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Câncer: Mecanismos e Desenvolvimento

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23
CÂNCER
O câncer é responsável por cerca de um quinto das mortesnos Estados Unidos a cada ano. No mundo, entre 100e 350 em cada grupo de 100 mil pessoas morrem de
câncer a cada ano. O câncer é uma decorrência de falhas nos
mecanismos que nOfl~almente controlam o crescimento e a
proliferação celular. Durante o desenvolvimento normal e
durante toda vida adulta, sistemas complexos de controle ge-
nético regulam o equilíbrio entre o nascimento e a morte ce-
lulares em resposta a sinais de crescimento, inibição do cresci-
mento e morte. As taxas de nascimento e morte celular deter-
minam o tamanho do corpo adulto, bem como a taxa de cres-
cimento para atingir esse tamanho. Em alguns tecidos adul-
tos, a proliferação celular ocorre continuamente, em uma es-
tratégia constante de renovação dos tecidos. As células do epi-
télio intestinal, por exemplo, vivem por alguns dias apenas e,
então, morrem e são substituídas; algumas células brancas do
sangue são substituídas também nesta rapidez, e as células da
pele sobrevivem, normalmente, apenas duas a quatro semanas
antes de serem descartadas. Entretanto, as células de diversos
tecidos adultos normalmente não proliferam, exceto durante
os processos de cicatrização. Essas células estáveis (como os
hepatócitos, as células do músculo cardíaco e os neurônios)
podem permanecer funcionais por longos períodos ou mesmo
por toda a vida de um organismo.
As perdas da regulação celular que originam a maioria, se-
não todos os cânceres, são decorrentes de lesões celulares (Fi-
gura 23-1). Mutações em duas grandes classes de genes estão
envolvidas no estabelecimento do câncer: os proto-oncoge-
nes e os genes supressores tumorais. Os proto-oncogenes são
ativados, originando os oncogenes, por mutações que causam
a ativação excessiva da promoção do crescimento. Tanto o au-
mento da expressão gênica como a síntese de um produto hi-
perativo terá esse resultado. Os genes supressores rumorais
normalmente limitam o crescimento; então, a sua lesão per-
Um esfregaço sangüíneo de um indivíduo com leucemia mielogêni-
ca (mielóide) aguda. As células gigantes com núcleos de forma
irregular e coradas em roxo são células leucêmicas. As pequenas
células circulares de coloração vermelho-acinzentada são as célu-
las sangüíneas normais. IMargaret Cubberly/Phototake.l
rnite um crescimento inadequado. Diversos genes em cada clas-
se codificam proteínas que auxiliam a regulação do nascimen-
to celular (isso é, a entrada e progressão pelo ciclo celular) ou
a morte celular por apoptose; outros codificam proteínas que
participam no reparo de DNA danificado. O câncer normal-
mente resulta de mutações que surgem durante uma longa
exposição a carcinógenos, que incluem certos compostos quí-
micos e a radiação ultravioleta. As mutações que causam o
câncer ocorrem, em sua maioria, nas células somáticas e não
nas células germinativas. As mutações sornáticas não são pas-
sadas à próxima geração. Em contraste, algumas mutações
hereditárias, presentes nas células germinativas, aumentam a
probabilidade da ocorrência de câncer. Em uma parceria des-
trutiva, as mutações somáticas podem se associar a mutações
hereditárias, causando o câncer.
Portanto, esse processo de desenvolvimento do câncer, de-
nominado oncogênese ou tumorigênese, resulta da interação
SUMÁRIO
23.1 As Células Tumorais e o Estabelecimento do
Câncer
23.2 As Bases Genéticas do Câncer
23.3 Mutações Oncogênicas em Proteínas
Promotoras do Crescimento
23.4 Mutações que Provocam a Perda da Inibição
do Crescimento e dos Controles do Ciclo
Celular
23.5 Função dos Carcinógenos e Reparo do DNA
no Câncer
934 CAPíTULO 23 • Câncer
Potencial replicativo
ilimitado
.•. FIGURA 23-1 Visão global das alterações celulares que causam
câncer. Durante a carcinogênese, seis propriedades celulares fun-
damentais são alteradas, como mostrado acima, originando o fe-
nótipo mais completo e agressivo do câncer. Os tumores menos
perigosos apresentam apenas algumas destas características. Neste
capítulo examinaremos as alterações genéticas que resultam na
modificação destas propriedades. [Adaptada de D. Hanahan and
R. A. Weinberg, 2000, cell 100:57.]
de fatores genéticos e ambientais. A maioria dos cânceres sur-
ge após os genes terem sofrido alterações pelos carcinógenos
ou por erros durante a cópia e o reparo dos genes. Mesmo que
o dano genético ocorra apenas em células somáticas, a divisão
dessas células irá transmitir a lesão a outras células-filha, origi-
nando um done de células alteradas. Raramente, uma muta-
ção em um único gene leva ao estabelecimento do câncer. Mais
tipicamente, uma série de mutações em diversos genes cria
um tipo celular com capacidade de proliferação progressiva-
mente mais rápida, que escapa das limitações normais de cres-
cimento, criando uma oportunidade para mutações adicio-
nais. Subseqüentemente, o done de células gera um tumor.
Em alguns casos, as células desse tumor primário migram para
novos locais (rnetástase), formando tumores secundários que,
freqüentemente, têm um grande impacto sobre a saúde.
A rnetástase é um processo complexo, com várias etapas. A
invasão de novos tecidos não é aleatória, dependendo da na-
tureza da célula metas tática e do tecido invadido. A metástase
é facilitada se as células do tumor produzem fatores de cresci-
mento e angiogênicos (indurores do crescimento de vasos san-
güíneos). As células deformadas, móveis, invasivas e que for-
mam agregados são as mais perigosas. Os tecidos sob ataque
são mais vulneráveis se produzirem fatores de crescimento e
promamente facilitarem o surgimento de novos vasos. Serão
mais resistentes os tecidos que produzirem fatores antiprolife-
rativos inibidores de enzimas proteolíticas e fatores antiangi-
ogênese.
A pesquisa das bases genéticas de um determinado tipo de
câncer normalmente inicia pela identificação de um ou mais
gene com mutações nas células tumorais. A seguir, é impor-
tante saber se o gene alterado está contribuindo para o tumor
ou é um evento colateral irrelevante. Essas pesquisas geral-
mente empregam várias abordagens: comparações epidemio-
lógicas da freqüência com a qual a alteração genética é associa-
da ao tipo de tumor em questão, testes das propriedades de
crescimento das células em cultura que possuem a mutação
específica, e a análise da doença em modelos animais (nor-
malmente camundongos) para determinar se a mutação pode
ser implicada como causal. Uma análise mais sofisticada é pos-
sível quando o gene alterado é conhecido e codifica um com-
ponente de uma via molecular específica (por exemplo, uma
via de sinalização inrracelular). Neste caso, é possível alterar
outros componentes da via e observar se o mesmo tipo de
câncer se desenvolve.
Como as inúmeras alterações que originam um tumor po-
dem levar vários anos para se acumular, a maior parte dos cân-
ceres ocorre após a idade adulta. A ocorrência do câncer após
a idade de reprodução pode ser o motivo pelo qual as corren-
tes evolucionárias não desenvolveram mais mecanismos para
suprimir o câncer. A necessidade de várias mutações também
diminui a freqüência de câncer em comparação com a fre-
qüência necessária caso a tumorigênese fosse desencadeada por
uma única mutação. Um enorme número de células sofre
mutagênese e verificação para avaliar o crescimento alterado
durante nossa vida, um tipo de seleção evolucionária das célu-
las que sofrem proliferação. Felizmente, o tumor em si não é
herdado. .
&11 As Células Tumorais e o
Estabelecimento do Câncer
Antes de examinarmos as bases genéticas do câncer em deta-
lhe, vamos considerar as propriedades das células tumorais que
as distinguem das células normais, e o processo geral da onco-
gênese. As alterações genéticas que originam a oncogênese al-
teram várias propriedades fundamentais das células, permi-
tindo que elas escapem aos controles normais de crescimento
e,finalmente, exibam o fenótipo completo do câncer (ver fi-
gura 23-1). As células cancerosas adquirem um estímulo para
ptoliferação que não requer um sinal indutor externo. Elas
não respondem a sinais que restringem a divisão celular e con-
tinuam a viver, quando deveriam morrer. Essas células geral-
mente alteram a interação com as células que as cercam ou
com matriz exrracelular, e ficam livres para se dividir mais ra-
pidamente. Uma célula cancerosa pode, até certo ponto, asse-
melhar-se a um determinado tipo celular normal, que apre-
senta rápida divisão celular, mas a célula cancerosa e sua pro-
gênie apresentam imortalidades inadequadas. Para crescer além
de um pequeno tamanho, os tumores necessitam um aperte
sangüíneo e, normalmente, o conseguem através da sinaliza-
ção para a indução do crescimento dos vasos sangüíneos den-
tro do tumor. À medida que o câncer se desenvolve, os tumo-
res tornam-se órgãos anormais, cada vez mais adaptados para
crescer e invadir os tecidos ao seu redor.
As Células Tumorais Metastáticas São Invasivas e
Podem se Disseminar
Os tumores surgem com alta freqüência, especialmente em
indivíduos idosos, mas a maioria impõe pouco risco ao seu
hospedeiro, porque estão localizados e têm tamanho peque-
no. Esses tumores são chamados benignos; um exemplo são as
berrugas, tumores benignos de pele. As células que compõe
um tumor benigno assemelham-se e podem funcionar como
as células normais. As moléculas de adesão celular que man-
têm os tecidos unidos, mantêm as células dos rumores benig-
nos como as células normais, localizadas nos tecidos que as
originam. Uma cápsula fibrosa geralmente delimita a exten-
são de um tumor benigno e o torna um bom alvo para cirur-
gia. Os tumores benignos são problemas sérios quando inter-
ferem com as funções normais pelo seu tamanho, ou quando
secretam quantidades excessivas de substâncias biologicamen-
te ativas, como hormônios. A acromegalia, que é o crescimen-
to exacerbado da cabeça, das mãos e dos pés, por exemplo,
pode ocorrer quando um tumor benigno da pituitária provo-
ca a superprodução do hormônio do crescimento.
