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Modulo 11: Perda de sangue 
Problema 1 – “Prefiro tratar só com remédio!”
Dona Jacira, 43 anos, compareceu à UPA muito preocupada porque apresentou episódio de vômito com a presença de sangue vivo. Ela conta que há alguns dias tem sentido tontura, náuseas e intensas dores abdominais, levando a mão à região epigástrica. Além disso, Jacira refere que as fezes tem intenso odor fétido e com cor muito escura. Ela conta que é vendedora e, como “passa o dia em pé, tem problema grave de coluna”. Há alguns anos procurou um ortopedista que “passou ibuprofeno, fisioterapia...” Relata que abandonou o acompanhamento médico, mas “quase todo dia toma o remédio para aliviar as dores”. Nega tabagismo, diabetes, hipertensão e doença hepática. Ao exame, nota-se obesidade grau II, PA= 100x60, TA= 37ºC, FC= 110 bpm e FR=22 irpm, mucosas hipocoradas (2+/4+). Foram realizados os exames hematológicos nos quais se detectou Hb = 8,5 g/mL, uréia = 120mg/mL e creatinina = 0,9mg/dL. Enquanto realiza os exames de imagem, Jacira questiona, apreensiva, se vai melhorar tomando apenas comprimidos.
HD: Hemorragia digestiva alta 
Objetivos
1 Elucidar conceito, epidemiologia e fatores de risco da HD
2 Estudar as principais etiofisiopatologia correlacionando com as manifestações clínicas da HD
3 Compreender o manejo da HD (diagnóstico e tratamento)
HEMORRAGIA DIGESTIVA
Loren Laine
INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
A hemorragia digestiva alta (HDA) é definida como sangramento intraluminal resultante de uma lesão proximal ao ligamento de Treitz, podendo envolver o esôfago, estômago ou duodeno.
Tem incidência de 48 a 160 casos a cada 100.000 habitantes ao ano, e é responsável por cerca de 1 internação a cada 10.000 adultos/ano. Ocorre duas vezes mais frequentemente em homens do que em mulheres.
A hemorragia digestiva (HD) contribui para cerca de 150 hospitalizações em uma população de 100 mil indivíduos anualmente nos Estados Unidos, sendo a HD alta (HDA) aproximadamente 1,5-2 vezes mais comum do que a HD baixa (HDB). A incidência de HD diminuiu nas últimas décadas, principalmente devido a uma redução na HDA, e a mortalidade também foi reduzida para 6 e a aumentar a estabilidade do coágulo, diminuiu o sangramento adicional e a mortalidade em pacientes com úlceras de alto risco (sangramento ativo, vaso visível não hemorrágico, coágulo aderente) quando efetuada após terapia endoscópica. Pacientes com achados de baixo risco (mancha pigmentada plana ou base limpa) não necessitam de terapia endoscópica e recebem doses padrão de IBP oral. Aproximadamente um terço dos pacientes com úlceras hemorrágicas voltam a sangrar nos próximos 1-2 anos se não forem utilizadas estratégias de prevenção. A prevenção do sangramento recorrente focaliza os três principais fatores na patogênese da úlcera: Helicobacter pylori, AINEs e ácido. A erradicação do H. pylori em pacientes com úlceras hemorrágicas diminui as taxas de recorrência de sangramento parade mais de 40 mmHg da PAS por um período maior do que 15 minutos) deve ser detectada precocemente e define o subgrupo de maior mortalidade.
Por volta de 10% dos pacientes com EP apresentam temperatura > 38°C e 39,0°C. A maioria dos pacientes com TEP têm pulmões limpos na ausculta. Sibilos ou estertores bilaterais tornam possível um diagnóstico alternativo de broncoespasmo ou de pneumonia, mas não excluem TEP
(Tabela 4). O infarto pulmonar pode produzir estertores sobre o segmento pulmonar afetado.
TABELA 4 Sinais e sintomas em pacientes com tromboembolismo pulmonar confirmado na chegada ao departamento de emergência
Sinal/sintoma Prevalência
Dispneia em repouso 50,1%
Dor torácica pleurítica 39,4%
Dispneia aos esforços 27%
Edema assimétrico de MMII 23,5%
Esforço respiratório 16,4%
Tosse seca 22,9%
Dor torácica 15,2%
Tontura 12,2%
Diaforese 11,7%
Dor abdominal 10,7%
Estertores 8,4%
Febre 9,7%
Sudorese 7,1%
Hemoptise 7,6%
Dor unilateral de membro inferior 5,9%
Síncope 5,5%
Alteração do nível de consciência 4,8%
Angina 3,9%
Uma das principais formas de apresentação de TEP é a de dispneia não explicada por achados de ausculta, alterações no ECG ou radiografia de tórax.
EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO
Oximetria de pulso e gasometria arterial
A oximetria de pulso e a gasometria arterial devem ser colhidas para avaliação dos pacientes com suspeita de TEP.
A oximetria de pulso média é menor em pacientes com TEP do que em pacientes sem TEP (93 ± 2% vs. 95 ± 3%), embora possa ser normal mesmo em pacientes com a doença. Da mesma forma, a pressão parcial média de oxigênio no sangue arterial (PaO2) é menor (73 ± 19 mmHg vs. 80 ± 21 mmHg), e o gradiente alvéolo-arterial é aumentado em pacientes com TEP embora possa ser normal em 20% dos casos. A pressão arterial parcial de dióxido de carbono (PaCO2) é geralmente baixa, refletindo um aumento de 20 a 50% na ventilação minuto para compensar a perda de eficiência pulmonar secundária ao aumento do espaço morto. Os pacientes apresentam gasometria normal em cerca de 30% dos casos.
