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Por uma Justiça Restaurativa ‘real e possível’

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Por uma Justiça Restaurativa ‘real e possível’1 
 
Pedro Scuro Neto 
Escola Superior da Magistratura (RS). 
 
 
PRÓXIMO CONGRESSO DA ONU sobre prevenção de criminalidade vai analisar 
a intensificação do debate acerca da administração da Justiça, e, como testar e 
viabilizar novas formas e métodos de torná-la mais eficiente e menos injusta, mais 
igual para todos [ISPAC, 2004]. Essa preocupação não diz respeito somente ao Brasil, mas 
também a países em que “sobram” recursos e, por isso, não deveria haver impunidade – 
admitindo, é lógico, que justiça seja o mesmo que ‘punição’, isto é, que ao infrator é “dado ou 
feito algo que tenha valor igual ou proporcional” ao sofrimento que infligiu, ao valor que 
subtraiu, ao que é ou ao que merece. Assim, quando digo, “quero justiça”, espero que a 
sociedade faça alguma coisa proporcional ao valor que me foi arrebatado [Telles Júnior, 2001: 
357]. 
Contudo, do ponto de vista dos próprios operadores do Direito no Brasil o sistema está, 
notadamente no Estado de São Paulo, “a um passo do colapso, em vias de parar”. Efetivamente, 
em agosto de 2004 na segunda instância dos tribunais estaduais, à espera de distribuição 
acumulavam-se 450 mil recursos. Na Justiça Federal da 3ª Região havia mais de 1,25 milhão de 
processos em tramitação – o dobro em relação a 1997. “Ao final de 2001, a primeira instância 
apresentava um estoque de 14 milhões de processos. A cada ano, são protocolados quatro 
milhões de novos processos e os juízes do Estado conseguem sentenciar dois milhões de casos 
no mesmo período – o infinito é o limite. Para o país, a morosidade do Judiciário custa, estima-
se, US$ 10 bilhões ao ano”. 
Enquanto isso, “juízes e serventuários – em número notoriamente insuficiente – vêem-
se desmotivados pelas acusações de outros Poderes da República, até com apoio a inspeções 
internacionais no Judiciário, como se as causas do problema fossem desconhecidas. Também 
são vítimas da ameaça de perdas de benefícios que, longe de ser privilégios, funcionam como 
garantia da sua independência. Vêem-se, ainda, sob a pressão dos meios de comunicação, que 
protestam e cobram resultados sem ver os impedimentos ou apresentar soluções”.2 
 
1
 Versão revista e ampliada da contribuição ao seminário internacional ‘Justiça Restaurativa. Um 
Caminho para os Direitos Humanos?’ Instituto de Acesso à Justiça (Brasil)/ Justice (Inglaterra). Porto 
Alegre, 29-30 outubro 2004. 
2
 Ricardo Tosto e Zanon de Paula Barros, Consultor Jurídico, 13 out. 2004. 
O 
 
2
Intelectuais e professores de Direito, por sua vez, procuram ir mais fundo, encaram o 
sistema de Justiça como se fosse um paciente sofrendo de “crise de identidade” causada pelas 
“próprias contradições da cultura jurídica nacional” – fundada na “racionalidade técnico-
dogmática”, em procedimentos lógico-formais e na “retórica da neutralidade”. Daí a proverbial 
incapacidade da Justiça brasileira de “acompanhar o ritmo das transformações sociais e a 
especificidade cotidiana dos novos conflitos coletivos”. 
Para esses pensadores o sistema – em particular, o Judiciário – é “uma instância de 
decisão submissa e dependente da estrutura de poder dominante”, um “órgão burocrático do 
Estado, desatualizado e inerte, de perfil fortemente conservador e de pouca eficácia na solução 
rápida e global de questões emergenciais vinculadas, quer às reivindicações dos múltiplos 
movimentos sociais, quer aos interesses das maiorias carentes de justiça e da população privada 
de seus direitos”. 
Não admira, pois, que de modo incessante a crise do sistema reproduza 
“inoperacionalidade, lentidão, ritualização burocrática, comprometimento com os ‘donos do 
poder’ e falta de meios materiais e humanos” – sintoma de “um fenômeno mais abrangente”: a 
própria “falência da ordem jurídica estatal”, de sua cultura positivista e dogmática, e de um 
Judiciário desprovido de “postura independente, criativa e avançada em relação aos graves 
problemas de ordem política e social”. 
Longe disso: o Judiciário é “elitista”, um órgão de Estado que se esconde por detrás do 
“pseudoneutralismo” e do “formalismo pomposo”, que age com “demasiada submissão aos 
ditames da ordem dominante” e que se move por meio de “mecanismos burocrático-
procedimentais onerosos, inviabilizando, pelos seus custos, o acesso da imensa maioria da 
população de baixa renda”. [Wolkmer, 2004] 
 