Em contraste, as células que compõem um tumor malig-
no, ou câncer, geralmente crescem e se dividem mais rapida-
mente do que o normal, não morrem em taxas normais (por
exemplo, leucemia linfocítk_a crônica, um tumor das células
sangüíneas brancas), ou invadem os tecidos adjacentes sem
uma alteração significativa na sua taxa de proliferação (por
exemplo, tumores menos agressivos das células da glia). Al-
guns tumores malignos, como os de ovário e mamas, perma-
necem localizados e encapsulados, pelo menos por algum
tempo. Quando esses tumores progridem, as células inva-
dem os tecidos adjacentes, entram no sistema circulatório
e estabelecem áreas de proliferação secundárias, um pro-
cesso chamado de metástase. A maioria das células malig-
nas adquire a capacidade de formar metástases. Portanto,
(a)
i. FIGURA 23-2 Vistas macro e microscópica de um tumor invadin-
do o tecido hepático normal. (a) A morfologia macroscópica de um
fígado humano no qual está se desenvolvendo um tumor metastá-
tico de pulmão. As protuberãncias brancas na superfície do fígado
CAPíTULO 23 • Câncer 935
as principais caracrerisncas que diferenciam os tumores
metastáticos (malignos) dos benignos são a capacidade de
invasão e a disseminação.
As células cancerosas podem ser, normalmente, diferen-
ciadas das células normais pelo exame microscópico. Elas são
menos diferenciadas do que as células normais ou do que as
células dos tumores benignos. Em um tecido específico, as
células malignas geralmente exibem as características de célu-
las com crescimento rápido, isso é, uma alta proporção do
núcleo em relação ao cito plasma, nucléolo proeminente e re-
lativamente poucas estruturas especializadas. A presença de
células invasoras em uma seção de tecido normal é utilizada
no diagnóstico de malignidade (Figura 23-2).
As células normais estão restritas ao seu lugar, em um ór-
gão ou tecido, pela adesão celular e por barreiras físicas, como
a lâmina basal, que se situa subjacente às camadas de células
epireliais e envolve as células endoteliais dos vasos sangüíneos
(Capítulo 6). As células cancerosas têm uma complexa relação
com a matriz extracelular e lâmina basal. As células devem
degradar a lâmina basal para penetrar e, assim, rnerastatizar,
mas, em certos casos, as células podem migrar ao longo da
lâmina. Várias células rumorais secretam uma proteína (ativa-
dor de plasminogênio) que converte a proteína sérica plasmi-
nogênio na proteína ativa piasmina. A atividade aumentada
da piasmina promove a metástase pela digestão da lâmina ba-
sal, permitindo a penetração das células rumorais. À medida
que a lâmina basal é desintegrada, algumas células tumorais
entram na corrente sangüínea, mas menos de 1 em 10.000
células que escapam do tumor primário sobrevivem e coloni-
zam um outro tecido e formam um tumor secundário metas-
tático. Além de escapar do tumor original e entrar no sangue,
as células que irão semear os novos tumores devem se aderir a
uma célula do revestimento endotelial, um capilar, e migrar
através do tecido subjacente. As várias passagens através de
camadas de tecidos que envolvem o tumor maligno freqüen-
(bl Células tumorais Células normais
são as massas tumorais. (b) Uma micrografia óptica de uma seção
do tumor em (a) mostrando áreas com pequenas células tumorais
coradas em escuro, invadindo uma região de células hepáticas
normais, maiores e de coloração mais clara. [Cortesia de J. Braun.l
936 CAPíTULO 23 • Câncer
emente envolvem proteínas de superfície, novas ou formas
variantes, produzidas pelas células malignas.
Além das importantes alterações nas proteínas da superfí-
cie celular, alterações drásticas ocorrem no citoesqueleto, du-
rante a formação das células cancerosas e na metástase. Essas
alterações podem resultar de alterações na expressão dos genes
que codificam Rho e outras pequenas GTPases que regulam o
citoesqueleto de actina (Capítulo 19). Por exemplo, células
tumorais que superexpressam o gene RhoC foram encontradas
e sua atividade aumentada estimula a metástase.
O Câncer Normalmente Origina-se de
Células em Proliferação
Para que a maioria das mutações oncogênicas induza o câncer,
elas devem ocorrer nas células em divisão, de modo que a
mutação seja passada a várias células da progênie. Quando
essas mutações ocorrem em células que não sofrem divisão
(por exemplo, neurônios e células musculares), geralmente não
há indução do câncer, o que explica porque os tumores de
células nervosas e musculares são raros em adultos. Por outro
lado, o câncer pode ocorrer nos tecidos compostos principal-
mente por células diferenciadas que não sofrem divisão, como
os eritrócitos e a maioria das células sangüíneas brancas, nas
células absortivas que revestem o intestino delgado, e nas cé-
lulas queratinizadas que formam a pele. As células que ini-
ciam os tumores não são as células completamente diferencia-
das, mas sim suas precursoras. As células completamente dife-
renciadas normalmente não se dividem. À medida que mor-
rem ou tornam-se gastas, essas células são continuamente subs-
tituídas pela proliferação e diferenciação das células-tronco
(stem cells), e estas células são capazes de se transformar em
células tumorais.
No Capítulo 22, aprendemos como as células-tronco se
perpetuam e originam as células diferenciadas que podem re-
generar um tecido específico à vida de um organismo (ver Fi-
gura 22-2). Por exemplo, diversas células sangüíneas diferen-
ciadas têm uma vida curta e são continuamente repostas a
partir das células-tronco hematopoéticas (formadoras do san-
gue) na medula óssea (ver Figura 22-5). Da mesma forma,
populações de células-tronco no intestino, fígado, pele, ossos
e outros tecidos originam todos ou muitos dos tipos celulares
nesses tecidos, substituindoas células velhas ou mortas, por
vias semelhantes a da hematopoese na medula óssea. Similar-
mente, dentro do tumor, existem apenas determinadas células
com capacidade de divisão descontrolada e de gerar novos tu-
mores; essas células são as células-tronco do tumor.
Como as células-tronco podem se dividir continuamente
durante a vida de um organismo, as mutações oncogênicas
no seu D - A podem ser acumuladas, transformando-as em
células cancerosas. As células que adquiriram essas muta-
ções possuem uma capacidade proliferativa anormal e ge-
_ralmente não podem sofrer os processos normais de dife-
renciação. Várias mutações oncogênicas, como as que im-
pedem a apoprose ou que produzem sinais promotores de
crescimento indevidamente, podem também ocorrer em
células progenitoras mais diferenciadas, que ainda se repli-
cam. Essas mutações em células hematopoéticas progenito-
ras podem levar a diversos tipos de leucemia.
As células animais normais são geralmente classificadas de
acordo com seu tecido embrionário de origem, e a denomina-
ção dos tumores segue essa classificação. Os tumores malignos
são classificados como carcinomas, se derivam do endoderma
(epitélio intestinal) ou do ectoderma (epitélios da pele e neu-
ral), e como sarcornas, se forem derivados do mesoderma (mús-
culos, sangue e precursores do tecido conjuntivo). As leuce-
mias, uma classe de sarcomas, crescem como células indivi-
duais no sangue, enquanto a maioria dos outros tumores é
uma massa sólida. (O nome leucemia é derivado do latim, "san-
gue branco": a enorme proliferação das células leucêmicas dá
ao sangue do paciente uma aparência leitosa.)
O Crescimento do Tumor Requer a Formação de
Novos Vasos Sangüíneos
Os tumores, primários e secundários, necessitam o recruta-
mento de novos vasos sangüíneos para aumentar de massa.
Na ausência de aporte sangüíneo, um tumor pode crescer até
uma massa de 106 células, o tamanho aproximado de uma
esfera com 2 mm de diâmetro. A esse ponto, a divisão das
células na parte externa da massa tumoral é equilibrada pela
morte das células no centro do tumor, devido ao fornecimen-
to inadequado de nutrientes. Esses tumores, a menos que se-
cretem hormônios, causam poucos problemas. Entretanto, a
maioria dos tumores induz a formação de novos vasos sangüí-
neos que invadem o tumor e o nutrem, um processo chamado
angiogênese. Este processo complexo requer várias etapas di-
ferentes: degradação da lâmina basal que envolve um capilar
próximo, migração das células endoteliais que revestem o ca-
pilar para dentro do tumor, divisão dessas células endoteliais e
formação de uma nova membrana ao redor do capilar alongado.
Muitos tumores produzem fatores de crescimento que es-
timulam a angiogênese; outros tumores induzem, de alguma
forma, as células adjacentes normais a sintetizar e secretar es-
ses fatores. O fator de crescimento fibroblástico básico (bFGF)
o fator de crescimento tumoral a (TGFa) e o fator de cresci-
mento endotelial vascular (VEGF), que são secretados po
vários tumores, todos têm propriedades angiogênicas. Os no-
vos vasos sangüíneos nutrem o tumor em crescimento, permi-
tindo que aumente seu tamanho e aumentando, também, a
probabilidade de ocorrência de mutações mais prejudiciais.
presença de um vaso sangüíneo adjacente também facilita o
processo de metástase.
Diversas proteínas naturais que inibem a angiogê-
nese (por exemplo, angiogenina e endostatina) ou
antagonistas de receptor de VEGF têm suscitado
grande interesse como potenciais agentes terapêu-
ticas. Embora novos vasos sejam constantemente formados
durante o desenvolvimento embrionário, apenas uns poucos
são formados normalmente nos adultos, exceto após uma le-
são. Portanto, um inibidor específico da angiogênese pode se:
eficiente contra vários tipos de tumores, além de apresenta:
poucos efeitos adversos .•
11:. .
Células em Cultura Podem Ser Transformadas em
Células Tumorais
A morfologia e as propriedades de crescimento das células tu-
morais diferem, claramente, das suas correspondentes normais;
algumas diferenças são também evidentes em células cultiva-
das. Experimentos de transfecção com uma linhagem de célu-
las de fibroblastos de camundongo em cultura, chamada 3T3,
estabeleceram conclusivamente que essas mutações causam as
diferenças entre as células. As células 3T3 normalmente cres-
cem apenas quando fixadas à superfície plástica de uma placa
de cultura e são rnantidas em baixa densidade celular. Como
as células 3T3 cessam seu crescimento quando se encostam
em outras células, forma-se uma monocamada bem-ordenada
de células que pararam de proliferar e estão na fase quiescente
Go do ciclo celular (Figura 23-3a).