D-dímero
Coágulos de sangue contêm fibrina, que é degradada naturalmente através da ação da plasmina, e a degradação da fibrina libera a proteína D-dímero no sangue.
O D-dímero é o principal exame para excluir TEV, pois apresentam alta sensibilidade e baixa especificidade para o diagnóstico.
Eletrocardiograma
Deve ser realizado em todos os pacientes com suspeita de TEP, embora os achados sejam, em geral, inespecíficos.
Os achados mais comuns do ECG são taquicardia e inversão de onda T em V1 (cada um presente em 38% dos casos) e alterações de segmento ST em V1 a V4.
No entanto, se forem analisados apenas os pacientes que evoluíram com colapso hemodinâmico ou morte, a razão de risco para os achados de ECG está apresentada na Tabela 6 e Figura 3. Podem ainda estar presentes bloqueio incompleto do ramo direito e o achado clássico, mas incomum, de S1-Q3-T3, em 10 a 15% dos pacientes. Deve-se ressaltar que esses achados significam elevação de pressões em câmaras direitas. Em alguns casos, essas alterações podem ser crônicas e não ter relação com o quadro agudo do paciente.
 
FIGURA 3 Paciente com TEP e eletrocardiograma com sinais de sobrecarga de ventrículo direito: S1Q3T3, bloqueio de ramo direito incompleto, inversão de onda T de V1 a V4 e intervalo QTc prolongado.
Radiografia de tórax
Pacientes com TEP podem ter radiografia de tórax com uma ou mais anormalidades, incluindo cardiomegalia, atelectasia basal e infiltrado ou derrame pleural. Todos os achados são inespecíficos para EP. Em 90%.
A maioria dos protocolos exige que o paciente fique em decúbito dorsal e prenda a respiração por alguns segundos. Na maioria dos centros, o paciente deve ter um cateter IV periférico (calibre 20 ou maior) ou uma linha fixa aprovada para permitir a injeção do contraste, e o cateter central não pode ser usado para injeção.
Além do reconhecimento do coágulo, a angiotomografia computadorizada pode detectar diagnósticos alternativos, como pneumonia (presente em 8% a 22% dos casos).
Sumarizando em relação à angiotomografia pulmonar:
Indicada em pacientes com probabilidade clínica pré-teste alta ou naqueles com D-dímero positivo.
Permite avaliar diagnósticos diferenciais.
É um exame seguro e não invasivo.
Contribui para a estratificação de risco em pacientes com TEP.
Cintilografia pulmonar de ventilação e perfusão (V/Q).
Ecocardiograma
O ecocardiograma não consegue excluir o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar (apresenta valor preditivo negativo de 40-50%). Sua maior utilidade é na estratificação do TEP.
Sinais de sobrecarga de ventrículo direito podem estar presentes em pacientes com outras patologias, como hipertensão pulmonar crônica ou DPOC, sem tromboembolismo pulmonar associado (assim como no ECG).
No paciente que se apresenta com instabilidade hemodinâmica, sem diagnóstico definitivo, o ecocardiograma pode mostrar sinais de sobrecarga de ventrículo direito, direcionando o diagnóstico para TEP.
Arteriografia pulmonar
O exame era considerado o padrão-ouro para o diagnóstico de TEP; no entanto, vem perdendo espaço para a angiotomografia de artérias pulmonares. Atualmente é mais utilizado para guiar terapêuticas invasivas como embolectomia. Deve-se acrescentar que toda a lógica de passos no diagnóstico do TEP tenta racionalizar a investigação de modo a não ser necessária a arteriografia. A angiografia pulmonar identifica um coágulo como um defeito de enchimento dentro da artéria pulmonar. Esse teste requer a colocação de um cateter na artéria pulmonar, geralmente através da veia femoral, seguida da injeção de 150 a 300 mL de material de contraste. O exame é pouco disponível, caro e invasivo.
Ultrassonografia Doppler de membros inferiores
O exame é disponível, barato e pode ser realizado à beira do leito.
Geralmente não é indicado quando a suspeita é TEP, pois é positivo em apenas 30 a 50% dos pacientes com
tromboembolismo pulmonar. Usualmente reservado para pacientes com contraindicações para realizar a
angiotomografia e/ou para complementar a cintilografia ou angiotomografia inconclusivas.
Outros exames
Outros exames indicados em pacientes com TEP incluem função renal, coagulograma, eletrólitos e solicitações conforme indicação clínica.
Exames para estratificar pacientes com TEP incluem: troponina, BNP e ecocardiograma.
TABELA 8 Probabilidade pré-teste conforme os escore de Wells
Wells Original Simplificado
Característica Pontuação Pontuação
Antecedente de tromboembolismo pulmonar ou trombose venosa profunda 1,5 1
Frequência cardíaca > 100 bpm 1,5 1
Cirurgia ou imobilização nas últimas 4 semanas 1,5 1
Hemoptise 1 1
Neoplasia ativa 1 1
Sinais de trombose venosa profunda 3 1
Tromboembolismo pulmonar é o principal diagnóstico 3 1
Probabilidade clínica original
Baixa 0-1
Intermediária 2-6
Alta ≥ 7
Probabilidade clínica simplificada
Tromboembolismo pulmonar provável 0-4
Tromboembolismo pulmonar improvável ≥ 5
O TEP é classificado em três categorias com base na gravidade: TEP maciço, TEP submaciço e TEP de menor gravidade:
TEP maciço: pressão arterial sistólicapressão arterial sistólica 40% na pressão arterial sistólica basal.