1. JUSTIÇA: EFICIÊNCIA E EFETIVIDADE 
 
Com efeito, a cada dia todos nos preocupamos mais e mais com o desempenho da 
Justiça, e temos razões de sobra para isso. O governo brasileiro, por exemplo, recentemente 
desembolsou cem mil reais para saber o que está errado. Concluiu que o sistema é “muito 
complexo, fragmentado, pouco uniforme e pouco conhecido” até mesmo pelos operadores do 
Direito, cada qual conhecedor do “seu universo de atuação profissional”, mas ignorante acerca 
do “todo e suas peculiaridades”. 
Por conta disso, a gigantesca máquina pública colocada a serviço da justiça é ineficiente 
e “traz enormes prejuízos ao País”, tornando “inaccessível a prestação jurisdicional para grande 
parte da população”, transformando “a vida daqueles que tem acesso ao Judiciário numa luta 
 
3
sem fim pelo reconhecimento de direitos”, dificultando “o exercício profissional dos operadores 
do Direito”, penalizando “injustamente os magistrados na sua missão de fazer justiça”, e, ainda, 
inflacionando o nefasto “custo Brasil” [Ministério da Justiça, 2004: 4, 6-7]. 
Aos olhos de Brasília a requisito básico para a melhoria do desempenho da Justiça é a 
eficiência do sistema, expressa pela medida do modo e da produtividade dos operadores do 
Direito – principalmente juízes – na utilização dos recursos colocados a sua disposição. 
Os magistrados, por sua vez, abordam a mesma questão igualmente de uma perspectiva 
gerencial, acentuando, contudo, não os custos, mas a efetividade da Justiça, isto é, se os 
objetivos desta são adequados e em que medida são atingidos. 
Os juízes não acham, assim, que o verdadeiro problema seja implantar uma Justiça 
rápida e barata, mas (pro)ativa e eficaz – o que envolve mais que simples e fragmentadas 
mudanças de caráter constitucional ou gerencial, mas prestar atenção no que “a experiência 
internacional tem indicado”: o êxito de qualquer reforma depende de certos pressupostos 
mínimos. A saber: 
1. Definir explicitamente a mudança que se quer, com as conseqüentes políticas 
públicas a serem adotadas; 
2. Promover mudança de modo integral 
a. englobando todos os âmbitos do sistema, tais como o aperfeiçoamento da 
legislação infraconstitucional, a estrutura e a competência organizacional, as 
relações e os fluxos do Judiciário com outros subsistemas congêneres 
(Ministério Público, Advocacia da União e dos estados, Defensoria Pública e 
advocacia) ou com os quais a relação é subsidiária (polícia judiciária, polícia 
ostensiva e perícia técnica); 
b. envolvendo todas as áreas funcionais (recursos humanos, organização e 
métodos, estatística, compartilhamento e uniformização de dados e de 
informações, etc.); 
c. prevendo e estimando o impacto e as interconexões das mudanças a serem 
promovidas terão nas relações e nos fluxos entre os diferentes subsistemas; 
3. Por fim, de acordo com a experiência internacional e o bom senso, fomentar 
mudanças na base de participação e consenso envolvendo os membros do sistema, 
instituições congêneres e indiretamente relacionadas, tudo concatenado a partir de 
programas de curto, médio e longo prazo, resultado de uma estratégia global 
previamente definida [AMB, 2004: 9-10]. 
 
4
 A preocupação do governo e dos magistrados em entender a Justiça como um sistema 
decorre da pretensão de incrementar a capacidade do Estado de intervir no processo de controle 
das crises e de aprender com ele [Scuro, 2004: 82]. Daí a tendência a formular estratégias, 
posicionar-se em um jogo político que envolve leituras diferenciadas da realidade, utilizando 
múltiplosrecursos e buscando conscientizar, mobilizar amplamente na consecução de objetivos 
comuns definidos a partir perspectivas privilegiadas. 
 
2. JUSTIÇA DIRIGIDA POR VALORES 
 
Os especialistas da ONU, por seu turno, procuram encarar os grandes desafios da 
Justiça Criminal sob uma ótica diferente: a das vítimas e dos infratores, em especial vítimas e 
infratores dos segmentos menos favorecidos da sociedade, com pouco ou nenhum acesso à 
Justiça. 
 
“Depois de um processo em que não pode participar ativamente, a vítima tende 
a sentir que foi agredida novamente. Os infratores, por seu turno, ‘pagam’ pelo que 
fizeram sem se importar com reabilitação. Os juízes cada vez pressentem que estão 
sendo pressionados a ‘inventar condenações’ na hora de prolatar sentenças. Os custos 
judiciais crescem à medida que os processos tornam-se mais longos e complicados. O 
processo retributivo de justiça [receber da sociedade tratamento equivalente ao que foi 
tirado ou feito], tradicionalmente centrado no infrator e no Estado, tornou-se um 
anacronismo, não admitindo sanções que não sejam de caráter tutelar” [ISPAC, op.cit.]. 
 