Quando o DNA de células humanas de câncer de bexiga é
rransfectado nas células 3T3 em cultura, aproximadamente
uma célula em um milhão incorpora um segmento específico
do DNA exógeno, que provoca uma alteração fenotípica dis-
tinta. A progênie da célula afetada são células mais arredonda-
das e menos aderentes umas às outras e à placa, em compara-
ção às células normais que as cercam, e formam um agregado
tridimensional de células (um foco) que é reconhecido ao mi-
croscópio (Figura 23-3b). Essas células, que continuam a cres-
cer enquanto as células normais tornaram-se quiescentes, so-
freram transformação oncogênica. As células transformadas
têm propriedades semelhantes às das células do tumor malig-
no, incluindo alterações na morfologia celular, capacidade de
crescimento livre da matriz extracelular, necessidade reduzida
de fatores de crescimento, secreção do ativado r de plasmino-
gênio e perda dos microfilamentos de actina.
A Figura 23-4 ilustra o procedimento de transformação
das células 3T3 com DNA de células humanas de câncer de
(a)
.t. FIGURA EXPERIMENTAL 23-3 Micrografia eletrônica de varre-
dura revela as diferenças organizacionais e morfológicas entre cé-
lulas 3T3 normais e transformadas. (a) As células 3T3 normais são
alongadas e alinhadas, compactadas de modo ordenado. (b) As
células 3T3 transformadas por um oncogene codificado pelo vírus
do sarcoma de Rous são arredondadas e cobertas por pequenos
processos semelhantes a pêlos e projeções bulbares. As células
CAPíTULO 23 • Câncer 937
bexiga, e a clonagem do segmento de DNA específico que
provoca a transformação. Foi impressionante encontrar um
segmento tão pequeno de DNA com essa capacidade; se mais
de um segmento fosse necessário, o experimento não daria
certo. Estudos subseqüentes mostraram que o segmento c10-
nado continha uma versão mutante do gene celular ras, desig-
nado raPo A proteína Ras normal, que participa em diversas
vias de transdução de sinais ativadas por fatores de crescimen-
to, alterna um estado inativo "desligado", com GDP ligado, e
um estado ativo "ligado", quando ligado ao GTP A proteína
RasD murada hidrolisa GTP muito lentamente e, portanto,
acumula-se no estado ativo, enviando ao núcleo um sinal de
estirnulaçâo do crescimento, mesmo na ausência dos hormô-
nios normalmente necessários à ativação da sua função sinali-
zadora.
A produção e a ativação constitutiva de uma proteína RasD
não é suficiente para causar a transformação das células nor-
mais em uma cultura primária (nova) de fibroblastos huma-
nos ou de camundongos. Ao contrário das células em cultura
primária, porém, as células 3T3 cultivadas sofreram uma mu-
tação de perda-de-função no gene p16, que codifica um inibi-
dor da ciclina-quinase, que restringe a progressão pelo ciclo
celular. Essas células podem crescer por um tempo indeterrni-
nado em cultura, desde que sejam periodicamente diluídas e
abasteci das com nutrientes, o que as células normais não po-
dem fazer (ver Figura 6-37b). Essas células 3T3 imortais são
transformadas em células tumorais completas somente quan-
do produzem uma proteína Ras com ativação constirutiva. Por
isso, a transfecção com o gene rasD pode transformar as célu-las 3T3, mas não pode transformar as células fibroblásticas
primárias normais em cultura em células tumorais.
Uma versão mutante do gene ras é encontrada na maioria
dos cânceres de colo, bexiga e outros, mas não no DNA hu-
mano normal; portanto, ela deve surgir como resultado de
(b)
transformadas perderam a organização lado a lado das células nor-
mais e crescem umas por cima das outras. Estas células transfor-
madas possuem muitas propriedades em comum com as células
malignas. Alterações semelhantes são observadas em células trans-
fectadas com DNA de cânceres humanos contendo o oncogene
res". [Cortesia de L.-B. Chen.l
938 CAPíTULO 23 • Câncer
uma mutação somácica em uma das células tumorais progeni-
roras, Qualquer gene, como o rasO, que codifica uma proteína
capaz de transformar células em cultura ou induzir câncer em
animais, é denominado um oncogene. O gene celular normal
do qual o oncogene se origina é chamado proto-oncogene. Os
oncozenes transportados por vírus, que provocam tumores em
animais são, normalmente, derivados de proto-oncogenes que
foram seqüestrados do genoma do hospedeiro e alterados, tor-
nando-se oncogenes. Quando isso foi descoberto, foi espan-
toso ver como esses perigosos vírus usam os genes do próprio
animal contra ele.
Um Modelo Multi-hit de Indução de Câncer É
Comprovado por Diversas Evidências
Como observado anteriormente e ilustrado pela transforma-
ção oncogênica das células 3T3, várias mutações são necessá-
rias, normalmente, para converter uma célula normal do cor-
po em uma célula maligna. De acordo com esse modelo mul-
ti-hit evolucionário (ou "sobrevivência do mais capacitado"),
os cânceres surgem por um processo de seleção donal que não
é diferente da seleção dos animais em uma grande população.
Uma mutação em uma célula daria a ela uma leve vantagem
de crescimento. Uma das células da progênie sofreria, então,
uma segunda mutação que permitiria a seus descendentes um
crescimento mais descontrolado e formaria um pequeno tu-
mor benigno; uma terceira mutação em uma célula desse tu-
mor permitiria um crescimento livre das outras células e das
limitações impostas pelo microambiente tumoral, e sua pro-
gênie formaria uma massa de células, cada uma com essas três
mutações. Uma outra mutação em uma dessas células permi-
tiria que sua progênie escapasse para a corrente sangüínea e
estabelecesse colônias-filha em outros sítios, uma característi-
ca do câncer metastático. Esse modelo apresenta duas hipóte-
ses de fácil verificação.
Primeiro, todas as células em um determinado tumor de-
vem conter, pelo menos, algumas alterações genéticas comuns.
A análise sistemática de células de tumores humanos indivi-
duais confirma a hipótese de que todas as células derivam de
~ FIGURA EXPERIMENTAL 23-4 Transformação de células de ca-
mundongo com DNA de um câncer humano permite a identifica-
ção e clonagem molecular do oncogene res", A adição do DNA de
um câncer de bexiga humano a uma cultura de células 3T3 de
camundongo provoca a divisão anormal de uma célula em um mi-
lhão, originando um foco, ou clone, de células transformadas. Para
clonar o oncogene responsável pela transformação, utiliza-se o fato
de que a maioria dos genes humanos possui seqüências repetiti-
vas de DNA próximas entre si, chamadas seqüências Alu. O DNA
do foco inicial de células de camundongo transformadas é isolado,
e o oncogene é separado do restante do DNA humano por uma
segunda transferência para as células de camundongo. O DNA to-
tal da segunda transfecção nas células de camundongo é, então,
clonado em um bacteriófago À; somente o fago que recebe o DNA
humano é hibridizado com a sonda Alu. O fago hibridizado deve
conter parte ou todo o oncogene transformante. Este resultado
pode ser provado demonstrando-se que o DNA do fago pode trans-
formar células (se o oncogene foi completamente clonado) ou que
a parte clonada do DNA está sempre presente nas células transfor-
madas pela transferência de DNA da célula doadora original.
~ /" DNA de células
~ tumorais humanas
I Células 3T3 de camundongo
~ transfectadas
1Cultivo por 2 semanas
Foco de células NIH/3 -
transformadas crescen -
entre células
não-transformadas
I Extração do DNA e transformação
~ de novas células de camundongos
~ Sequndo ';"0
1Extração do DNA genômico
DNA humano 1
sobrevivente Introdução em
Coleção / um fago vetor
,'t'f'~~i~'~
I Plaquear os fagos
~ sobre E. coti
1
Réplica em ,~:::,)
papel de filtro -::::-;,.;:9.)
Oncogene /
um único progenitor. Lembre-se que, durante a vida fetal de
uma mulher, cada célula inativa um dos dois cromossomos X.
A mulher é um mosaico genético; metade das células possui
um X inativo, e a outra metade possui o outro X inativo. Se o
tumor não fosse originado a partir de um único progenitor,
seria composto por uma mistura de células, algumas com um,
outras com o outro X inativo. Na verdade, as células de um
tumor de uma mulher possuem o mesmo X inativo. Tumores
diferentes podem ser compostos por células com qualquer X,
materno ou paterno, inativos. Segundo, a incidência de cân-
cer deveria aumentar com a idade, porque pode levar décadas
para que as múltiplas mutações ocorram. Considerando que a
taxa de mutação é relativamente constante durante toda a vida,
a incidência da maioria dos tipos de câncer seria independen-
te da idade se apenas uma mutação fosse necessária para con-
verter uma célula normal em maligna. Como mostram os da-
dos da Figura 23-5, realmente, a incidência de vários tipos de
cânceres humanos aumenta drasticamente com a idade.
Evidências mais diretas, confirmando que múltiplas mu-
tações são necessárias à indução do tumor, vieram de experi-
mentos com camundongos transgênicos comendo um onco-
gene rasO mutante e um proto-oncogene c-myc controlado por
um promotor/amplificador específico de célula mamária de
um retrovírus. Quando ligado a esse promotor, o gene c-myc
normal é superexpresso no tecido mamário, porque o promo-
tor é induzido por níveis de hormônio endógeno e fatores de
regulação tecido-específicos. Essa transcrição aumentada do
c-myc reproduz mutações oncogênicas que ativam a transcri-
ção do c-myc, convertendo esse proto-oncogene em um onco-
gene. Por si só, o transgene c-myc provocou tumores apenas
após 100 dias, e em apenas um único camundongo; clara-
500 Próstata
# Estômago
Pele
Reto
, Pâncreas'.., "
.' , Esôfago,,,' ,,'",","1', ,, "
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~ 100
§ 50
s:
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.~ 0,5
0,1 ~ ~ -L ~ __-L__~~ _
20 30 40 50 60 70 80
Idade (anos)
.•• FIGURA EXPERIMENTAL 23-5 A incidência de cânceres huma-
nos aumenta em função da idade. O grande aumento na incidência
com o avanço da idade é consistente com o modelo multi-hit de
indução do câncer. Observe que o logaritmo da incidência anual é
apresentado contra o logaritmo da idade. [De B. Vogelstein and K.
