u e A b e la rd o ,
p e r s e g u id o p o r s ã o B e rn a rd o , s ó e n c o n tro u re fú g io p a ra m o r re r
em p a z ju n to a P e d ro -o V e n e rá v e l ; a c a r ta q u e e s te e s c re v e u a
H e lo ís a p a ra lh e a n u n c ia r a m o r te d o e s p o so é , a l iá s , u m a o b ra -
p r im a d e d e l ic a d e z a e h um a n id a d e .
E s s e c o n f ro n to e n tr e a te o r ia e a p rá t ic a d o s m e io s m o n á s -
t ic o s em su a s re la ç õ e s c om o m u n d o p e rm it ia c o n s ta ta r a c om -
p le x id a d e d o p ro b lem a . P o r um la d o , e le d em o n s tr a a e x is tê n c ia
d e um a d o u tr in a e s p ir i tu a l c o e re n te , s i tu a n d o a p e r fe iç ã o c r is tã
em U II l id e a l d e re c o lh im e n to d a v id a te r r e s tr e e d e re c u s a d e
c e r to s a s p e c to s d a c o n d iç ã o h um a n a ': v id a a n g é l ic a , p a ra ís o re e n -
c o n tra d o fo ra d o S é c u Io , e x is tê n c ia p u ram e n te c o n tem p la t iv a . D o
o u tro la d o . a p a re c e a p re o c u p a ç ã o d o s m o n g e s d o s é c u lo X l d e
a g ir s o b re a s o c ie d a d e q u e o s c e rc a v a , le v a d o s à s v e z e s a té a
a c e i ta ç ã o ir r e s tr i ta d o s s e u s v a lo re s é d a s s u a s e s tru tu ra s . N a
v e rd a d e , a s d u a s a t i tu d e s n ã o s ã o c o n tra d i tó r ia s . P a ra tr a n s fo rm a r
o m u n d o , em c e r to s m om e n to s p o d e p a re c e r m a is e f ic a z s a ir d e le
d o q u e f ic a r n e le . e p o r v e z e s é m a is fá c i l e n c o n tra r o h om em
fu g in d o d a m u lt id ã o d o q u e m is tu ra n d o -s e a e la . S e r ia p o r a c a s o
q u e m u ito s a b a d e s - e p a r t ic u la rm e n te o s d e C lu n y - d e s em p e -
n h a ram o p a p e l d e á rb i t ro s n o s c o n f l i to s p o l í t ic o s d o tem p o , ta n to
n o n ív e l lo c a l q u a n to n o p la n o d a c r is ta n d a d e ? Q u a n to , a o s
e rem ita s q u e s e re fu g ia v am n o fu n d o d a s f lo re s ta s p a ra fu g ir d o
m u n d o , n in g u ém ig n o ra m a is o lu g a r q u e e le s o c u p a ram n a
a b e r tu ra e r io e s ta b e le c ím e n to d e e s tr a d a s , n a ' a s s is tê n c ia a o s
'v ia ja n te s e n a e v a n g e l iz a ç ã o d a s p o p u la ç õ e s ru ra is .A v a l ia - s e b em
e n tã o a d if ic u ld a d e q u e e x is te n a a p re c ia ç ã o c o r re ta d e um a
e sp ir i tu a l id a d e q u e v a lo r iz a v a f re q ü e n tem e n te , n o s fa to s , r e a l i -
d a d e s q u e e la d e p re c ia v a n o p la n o d o s p r in c íp io s .
2 . A in f lu ê n c ia d a e s p ir i tu a l id a d e m o n á s t ic a
F e ita s to d a s e s s a s re s e rv a s - e e la s s ã o im p o r ta n te s - n ã o d e ix a
d e s e r v e rd a d e q u e a id e o lo g ia d o s m o n g e s te v e m a is in f lu ê n c ia
s o b re a e s p ir i tu a l id a d e d a é p o c a fe u d a l d o q u e a s u a p rá x is . O
id e a l m o n á s t ic o e x e rc e u s o b re to d o s os e s p ír i to s d o tem p o , m e s -
. 1 ..--.
-
J
I
'1 r
.;
I
) •....;.' li)I.., j .)i Ir
! I
. ',',';
I 'J
)
'I
I
I.