Nessa conjuntura são propostas e implementadas as reformas do Judiciário, no Brasil e 
em outras partes do mundo. Reformas, porém, que não mudam a abordagem basicamente 
retributiva do sistema. Reformas que se limitam a dar nomes originais a velhas instituições, a 
redefinir jurisdições e competências, sem abalar os modos convencionais de fazer justiça – 
deixam o sistema em desarmonia, virtualmente incapacitado por conta da inconsistência entre os 
princípios que o norteiam (‘prevenção’, ‘pena’, ‘privação’, ‘reabilitação’), confundindo a ação 
de seus integrantes. 
Princípios incongruentes explicam por que políticas e programas de segurança oscilam 
entre a impunidade e o rigor desmedido. Espera-se, por exemplo, a polícia a atuar 
preventivamente, a fazer parcerias com a comunidade, e que os juízes sejam lenientes e criativos 
na hora de aplicar penalidades em casos de infrações de menor poder ofensivo. No entanto, sob 
pressão da opinião pública, o sistema repentinamente se endurece, condutas perigosas são 
incriminadas, qualificadas de hediondas e submetidas a medidas extremas. 
 
5
Em verdade, mudar significa alterar a essência da abordagem do sistema, adotar 
agendas mais ambiciosas, ousadas, delineadas explicitamente para promover mudanças – 
primeiramente, no foco do sistema, nas formas tradicionais de responder ao crime e aos 
múltiplos problemas decorrentes. Exige dar lugar à adequada capacitação da sociedade para 
responder a malfeitos e conflitos, reparar danos infligidos, reintegrar vítimas e infratores, e, 
estabelecer as bases de uma segurança pública sustentável. 
Mudar exige, em segundo lugar, alterar a missão do sistema, para que este seja 
conduzido não mais por políticas ou reformas, mas por prioridades fundamentadas em valores. 
Finalmente, mudar quer dizer alterar o modo corrente de interação no seio do sistema e deste 
com os usuários e a população em geral – diminuir a dependência em relação à lógica 
burocrática e confiar cada vez mais em consenso e participação [Bazemore & Walgrave, 1999: 
65-66] transformando profundamente a experiência de todos e cada um com o sistema de 
justiça. 
A esta agenda corresponde uma nova visão de comunidade, que emerge de uma ordem 
social decomposta, de um lado, entre o realismo fundado no poder e na tutela, e, de outro, o 
liberalismo baseado na lei e no empoderamento. Na esteira da ‘crise’ do sistema de justiça, 
assim como à face da complexidade cada vez maior do comércio, das finanças, das 
comunicações, da saúde, do ambiente, dos direitos humanos, da violência, desordem e 
criminalidade, torna-se cada vez mais urgente um controle social efetivo baseado em inovação 
normativa e institucional [Etzioni, 2004]. 
 
3. MODOS DE JUSTIÇA 
 
Nesse contexto o movimento restaurativo desponta internacionalmente como uma rede 
informal e descentralizada, dedicada à divulgação e à implementação dos valores e 
procedimentos de um modo de justiça que foi deixado em estado de dormência durante todo o 
transcorrer do mundo moderno, mas que agora parece estar reemergindo. 
• Justiça retributiva (ou comutativa) – atua segundo a máxima punitur quia 
peccatum, ou seja, impondo pena proporcional ao mal praticado, adaptada à lógica 
do mercado característica do capitalismo; 
• Justiça distributiva (ou justiça pelo mérito) – não atribuída a todos igualmente, mas 
segundo a situação jurídica e social da conduta do infrator, a quem são destinados 
serviços e benefícios para recuperá-lo e reintegrá-lo à sociedade3; 
 
3
 O Código Penal brasileiro não considera que penalidade seja ‘castigo’, mas condição para a “devolução 
da liberdade”, a ser conquistada progressivamente “pelo mérito” e orientada à “presumida adaptabilidade 
 
6
• Justiça restaurativa (ou justiça do reconhecimento), que visando a correspondência 
entre a sentença judicial e o sentimento de justiça dos atores afetados pela infração. 
 
TABELA 1 – Modos convencionais de Justiça: “recados” 
 
MODO DE JUSTIÇA 
 
 
Retributiva 
 
Distributiva 
 
Restaurativa 
 
SANÇÃO 
 
 
Pena 
 
Tratamento 
 
Compromisso 
 
INFRATOR 
 
Você não presta, preferiu 
cometer uma infração, e 
será punido na proporção 
do que fez. 
 
Você é um coitado, 
pessoa problemática que 
não tem toda a culpa pelo 
que fez. Vamos cuidar de 
você, para o seu próprio 
bem. 
 
 
O que fez teve 
conseqüências e causou 
prejuízos. Você é 
responsável e capaz de 
reparar o que fez. 
 
VÍTIMA 
 
Ao fazer justiça punimos 
o infrator e beneficiamos 
você também. 
 
As necessidades do 
infrator e da Justiça, não 
as suas, são a nossa maior 
preocupação. 
 
 
Precisa fazer o possível 
para que o infrator repare 
o dano que causou. 
 
COMUNIDADE 
 
Intimidar é a melhor 
forma de obrigar o 
infrator a entender que 
seu ato é inadmissível e a 
controlar sua conduta. 
 
 
O infrator deve ser, na 
medida do possível, 
reabilitado por 
especialistas. 
 