Kinzler, 1993, Trends Genet. 9: 101.]
CAPíTULO 23 • Câncer 939
mente apenas uma pequena fração das células mamárias que
superproduziram a proteína Myc tornou-se malignas. Da mes-
ma forma, a produção de uma proteína RasD mutante, por si.
só, provocou tumores mais cedo, mas ainda mais lentamente
e com eficiência de apenas 50%, após 150 dias. Quando os
camundongos transgênicos c-myc e rasO foram cruzados, pra-
ticamente todas as células mamárias produziram ambos Myc e
RasD, e os tumores surgiram muito mais rapidamente e todos
os animais desenvolveram câncer (Figura 23-6). Esses experi-
mentos enfatizam os efeitos sinérgicos de múltiplos oncoge-
nes. Eles também sugerem que a longa latência na forma-
ção de tumores, mesmo nos camundongos transgênicos-
duplos, se deve à necessidade de adquirir mutações somáti-
cas adicionais.
Podem ser vistos efeitos cooperativos similares entre onco-
genes em células cultivadas. A transfecção de fibroblastos nor-
mais com c-myc ou rasO ativado não ésuficiente para a trans-
formação oncogênica, enquanto na transfecção conjunta os
dois genes cooperam para transformar as células. íveis des-
regulados de c-myc sozinho induzem a proliferação, mas tam-
bém sensibilizam os fibroblastos à apoptose, e a superexpres-
são de rasO ativado sozinho induz a senescência. Quando os
dois oncogenes são expressos na mesma célula, essas respostas
celulares negativas são neutralizadas e as células sofrem trans-
formação.
Mutações Oncogênicas Sucessivas Podem Ser
Acompanhadas no Câncer de Colo
Estudos em câncer de colo forneceram as evidências mais con-
vincentes para o modelo multi-hit de indução do câncer. Os
cirurgiões podem obter amostras relativamente puras de vá-
rios cânceres humanos, mas, geralmente, o estágio exato da
100
rJ)
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rJ)~o ~
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c Eo :J'2 •.. 40:J (1)E"O
'" 20u
O
O 50 100 150 200
Idade (dias)
.•• FIGURA EXPERIMENTAL 23-6 A cinética do surgimento de tu-
mor em camundongos fêmea, que possuem um ou dois transge-
nes oncogênicos, mostra a natureza cooperativa das mutações
múltiplas na indução do câncer. Os transgenes foram direcionados
pelo promotor específico de mama do vírus do tumor mamário de
camundongos (MMTV). A estimulação hormonal associada à gra-
videz ativa a superexpressão dos transgenes. O gráfico mostra o
curso do desenvolvimento da tumorigênese nos camundongos com
os transgenes myc ou raso e a progênie de um cruzamento de
carreadores de myc com carreadores de raso contendo os dois
transgenes. Os resultam demonstram, claramente, os efeitos da
cooperatividade de mutações múltiplas na indução do câncer. [Ver
E. Sinn et al., 1987, Ce/l 49:465.]
940 CAPíTULO 23 • Câncer
progressão do rumor não pode ser identificado e analisado.
Uma exceção é o cancer de colo, que evolui ao longo de está-
gios mo õgicos distintos e bem-definidos. Esses estágios
intermediários - pólipos, adenoma benigno e carcinoma -
pod ser isolados por um cirurgião, permitindo a identifica-
mutações que ocorrem em cada estágio morfológico.
úmeros estudos mostram que o câncer de colo surge a partir
e uma série de mutações que comumente ocorrem em uma
ordem bem-definida, fornecendo fortes evidências e confir-
mando o modelo multi-hit.
Invariavelmente, a primeira etapa na carcinogênese de colo
envolve a perda de um gene APC funcional, resultando na
formação de pólipos (crescimentos pré-cancerosos) na parede
interna do colo. No entanto, nem todo o câncer de colo ad-
quire todas as mutações subseqüentes ou as adquire na ordem
representada na Figura 23-7. Portanto, diferentes combina-
ções de mutações podem resultar no mesmo fenótipo. A maio-
ria das células de um pólipo contém as mesmas uma ou duas
mutações no gene APC que resultam na perda-de-função ou
inativação; elas são, então, clones da célula na qual a mutação
original ocorreu. O APC é um gene supressor tumoral, e am-
bos os alelos para o geneAPC devem conter uma mutação que
os inative para que os pólipos sejam formados, porque as célu-
las com um alelo do gene APC selvagem expressam proteína
APC suficiente para funcionar normalmente. Como a maio-
ria dos genes supressores tumorais, o APC codifica uma pro-
teína que inibe a progressão de certos tipos celulares no ciclo
celular. A proteína APC exerce sua função impedindo a via
Wnt de transdução de sinais de ativar a expressão de preto-
oncogenes, incluindo o c-myc. Logo, a ausência de uma pro-
teínaAPC funcional resulta em produção inapropriada de Myc,
um fator de transcrição que induz a expressão de vários genes
envolvidos na transição da fase G) para a fase S do ciclo celu-
lar. As células homozigóticas para mutações APC proliferam-
se a uma taxa maior que a normal e formam pólipos.
Se uma das células do pólipo sofre uma outra mutação,
como uma mutação ativadora no gene ras, sua progênie irá se
dividir de um modo muito mais descontrolado, formando um
grande adenoma (Figura 23-7). A perda, por mutação, de uma
determinada região cromossomal (o gene relevante ainda não
é conhecido), seguida da inativação do gene p53, resulta na
perda gradual da regulação normal e a conseqüente formação
de um carcinoma maligno. Cerca da metade de todos os cân-
ceres humanos contém mutações no p53, que codifica um re-
gulador transcricional.
O DNA extraído de diferentes carcinomas de colo huma-
no contém mutações em todos esses genes - mutações com
perda-de-função nos supressores tumorais APC ep53 e no gene
misterioso, e mutações de ganho-de-função (arivadoras) no
oncogene dominante Ksras - determinando que são necessá-
rias várias mutações na mesma célula para a formação do cân-
cer. Algumas dessas mutações parecem conferir vantagens de
crescimento em um estágio inicial do tumor, enquanto outras
mutações promovem vantagens em estágios mais tardios, in-
cluindo a invasão e a metástase, necessárias ao fenótipo malig-
no. O número de mutações necessárias para a progressão do
câncer de colo pode ser surpreendente à primeira vista, e pare-
ce ser uma barreira à tumorigênese. Contudo, nossos geno-
mas estão sob constante agressão. Estimativas recentes indi-
cam que pólipos de surgimento esporádico possuem cerca de
11 mil alterações genéticas por célula, apesar de apenas umas
poucas dessas alterações serem relevantes à oncogênese.
O carcinoma de colo fornece um exemplo excelente do
modelo multi-hit do câncer. O grau de aplicação desse mode-
lo ao câncer está sendo estudado, mas está claro que diverso
tipos de câncer envolvem mutações múltiplas. O desenvolvi-
mento da tecnologia de microarranjos de DNA (DNA micro-
arrays) permite uma análise mais detalhada das propriedades
do tumor, através do monitoramento do espectro de molécu-
las de mRNA de dezenas de milhares de genes, e os dados
recentes têm desafiado o modelo multi-hit. Não é surpreen-
dente que os tumores primários possam ser distinguidos d
tumores metas táticos pelo padrão de expressão gênica. É ain-
da mais interessante que o estudo de um grupo de tumores
primários sólidos tenha revelado que os tumores tinham ca-
racterísticas mais típicas de tumores metastáticos, sugerin
que pode ser possível identificar os tumores primários que tê
uma grande probabilidade de se tornarem metastáticos.
também levanta a possibilidade de que, pelo menos em algum
tipos de câncer, os eventos iniciais do tumor primário po
direcionar seu curso para a metástase. Essa hipótese é difer -
te do surgimento de um subgrupo raro de células do tum -
primário que adquiriram uma série de mutações adicio
necessárias à malignidade.
CONCEITOS BÁSICOS DA SEÇÃO 23.1
As Células Tumorais e o Estabelecimento do Cânc
• O câncer é uma aberração do comportamento celular,
que diz respeito a vários aspectos da biologia celular e mo-
lecular. A maioria dos tipos celulares do organismo
originar células tumorais malignas (câncer).
• As células cancerosas geralmente surgem a partir de cél -
Ias-tronco e outras células proliferativas, e assemelham- ;
mais a essas células do que aos tipos celulares diferencia-
dos, mais maduros.
• As células cancerosas podem se multiplicar na ausência ;
pelo menos uma parte dos fatores promotores de creso-
mento necessários à proliferação das células normais .• <
células tumorais também são resistentes aos sinais que nor-
malmente programam a morte celular (apoptose).
• Algumas células em cultura transfectadas com DNA -
células tumorais sofrem transformação (Figura 23-4). Es-
sas células transformadas têm algumas propriedades em co-
mum com as células tumorais.
• Em alguns casos, as células cancerosas invadem os tecidos
adjacentes, normalmente pela degradação da lâmina basal
que define as delimitações dos tecidos, e espalham-se pelo
corpo, estabelecendo áreas de crescimento secundário, um
processo chamado metástase. Os tumores metastáticos fre-
qüentemente secretam proteases, que degradam a matriz
extracelular que os envolve.