TEP submaciço: pressão arterial normal, mas com outras evidências de estresse cardiopulmonar.
TEP de menor gravidade: Todos os outros casos.
Em pacientes com TEP confirmado é importante classificar e estratificar o paciente de acordo com a gravidade do quadro (risco de mortalidade) calculando o escore PESI
TRATAMENTO
A primeira medida em pacientes com suspeita de TEP é assegurar o suporte hemodinâmico e respiratório, conforme situação clínica do paciente na apresentação.
Suporte hemodinâmico
Deve-se lembrar que a principal causa de morte no TEP é falência de VD levando a baixo débito cardíaco. São medidas recomendadas nesses pacientes:
Cristaloide, em bolus de até 500 mL em pacientes hipotensos, pode melhorar hipotensão e índice cardíaco, e pode ser testado antes da introdução de drogas vasoativas. Com a ressalva de que sobrecarga volêmica pode piorar a disfunção de VD.
Reposição volêmica agressiva pode ser prejudicial e piorar o estresse de VD.
Drogas vasoativas são frequentemente necessárias para melhorar o inotropismo cardíaco, elevar a pressão arterial e garantir perfusão tecidual adequada.
Norepinefrina aumenta a pressão arterial sistêmica e melhora a perfusão coronariana; melhora a função de VD por ação inotrópica positiva direta. O seu uso deve ser limitado a pacientes com choque cardiogênico. A dose recomendada é de 0,2 a 1,0 mcg/kg/min.
Dobutamina deve ser considerada em pacientes com índice cardíaco reduzido, e costuma ser a primeira droga prescrita com o intuito de melhorar o débito de VD. A dose recomendada é de 2-20 mcg/kg/min (Tabela 13).
Em pacientes sem resposta, considera-se o uso de suporte extracorpóreo (ECMO), lembrando que seu uso por mais de 5 a 10 dias pode levar a complicações como sangramento e infecções.
Suporte respiratório
Hipoxemia e hipocapnia são muitas vezes encontradas. Hipoxemia é geralmente reversível com a administração de oxigênio, sendo indicada oxigenioterapia se SaO2 20%, é recomendada a anticoagulação empírica, pois os benefícios excedem os riscos (sangramento e trombocitopenia induzida por heparina). O atraso na administração de heparina a pacientes com TEP está associado com o aumento da mortalidade, mas nenhum estudo demonstrou que a heparina, administrada precocemente e antes da realização de exame de imagem, melhora a morbimortalidade. Em pacientes com insuficiência renal grave e TVP aguda ou TEP, a maioria dos especialistas recomenda a heparina não fracionada em relação à heparina de baixo peso molecular. São opções para anticoagulação:
Heparina de baixo peso molecular
Atua como inibidor do fator Xa. A preferência é prescrever HBPM uma vez ao dia. A prescrição de 12/12 horas aumenta uma picada ao dia e não apresenta maior eficácia. As doses são:
Enoxaparina SC: 1,5 mg/kg de peso, uma vez ao dia.
Dalteparina: 200 unidades/kg de peso, uma vez ao dia (medicação mais validada em pacientes com neoplasia).
Nadroparina: 171 unidades/kg de peso, uma vez ao dia (evitar em pacientes com > 100 kg).
Tinzaparina: 175 unidades/kg de peso, uma vez ao dia (evitar em pacientes com > 70 anos de idade).
Deve-se lembrar que a segurança da HBPM se aplica a indivíduos com função renal normal e peso entre 40 e
120 kg (considerar alternativas em pacientes fora dessa faixa de peso). A medicação pode ser prescrita em disfunção renal, mas nesse caso é obrigatório monitorizar, seja com dosagem sérica da heparina de baixo peso, seja com monitorização da inibição antifator-Xa, exames indisponíveis na maioria dos hospitais.
Heparina não fracionada
A resposta anticoagulante da heparina não fracionada apresenta grandes variações entre diferentes pacientes, por esse motivo a resposta deve ser monitorizada pelo TTPA. As recomendações para o tratamento hospitalar sugerem o seguinte:
Dose de ataque de 80 UI/kg endovenosa (alternativa dose única de 5.000 U).
Infusão contínua com dose inicial de 18 UI/kg/h e ajuste da dose pelo TTPA com objetivo de atingir valores de 1,5-2,5.
Deve-se verificar o número de plaquetas no terceiro e no quinto dia de uso devido ao risco de plaquetopenia autoimune pela heparina. A relação do TTPA deve ser verificada inicialmente a cada 6 horas e depois diariamente.
A heparina deve ser descontinuada apenas quando o INR obtido com a anticoagulação oral estiver em níveis adequados (INR 2-3) por 2 dias consecutivos.
Um estudo canadense com 708 pacientes (TVP e TEP) comparou heparina de baixo peso molecular subcutânea com heparina não fracionada também subcutânea e mostrou que não há diferença de resultados. Os mais recentes consensos já reconhecem essa terapêutica como eficaz, sobretudo se a heparina de baixo peso molecular não estiver disponível.
O protocolo para o tratamento é o seguinte:
Heparina não fracionada “concentrada” (1 mL = 20.000 U de heparina ou 1 mL = 25.000 U de heparina). As preparações utilizadas para profilaxia de TVP (1 mL = 5.000 U de heparina) não são ideais para ser usadas, pois o volume administrado no espaço subcutâneo é muito grande.
Dose inicial: 333 U/kg peso, SC.
Manutenção: 250 U/kg peso, SC, 12/12h.
Não há necessidade de controle de coagulograma.
As incidências de plaquetopenia, sangramento ou recorrência da TVP/TEP foram semelhantes.