I
J .1) li'í) i
. ',: .~ ;
)
)
)
)
)
)
)
46 A Espiritualidade na Idade Média Ocidental
m o sob re o s m ais rudes , um fasc ín io incom paráve l, e a lguns tem as
esp iritu a is ca ro s ao s cenob itas fo ram re tom ados e am p lificado s '
po r ou tro s , c lé rigo s ou le igo s , que o s levaram até as suas ú ltim as
conseqüênc ias .
a) Vida profana e vida religiosa
N essa época , a id é ia de que ex is te .um a incom patib ilid ade en tre
a v ida no m undo e o estado re lig io so com eçou a se im po r ao s
c ris tão s do O ciden te . O c le ro secu la r fo i o p rim eiro a so fre r a
repercu ssão das dou trin as ascé ticas e labo radas nos c lau stro s , que
m od ifica ram a p róp ria concepção do sacerdóc io . A s re fo rm as
m onásticas do sécu lo X tinham se . ded icado a restabe lece r nas
abad ias a p rá tica da con tin ênc ia . A s m ed idas que fo ram to rnadas
para ' isso não eram un icam en te in sp iradas po r m o tivo s d isc ip li-
n a res . Em C luny , po r exem p lo , desde m eados, do sécu lo X ,
desenvo lveu -se u rna esp iritu a lid ade eucarís tica , que a tribu ía um
lugar cen tra l à adesão ao C ris to sa lvado r p resen te no sacram en to
do a lta r. A penas ao receber o "verdade iro co rpo de C ris to " é que
se pod ia faze r parte do seu co rpo m ístico . M as, pa ra ap rox im ar-se
da eucaris tia , e m ais a inda para consag ra ra hó stia , e ra ab so lu ta -
m en te necessá rio se r pu ro . A ssim ,O don de C luny , em seu g rande
poem a Occupatio, faz da castid ade um a necessid ade ab so lu ta para
o s m onges e afirm a um a incom patib ilid ade en tre função sacer-
do ta l e concub ina to .
N a época em que fo ram exp ressas , essas op in iões aparec iam
com o um a an tec ipação ousada . A inda po r vo lta de 1010 , o b ispo
B u rchard deW orm s, em seu pen itenc ia lin titu lado Corrector siue
rn ed icú s;n ãO prey iâ casügóspàrao s .le igo 's 'que se recu sassem a
'segu ir o o fíc io ce leb rado po r un i cu ra casado O u v ivendo em
concub ina to? M as, a partir do segundo te rço do sécu lo X I, as-
s in a lam -se po r toda parte fié is que co locaram em dúv ida a va li-
d ade dos sac ram en to s d is tribu ído s po r pad res in con tin en tes . Em
M ilão , po r vo lta de 1050 , o s pa ta rino s fo ram m ais longe , bo ico tan -
do os o fíc io s ce leb rado s pe lo s c lé rigo s "n ico la íta s" , e ob rig ando -o s
a respe ita r a castid ade , e lem en to fundam en ta l, ao s seu s o lho s,
do estado sacerdo ta l. A re fo rm a g rego riana re tom ou essas con -
cepções e fixou , pa ra vário s sécu lo s , o novo m ode lo do pad re ,
fundado sob re um idea l de pu reza e de separação . P ara G regó rio
V II, aque le que ce leb rava o sacrifíc io da m issa dev ia se r a im agem
A Idade Monástica e Feudal 47
do C ris to e a castid ade do filho de D eus postu lava a do m in is tro
do cu lto . C onsag rado ao serv iço perm anen te de louvo r o fe rec ido
po rJesu s ao P a i ce les te , o pad re te rres tre v ive ria separado dos fié is
e renunc ia ria a tudo que pudesse haver de p ro fano na sua
ex is tênc ia . E ra -lh e recom endado levar a v ida em com um , adap ta -
da à função de p rece que e le ex~~c iapo r toda a Ig re ja e que , a liá s ,
fac ilitava a observação da con tin ênc ia , C astid ade , v ida com um e
serv iço litú rg ico eram do ravan t~ o s três aspec to s fundam en ta is do _/
estado sacerdo ta l. //
M u ito s pad res não espera ram o ape lo do papa para m od ifi-
ca r seu estilo de v ida . D esde o segundo te rço do sécu lo X I, a v ida
canôn ica , is to é , com un itá ria , fo i res tau rada ou in stau rada em
m uito s lugares , p a rticu la rm en te nas reg iões m erid iona is (po r
exem p lo , e rnS an F red iano de L ucques, S ão João - de L a trãoe
S a in t-R u f, p e rto de A v ignon ). O u tro s c lé rigo s , chocando -se com
a hostilid ade deseu s con frades , esco lheram re tira r-se para o
}
d~ serto . A ssim , v iam -se ~~o life ra r ~o r toda a parte no O ci~ en te
d ive rsas fo rm as de ere rm tism o c lenca l, ao passo que o con jun to
'-.. -i do c le ro secu la r so fria a iii11uencIada esp iritu a lid ade m onástica .