CAPíTULO 23• Câncer 941
Células normais do colo
Perda do gene
supressor tumoral APC
(no cromossomo 5)
Um pólipo
(pequeno crescimento)
forma-se na parede L,---,,....:;;.------'
do colo
Um tumor --------j,:-----,-:=
benigno, pré-canceroso,
começa a crescer
Perda do gene
supressor tumoral
na região DCC
(cromossomo 18)
Ativação do
oncogene K-ras
(cromossomo 12)
Cresce um adenoma
de classe li (benigno)
1
Cresce um adenoma
de classe 111 (benigno) 1
Desenvolve-se um
carcinoma maligno
Perda do gene
supressor tumoral
p53 (cromossomo 17)
1
o câncer
forma metástases
(espalha-se para
outros tecidos)
Outras alterações
Lúmen {
do colo 'A~"r--t7 Células tumorais
f'lWr.;,\.I invasivas
}-
Células ePiteliaid 1_~~~~;~~3~normais do colo
}--- Lâmina basal
Parede
do colo Células tumorais invademvasos sangüíneos, permitindo -t---::_'-JI'--r'IrlL.o"
a ocorrência de metástase
Vaso
sangüíneo
.• FIGURA 23-7 Desenvolvimento e metástase do câncer colorretal
humano e suas bases genéticas. Uma mutação no gene supressor
tumoral APC em uma única célula epitelial provoca a divisão celu-
lar dessa célula, embora as células adjacentes não sofram divisão,
formando uma massa localizada de células tumorais benignas, ou
pólipo. As mutações subseqüentes resultam na expressão consti-
tutiva da proteína RasD ativa e a perda de dois genes supressores
tumorais - um gene não-identificado próximo a DCC e p53 - origi-
nam uma célula maligna contendo as quatro mutações. Esta célula
continua a se dividir, e sua progênie invade a lâmina basal que
envolve o tecido. Algumas células tumorais entram nos vasos san-
güíneos que as distribuem para outros locais do organismo. Muta-
ções adicionais permitem que as células tumorais deixem os vasos
sangüíneos e se proliferem em sítios distantes; um paciente com
este tipo de tumor tem um câncer, [De 8, Vogelstein and K, Kinz-
ler, 1993, Trends Genet. 9:101.)
942 CAPíTULO 23 • Câncer
• Tanto os rumores primários como os secundários reque-
rem angiogênese, a formação de novos vasos sangüíneos,
para aumentar de massa.
• O modelo multi-hit, que propõe que mutações múltiplas
são necessárias para causar o câncer, é consistente com a
homogeneidade genética das células de um determinado
rumor, com o aumento observado da incidência de cânce-
res humanos com o avanço da idade e com o efeito coope-
rativo de transgenes rnutantes na formação de tumores em
camundongos.
• A maioria das mutações oncogênicas ocorre nas células
somáticas e não são transmitidas pelo DNA das células
germinativas.
• O câncer de colo se desenvolve em estágios morfológicos
distintos, que estão cornumente associados a mutações es-
pecíficas em genes supressores tumorais e proto-oncoge-
nes (ver Figura 23-7).
dução do câncer. Esses genes codificam vários tipos de proteí-
nas que controlam o crescimento e a proliferação celulares
(Figura 23-8). Praticamente todos os tumores humanos apre-
sentam mutações inativadoras nos genes que, normalmente,
atuam em diversos pontos de verificação do ciclo celular que
param a progressão da célula pelo ciclo, caso uma etapa ante-
rior tenha ocorrido incorretamente ou se houve lesão no D -
Por exemplo, a maioria dos cânceres têm mutações inativadoras
nos genes que codificam uma ou mais proteínas que normalmen-
te limitam a progressão pelo estágio G) do ciclo celular. Da mes-
ma forma, a ativação constitutiva da Ras, ou de outras proteí
ativadas da via de transdução de sinais, é encontrada em div
tipos de tumores humanos com origens diferentes. Portanto,
malignidade e os complexos processos de controle do ciclo cd:
lar, discutidos no Capítulo 21, são as duas faces da mesma moe-
da. Na série de eventos que resulta no crescimento de um
os oncogenes associam-se com as mutações nos supressores
morais, para gerar a grande diversidade de propriedades das
Ias tumorais, descritas na seção anterior (ver Figura 23-7).
Nesta seção, os tipos gerais de mutações oncogênicas se -
considerados, bem como os mecanismos pelos quais al
vírus podem causar câncer. Explicaremos, também, porque aIg_
mas mutações herdadas aumentam o risco do desenvolvim
de certos tipos de câncer e a relação entre o câncer e os genes
Ativadores ou
receptores de
sinais (Ia) '"
codificados por '"
vírus
.•• FIGURA 23-8 Sete tipos de proteínas
participam no controle do ciclo celular e
proliferação. O câncer resulta da expre -
de formas mutantes destas proteínas. As
tações que alteram a estrutura ou a e
são das proteínas que normalmente pro -
vem o crescimento celular originam os o
genes dominantes ativos. Muitas, mas ~-
todas as moléculas de sinalização extra
lar (I), receptores de sinais (11).proteínas -:
transdução de sinais (111)e fatores de tra
ção (IV) estão nesta categoria. As prote.xa
de controle do ciclo celular (VI) que limit
proliferação e as proteínas de reparo do
(VII) são codificadas por genes supres
de tumor. As mutações nesses genes a
de modo recessivo, aumentando enorme
te a probabilidade das células mutantes -
narem-se células tumorais ou da ocorrê- -
de mutações em outras classes. As prote+s
apoptóticas (V) incluem os supressores
rais, que promovem a apoptose, e as or
proteínas, que promovem a sobrevivência
lular. As proteínas codificadas por vírus
ativam os receptores de sinais (Ia) ta -
podem induzir o câncer.
l1iB As Bases Genéticas do Câncer
Como foi visto, as mutações em duas grandes classes de genes
- proto-oncogenes (por exemplo, ras) e genes supressores de
tumor (por exemplo, APC) - têm papel fundamental na in-
~v ..vI
---------------
«:} \/- Molécula sinalizadora (I)
<1 / Receptor de sinais (11)
} Região
efetora
intracelular
(normalmente
uma proteína
tirosino-
quinase)
o}Transdutoresn intracelulares
d-J (11I)
Segundos-mensageiros
(proteínas fosforiladas)
Fatores de Transcrição (IV)
DNA
Proteínas de
reparo de
~~~DNA(VII)
Receptores
intracelulares
(11)
!Transcrição Proteínas de controle
do ciclo celular (VI)
RNA
mRNA
~••••__ ..:~~Proteínas
Proteínas
apoptóticas (V)
são importantes no desenvolvimento. Concluiremos esta seção
com uma breve discussão de como os métodos genômicos estão
sendo utilizados para identificar e classificar os tumores.
Mutações de Ganho-de-Função Convertem Proto-
Onco enes em Oncogenes
Lembre-se que um oncogene é qualquer gene que codifica uma
proteína capaz de transformar as células em cultura ou induzir
o câncer em animais. Dos vários oncogenes conhecidos, to-
dos, exceto uns poucos, são derivados de genes celulares nor-
mais (ou seja, proto-oncogenes) cujos produtos promovem a
proliferação celular. Por exemplo, o gene ras, discutido ante-
riormente, é um proto-oncogene que codifica uma proteína de
sinalização intracelular; o gene mutante rasO derivado do ras é
um oncogene cujo produto é uma proteína que gera um sinal de
estirnulação do crescimento excessivo ou descontrolado. Outros
proto-oncogenes codificam outras moléculas sinalizadoras que pro-
movem o crescimento e seus receptores, proteínas antiapoptóti-
cas (sobrevivência celular) e alguns fatores de transcrição.
A conversão ou a ativação de um proto-oncogene em um
oncogene geralmente envolve uma mutação com ganho-de-
função. Pelo menos quatro mecanismos podem produzir on-
cogenes a partir dos proto-oncogenes correspondentes:
• Mutação de ponto (ou seja, alteração de um único par de
bases) em um proto-oncogene que resulta em um produto
protéico com ativação constitutiva.
• Translocação cromossômica, que funde dois genes, pro-
duzindo um gene híbrido que codifica uma proteína qui-
(a)
.•. FIGURA EXPERIMENTAL 23-9 As amplificações do DNA em cro-
mossomos corados apresentam-se de duas formas, visíveis ao mi-
croscópio. (a) Regiões de coloração homogênea (HSRs) em um
cromossomo humano de uma célula de neuroblastoma. Os cro-
mossomos são corados uniformemente com umcorante azul, de
modo que todos podem ser visualizados. Seqüências específicas
de DNA foram detectadas usando hibridizacão fluorescente in situ
(FISH), na qual os clones de DNA marcados com fluorescência são
hibridizados ao DNA desnaturado dos cromossomos. O par de cro-
mossomos 4 está marcado (vermelho) por hibridização in situ com
CAPíTULO 23 • Câncer 943
mérica cuja atividade, diferentemente da proteína ongl-
nal, é freqüenremenre constitutiva.
• Translocação cromossômica, que aproxima um gene de
regulação do crescimento sob o controle de um promotor
diferente que provoca expressão incorreta do gene.
• Amplificação (ou seja, replicação anormal do DNA) de
um segmento de D A que inclui um proto-oncogene, de
modo que existirão várias cópias, resultando na superpro-
dução da proteína codificada.
Um oncogene formado por qualquer um dos dois primei-
ros mecanismos codifica uma "oncoproreína" que difere da
proteína normal codificada pelo protQ-oncogene correspon-
dente. Em contraste, os outros dois mecanismos geram onco-
genes cujos produtos são idênticos às proteínas normais; seu
efeito oncogênico é resultado da produção de niveis acima do
normal, ou da expressão em células onde não eriam produzi-
dos normalmente.
A amplificação localizada de D TA para produzir até 100
cópias de uma determinada região (geralmente a região con-
tém centenas de quilo bases) é uma alteração genérica comum
nos tumores. Essa anomalia pode ocorrer de duas formas: o
DNA duplicado é aleatoriamente organizado em um único
sítio no cromossomo, ou pode existir como uma pequena es-
trutura independente, semelhante a um minicromossomo. O
primeiro caso forma uma região corada homogeneamente
(HSR) visível ao microscópio óptico no local da amplificação;
o último caso produz um cromossomo "miniatura" extra, se-
parado dos cromossomos normais, que se intercala em uma
preparação corada de cromossomos (Figura 23-9).
(b)
um grande clone de DNA de cosmídeo contendo o gene N-myc .
Em um dos cromossomos 4, uma HSR é visível (verde) após colo-
ração para uma seqüência rica em HSR. (b) Secções ópticas trans-
versais do núcleo de uma célula de neuroblastoma humano que
contém cromossomos duplos diminutos. Os cromossomos normais
são as estruturas em verde e azul; os cromossomos duplos dimi-
nutos são os vários pontos em vermelho. As setas indicam diminu-
tos duplos associados à superfície ou ao interior dos cromossomos
normais. [Partes (a) e (b) de I. Solovei et al., 2000, Genes Cho-
mossomes Cancer 29:297-308, Figuras 4 e 17.]