A heparina não fracionada é a primeira escolha para o paciente em diálise ou com doença renal crônica avançada (ClCrdiretos da trombina. As doses são:
Peso menor do que 50 kg: 5 mg SC, 1x/dia.
Peso 50-100 kg: 7,5 mg SC, 1x/dia.
Peso maior que 100 kg: 10 mg SC, 1x/dia.
Inibidores da trombina
A lepirudina e bivalirudina são inibidores diretos da trombina, e são opções para pacientes que desenvolvem
plaquetopenia induzida por heparina. Apenas a bivalirudina está sendo produzida comercialmente e sua dose é de
0,15 mg/kg/hora, mantendo TTPA entre 1,5 e 2,5 vezes o controle. Doses de 0,14 mg/kg/hora são indicadas em disfunção hepática e de 0,03-0,05 mg/kg/hora se disfunção hepática e renal combinadas. Essas medicações são indisponíveis no Brasil.
Anticoagulação oral
A anticoagulação oral deve ser instituída precocemente, na maioria das vezes concomitante à anticoagulação parenteral.
Varfarina
Deve ser iniciada concomitantemente à anticoagulação parenteral, exceto nos casos de alto risco de sangramento
Problema 4 – Pressentimento de mãe...
Lucas tem 33 anos e muita história: é portador de cardiopatia reumática e já foi submetido a troca valvar há 6 anos, com prótese metálica, e por conta disso usava varfarina desde a cirurgia.
Dona Geiza, a mãe dele, vivia preocupada, já que o médico tinha avisado dos riscos e cuidados do uso do medicamento. Lucas, sossegado, volta e meia esquecia de fazer o exame de controle, mas cada vez que ele saia de casa D. Geiza alertava que ele tinha o “sangue fino” e por isso, “tenha sangue frio – não se meta em confusão”. Na véspera do seu aniversário, Lucas pegou a moto emprestada de um amigo e, na volta para casa, sofreu um acidente. Estava usando capacete, mas foi arremessado até a calçada bruscamente. Alguns minutos depois foi atendido pelo SAMU, estava lúcido, com muitas escoriações e movimentava os 4 membros. Sentia muita dor no tórax e apresentava desconforto respiratório. Ao exame físico: murmúrio abolido terço inferior do hemitórax direito, PA: 100x60mmHg, F.C.:130, FR: 28, Sat: 93%. Foi, então, imobilizado, iniciado hidratação por dois acessos calibres e transferido ao hospital regional. A enfermeira, ao ver os exames laboratoriais iniciais (resultados abaixo), questiona o plantonista: “O INR está alargado, doutor.... vai reverter a anticoagulação? Quais hemoderivados vão ser solicitados? Lucas, muito assustado, ainda conseguia pensar: Minha mãe sempre tem razão!
HD: Anticoagulantes
1.Compreender as indicações para o uso dos anticoagulantes orais 
2.Elucidar as complicações relacionadas ao uso do ACOs 
3.Discutir condutas em pcts com acidentes/ trauma dos indivíduos submetidos a ACOs
Os anticoagulantes, seja o Xarelto, Marevan, Pradaxa ou a heparina, são usados na prática médica para o tratamento e a prevenção de trombose arterial ou venosa e agem inibindo o sistema de coagulação, evitando a formação do coágulo. Dessa forma, já dá pra inferir o principal risco de quem toma essa medicação: o risco de sangramento.
Para evitar esse tipo de complicação, preparei uma lista de bolso dos cuidados para quem toma esse tipo de medicação. 
1. Evite atividades que predisponha a traumas
Devido à predisposição a sangramentos maiores e hematomas, é aconselhável que durante o tratamento se evitem atividades de levem ao risco de traumas como: jogar futebol, jogar volei e praticar luta. 
Uma vez cessado o tratamento, o sistema de coagulação volta ao normal até 5 dias após a cessação do Marevan e em 24h após a cessação de outras medicações.
2. A Gravidez é contra indicada com anticoagulantes ORAIS
Os anticoagulantes ORAIS comercializados no Brasil causam risco de malformações fetais e, portanto, são contra indicados na gravidez. 
Em caso de gravidez ou desejo por gravidez durante o tratamento, avise a seu médico para que as medicações sejam trocadas pela injeção diária de heparina subcutânea. 
Durante a amamentação, pode-se usar comprimido de Marevan ou injeção subcutânea de heparina, mas o bebê deve ser monitorado quanto ao risco de sangramento. Os anticoagulantes Xarelto, Pradaxa e Eliquis são contra-indicados também nessa situação. 
3. Exames laboratoriais necessários
Necessários exames que meçam a quantidade de células vermelhas do sangue, a função hepática e renal e a coagulação sanguínea para o início do tratamento.
Para quem usa Marevan, deve ter rigor na realização periódica da dosagem sanguínea do INR, que mede o nível de coagulação pelo remédio [se você usa, decore essa sigla]. Isso porque a ação do remédio sofre maior influência de alimentação e outras medicações. 
A interpretação básica do exame: se entre 2-3 significa que o remédio está em nível adequado. Abaixo de 2 há risco maior de trombose. Acima de 3 há risco maior de sangramento. 
As medicações Xarelto, Eliquis, Pradaxa e Heparina não necessitam de controle laboratorial e não possuem exame específico.
4. Em caso de sangramento, avise a seu médico
Os sangramentos mais comuns com o uso dos anticoagulantes são sangramento digestivo, sangramento nasal e sangramento gengival.
Importante avisar imediatamente o médio caso haja sangramento, podendo ser necessário trocar dose do remédio ou mesmo suspendê-lo. 