, F o i isso que apon ta ram certo s pad res m ilaneses , adversá rio s da
R efo rm a , ao A nôn im o d ito deY ork , quando acu saram o papado
de quere r im po r ao s c lé rigo s secu la res um estilo de v ida e ex igên -
c ias m ora is que não co rrespond iam à vocação espec ífica do seu
ordo. O argum en to não de ixava de te r va lo r, m as com o aque les
que o . de fend iam se apo iavam nos p rín c ipes tem po ra is , fo ram
inc lu ído s no desc réd ito que a ting ia en tão o s c lé rigo s "sim on íaco s
e n ico la íta s" . "*-'---~- ..,
--A --con seqüênc ia m ais g rav (:d a d ifu são da esp iritu a lid ade
m onástica fo i, sem dúv id~ a lg tu Ila , .a dep rec iação p ro funda e
du radou ra do estado le igo . C onside rado in fe rio r tan to re lig io sa
quan to cu ltu ra lm en te , o la ica to se 'd e fin iu nega tiv am en te po r sua
exc lu são do un iverso do sag rado e da cu ltu ra e rud ita . Em um
m undo em que a v ida cris tã se id en tificava com a v ida consag rada ,
a g rande m aio ria do s ba tizado s se encon trava m enos bem situ ada
do que osre lig io so s , n a perspec tiv a da sa lvação .A d is tin ção en tre
m onges, c lé rigo s e le igo s certam en te não era nova na Ig re ja .
G regó rio M agno , in sp irando -se em um trecho do p ro fe ta E ze-
qu ie l (X IX , 14 ) d iv id ira o s c ris tão s em três ca tego rias , em função '\
d as in stitu ições ec les iás ticas: conjugati (o s espo so s), continentes (o s '"
re lig io so s), predicatores (o s c lé rigo s secu la res). E sse esquem a fo i )
/
,/I1
-onmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
'õ '~ !:
)
)
)
1) I; (~ ',! ~) ',~!~jlq)
I
) .~ !
.;1j
) II) . I
)
I1
'\
}
}
)
F
}
)
)
48 A Espiritualidade na Idade Média Ocidental
retom ado nos m eios m onásticos no século X , m as em um a pers-
pectiva diferen te. Foi assim que, pouco antes do ano m il, o abade
Abbon de F leury (Sain t-B enoit-sur-Loire) escreveu: "Entre os
cristãos dos dois sexos, sabem os bem que existem três ordens e,
por assim dizer, três graus. O prim eiro é o dos leigos, o segundo
o dos clérigos e o terceiro , o dos m onges. Em bora nenhum dos
três seja isen to de pecado, o prim eiro é bom , o segundo m elhor,
o terceiro , excelerite .Y Para esse autor e para m uitos outros dessa
época, a classificação dos tipos de cristãos não visa apenas dis-
tinguir três m odos diferen tes de estar na Igreja . E la constitu i
tam bém um esquem a hierárquico , fundado na idéia de um a
- rem uneração variável segundo os estados de vida. R etom ando
as cifras indicadas por C risto na parábola do sem eador (M at.,
X III, 8 ), sobre o rendim ento da sem ente, a literatura esp iritual
do tem po afirm a nitidam ente a superioridade da vida m onástica
(100 para 1) sobre o estado clerical (60 para 1) e leigo (30 para
1). E ssa escala de valores não é universal e houve durante toda a
Idade M édia contestações entre os clérigos e os m onges a respeito
do prim eiro lugar. Todos concordavam , entretan to , em situar os
leigos no grau inferior. A hierarquia dos estados de vida repousa,.