944 CAPíTULO 23 • Câncer
A amplificação gênica pode envolver um pequeno
número de genes, como o N-mye e seu vizinho, o
DDX1, que está amplificado no neuroblastoma; ou
uma região cromossômica contendo vários genes.
Pode ser diRcil determinar quais são os genes amplificados, a
primeira etapa na identificação de genes envolvidos no tumor.
Os microarranjos de DNA oferecem uma abordagem impor-
tante para a busca de regiões de cromossomos amplificadas.
Ao invés de olhar a expressão gênica, a aplicação dos rnicroar-
ranjos, descrira anteriormente, estes experimentos envolvem a
procura de seqüências de DNA anormalmente abundantes. O
D A genômico das células cancerosas é utilizado como son-
da nos arranjos contendo fragmentos de DNA genômico e
pontos com DNA amplificado fornecem sinais mais fortes em
comparação aos pontos-controle. Entre os genes amplifica-
dos, os candidatos mais fortes podem também ser identifica-
dos medindo-se a expressão gênica. Uma linhagem de células
de carcinoma de mama com quatro regiões cromossômicas
arnplificadas conhecidas foi analisada para amplificação de
gênese e os níveis de expressão desses genes foram estudados
por microarranjos. Foram identificados 50 genes amplificados,
mas apenas cinco apresentavam, também, altos níveis de expres-
são. Esses cinco genes são novos candidatos a oncogenes .•
Sempre que surgem, as mutações de ganho-de-função, que
convertem os proto-oncogenes em oncogenes, são genetica-
mente dominantes; isso é, a mutação em apenas um dos dois
alelos é suficiente para a indução do câncer.
Os Vírus que Causam Câncer Contêm Oncogenes
ou Proto-Oncogenes Celulares Ativados
Os estudos pioneiros de Peyton Rous, iniciados em 1911, in-
dicaram pela primeira vez que um vírus poderia causar câncer
quando injetado em um hospedeiro animal adequado. Vários
anos mais tarde, os biologistas moleculares demonstraram que
o vírus do sarcoma de Rous (RSV) é um rerrovírus, com ge-
noma de RNA que sofre transcrição reversa em DNA, o qual
é incorporado no genoma da célula hospedeira (ver Figura 4-43).
Além dos genes "normais" presentes em todos os retrovírus, os
vírus com capacidade de transformação oncogênica, como o
RSV, contêm o gene v-src. Estudos subseqüentes com formas
mutantes de RSV demonstraram que apenas o gene v-src, e
mais nenhum outro gene viral, está envolvido na indução
de câncer.
No final da década de 1970, os pesquisadores ficaram sur-
presos ao descobrir que células normais de frangos e de outras
espécies contêm um gene muito semelhante ao gene v-src de
RSV Esse gene celular normal, um proto-oncogene, é cornu-
mente distinguido do gene viral pelo prefixo "c" icelular. c-srà.
O RSVe outros vírus que transportam oncogenes parecem ter
surgido pela incorporação ou transdução de um proto-onco-
gene celular normal em seu genoma. Mutações subseqüentes
no gene transduzido, então, o converteram em um uncogene
dominante, que pode induzir a transformação celular na pre-
sença do proto-oncogene c-sre normal. Esses vírus são deno-
minados retrovírus transdutores, porque seus genomas con-
têm um oncogene derivado de um proto-oncogene celular
transduzido.
Como seu genoma transporta o potente oncogene v-src, o
RSV rransduror induz tumores em dias. Em contraste, a maio-
ria dos retrovírus oncogênicos induz o câncer somente após
meses ou anos. Os genomas destes retrovírus de ativação lenta
diferem dos vírus transdutores em um aspecto crucial: eles
não contêm um oncogene. Todos os retrovírus de ação lenta,
ou "latência longa" parecem causar câncer pela sua integração
do DNA da célula hospedeira próximo a um proto-oncogene
celular e pela ativação da expressão. Uma seqüência de repeti-
ção terminal longa (LTR) no DNA retroviral integrado pode
atuar como um amplificador ou promotor de um gene celular
próximo, estimulando sua expressão. Por exemplo, nas células
tumorais causadas pelo vírus da leucemia aviária (ALV) o DNA
retroviral é inserido próximo ao gene c-myc. Essas células su-
perproduzem a proteína c-Myc; e, como mencionado ante-
riormente, essa superprodução provoca um enorme aumento
anormal na proliferação. Os vírus de ação lenta atuam lenta-
mente por dois motivos: a integração próxima a um proto-
oncogene celular (por exemplo, c-myc) é um evento aleatório
raro, e as mutações adicionais precisam ocorrer para que o
tumor se estabeleça e torne-se evidente.
Nas populações naturais de pássaros e camundongos, os
retrovírus de ação lenta são muito mais comuns do que os
retrovírus contendo oncogenes, como o vírus do sarcoma de
Rous. Logo, a ativação insercional do proto-oncogene é pro-
vavelmente o principal mecanismo pelo qual os retrovírus cau-
sam o câncer. Embora poucos tumores humanos tenham sido
associados aos retrovírus, o enorme investimento no estudo
dos retrovírus como um modelo para o câncer humano foi
importante, tanto pela descoberta de oncogenes celulares como
pelo conhecimento gerado sobre os retrovírus, o que acelerou.
mais tarde, o progresso no estudo do vírus HIV, que causa a
AIDS.
Alguns poucos vírus de DNA também são oncogênico .
Ao contrário da maioria dos vírus de DNA que infectarn
animais, os vírus oncogênicos integram o seu DNA viral no
genoma da célula hospedeira. O DNA viral contém um oc
mais oncogenes que transformam as células infectadas perma-
nentemente. Por exemplo, várias verrugas e outros tumoresbenignos de células epireliais são causados pelos papilorna -
rus, vírus de DNA. Em contraste com os oncogenes retr
rais, que derivam de genes celulares normais e não têm funç -
no vírus, exceto a de permitir sua proliferação nos tumores,
oncogenes dos vírus de DNA conhecidos são parte integran-
do genoma viral e necessários para a replicação viral. Co
discutido mais adiante, as oncoproreínas expressas pelo D_
viral integrado nas células infectadas atuam de várias fo
na esrimulação do crescimento e da proliferação celular.
As Mutações com Perda-de-Função em Genes
Supressores Tumorais São Oncogênicas
Os genes supressores tumorais geralmente codificam pr -
nas que de alguma forma inibem a proliferação cel
mutações com perda-de-função em um ou mais dess --
os" contribuem para o desenvolvimento de câncer. Há cinco
grandes classes de proteínas sabidamente expressas por genes
supressores tumorais:
• Proteínas intracelulares que regulam ou inibem a progres-
são para um estágio específico do ciclo celular (por exem-
plo, p16 e Rb).
• Receptores ou transdutores de sinais para hormônios se-
cretados ou sinais de desenvolvimento que inibem a proli-
feração celular (por exemplo, TGF~, patched - o receptor
de hedgehog).
• Proteínas de verificação (pontos de controle) que travam o
ciclo celular se o DNA está danificado ou se os crornosso-
mos apresentam anormalidades (por exemplo, p53).
• Proteínas que promovem a apoptose.
• Enzimas que participam do reparo do O A.
Embora as enzimas de reparo do DNA não inibam a pro-
liferação celular diretamente, as células que perderam a capa-
cidade de reparar os erros, intervalos ou extremidades clivadas
no seu DNA acumulam mutações em vários genes, incluindo
aqueles que são essenciais para o controle do crescimento e da
proliferação celular. Portanto, as mutações com perda-de-fun-
ção nos genes que codificam as enzimas dos sistemas de repa-
ro do DNA impedem que as células corrijam as mutações que
inativam os genes supressores tumorais ou que ativam os on-
cogenes.
Como normalmente uma cópia de um gene supressor tu-
moral é suficiente para controlar a proliferação, ambos os ale-
los do gene supressor tumoral devem ser perdidos ou inativa-
dos para promover o desenvolvimento do tumor. Logo, a per-
da-de-função nos genes supressores tumorais é geneticamente
recessiva. Em vários tipos de câncer, os genes supressores tu-
morais apresentam deleções ou mutações de ponto que impe-
dem a produção da proteína ou resultam na produção de pro-
teína não-funcional. Um outro mecanismo para inativar um
gene supressor tumoral é a rnerilação de resíduos de citosina
no promotor ou em outros elementos de controle. A meti la-
ção é comum ente encontrada em regiões não-transcritas do
DNA.
As Mu ações Hereditárias nos Genes Supressores
Tumorais Aumentam o Risco de Câncer
Os indivíduos com mutações hereditárias nos genes supresso-
res tumorais apresentam uma predisposição hereditária para
certos tipos de câncer. Esses indivíduos geralmente herdam
uma mutação na linhagem germinativa em um alelo do gene;
uma mutação somática no segundo alelo facilita a progressão
do tumor. Um caso clássico é o retinoblastorna, causado pela
perda de função do RB, o primeiro gene supressor tumoral
identificado. Como será discutido a seguir, a proteína codifi-
cada pelo RB auxilia no controle da progressão do ciclo celular.
Retinoblastoma Hereditário versus Esporádico. As crian-
ças com retinoblastoma hereditário herdam uma única cópia
defeituosa do gene RB, certas vezes visto como uma pequena
CAPíTULO 23 • Câncer 945
deleção em uma das cópias do cromossomo 13. As crianças
desenvolvem tumores de retina muito cedo e, geralmente, nos
dois olhos. Um evento fundamental no desenvolvimento do
tumor é a deleção do gene RB normal no outro cromossomo,
permitindo o surgimenro de uma célula que não produz a
proteína Rb funcional (Figura 23-10). Os indivíduos com re-
tinoblastorna esporádico, ao contrário, herdam os dois alelos
com RB normal, e cada um deles sofreu uma mutação sornáti-
ca de perda-de-função em uma única célula da retina. Como a
perda das duas cópias do gene RB é bem menos freqüente que
a perda de apenas uma, o rerinoblasrorna esporádico é raro,
desenvolve-se tardiamente na vida e normalmente afeta ape-
nas um olho.