5. Menstruação não cessa? Avise a seu médico.
É normal o aumento do fluxo menstrual durante o uso de anticoagulantes. No entanto, se o fluxo não cessa, avise a seu médico, podendo ser necessário trocar dose do remédio ou mesmo suspendê-lo. 
6. Evitar alguns tipos de alimentos
Para quem toma Xarelto, Pradaxa, Eliquis e heparina, não há restrição alimentar. 
Já a ação do Marevan (varfarina sódica) é diminuída quando ingeridos alimentos ricos em vitamina k (folhas verdes escuras, como agrião, couve e espinafre). A ingestão desse tipo de alimento não é proibida, mas se consumida, é recomendado que o seja feita em quantidades regulares (a mesma quantidade todos os dias).
7. Evitar alguns tipos de remédios
Cada anticoagulante tem uma lista pequena ou grande de medicamentos que podem aumentar o efeito (causando risco de sangramento) ou reduzir o efeito do anticoagulante. 
**Dica de ouro: faça uma lista e guarde na carteira. **
9. Tomar o anticoagulante sempre no mesmo horário
O comprimido foi fabricado de forma que, após ingerido e absorvido pelo sangue, fique agindo no sangue durante as horas específicas informadas na bula. Tomar antes do necessário, pode trazer risco de sangramento. 
10. Jamais dobrar a dose do remédio.
Esqueceu de tomar o anticoagulante? Tome o comprimido assim que lembrar e adapte o horário das próximas tomadas. Nunca, jamais e em tempo algum tome dois comprimidos ao mesmo tempo para compensar o que esqueceu. 
11. Avisar ao mundo que toma anticoagulante
Sempre que for se consultar, avise que toma anticoagulante. 
Sempre que for tomar algum remédio, avise que toma anticoagulante. 
Sempre que passar mal, avise que toma anticoagulante. 
Dica de ouro: deixe anotado na carteira que toma anticoagulante. 
Problema 5: “Quase não nasce!”
Maria Tereza, 39 anos, G9P9A0, provinda da Zona Rural, chegou ao Pronto Socorro obstétrico da Unidade Municipal Materno Infantil – Teixeira de Freitas com sangramento uterino intenso.
Sua acompanhante relata que ela teve o parto natural, em seu domicílio, há 12 horas, com a ajuda de sua vizinha. No entanto, esse parto não foi como o dos outros filhos - demorou muito, ela já estava exausta: “mas o bebê é um meninão, bem esperto e tem mais de 4kg”. Diante desse relato, a plantonista examinou a puérpera, constatando agitação, palidez cutânea, fraqueza, sudorese, útero subinvoluído acima da cicatriz umbilical, com ausência de formação do globo de segurança de pinard e flacidez. PA: 90x70mmHg, FC: 130 bpm, FR: 19irpm, T: 36ºC.
Rapidamente, a médica solicita cateter vesical de demora e realiza a manobra de Hamilton. A estudante do internato, que acompanhava o plantão, interroga: “Será que precisará de fazer histerectomia?”
HD: Hemorragia pós parto
Objetivos
1 - Elucidar conceito, epidemiologia e fatores de risco da HD
2 - Estudar as principais causas da hemorragia pós parto;
3 - Compreender o manejo, complicações e prognóstico e prevenção da Hemorragia pós parto.
Hemorragia pós parto
A hemorragiapós-parto (HPP) é definida tradicionalmente como a perda sanguínea que excede 500 mililitros (mL) em um parto vaginal e 1.000 mL em uma cesariana. Para propósitos clínicos, qualquer perda sanguínea que tenha potencial para causar instabilidade hemodinâmica deverá ser considerada HPP 
Os quadros de hipotensão, vertigem, palidez cutânea e oliguria são sinais tardios, e só são percebidos após perda significativa de volemia e redução > 10% de hematócrito.
A hemorragia pós-parto pode ser classificada em primária, a mais comum, quando ocorre nas primeiras 24 horas após o parto; ou secundária, quando acontece entre 24 horas e 12 semanas de pós-parto.
Frequência
A HPP é verificada em aproximadamente 2% de todos os partos.
Existem fatores de risco para sua ocorrência:
Fatores maiores: descolamento prematuro de placenta, retenção da placenta, inserção baixa e/ou acretismo placentário, gestação múltipla, síndromes hipertensivas e cesariana de emergência.
Fatores menores: antecedente de HPP, parto vaginal operatório, parto com necessidade de episiotomia, trabalho de parto prolongado (> 12 h) e macrossomia fetal (RN > 4 kg).
Os fatores de risco descritos para a atonia uterina incluem: segundo período do parto prolongado, parto instrumentado, sobredistensão uterina (macrossomia, gestação múltipla, polidrâmnio), uso de medicações (tocolíticos e anestésicos halogenados) e corioamnionite.
Além da atonia uterina, outras complicações obstétricas que podem estar associadas à hemorragia pós-parto são:
• Lacerações do períneo, da vagina ou do colo uterino.
• Coagulopatia dilucional (placenta prévia) ou de consumo (descolamento prematuro de placenta - DPP, sepse, embolia amniótica).
• Retenção placentária ou acretismo placentário.
• Inversão uterina.
• Rotura uterina.
• Deiscência de à catriz de histerotomia.
• Laceração de histerotomia com acometimento de vasos uterinos.
• Hemostasia inadequada.
Outros fatores de risco que também têm sido associados à hemorragia pós-parto são obesidade, alta paridade e parto rápido.92 Ressalte-se, porém, que a maio ria das mulheres com hemorragia pós-parto não apresenta fatores de risco. Causas menos frequentes de hemorragia pós-parto são os defeitos congênitos da coagulação, como a doença de von Willebrand.