A comunidade deve 
contribuir para que as 
partes assumam e 
cumpram o compromisso. 
Fonte: Scuro, 2004b: 275. 
 
Dos três modos de justiça, o restaurativo é precisamente o que melhor atende ao 
imperativo psicológico básico da sociedade moderna: o desejo de reconhecimento [Fukuyama, 
1992]. Diferentemente dos demais, que são motivados por interesses e gratificações hedonistas, 
por expectativas de dor ou prazer (‘eu quero justiça”) essencialmente dissociadas da estrutura do 
sistema social, o reconhecimento assume a mais ampla variedade de formas e estabelecer um 
vínculo jurídico permanente entre a satisfação racional do sentimento de justiça e as garantias 
básicas de cidadania democrática. 
 
 
 
 
 
social” do infrator. Isso faculta ao juiz a aplicação de penas restritivas de direitos e substitutivas da pena 
de prisão a delitos dolosos cuja pena, concretamente aplicada, seja inferior a um ano e aos delitos 
culposos em geral. 
 
7
4. VALORES RESTAURATIVOS 
 
Os valores da justiça restaurativa acarretam, em primeiro lugar, inclusão das partes 
envolvidas – por meio de convite, reconhecimento de interesses, aceitação de pontos de vista 
alternativos – em um processo sistemático e controlado que promove o encontro (reunião, 
narrativa, expressão de emoção, compreensão, acordo) e propicia aos próprios atores a chance 
de determinar o grau apropriado de reparação (desculpas, mudanças de comportamento, 
restituição, generosidade). Envolvem, igualmente, um processo de reintegração (respeito, apoio 
e direcionamento material, moral e espiritual). 
Um sistema de justiça com todos esses valores pode ser qualificado como sendo 
inteiramente restaurativo. No entanto, nenhum sistema pode ser considerado minimamente 
restaurativo sem queos atores diretamente envolvidos sejam convidados a participar, se os seus 
interesses não são levados em conta, se abordagens alternativas não são criadas para propiciar 
total participação na busca desses interesses. 
O elemento de inclusão é indispensável, mas a incorporação dos outros três valores 
torna o sistema de justiça ‘mais restaurativo’. Assim, mesmo que o princípio fundamental da JR 
seja justiça dirigida à restauração do que foi prejudicado ou destruído, não é absolutamente 
essencial que essa restauração seja feita pelo infrator – se este não estiver presente, porque não 
for apanhado, por exemplo, a restauração pode vir por meio do apoio material, material e 
espiritual ativada por outros atores durante o processo de reintegração. 
Do mesmo modo, encontro também é importante, porém não essencial, caso haja 
oportunidade de participar e de restaurar o dano – como dissemos, se um agressor não for 
identificado, o processo de restauração pode ser realizado por outras pessoas. Finalmente, 
mesmo a própria reintegração não é essencial, na medida que vítima e infrator sejam incluídos 
e, em um grau substancial, combinem entre si o modo de reparação. 
Em suma, os valores que devem impulsionar o processo de mudança da Justiça, e 
renovar a energias do sistema são: 
Inclusão: oportunidade de “envolvimento direto e completo de cada uma das partes” 
[Van Ness and Strong, 2002: 126] – o que representa muito mais do que tem sido 
proposto no Brasil para a “democratização do acesso” e “maior envolvimento e 
participação dos cidadãos” [Sousa Santos, 1994: 56] em processos judiciais que podem 
continuar sendo essencialmente tutelares, focalizados no desrespeito do infrator à 
legislação e no exclusivo interesse do Estado de impor retribuição; 
Reparação: chance de reparar o malfeito por meio de desculpa, mudança de 
comportamento, restituição e generosidade, como forma de as partes assumirem 
responsabilidades, reparar e oferecem alternativas para que isso seja realizado; 
 
8
Encontro: oferta de contextos e momentos em que as partes podem encarar um ao outro, 
e decidir o que é relevante na discussão de um problema – o sistema de Justiça Penal 
convencional, por sua vez, “separa as partes, limita seu contato, reduzindo o conflito a 
uma escolha binária de culpado/ inocente, considerando irrelevante toda informação que 
não prove ou confirme diretamente os elementos legais de uma acusação” [Van Ness 
and Strong, op. cit., p. 77]; 
Reintegração: dar a vítimas, infratores e comunidades opções para evitar estigmatização 
e outros problemas – por meio de concreta afirmação de valores pessoais e coletivos, 
maneiras de encarar desafios, satisfazer necessidades imediatas e orientação moral e 
espiritual aliada a esperança – fortalecendo os indivíduos e reforçando os valores e a 
capacidade de resistência da comunidade [Van Ness and Strong, op. cit., p. 121]. 
 