! de fato , sobre o postu lado de que a Condição carnal é m á: quanto
m ais afastado da carne - identificada aqui com a sexualidade-
m ais perfeito . N essa perspectiva, ° casam ento , m esm o sendo
um sacram ento , não tem valor positivo ; ele é apenas um rem édio
\ pa.x : a con~u~iscência _e um a. con~~o à fraqu~ h~ana. JI)
\. A liás, as propnas relações conjugaJS nao estavam atingidas pelo
pecado, com o afirm ara santo Agostinho contra Pelágio?N a pers-
pectiva escato lógica, que continuava sendo a do m onaquism o, a
continênciaeprinc~p~ente a virg indade constitu íam os fun-
dam entos da vida reliig .ciSa~ . -o .
Essa visão pessim ista da condição dos leigos e do seu papel
na Igreja não se devia a alguns autores iso lados ou extrem istas.
E la era com partilhada pelos próprios fiéis, que só viam salvação
em um a união tão estreita quanto possível com o mundo dos
relig iosos. O s cavaleiros ofereciam seus filhos com o oblatos nos
m osteiros. A queles que continuavam no século se associavam às
abadias m ais prestig iosas, no seio de sociedades ou confrarias de
oração; em contrapartida dos legados piedosos - que revestiam
geralm ente a form a de donativos fundiários - obtinham a sua
inscrição nos livros de registro daqueles por quem os m onges
!L
A Idade Monástica e Feudal 49
rezavam diariam ente e em seus obituários. C luny não inventou
esse tipo de associações, m as deu-lhes um desenvolv im ento consi-
derável, principalm ente nos m eios aristocráticos. M ais ainda,
expandiu-se no século X I, en tre os fiéis, o costum e de solicitar o
hábito relig ioso por ocasião de um a doença grave. O cronista
m onásticoO rderic V ital nos dá o belo exem plo de Ansolde de
M aule, ex-com panheiro de arm as de Robert G uiscard . D epois de
50 anos de cavalaria , sen tindo chegar a m orte , d irig iu-se à sua
m ulher nestes term os: "G raciosa irm ã e am ável esposa Odeline:
durante m ais de 20 anos, a graça div ina nos perm itiu v iver um
com o outro . E is que chego ao m eu fim . Queira eu ou não , estou
indo para a m orte . A ceita o m eu desejo de fazer-m e m onge, de
renunciar às pom posas vestim entas do século para revestir o
hábito negro do santo pai B ento . M inha dam a, libera-m e, eu te
peço , das m inhas obrigações conjugais, para que, liv re do fardo
das coisas m undanas, eu m ereça a honra de receber o hábito e a
tonsura m onástic~ ." Com o consentim ento da esposa, ele pôde
realizar o seu desejo e fo i im ediatam ente revestido do hábito .
T rês d ias depois, m orreu e "fo i en terrado com o C risto para
ressuscitar com ele";'! O fato de m orrer com o hábito garantia ,
efetivam ente, um a participação plena e in tegral nos sufrág ios,
preces e m éritos dos relig iosos, com a única condição de renun-
ciar ao casam ento e despojar-se das "honras" e dos bens. Para u
leigo , o cam inho da salvação passava pela tríp lice recusa do podér,
do sexo e do dinheiro , o que é a própria negação do seu estado .
M as o espírito m edieval, tendente às oposições contrastadas, só
adm itia a conversão to tal. E ra apenas através de um a renúncia
absolu ta que o cristão podia esperar tornar-se agradável a D eus.
.... A ssim , m ~sm o,aqueles que, por necessidade,continuavam
. ria v ida secularseesforçavam ,' se ' tivessem algum a preocupação
com o além , em im itar às observâncias m onásticas. A vida de são
Géraud d'Aurillac, com posta em m eados do século X pelo abade
Odon de C luny, nos fornece o exem plo de um grande senhor,
que chegou à perfeição , apesar de viver no m undo. M as atenção:
não se encontra em são G éraud nenhum ideal de santidade leiga.