Cerca de dois terços dos casos de HPP, entretanto, acontecem sem que haja fator de risco.
Etiologia
As principais causas de hemorragia pós-parto são atonia uterina (incapacidade do útero de contrair-se adequadamente), lacerações do canal de parto, retenção de fragmentos placentários e, mais raramente, distúrbios de coagulação.
Como causa de hemorragia pós-parto primária, a atonia uterina está presente em cerca de 70% dos casos. Vale lembrar que o fluxo sanguíneo médio uterino durante o parto é de 600 mL/min e, quando o miométrio é incapaz de contrair-se efetivamente, não há constrição das artérias espiraladas do útero, havendo sangramento profuso pela decídua, o que leva rapidamente a choque hipovolêmico
A causa-base da HPP precisa ser identificada. O método mnemônico dos “4 Ts” é utilizado para os quatro processos básicos envolvidos na gênese da HPP: tônus, trauma, tecido e trombo.
Tônus: atonia uterina é a causa mais comum de HPP, respondendo por até 90% dos casos. Faz-se diagnóstico pelo útero subinvoluído de consistência amolecida, com sangramento aumentado.
Trauma: a revisão do canal de parto é fundamental na suspeita de lacerações de trajeto. Caso haja lesão sangrante, o reparo cirúrgico deve ser indicado prontamente. Estima-se que, em um parto vaginal operatório, a perda sanguínea seja semelhante àquela de um parto cesariana. A rotura uterina também deve ser lembrada, em especial naquelas pacientes com fatores predisponentes, como cicatriz uterina prévia (cesariana anterior, miomectomias).
Tecido: a revisão da cavidade uterina e da integridade da placenta expulsa é importante para descartar retenção de restos placentários. Caso haja retenção de parte da placenta, deve-se indicar curagem e/ou curetagem puerperal, eventualmente com US-guia na sala de parto.
Trombo: coagulopatias adquiridas (pacientes em uso de terapia anticoagulante, doença hepática, sepse, pré-eclâmpsia grave, embolia amniótica ou congênita (doença de von Willebrand) podem provocar HPP. Não se deve esquecer que a coagulopatia pode ser secundária à própria HPP (coagulação intravascular disseminada).
Manejo da HPP
Diante da suspeita diagnóstica, deve-se iniciar imediatamente a abordagem terapêutica, e não aguardar sinais de instabilidade hemodinâmica para agir, uma vez que, devido às modificações fisiológicas da gestação, as puérperas podem manter-se assintomáticas mesmo com grandes perdas volêmicas.4
O controle precoce do sítio de sangramento é a medida mais eficaz no tratamento da HPP. A abordagem terapêutica da HPP também requer avaliação clínica, monitorização hemodinâmica e ressuscitação hemostática e volêmica. Quanto mais rápida é a intervenção, mais se evitam as complicações da hemorragia, tais como: coagulopatia, hipotermia e acidose, evitando morte materna.
O choque, comprometimento da perfusão tecidual, coloca a paciente em risco de entrar em um ciclo vicioso: hipotermia-coagulopatia-acidose.
A diminuição da temperatura corporal em 1ºC diminui em 10% a atividade dos fatores de coagulação. Adicionalmente, a hipotermia inibe a função plaquetária e resulta em fibrinólise. A piora da acidose indica necessidade de uma abordagem mais agressiva.
Para avaliação de perda sanguínea de modo mais objetivo recomenda-se a pesagem de compressas e de frascos coletores.
Para avaliar a gravidade da perda volêmica, deve-se verificar a pressão arterial (PA), a frequência cardíaca, a perfusão periférica e o nível de consciência.
O índice de choque, que é a razão entre a frequência cardíaca e a pressão arterial sistólica, reflete a adaptação materna à hemorragia. Quando for ≥ 0,9 indica a necessidade de reposição volêmica de cristaloides e de sangue, inclusive.5
A assistência requer de imediato: obtenção de 2 acessos venosos calibrosos e infusão de cristaloides, manutenção da oxigenação com O2 em máscara facial, prevenção de hipotermia, observação de diurese com manutenção de sonda vesical de demora e monitorização contínua dos sinais vitais (PA, frequência cardíaca, frequência respiratória, diurese, temperatura), a cada 5-15 min.
A ressuscitação hemostática e volêmica inicia-se a partir do momento em que se observar gravidade da perda sanguínea, começando pela infusão racional de cristaloides aquecidos, sempre avaliando a resposta clínica da paciente a cada 500 mL infundidos.
Estima-se que a reposição de cristaloides (soro fisiológico, Ringer) deve ser realizada na proporção de 3:1 – 3 litros (L) de solução salina para cada litro de sangue perdido. É importante lembrar que a partir de 1.500-2.000 mL de soro infundido sem resposta materna adequada, deve-se considerar a transfusão de hemocomponentes para evitar coagulopatia dilucional.
A coleta de exames deve ser providenciada (tipagem sanguínea, hemograma e coagulograma completo – TAP, TTPA e fibrinogênio).
A instabilidade hemodinâmica associada à anemia aguda –hemoglobina 8 g/dL, plaquetas > 75.000, razão normalizada internacional (RNI) 100 miligramas (mg)/dL.
Além dessas medidas iniciais para manter a paciente estável hemodinamicamente, deve-se determinar a razão do sangramento para que se possa instituir o tratamento direcionado à sua causa.