5. TEOR RESTAURATIVO 
 
Na prática se pode, ademais, avaliar o teor restaurativo de um sistema ou rede de 
Justiça, na medida pela qual seus integrantes direcionam vítimas, infratores e comunidade à 
restauração, protegendo-os e os distanciando de danos\ riscos. Isso quer dizer, em primeiro 
lugar, que operadores e gestores do sistema 
• entendem e agem tendo em vista a realização de atividades e objetivos de caráter 
restaurativo; 
• procuram identificar e contemplar as contribuições restaurativas de todos os 
envolvidos; 
• usam procedimentos que buscam realizar objetivos restaurativos; 
• convidam vítimas e infratores e permitem a sua participação de forma irrestrita; 
• propiciam a participação das comunidades; 
• protegem as vítimas mais vulneráveis; 
• promovem e dão espaço e dignidade às vítimas; 
• evitam a desumanização dos infratores; 
• reconheçam e contabilizam as necessidades legítimas de segurança das 
comunidades. 
 
Em segundo lugar, o teor restaurativo da Justiça será maior se operadores e gestores 
• apoiarem as vítimas; 
• identificarem danos e oferecerem m modos tangíveis de restauração às vítimas; 
• favorecerem e encorajarem infratores a se responsabilizar por suas ações; 
 
9
• assistirem e apoiarem vítimas e infratores em seus processos de reintegração; 
• engajarem as comunidades na identificação de suas necessidades e papéis; 
• contribuírem para a segurança e coesão das comunidades; 
• estabelecerem e perseguirem objetivos diretamente relacionados aos propósitos 
restaurativos dos projetos\programas\políticas implementados; 
• avaliarem informações de modo a estabelecer uma imagem sincera e honesta da 
natureza e das atividades dos projetos\programas e políticas restaurativas; 
• proporcionarem informações a todos que desejam promover a JR 
 
Em terceiro lugar, operadores e gestores devem convida todos os atores a participar, mesmo 
quando alguns não quiserem ou não possam. Isso acarreta 
• permitir a completa participação de vítimas, infratores e comunidades; 
• oferecer alternativas para compensar falta (ou limitação) de participação, enquanto 
se busca objetivos restaurativos. 
 
Em quarto lugar, operadores e gestores devem promover envolvimento voluntário – ou seja, 
de modo que a oferta de participação não seja coercitiva, e que a aplicação dos controles 
sociais, quando necessária, não interfira minimamente na restauração dos atores. 
 
Finalmente, tendo em vista a harmonização do papel da Justiça na preservação da ordem 
com o papel da comunidade na consecução de uma paz social justa, operadores e gestores 
devem 
• facilitar, efetivamente, a cooperação entre Justiça e comunidade; 
• coordenar, de modo efetivo, recursos públicos e privados; 
• manter a perspectiva restaurativa diante de pressões políticas e institucionais; 
• criar e utilizar mecanismos para reconhecer e corrigir injustiças e desequilíbrios, 
sempre que surgirem. 
 
 
 
 
 
 
 
10
TABELA 2 – Justiça retributiva e Justiça restaurativa: pressupostos 
 
JUSTIÇA RETRIBUTIVA 
 
 
JUSTIÇA RESTAURATIVA 
 
 
Infração: noção abstrata, violação da lei, ato contra o 
Estado. 
 
 
Infração: ato contra pessoas, grupos e comunidades. 
 
Controle: Justiça penal 
 
 
Controle: Justiça, atores, comunidade. 
 
Compromisso do infrator: pagar multa ou cumprir 
pena. 
 
Compromisso do infrator: assumir responsabilidades e 
compensar o dano. 
 
 
Infração: ato e responsabilidade exclusivamente 
individuais. 
 
 
Infração: ato e responsabilidade com dimensões 
individuais e sociais. 
 
Pena eficaz: a ameaça de castigo altera condutas e 
coíbe a criminalidade. 
 
Castigo somente não muda condutas, além de 
prejudicar a harmonia social e a qualidade dos 
relacionamentos. 
 
 
Vítima: elemento periférico no processo legal. 
 
Vítima: vital para o encaminhamento do processo 
judicial e a solução de conflitos. 
 
 
Infrator: definido em termos de suas deficiências. 
 
Infrator definido por sua capacidade de reparar danos. 
 
 
Preocupação principal: estabelecer culpa por eventos 
passados (Você fez ou não fez?). 
 
Preocupação principal: resolver o conflito, enfatizando 
deveres e obrigações futuras. (Que precisa ser feito 
agora?). 
 
 
Ênfase: relações formais, adversativas, adjudicatórias e 
dispositivas. 
 
 
Ênfase: diálogo e negociação. 
 
Impor sofrimento para punir e coibir. 
 
Restituir para compensar as partes e reconciliar. 
 
 
Comunidade: marginalizada, representada pelo Estado. 
 
 
Comunidade: viabiliza o processo restaurativo. 
 
Fonte: Scuro, 2004b: 277. 
 
6. JUSTIÇA RESTAURATIVA: PRÁTICAS E MODELOS 
 
Não é raro confundir-se o modo restaurativo de Justiça como um todo com seus 
procedimentos ou práticas, principalmente a mediação infrator\vítima, e as câmaras 
restaurativas (além de círculos restaurativos, painéis de impacto, e os conhecidos – porém com 
 
11
limitado teor restaurativo – programas de assistência a vítimas, assistência a ex-infratores, 
restituição, e prestação de serviço à comunidade). 
 