O don o apresenta sem pre com o desejando ser m onge, e d iz que
apenas obrigações incontornáveis o im pediram de ir para o
claustro ; m ostra-o praticando a castidade e recusando-se a com -
bater com arm as, pois a v io lência é m á em sua opin ião ; quando
seus in im igos o agridem e não é possível recusar o ataque, ag ita a
';"c
-BA
t~
50 A E sp ir itu a lid a d e n a Id a d e M éd ia O c id en ta lgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e s p a d a e f in g e lu ta r , p r o c u r a n d o n ã o f e r i r n in g u ém . S u a v id a
r e l ig io s a é r i tm a d a p e la a l te m â n c ia d a s le i tu r a s e d a s o r a ç õ e s . S ã o
C é r a u d , p o r m a is c a v a le i r o q u e s e ja ,v iv e c o m o m o n g e n o m u n d o .l ' '
L o n g e d e l im i ta r - s e à s c am a d a s s u p e r io r e s d a s o c ie d a d e , o
f a s c ín io e x e r c id o p e la s te n d ê n c ia s a s c é t ic a s d a e s p i r i tu a l id a d e
m o n á s t ic a s e e s te n d e u , n o s é c u lo X I , a o c o n ju n to d o s le ig o s ,
c o m o s e p o d e c o n s ta ta r n a id e o lo g ia d o s m o v im e n to s d e p a z .
E s te s n ã o e x p r im iam a p e n a s u m a a s p i r a ç ã o a o r e s ta b e le c im e n to
d a o rd em , p e r tu rb a d a p e la a n a rq u ia f e u d a l . O lu g a r im p o r ta n te
q u e o s p r e c e i to s d e a b s t in ê n c ia o c u p am , a o la d o d a r e c u s a d a
v io lê n c ia , n o s d o c u m e n to s p ro v e n ie n te s d a s a s s em b lé ia s q u e s e
I r e u n i r am e n t r e 9 9 0 e 1 0 4 0 , m o s t r a u m d e s e jo la r g am e n te d i f u n -d id o d e a d o ta r o b s e rv â n c ia s t ip ic am e n te m o n á s t ic a s . P r iv a r - s e emc o m u n id a d e p a r e c e u a o s h o m e n s d o a n o m il o m e io m a is s e g u rod e d e s v ia r a c ó le r a d iv in a e g a r a n t i r a s a lv a ç ã o d a c o le t iv id a d e .
A a d e s ã o d o s le ig o s à s in s t i tu iç õ e s e v a lo r e s d o m o n a q u ism o
n ã o fo i e n t r e ta n to u m s im p le s f e n ô m e n o d e m im e t ism o o u d e
o sm o s e . E la t r a d u z , a n te s , o d e s p e r ta r d a c o n s c iê n c ia r e l ig io s a em
m e io s q u e a té e n tã o s ó c o n h e c iam um s im p le s c o n fo rm ism o ,
M o v im e n to m is te r io s o em s u a s o r ig e n s , s o b a in f lu ê n c ia d o s '
m o n g e s , m a s tam b ém d e u m c le ro q u e , n o q u a d ro m u l t ip l ic a d o
d a ig r e ja p r iv a d a , e s ta v a em c o n ta to m a is e s t r e i to c o m o s f ié i s ,
e f e tu o u - s e n e s s e s s é c u lo s o b s c u ro s u m a e s p é c ie d e im p re g n a ç ã o
e s p i r i tu a l c u ja s m o d a l id a d e s n o s e s c a p am . À a to n ia d o c l im a
r e l ig io s o d o s s é c u lo s IX e X s u c e d e u u m p e r ío d o d e in te n s a
f e rm e n ta ç ã o . E m n úm e ro c r e s c e n te , s im p le s f ié i s c o m e ç a r am a
te r a c e s s o a u m c e r to c o n h e c im e n to , s e n ã o d a B íb l ia , p e lo m e n o s
d o s p r in c ip a is p r e c e i to s e v a n g é l ic o s . A lg u n s d e le s a c e n tu a r am
a in d a m a is a t r a d iç ã o m o n á s t ic a e r e s u l ta r am em m u i to s c a s o s em
um e s p i r i tu a l i sm o e x a c e rb a d o .É im p re s s io n a n te c o n s ta ta r - q u e a s '
p r im e i r a s h e r e s ia s q u e a p a r e c e r am n o O c id e n te em to m o d o a n o
~ \ m i l ~ a s d a s V ir tu d e s (C h am p a g n e ) , d e A r r a s o u d e M o n fo r te
'\ \ " I (L o m b a rd ia ) - t in h am em c o m um a re c u s a d o m u n d o e d e s u a
\ .v io lê n c ia , o d e s p r e z o p e lo c o rp o e p e la v id a s e x u a l , a s s im c o m o a
I
~ / r e je iç ã o d e e s t r u tu r a s e c le s ia i s e d e s a c r am e n to s , c u ja r n a te r ia l i -
d a d e e r a o fu s c a n te . C e r tam e n te , t r a ta v a - s e d e g ru p o s p o u c o im -
p o r ta n te s , lo g o r e d u z id o s a o s i lê n c io p e la h ie r a r q u ia e c le s iá s t ic a .