Tônus (atonia uterina)
Se a causa do sangramento for a ausência ou diminuição do tônus uterino, deve-se iniciar massagem uterina bimanual em concomitância ao tratamento medicamentoso, que inclui as medicações listadas a seguir, que devem ser iniciadas seguidamente caso a utilizada previamente não tenha sucesso:
Ocitocina: 5 UI, via endovenosa(EV), lentamente (bolus em 3 min) e soro fisiológico (SF) a 0,9% – 500 mL + 20 UI de ocitocina (4 ampolas), 250 mL/h, via EV.
Metilergometrina: 1 ampola (0,2 mg), via intramuscular (IM), com repetição de 1 ampola em 20 min (se necessário). Importante: não deve ser utilizada em pacientes hipertensas.
Misoprostol: 800 microgramas (mcg), via retal. 
Recomenda-se, atualmente, o uso do ácido tranexâmico (1 g, EV, lentamente, administrado em 10-20 min. Iniciar até 3 h a partir do diagnóstico de HPP. Deve-se repetir se houver persistência do sangramento 30 min após primeira dose ou reinício do sangramento em até 24 h da primeira dose.6
Quando há falência no uso de uterotônicos, deve-se prosseguir com o tamponamento uterino com uso de balão, preferencialmente o balão de Bakri, desenvolvido para esse fim. O sucesso no tamponamento pode evitar a laparotomia, sendo o tempo ideal de permanência do balão de 4-6 h, que deve ser suficiente para a correção de distúrbios eventuais e otimização da terapia voltada para a causa-base, podendo o balão permanecer por até 24 h. O insucesso é indicativo da necessidade de prosseguir com terapia cirúrgica.
No caso de indicação de laparotomia ou no caso de parto operatório por via alta, deve-se iniciar suturas compressivas, ligaduras vasculares e proceder à histerectomia, caso as medidas anteriores não tenham conseguido estancar a hemorragia.
O uso de suturas hemostáticas (B-Lynch ou outras suturas compressivas modificadas), a ligadura bilateral das artérias uterinas e ilíacas internas e a embolização arterial seletiva parecem ser alternativas que devem ser tentadas antes da indicação de histerectomia. Não existe um parâmetro que indique o procedimento cirúrgico, mas é importante ressaltar que ele não deve ser postergado frente ao risco de vida materno.
Trauma do trajeto ou do útero
É importante explorar e diagnosticar a lesão e corrigi-la com sutura de lacerações, exploração de hematomas e da rotura uterina.
Tecido
Seriam os restos placentários, já discutidos anteriormente.
Trombo
As coagulopatias devem ser investigadas para verificar história de deficiências específicas, uso de anticoagulantes, sangramento excessivo intraoperatório (coagulação intravascular disseminada), DPP, plaquetopenia, hipofibrinogenemia. É importante obter coagulograma e, eventualmente, provas viscoelásticas e realizar o teste de Winner. O tratamento será a reposição dos elementos em falta.
Seguimento após HPP
É fundamental, após coibir a HPP, manter a paciente em ambiente controlado, reavaliando o estado hemodinâmico e hemorrágico, bem como proceder à antibioticoprofilaxia e à prevenção de trombose.
CONDUTA INICIAL
De forma ideal, todo serviço deve seguir algum protocolo de conduta para os casos de hemorragia pós-parto, o que irá impactar de forma significativa no resultado final. A seguir, são explicados os procedimentos iniciais a serem realizados após o diagnóstico de hemorragia pós-parto:
• Massagem uterina bimanual: a manobra de Hamilton é a primeira manobra a ser realizada nos casos de atonia uterina, enquanto se realiza o uterotônico e aguarda-se o seu efeito. A bexiga deve ser esvaziada por meio de cateterismo intermitente ou contínuo, já que a repleção vesical pode interferir na contratilidade do segmento inferior mesmo se o fundo uterino mostrar-se contraído. Uma das mãos fixa a porção posterior do útero, enquanto a outra é posicionada fechada pelo canal vaginal (anteriormente ao colo uterino), de modo que as duas paredes uterinas sejam comprimidas. Esse procedimento costuma ser eficaz no controle da hemorragia (Figura 1) 
• Acesso venoso calibroso: para a administração de líquidos, sangue e medicações.
• Tratamento medicamentoso (Tabelas 4 e 5):
•	Ocitocina: 10 a 40 UI em 1.000mL de solução salina intravenosa contínua. Esquema sugerido: 5 UI lento (3 minutos) + 20 a 40 UI em 500mL de SF 0,9% com infusão de 250 mL/h e manutenção de 125mL/h por 4 horas. Nos casos de atonia mais importante, avaliar manutenção de ocitocina até 24 horas ( a uma velocidade de 67,5mL/ h ou 3 UI/h). Nesses casos, deve-se monitorar rigorosamente a paciente pelo risco de intoxicação hídrica. 95 A ocitocina age estimulando contrações na porção superior do corpo uterino.
Tem um início de ação rápido, de cerca de 1 minuto, meia-vida curta, e pode ser administrada tanto por via intravenosa quanto por via intramuscular.
Não se deve infundi-la em bólus, sem diluição, em razão do risco de hipotensão e arritmia cardíaca grave.
A infusão prolongada pode levar a intoxicação hídrica.
•	Metilergometrina: 0,2 mg por via intramuscular (nunca intravenosa) a cada 2 a 4 horas. Provoca contrações na porção superior e também no segmento inferior do útero, com início de ação em 2 a 5 minutos.
A administração da metilergometrina em bólus, por via intravenosa, pode levar a hipertensão grave, devendo- se evitar seu uso nos casos de hipertensão prévia, enxaqueca e síndrome de Raynaud. Alguns efeitos colaterais que podem ser observados são: náuseas, vômitos e cefaleia. Não ultrapassar 1 mg em 24 horas.