Mediação infrator\vítima. Autorizaas partes a resolver o conflito por si mesmas, em atmosfera 
de informalidade estruturada. Mediação é diferente de arbitragem, em que um tertius ouve os 
dois lados e emite um juízo. Na mediação busca-se uma solução concertada pelos próprios 
envolvidos: o mediador não impõe um resultado; seu papel é capacitar os participantes, 
promover diálogo e um acordo visto como justo por ambas as partes e que conduza à solução do 
problema. 
Nesse sentido a mediação segue o roteiro restaurativo básico – discussão dos fatos, 
expressão de sentimentos; reparação negociada, e comportamento futuro alterado – 
transformando a relação infrator/vítima de uma maneira não previsível nos quadros 
convencionais de resolução de conflitos, e nem mesmo pelos mediadores profissionais. 
Na mediação promove-se um encontro entre as partes envolvidas em um conflito, 
visando um acordo que pode incluir reparação dos danos causados. Os interlocutores devem 
construir, a partir de suas próprias percepções, uma abordagem para atingir um resultado ‘justo’ 
sob as circunstâncias concretas. Esse tipo de prática tem obtido altos índices de participação e 
satisfação por parte dos queixosos, bem como de restituição e redução de infrações, da sensação 
de insegurança ou de impunidade. 
Os envolvidos exprimem sentimentos e percepções acerca do ocorrido, contribuindo 
para dissipar juízos previamente formados; a participação é voluntária, sendo que o infrator 
deve reconhecer que a sua presença no encontro pode ajudar a evitar sanções mais rigorosas. 
A função do mediador é informar as partes, preparar o encontro, registrar e tomar 
providências para que haja um acordo entre as partes. Geralmente recorre-se à mediação 
somente após o réu ter sido condenado ou admitido a culpa, mas há casos em que, na tentativa 
de evitar a abertura de um processo civil ou criminal, a mediação serve de ‘recurso diversório’ – 
á diferença de práticas que dependem, por exemplo, da decisão de um árbitro ou juiz, o sucesso 
da mediação repousa no desempenho do mediador, na forma como este consegue facilitar a 
interação entre as partes e ajudá-las a assumir uma postura proativa. 
O mediador contata vítima e infrator, assegurando que ambos estejam aptos a se 
submeter ao procedimento, atentando para as condições de cada um, de modo a fazer da 
mediação uma experiência construtiva – ou seja, sem expor os interlocutores a novos malefícios 
e garantindo o caráter voluntário de sua participação. 
 
12
Infrator e vítima encontram-se para retificar, endireitar as coisas, cada um apresentando 
sua versão dos acontecimentos e circunstâncias que deram ensejo ao incidente – a vítima fala de 
suas perdas, enquanto o infrator aproveita para se explicar e exprimir arrependimento. 
O objetivo é chegar a um acordo por escrito, sobre a natureza e a extensão dos prejuízos 
materiais e morais, definindo o que pode ser feito para reparar os males causados à vítima, bem 
como estabelecer uma ordem de prioridade ou cronograma para restaurar o que foi perdido, 
destruído ou danificado. 
 
Câmaras restaurativas. Primordialmente um procedimento civil, a mediação é um diálogo 
facilitado em que interlocutores “moralmente equivalentes” negociam um compromisso, ao 
passo que aos casos de vitimização grave e criminosa aplicam-se melhor as câmaras 
restaurativas, que, para regulamentar comportamentos lançam mão do efeito normativo dos 
processos grupais. 
Em casos de violência doméstica, por exemplo, onde os resultados obtidos através de 
mediação são decepcionantes, as câmaras ajudam a estabelecer equilíbrio incluindo novos 
participantes (gente da família e “outros significativos”), com a mediação de coordenadores 
(geralmente assistentes sociais, mas também policiais treinados). 
O que anima as câmaras – e justifica o esforço de desviar conflitos que normalmente 
teriam por destino o sistema de justiça – é a filosofia da restauração e da transformação da 
comunidade. A versão judicial surgiu com a promulgação, em 1989, do “ECA neozelandês” 
(Children, Young Persons and Their Families Act), e com o estabelecimento de novas posturas 
sobre a conveniência de se conferir às famílias e às comunidades autoridade suficiente para 
decidir o que fazer com seus jovens infratores, contando para isso com a participação das 
vítimas e de grupos de apoio4. 
O procedimento foi adotado também na Austrália, Inglaterra, País de Gales, Canadá e 
Estados Unidos, países em que as câmaras têm proporcionado elevados índices de satisfação dos 
participantes e de restituição (entre 90% e 95%), resultados devidamente comprovados através 
de pesquisa científica, além de desenvolvimento de empatia entre infrator e vítima, mudança de 
comportamentos inadequados, melhoria no relacionamento entre famílias, comunidades e 
autoridades, sucesso de medidas socioeducativos, bem como alívio da demanda sobre o sistema 
de justiça. 
 