M a s e le s n ã o e x p r e s s a r iam , r a d ic a l iz a n d o - a s , a s a s p i r a ç õ e s r e l ig io -
s a s d e m u i to s h o m e n s d a q u e le tem p o q u e , em n o m e d e u m
li te r a l i sm o e v a n g é l ic o r ig o ro s o , te n d iam a e r ig i r em n o rm a s d e
,
!
i!
A . Id a d e M oná s tica e F euda l 5 1
c o m p o r tam e n to p a r a to d o s o s c r i s tã o s a s e x ig ê n c ia s m a is e le v a d a s
d a e s p i r i tu a l id a d e m o n á s t ic a ? S em ir tã o lo n g e , o s p a ta r in o s d a
L o m b a rd ia o u s e u s c o n tem p o râ n e o s d e F lo r e n ç a , q u e o b r ig a r am
o s e u c le r o a a d o ta r o c e l ib a to e a r e n u nc ia r à s im o n ia , c o m p a r t i -
lh a v am e s s e e s ta d o d e e s p í r i to . M a s , lo n g e d e r e iv in d ic a r p a r a s i
p ró p r io s u m a a u to n o m ia e s p i r i tu a l q u a lq u e r , e le s p e d iam s im -
p le sm e n te a o s p a d r e s q u e c u m p r is s em a s u a fu n ç ã o n a Ig r e jà :
o f e r e c e r a o s f ié i s s a c r am e n to s v á l id o s e a D e u s u m s a c r i f íc io q u e
lh e fo s s e a g r a d á v e l .
b ) O com ba te e sp ir itu a l
1 ,
,)
- l i A o a p r e s e n ta r a v id a r e l ig io s a a n te s d e tu d o c o m o um c o m b a te
r : in c e s s a n te c o n t r a o " in im ig o a n t ig o " , a e s p i r i tu a l id a d e m o n á s t ic a
'1 e n c o n t r o u g r a n d e e c o n o s e io d e u m a s o c ie d a d e g u e r r e i r a , c u ja
: : é t ic a p ro f a n a (o q u e o s a u to r e s g e rm â n ic o s c h am a v am R itte r lich e s
~1' T ug end sy s tem ) p r iv i le g ia v a o s v a lo r e s d e lu ta . C e r tam e n te , o f a to
" d e c o n s id e r a r a v id a :r e l ig io s a e m o ra l c o m o u m c o m b a te e n t r e o
:,..J B em e o M a l n ã o é u m a in v e n ç ã o d o s é c u lo X I . P ru d ê n c io , n a
é p o c a p a t r í s t ic a , A lc u ín o e S m a ra g d e , n o s tem p o s c a ro l ín g io s ,
; : \ t in h am d a d o g r a n d e im p o r tâ n c ia em s e u s r e s p e c t iv o s e s c r i to s a o
; - - - - - te m a d a ~ c o -m a q U ia : -~ o u b e e n t r e ta n to ~ p r im e i r a id a d e f e u -
- . d a l - c o m ~ 's e s c u l tu r a s d e M o is s a c e o s a f r e s c o s d e
T a v a n t - p r iv i le g ia r e s s e a s p e c to e f a z e r d e le o e ix o d a v id a
e s p i r i tu a l d e to d a u m a s o c ie d a d e .