Se os tumores da retina são removidos antes de se tornar
malignos, as crianças com retinoblastoma hereditário normal-
mente sobrevivem e se reproduzem. Como as suas células ger-
minativas contêm um alelo normal e um alelo mutante para
RB, esses indivíduos irão passar, em média, o alelo mutante à
metade das crianças, e o alelo normal à outra metade. As crian-
ças que herdaram o alelo normal serão normais se o outro
progenitor possuir os dois alelos RB normais. As crianças que
herdaram o alelo rnutante, porém, terão a mesma predisposi-
ção aumentada para desenvolver tumores de retina que seu
progenitor afetado, mesmo que possuam o outro alelo nor-
mal, herdado do outro progenitor. Portanto, a tendência de
desenvolver o retinoblastoma é herdada como uma caracterfs-
Ia) Retinoblastoma hereditário
Célula somática
da retina
Célula homozigótica
origina tumores
na retina
(b) Retinoblastoma esporádico
OOBte'RB+~ ®'RBt~RB- ~ @RB{!RB-mutaçao mutaçaosomática somática
Célula homozigótica
origina tumores
na retina
 FIGURA 23-10 Ação de mutações somáticas espontâneas no
retinoblastoma. Esta doença é caracterizada por tumores na retina
que se originam de células que contêm dois alelos RB- mutantes.
Ia) No retinoblastoma hereditário Ifamiliar), a criança herda um
alelo RB+ normal de um progenitor e um alelo RB- do outro. Uma
única mutação em uma célula somática da retina heterozigota,
que inativa o alelo normal, produzirá uma célula homozigótica mu-
tante para os dois alelos. (b) No retinoblastoma esporádico, a criança
herda os dois alelos RB+ normais. Dois eventos separados de mu-
tações somáticas em uma célula específica da retina ou na sua
progênie são necessários para produzir uma célula homozigótica
RB-/RB-.
Célula somática
da retina
946 CAPíTULO 23 • Câncer
rica dominante. Como discutido abaixo, vários tumores hu-
manos (não apenas os tumores de retina) contêm alelos RB
mutantes; a maioria em decorrência de mutações somáticas.
Formas Hereditárias de Câncer de Colo e Mama. Uma
predisposição hereditária semelhante tem sido associada, em
outros tipos de câncer, a mutações herdadas em outros genes
supressores rumorais. Por exemplo, os indivíduos que herda-
ram uma mutação nas células germinativas em um alelo APC
desenvolvem milhares de pólipos intestinais pré-cancerosos (ver
Figura 23- ). Como há uma alta probabilidade que um ou
mais desses pólipos progridam para a malignidade, esses indi-
víduos têm maior risco de desenvolver câncer de colo antes
dos 50 anos. Da mesma forma, as mulheres que herdaram um
alelo mutante do BRCA], outro gene supressor tumoral, têm
(a) Segregação errônea
Ateio
normal
Alelo
mutante
uma probabilidade de 60% de desenvolver câncer de mama
até os 50 anos, enquanto as mulheres que têm os dois alelos
BRCA] normais têm uma porcemagem de apenas 2%. Nas
mulheres com câncer de mama hereditário, a perda do segun-
do alelo BRCA], juntamente com outras mutações, é necessá-
ria para que o dueto mamário normal torne-se maligno. Ge-
ralmente, porém, o BRCA] não está mutado no câncer de
mama esporádico (não-hereditário).
Heterozigoto para
o alelo mutante
1Duplicaçãocromossômica
lJJ
I \segregaçãOanormal 3:1
CD(@
Morre
1
Perda aleatória do
cromossomo extra
@ou@
Heterozigoto para
o alelo mutante
Homozigoto para
o alelo mutante
Perda de Heterozigosidade. Claramente, podemos herdar
uma propensão ao câncer por ter recebido um aIelo danifica-
do de um gene supressor tumoral de um dos nossos progeni-
tores; isso é, sendo heterozigóticos para a mutação. Isso, por sisó, não causará o câncer; desde que o alelo normal evite o
crescimento anormal, o câncer é recessivo. A perda ou inativa-
(b) Recombinação mitótica
®
Heterozigoto para
o alelo mutante
1Duplicaçãocromossômica
1Recombinação entre ascromátides homólogas
CllJ
/
®
\. ~Segregação
\ormaI2:2
®
Homozigoto para
o alelo normal
Homozigoto para
o alelo mutante
 FIGURA 23-11 Dois mecanismos para perda de heterozigosida-
de (LOHI de genes supressores tumorais. Uma célula contendo um
alelo normal e um mutante de um gene supressor tumoral tem,
geralmente, fenótipo normal. (a) Se a formação do fuso mitótico é
incorreta, os cromossomos duplicados que contêm os aleios nor-
mal e mutante podem segregar anormalmente na proporção 3: 1.
Uma célula-filha que recebe três cromossomos de um tipo geral-
mente perde um, restaurando o número cromossômico normal 2n.
Algumas vezes, a célula resultante conterá um alelo mutante e um
normal, mas outras serão homozigotas para o alelo mutante. r-
serve que esta aneuploidia (número cromossômico anormal) é
ralmente prejudicial ou letal em células que devem se desen
em muitas estruturas complexas de um organismo, mas
ser toleradas em clones de células que possuem destinos e
res limitados. (b) A recombinação mitótica entre um cromo
com um alelo normal e um mutante, seguida pela segregação
mossômica, pode resultar em uma célula que contenha duas -
pias do alelo mutante.
CAPíTULO 23 • Câncer 947
ção subseqüente do alelo normal em uma célula somática, de-
nominada perda de heterozigosidade (loss 01 heterozygosity,
LOH), é um pré-requisito para o desenvolvimento do câncer.
Um mecanismo comum de LOH envolve erros na segregação
cromossômica, durante a mitose, nos cromossomos que con-
têm o gene supressor tumoral afetado (Figura 23-11 a). Esse
processo, também chamado de não-disjunção, é provocado
por falhas no ponto de verificação da formação do fuso mitó-
tico, que, normalmente, impede a célula em meráfase com
um fuso mitótico anormal de completar a mitose (ver Figura
21-32,2). Outro mecanismo possível para a LOH é a recom-
binação mitótica entre uma cromátide com o alelo selvagem e
uma cromátide homóloga contendo o alelo mutante. Como
ilustrado na Figura 23-11 b, a segregação cromossômica sub-
seqüente pode originar uma célula-filha homozigótica para a
mutação de alelo do supressor tumoral. Um terceiro mecanis-
mo é a deleção ou mutação da cópia normal do gene supressor
tumoral; essa deleção pode ocorrer em uma região cromossô-
mica grande e não precisa ser, necessariamente, uma deleção
do gene supressor tumoral apenas.
Os cânceres hereditários constituem cerca de 10% dos cân-
ceres humanos. É importante lembrar, também, que a muta-
ção herdada nas células gerrninativas não é suficiente para cau-
sar o desenvolvimento do tumor. Em todos os casos, além da
perda ou inativaçâo do alelo normal, outras mutações em ou-
tros genes são necessárias para o desenvolvimento do câncer.
Portanto, um indivíduo com uma mutação recessiva em um
gene supressor tumoral pode ser extremamente suscetível aos
agentes mutagênicos ambientais, como a radiação.
As Aberrações nas Vias de Sinalização que
Controlam o Desenvolvimento Estão
ASSOCiadas a Diversos Tipos de Câncer
Durante o desenvolvimento normal, sinais com Wnt, TGF~,
e Hedgehog (Hh) são freqüentemente empregados para dire-
cionar células a um determinado destino de desenvolvimento,
o que pode incluir a propriedade de sofrer rápidas mitoses. Os
efeitos desses sinais devem ser regulados de forma a limitar o
crescimento ao momento certo e ao local correto. Entre os
mecanismos disponíveis para restringir os efeitos desses im-
portantes sinais de desenvolvimento estão os antagonistas in-
tracelulares indutíveis, os bloqueadores de receptores e os si-
nais competidores (Capítulo 15). As mutações que impedem
a operação desses mecanismos de restrição são oncogênicas,
provocando crescimento inadequado ou câncer.
A sinalização Hh, utilizada repetidamente durante o de-
senvolvimento para controlar o destino celular, é um bom
exemplo de uma via de sinalização envolvida na indução do
câncer. Na pele e no cerebelo, uma das proteínas Hh huma-
nas, Sonic hedgehog, estimula a divisão celular pela ligação e
inativação de uma proteína de membrana chamada Patchedl
(Ptc l) (ver Figura 15-31). As mutações de perda-de-função
no gene ptel permitem a proliferação celular, na ausência de
um sinal Hh; portanto, o ptel é um gene supressor tumoral.
ão é de surpreender que mutações no ptel tenham sido en-
contradas em tumores de pele e de cerebelo em camundongos
e em humanos. As mutações em outros genes da via de sinali-
zação Hh também estão associadas ao câncer. Algumas dessas
mutações originam oncogenes que ativam os genes-alvo de
Hh de forma inadequada; outras são mutações recessivas que
afetam reguladores negativos como o Ptel. Assim como no
caso de inúmeros outros genes supressores tumorais, a perda
completa da função de Ptel resultaria em morte fetal prema-
tura, uma vez que este é necessário para o desenvolvimento,
então, apenas as células tumorais que são homozigotas ptel/
ptel.
Muitas das vias de sinalização descritas em outros capítu-
los desempenham funções importantes no controle do desen-
volvimento embrionário e na proliferação celular dos tecidos
adultos. os últimos anos, as mutações que afetam os compo-
nentes da maioria dessas vias foram associadas ao câncer (Fi-
gura 23-12). Na verdade, uma vez que um gene em uma via
de desenvolvimento tenha sido associado a um tipo de câncer
humano, o conhecimento sobre essa via, coletado de outros
organismos estudados, como os vermes, as moscas e os ca-
mundongos, permite focar as investigações sobre o possível
envolvimento de outros genes da mesma via em outros casos
de câncer. Por exemplo, atualmente sabe-se que o APe, o pri-
meiro gene crítico murado no desenvolvimento do carcinoma
de colo, é parte da via de sinalização Wnt, o que levou à des-
coberta do envolvimento das ~-cateninas no câncer de colo.