4
 Existem diferentes concepções (ou “modelos”) de câmaras restaurativas: “quase-judicial” ou 
comunitário (australiano), empregado também na América do Norte; “judicial”: socio-assistencial 
(neozelandês), centrado nas necessidades de infrator e vítimas; e o procedimento que está sendo gestado, 
de início no Rio Grande do Sul, voltado às condições específicas da sociedade brasileira e seu 
ordenamento jurídico. 
 
13
A idéia da versão judicial é justamente envolver famílias e comunidades na resolução de 
problemas causados pelo comportamento de jovens infratores. Justamente por isso as câmaras 
reúnem-se no dia e lugar mais conveniente para os participantes (infrator, vítima, outros 
significativos, advogados e autoridades). 
Um coordenador atua como facilitador e mediador, trabalhando os participantes na 
consecução de um “plano de reparação” que represente um compromisso visto como justo por 
todos. O processo pode ser detido a qualquer momento, em particular quando o infrator mostra 
preferência pelo rito judicial convencional – ao qual também se recorre quando, por qualquer 
razão, se acordo não for cumprido. 
Existem modalidades “especializadas” de câmaras, voltadas a problemas como 
violência familiar e dirigir alcoolizado, além da vertente assistencial, aplicada para autorizar as 
famílias, isto é, colocá-las em um nível superior de intervenção, compatível com as autoridades 
e outros profissionais, visando um plano de ação específico, para casos em que crianças e 
adolescentes precisam de proteção ou demonstrem problemas de conduta – nesses casos as 
câmaras concentram-se nas pontos fortes da família, envolvendo-a com os profissionais e 
autoridades, e engajando os outros significativos no processo. 
Os objetivos são (1) elevar o grau de consciência e envolvimento em casos de abusos 
vitimando crianças e adolescentes, (2) aumentar a responsabilidade e a transparência de todos os 
envolvidos, e (3) minimizar a dependência em relação a profissionais e serviços públicos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Infrator 
Vítima 
 
Juizado 
 
Coordenador 
 
 
 
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CÂMARAS RESTAURATIVAS 
Que são? 
Reunião de pessoas afetadas por conduta causadora de dano grave (perda de 
propriedade, lesão corporal, clima de insegurança). Foro onde infratores, vítimas e as pessoas 
que, de alguma forma, lhes dão apoio, encontram meios de reparar os prejuízos e evitar a 
repetição da conduta negativa. 
Quem vai? 
O infrator, a vítima, seus respectivos apoios e as autoridades que investigam o incidente, 
sob os auspícios de um mediador devidamente treinado para (1) decidir se e quando uma 
câmara deve ser convocada; (2) selecionar, contatar e convocar os participantes;. (3) preparar e 
dirigir os trabalhos; (4) redigir um acordo entre as partes; (5) avaliar os resultados, acompanhar 
os participantes, disseminar e reproduzir conhecimentos. 
O que acontece? 
Os participantes têm chance de relatar os acontecimentos a partir do seu próprio ponto 
de vista, bem como dizer o que aconteceu desde então. Todosadquirem claro entendimento 
acerca das conseqüências do comportamento em questão, tomam consciência do que deve ser 
feito para que os danos físicos e emocionais de algum modo sejam reparados, bem como 
minimizar efeitos negativos futuros. Um termo deve ser lavrado e assinado por cada um dos 
participantes, que recebem cópia do acordo. 
Quais são os resultados? 
Os termos do acordo podem incluir pedido formal de desculpas, garantia que o 
comportamento prejudicial não voltará a ocorrer, ressarcimento dos danos (em dinheiro, quando 
apropriado), reparação de danos materiais, serviço comunitário, compromisso de assumir 
comportamento adequado. Os resultados dependem da capacidade do grupo de realizar os 
termos do acordo. 
Quanto dura? 
Depende da complexidade e das circunstâncias do incidente, do número de pessoas 
envolvidas ou interessadas em tomar parte. A duração média esperada é de 90 minutos. 
Quais são as vantagens? 
As vítimas têm oportunidade e um foro seguro para dizer como foram afetadas. 
Desempenham papel importante na decisão sobre a melhor maneira de reparar o dano sofrido e 
minimizar conseqüências futuras. As famílias e as pessoas que dão sustentação também 
 
15
comentam o incidente e os seus efeitos. Os infratores, em vez de esquivar-se e distanciar-se das 
pessoas que prejudicaram, confrontam as conseqüências do seu comportamento e assumem total 
responsabilidade. A câmara restaurativa lhes oferece a oportunidade de retornar ao convívio da 
comunidade. Todos aprendem muito no decorrer do processo e depois dele. 
 