O s h o m e n s d o s s é c u lo s X e X I , é p o c a c a r a c te r iz a d a p e la
in s e g u r a n ç a e p e la v io lê n c ia , t r a n s p u s e r am s e u s h á b i to s e s u a s
. p r e o c u p a ç õ e s d e to d o s o s d ia s p a r a o c am p o re l ig io s o : S e g u n d o
t r a b a lh o s r e c e n te s , f u n d a d o s s o b r e u m a in te r p r e tâ ç ã o p s ic a n a l í -
t ic a , a p ró p r ia e s t r u tu r a d o o f ic io m o n á s t ic ó r e s p o n d ia a u m
d e s íg n io d e lu ta c o n t r a a s f o r ç a s d o m a l , à s q u a is o s m o n g e s
te n ta v am a r r a n c a r a s a lm a s d o s f ié i s d e fu n to s , a t r a v é s d e u m a
p r e c e c o n s ta n te e in te n s a . N e s s a p e r s p e c t iv a , a l i tu r g ia m o n á s t ic a ,
em s e u c o n te x to s im u l ta n e am e n te f a u s to s o e s o le n e , r e p r e s e n -
ta r ia a s u b l im a ç ã o d a s p u ls õ e s a g r e s s iv a s d a a r i s to c r a c ia le ig a , q u e
s ó r e n u n c ia v a à v io lê n c ia f í s ic a p a r a lu ta r n o c o m b a te r e l ig io s o . /
O m ile s q u e e n t r a v a n o m o s te i r o a b a n d o n a v a ' s e u c a v a lo e s u a I
e s p a d a , m a s e r a p a r a em p u n h a r a rm a s e s p i r i tu a is in f in i ta m e n te v
m a is e f ic a z e s d o q u e a s d o m u n d o .P /1
.:»
-
)
)
)
)
)
)cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAJ
\1"
1
I
I
I
I
I
!
)
)
)
)
)
)
./
y
)
)
/
)
)
!~{
52 A Espiritualidade na Idade Média Ocidental
'r
."<
/ '- . . J
J
D e q u a lq u e r f o rm a , é c e r t o q u e n e n h u m a é p o c a to m o u m a i s
a s é r i o d o q u e a I d a d e M é d ia a m á x im a e v a n g é l i c a : " O r e in o d o s
C é u s s o f r e v io l ê n c i a . " T o d a a e s p i r i t u a l i d a d e d a é p o c a f e u d a l
e s t a v a s i t u a d a s o b o s ig n o d o e s f o r ç o d o lo r o s o e d a lu t a . N o s
m o s t e i r o s , c u l t i v a v a - s e a a s c e s e c o m o u m in s t r u m e n to d e v o l t a a
D e u s : o s o f r im e n to v o lu n t á r i o p e rm i t i a a o h o m e m r e s t a u r a r j á n a
t e r r a o e s t a d o p r im e i r o d e in o c ê n c i a , d e g r a d a d o p e lo p e c a d o , e
c h e g a r à l i b e r d a d e e s p i r i t u a l . E s s a c o n v i c ç ã o u n iv e r s a lm e n te d i -
f u n d id a l e v a v a a s a lm a s a p a ix o n a d a s p e l a p e r f e i ç ã o à p r o c u r a d o
m a r t í r i o q u e p r o p o r c io n a v a , c o m a c e r t e z a d a s a lv a ç ã o , o s m é r i t o s
n e c e s s á r i o s à I g r e j a e a o s f i é i s f a l e c id o s . S e n ã o h a v i a p e r s e g u i -
d o r e s , i n f l i g i a - s e o m a r t í r i o a s i m e sm o . A a s c e s e b e n e d i t i n a , q u e
c o n t i n u a v a m o d e r a d a e m s u a s m a n i f e s t a ç õ e s , c o m p o r t a v a d o i s
a s p e c to s f u n d a m e n ta i s : a r e n ú n c i a a o s p r a z e r e s d o s s e n t i d o s e a
lu t a c o n t r a a s t e n t a ç õ e s . O s e g u n d o te n d i a a to m a r u m a im p o r -
t â n c i a c r e s c e n t e n o . s é c u lo X I , à m e d id a q u e s e d e s e n v o lv i a a
c r e n ç a n a r e a l i d a d e f í s i c a d o D ia b o e n a s u a o n ip r e s e n ç a . O
m o n g e R a o u l G la b e r d i z i a t e r v i s t o S a t ã p o r v á r i a s v e z e s , s o b a s
a p a r ê n c i a s , d e u m a n im a l im u n d o , e m u i t a s v id a s d e s a n to s d a
é p o c a n o s m o s t r a m e s t e ú l t im o a g r e d in d o e e s p a n c a n d o o s a s -
p i r a n t e s à p e r f e i ç ã o .