As mutações nos genes supressores tumorais do desenvolvi-
mento promovem a formação de tumores em tecidos nos quais
os genes afetados normalmente auxiliam a restrição do cresci-
mento e não nas células em que a função principal do regula-
dor do desenvolvimento é o controle do destino celular. As
mutações nos proto-oncogenes do desenvolvimento podem
induzir a formação de tumores em tecidos nos quais o gene
afetado promove o crescimento ou em outro tecido onde o
gene tornou-se anormalmente ativo.
A Análise dos Padrões de Expressão por
Microarranjos de DNA Pode Revelar Diferenças
Sutis Entre as Células Tumorais
Tradicionalmente, as propriedades de células tumorais e nor-
mais são avaliadas por técnicas de coloração e microscopia. O
prognóstico de vários tumores pode ser determinado, dentro
de limites, a partir da sua histologia. Entretanto, o surgimen-
to de células sozinhas possui um contexto limitado de infor-
mações, e seria desejável que houvesse uma maneira mais ade-
quada de discernir as propriedades dessas células, tanto para a
compreensão da tumorigênese, como para auxiliar em uma
decisão mais correta e precisa sobre o prognóstico e a terapia.
Como vimos, os estudos genéticos podem identificar uma
única mutação iniciadora ou uma série de mutações que cau-
saram a transformação das células normais em células turno-
rais, como no caso do câncer de colo. Após esses eventos ini-
ciais, as células do tumor sofrem uma cascata de alterações
que refletem o intervalo entre os eventos iniciais e os sinais
externos. Como resultado, as células tumorais podem tornar-
se bastante diferentes, mesmo que tenham surgido da mesma
ou mesmas mutações iniciadoras. Embora essas diferenças não
~ FIGURA EXPERIMENTAL 23-13 Diferenças no padrão de ex-
pressão gênica, determinadas por análise de microarranjos de DNA,
podem distinguir entre linfomas comfenótipo semelhante. As amos-
tras de mRNAs foram extraídas de linfócitos normais em diferen-
tes estágios de diferenciação e de linfomas malignos obtidos de
pacientes com três tipos de linfoma. A análise por microarranjos
de DNA dos RNAs extraídos determinou a transcrição de aproxi-
madamente 18.000 genes para cada uma das 96 amostras experi-
mentais de linfócitos normais e malignos em relação à amostra-
controle de referência. (Ver Figuras 9-35 e 9-36 para descrição da
análise de microarranjo.) O diagrama de blocos mostrado aqui in-
clui dados de um grupo selecionado de genes cuja expressão dife-
re nas várias amostras de linfoma. Uma cor vermelha intensa indi-
ca que às células experimentais transcrevem o gene representado
por um ponto determinado de DNA em um nível muito maior com-
parado as células de referência; a cor verde intensa indica o opos-
to. A cor preta indica níveis de transcrição semelhantes nas amos-
tras comparadas, a cinza indica dados ausentes ou perdidos. Cada
coluna vertical contém os dados de uma amostra particular de
linfócitos (ver legenda de amostras). Cada linha horizontal contém
os dados de um único gene. Os genes foram agrupados de acordo
com seus padrões de hibridização. Por exemplo, os genes indica-
dos pela barra verde na direita, estão ativos nas células proliferati-
vas, como as células transformadas em cultura (barra rosa na por-
ção superior) ou células de linfomas (barra roxa na parte superior).
As diferentes amostras de células (dispostas na parte superior do
diagrama) foram também agrupadas de acordo com seu padrão de
expressão semelhante. O dendograma resultante (diagrama em
árvore) revela que as amostras de pacientes com linfoma grande e
difuso de células B (amostras em roxo) distribuem-se em dois gru-
pos. Um grupo é semelhante a linfócitos B relativamente não-dife-
renciados nos centros germinais (amostras em laranja); o outro é
semelhante às células B mais diferenciadas (amostras em lilás).
[De A. A. Alizadeh et ai., 2000, Nature 403:505.1
rar a classificação e o diagnóstico, permitindo melhores deci-
sões sobre o tratamento, e fornecendo maiores esclarecimen-
tos sobre as propriedades das células tumorais .•
CONCEITOS BÁSICOS DA SEÇÃO 23.2
As Bases Genéticas do Câncer
• As mutações dominantes de ganho-de-função nos proto-
oncogenes e as mutações de perda-de-função nos genes su-
pressores tumorais são oncogênicas.
• Entre as proteínas codificadas pelos proto-oncogenes es-
tão proteínas sinalizadoras promotoras do crescimento e
seus receptores, a proteína de transdução de sinais, os fatores
de transcrição e as proteínas apoptóticas (ver Figura 23-8).
• Uma mutação ativadora em um dos dois alelos de um pro-
to-oncogene o converte em oncogene. Isso pode ocorrer
por mutação de ponto, amplificação gênica, ou transloca-
ção de genes.
• O primeiro oncogene humano a ser identificado codifica
uma forma constitutiva da Ras, uma proteína de transdu-
ção de sina!. Esse oncogene foi isolado de um carcinoma
de bexiga humano (ver Figura 23-4).
• Os retrovírus de ação lenta podem causar câncer por se
integrarem próximos a um proto-oncogene, de ta! modo
que a transcrição do gene celular seja continuamente ati-
vada ou inadequada.
CAPíTULO 23 • Câncer 949
~l
ICélulas B Pan
ICélula B docentro
germinativo
• Célula T
• Célula B ativada
Il.infonodo
linfoma grande e difuso de células B
Células B do centro germinativo
Linfonodos normais/Amlgdalas
Células 8 sangülneas ativedas
Células T etlvadasrem repouso
linhagens celulares transformadas
linfoma folicular
_ Células B sangüíneas em repouso
Linfoma linfoblástico crônico
• Os genes supressores tumorais codificam proteínas que
reduzem, direta ou indiretamente, a progressão pelo ciclo
celular; proteínas que controlam os pOntos de verificação
que suspendem o ciclo celular; componentes das vias de
sinalização de inibição do crescimenro; proteínas pré-apop-
tóticas e enzimas de reparo de DNA.
• O primeiro gene supressor tumora! identificado, o RB, está
murado no retinoblastorna e em outros tumores.
• A herança de um único alelo murado do RB aumenta enor-
memente a probabilidade do desenvolvimento de um tipo
específico de câncer, como é o caso de outros genes supres-
sores tumorais (como APe e ERCAl).
• Em indivíduos nascidos com um gene supressor tumora!
heterozigoto, uma célula somática pode sofrer perda da hete-
rozigosidade (LOH) por recombinação mitótica, segregação
cromossômica incorreta ou deleção (ver Figura 23-11).
• Vários genes que regulam os processos normais de desen-
volvimento codificam proteínas que atuam em diversas vias
950 CAPíTULO 23 • Câncer
de sinalização (ver Figura 23-12). As funções normais des-
sas proteínas na regulação de onde e quando o crescimen-
to deve ocorrer são refletidas na característica dos tumores
que são originados quando estes genes sofrem mutações .
• A análise por microarranjos de D A pode identificar di-
ferenças na expressão gêniea entre tipos de células turno-
rais que seriam indisringuíveis por critérios tradicionais.
Algumas células rumorais parecem estar relacionadas a ti-
pos específicos de células normais em determinados está-
gios de desenvolvimento, de acordo com seu padrão de
expressão.
Receptores protéicos codificados por proto-oncogenes
BJ Mutações Oncogênicas em
Proteínas Promotoras do Crescimento
Os genes que codificam cada classe de proteínas de regulação
celular, mostradas na Figura 23-8, foram identificados como
proto-oncogenes ou como genes supressores tumorais. Nesta
seção, examinares em maior detalhe como as mutações que
resultam na atividade constitutiva desregulada de certas pro-
teínas, ou na sua superprodução, promovem a proliferação
celular e a transformação, contribuindo na carcinogênese. Em
cada caso, discutiremos como uma célula rara que sofreu uma
mistura de mutações muito particulares, torna-se abundante
devido à sua proliferação descontrolada.
Os Receptores Oncogênicos Podem Promover a
Proliferação na Ausência dos Fatores de
Crescimento Externos
Embora os oncogenes, teoricamente, possam surgir por mu-
tações em genes que codificam moléculas que sinalizam o estí-
mulo para o crescimento, isso raramente ocorre. Na verdade,
apenas um oncogene de ocorrência natural, sis, foi descober-
to. O oncogene sis, que codifica um tipo de fator de cresci-
mento derivado de plaquetas (PDGF) é capaz de auto-esti-
mular a proliferação de células que normalmente expressam o
receptor de PDGE
Em contraste, os oncogenes que codificam os recepto-
res de superfície celular - que transmitem sinais promoto-
res de crescimento - foram associados a diversos tipos de
câncer. Os receptores de vários desses fatores de crescimen-
to têm atividade intrínseca de proteínas tirosino-quinases
nos seus domínios citosólicos, uma atividade que é quies-
cente até sua ativação. A ligação da molécula ligante ao
domínio externo desses receptores tirosino-quinases
(RTKs) provoca sua dimerização e a ativação da quinas e,
iniciando uma via de sinalização intracelular que resultará
em proliferação.
Em alguns casos, uma mutação de ponto altera um RTK
normal para uma forma dimérica, com ativação constituti-
va, mesmo na ausência de ligante. Por exemplo: uma única
mutação de ponto converte o receptor Her2 normal na on-
coproteína Neu, que inicia certos tipos de tumores em ca-
mundongos (Figura 23-14, esquerda). Da mesma forma, o
Receptor Her2 Receptor EGF
Exterior
Citosol
Receptor
_ tirosino-
quinase
inativo
(Vai ~ Gln) 1 Mutações oncogênicas 1Oeleção
Oncoproteína Neu
Exterior
Oncoproteína ErbB
Proteína tirosino-
quinase com
ativação
constitutiva
Citosol
Receptores oncoprotéicos independentes de ligante
 FIGURA 23-14 Efeitos de mutações oncogênicas em proto
cogenes que codificam os receptores da superfície celular. Esqu -
da: Uma mutação que altera um único aminoácido

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