7. JUSTIÇA RESTAURATIVA AGORA 
 
Percebe-se, do que acima foi dito, a tendência a identificar tanto os fatores de sucesso 
(‘best practices’) quanto os principais obstáculos a reformas nos sistemas de Justiça no sentido 
restaurativo. Em nível internacional discute-se, portanto, a viabilidade de estimular pesquisas 
baseadas em evidências científicas sobre a eficácia de novas estruturas e procedimentos, assim 
como a viabilidade de cooperação, troca de informações, treinamento, assistência e 
acompanhamento técnico. 
 Enquanto isso, a perspectiva de mudança segue sendo medida exclusivamente em 
termos do engajamento dos gestores com reformas restritas a determinadas áreas (família, 
infância e juventude) e a crimes de menor potencial ofensivo. Nesse sentido, o esforço 
reformador tem se pautado atualmente pela busca de ‘interseções’ no sistema5, bem como a 
problemas ou circunstâncias que os modos convencionais de Justiça (retributivo e distributivo) 
normalmente não conseguem conduzir ou resolver a contento – sempre em linha com singelas 
intenções de facilitar o acesso dos desprivilegiados aos serviços da Justiça. 
Assim, por mais de duas décadas associações de magistrados brasileiros têm 
incentivado a criação de centros de mediação. Ao mesmo tempo, no Brasil e no exterior os 
governos tentam “humanizar’ o trabalho da polícia, aproximando-a da população – na intenção 
de reafirmar o poder estatal e encontrar meios para compensar um generalizado desencanto em 
relação à capacidade da Justiça de resolver problemas de modo adequado, rápido, e de um jeito 
que as pessoas comuns possam entender. 
Enquanto isso, de um modo bem mais modesto, por meio de experimentos ou projetos 
piloto alguns buscam interseções ‘externas’ ao sistema, contando, porém, com algum feedback 
de juizados em casos de crime, violência e desordem em escolas, por exemplo [Scuro 2000]. 
Uma terceira interseção surgiu quando ousados magistrados gaúchos identificaram no 
processo legal estágios ou situações de decisão que podem recepcionar procedimentos da Justiça 
Restaurativa. Foi o caso dos ‘júris restaurativos’ promovidos por João Abílio Rosa na década de 
1990, a partir de um modelo aplicado por juizados na Holanda, e dos pioneiros ensaios 
 
16
diversórios de Leoberto Brancher, baseados no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas com 
sentido restaurativo. 
Mais recentemente, também no Rio Grande do Sul, um seminário promovido pela 
Escola Superior da Magistratura, e coordenado pela Drª. Beatriz Aguinsky, da Pontifícia 
Universidade Católica, propôs que se confiasse a busca de interseções a técnicos e gestores da 
Justiça da Infância e Juventude familiarizados com os princípios da JR, aptos a aplicar seus 
procedimentos e avaliar sua implementação. 
De um modo geral, visto globalmente, o progresso da Justiça Restaurativa em países em 
que os sistemas jurídicos são muito centralizados e firmemente estabelecidos em disposições 
estatutárias – como é o caso não somente do Brasil, mas também da América Latina e da 
Europa, o grande desafio da JR pode não ser mostrar desempenho superior, mas adaptar-se às 
demandas do sistema existente, em especial o tremendo crescimento da demanda que paralisa a 
Justiça e dá ao sistema uma imagem assaz negativa. 
Conseqüentemente, o verdadeiro campo de batalha para a JR contra o crime e o 
desrespeito à lei no Brasil pode ser os juizados especiais, originalmente conhecidos como de 
‘pequenas causas’, orientados a soluções por conciliação de controvérsias e conflitos. Essas 
instituições foram lançadas inicialmente no Rio Grande do Sul (1982); hoje em dia há 169 delas 
em todo o Estado, tentando dar conta de um enorme acréscimo de demanda (foram, dois mil no 
primeiro ano, e hoje são 200 mil) – os juizados especiais criminais, em particular, enfrentam 
uma polêmica: a troca da pena por outras medidas e retributivas tem gerado a sensação de 
impunidade. 
Contudo, nas palavras de Ricardo Schmidt, magistrado que coordena os juizados 
especiais gaúchos, eles são a “única alternativa que a nossa geração construiu de uma Justiça 
diferente, rápida e eficaz para o cidadão comum”. Como tal – assim como europeus, norte-
americanos e todos os outros povos ao redor do mundo, sentem em relação a seus próprios 
sistemas de justiça – é preciso fazer um upgrade, ou seja, os juizados especiais são uma 
alternativa que “precisa ser aperfeiçoada, embora não seja solução para todos os problemas”6. 
A introdução de práticas certificadas de Justiça Restaurativa pode ser justamente o que 
os juizados especiais estão precisando – e o que a própria JR precisa para funcionar sob 
supervisão competente e garantida, e contribuir para restaurar a imagem da Justiça no Brasil e 
dar feição definitiva ao progresso dos direitos humanos sob o estado de Direito e a democracia. 
 
 
5
 Conjunturas de decisão que podem recepcionar procedimentos restaurativos – no contexto do sistema de 
Justiça, isto é, o “fluxo ordenado de decisões ou atos administrativos que se inicia com a atuação da 
polícia e termina com a reintegração do infrator à sociedade” [Scuro, 2004b: 203]. 
 
17
BIBLIOGRAFIA 
 
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(Bazemore & Walgrave, org.). Monsey, NY: Criminal Justice Press. 
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Wolkmer, Antonio Carlos. 
2004 Pluralismo jurídico. Fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: 
Alfaômega. 
 
6
 Zero Hora, 19 ago. 2004.