M a i s u m a v e z , o s l e ig o s n ã o q u i s e r a m f i c a r p a r a t r á s . M u i to s
d e l e s , n ã o p o d e n d o f a z e r - s e m o n g e s e m M O d e s u a o r ig e m
m o d e s t a , a b r a ç a r a m a v id a e r e m í t i c a , n a q u a l p o d i a m c o n s a g r a r -
s e a u m a s c e t i s m o d e s e n f r e a d o . C o m o a r d o r q u e c a r a c t e r i z a o s
n e ó ~ e l e s r e j e i t a v a m a ~ m o n á s t i c a , q u e t e m p e r a v a , n a
p r a t i c a , o r i g o r d a s o b s e r v â n c í â ã p r é S c i l t ã s e s e a b a n d o n a v a m a
u m e x a g e r o d e m o r t i f i c a ç õ e s , p r o c u r a n d o e s g o t a r s e u c o r p o c o m
je ju n s e s u p l i c i a n d o - o d e m i l m a n e i r a s . E s s a s e v e r id a d e e x c e s s iv a
. ,p a r a c o n s ig o m e sm o c o n t ín u a r í a s e r i d o u m t r a ç o c a r a c t e r í s t i c o
d a e s p i r i t u a l i d a d e p o p u l a r d a I d a d e M é d ia ; d o s e r e m i t a s d o
s é c u lo X I a o s f l a g e l a n t e s d o s é c u lo X N , e n ã o é p o r a c a s o q u e ,
e n t r e o s s a n to s c i s t e r c i e n s e s , o s q u e s e in f l i g i a m a s m a i s r u d e s
p e n i t ê n c i a s f o r a m o s c o n v e r s o s - i s t o é , p e s s o a s d e c o n d i ç ã o
m o d e s t a - , c o m o P ie r r e e N ic o l a s d e V i l l e r s , E r a c o m o s e o s l e ig o s
q u i s e s s e m c o m p e n s a r a s u a in c a p a c id a d e d e l e r o u m e d i t a r a
p a l a v r a d e D e u s p o r u m e x c e s s o d e v io l ê n c i a c o n t r a o s e u p r ó p r io
c o r p o .
E s s a t e n d ê n c i a à p r o c u r a d a s f a ç a n h a s a s c é t i c a s é , c o m o
m u i to s f e n ô m e n o s e s p i r i t u a i s , p r o f u n d a m e n te a m b íg u a : n e l a s e
d
j
1
~
" \..,
,- ~-
A Idade Monástica e Feudal 5 3
e x p r im e m a o m e sm o te m p o u m a o b s e s s ã o a n g u s t i a d a c o m a
s a lv a ç ã o e o d e s e jo d e im i t a r a t é e m s e u s to rm e n to s o C r i s t o
s o f r e d o r , q u e e r a u m a d a s p r im e i r a s m a n i f e s t a ç õ e s d o d e s p e r t a r
e v a n g é l i c o . N ã o s e p o d e e x p l i c a r d e o u t r a m a n e i r a o s u c e s s o d a
f l a g e l a ç ã o v o lu n t á r i a , q u e s e d e s e n v o lv e u n o s é c u lo X I , n o s m e io s
e r e m í t i c o s i t

Continue navegando