•	Prostaglandina El (misoprostol): mostra-se também eficaz, apesar de os dados ainda serem limitados e as melhores dose e via de administração ainda não terem sido definidas. As doses mais comumente utilizadas são: 800 a 1.000μg por via retal; 200μg por via oral + 400μg por via sublingu.al;88 e 200μg por via oral + 400μg por via sublingual + 400μg por via retal.
Quando administrado por via retal, o início de ação ocorre entre 15-20 minutos, sendo seu emprego eficaz em dezesseis de dezoito mulheres que não haviam respondido à ocitocina.
Efeitos adversos relacionados à administração de misoprostol incluem náuseas, vômitos e tremores, sendo mais frequentes quando realizada por via oral do que p ela via retal.
A temperatura materna deve ser monitorizada, já que pode ocorrer febre acima de 40 º C com o emprego de misoprostol nessas doses. Pode ser administrado em mulheres com história de asma ou hipertensão.
•	Ácido tranexâmico: trata-se de droga antifibrinolítica eficaz na prevenção e no tratamento de hemorragias em várias situações, como cirurgias e traumas. E útil porque a hiperfibrinólise e a queda do fibrinogênio são comuns nos estágios iniciais da hemorragia pós-trauma e também puerperal. O uso do ácido tranexâmico reduziu a mortalidade causada pelo sangramento em 20 a 30% em mulheres após o parto e não esteve associado a aumento de efeitos adversos.29 Recomenda-se 1 grama (10 mL) por via endovenosa em 10 a 20 minutos, já que a infusão > 1 mL/minuto pode causar hipotensão.
Se o sangramento persistir depois de 30 minutos, uma segunda dose de 1 grama pode ser administrada. Sua meia-vida é de 2 horas e o efeito antifibrinolítico dura cerca de 7 a 8 horas. 52
• Infusão de cristaloides: reavaliar o estado hemodinâmico da paciente a cada 250-500mL de cristaloides infundidos para definir: a resposta hemodinâmica à soroterapia (avaliação da gravidade) e a necessidade de manutenção ou não da infusão de líquidos (uso racional de cristaloides) . Pacientes com quadro de hemorragia pós-parto importante e que já receberam 1.500mL de cristaloides, e não apresentaram resposta adequada e sustentada, são candidatas a terapia transfusional.
Tem sido ressaltado que os cristaloides a serem infundidos (soro fisiológico ou Ringer lactato) devem estar aquecidos para se evitar a hipotermia. 95
• Transfusão de hemoderivados: de acordo com a necessidade, a fim de se manter perfusão tecidual adequada e boa troca de oxigênio e prevenir a coagulopatia. A administração de líquidos e sangue deve ser baseada na estimativa da perda sanguínea e na probabilidade de persistência do sangramento. 
HEMORRAGIA NA-O RESPONSIVA
A DROGAS UTEROTÔNICAS
Caso as medidas iniciais não surtam efeito imediato no controle da hemorragia, a paciente deve ser posicionada adequadamente para exame ginecológico, em sala cirúrgica, sob supervisão de anestesista, para revisão do canal de parto, e deve-se proceder às etapas explicadas a seguir para controle da hemorragia.
Reparo de lacerações
Esseexame deve ser feito em boas condições, com a paciente bem posicionada na mesa ginecológica, equipe preparada, boa iluminação, instrumental de revisão adequado e anestesia.
Procede-se à avaliação da vagina e do colo uterino para reparo de lacerações, se existentes, usando-se de preferência categute simples O ou 2-0, com sutura contínua ou em 478 pontos separados ( em áreas menos distensíveis) . Após a sutura, sugere-se colocar tampão vaginal com nitrofurazona ou vaselina. A anestesia local pode não evitar o desconforto causado pelo exame à paciente, devendo em alguns casos ser empregada anestesia geral ou regional.
Curagem e/ ou curetagem uterina
Se o sangramento tiver origem na cavidade uterina, deve-se também realizar curagem e/ou curetagem uterina, e qualquer fragmento placentário retido tem de ser removido.
A cavidade uterina também deve ser explorada em busca de soluções de continuidade que sugiram rotura uterina.
Tamponamento uterino
Tampões uterinos também têm sido utilizados, com sucesso variável. A técnica adequada requer a colocação do tampão (compressa ou gaze) em toda a cavidade uterina .
Apesar de ser considerada perigosa e ineficaz por muitos obstetras, alguns estudos com pequeno número de casos relatam alta taxa de sucesso. Antes de realizar o tamponamento, deve-se excluir definitivamente qualquer possibilidade de hemorragia secundária a lacerações de colo e vagina. A taxa de hemoglobina e o débito urinário também devem ser monitorizados, porque grande quantidade de sangue pode acumular-se atrás do tampão.
E importante a avaliação clínica do fundo uterino no momento da colocação do tampão. Se, em momentos posteriores, o fundo se distanciar mais para cima em relação à sínfise púbica, é provável que esteja ocorrendo hemorragia oculta. Enquanto o tampão estiver posicionado na cavidade uterina (em geral por 24 horas), devem ser administrados antibióticos de largo espectro. Se não houver sucesso no controle da hemorragia com essa técnica, não é aconselhável nova tentativa de tamponamento. 54
Também podem ser utilizados para o tamponamento a sonda de Foley, o balão de Sengstaken-Blakemore ou o balão de Bakri ( capacidade de acomodar 400 a 500mL de solução salina na cavidade uterina), como mostram as Figuras 2 e 3. Uma sonda de Foley número 24 com balão de 30mL é guiada para o interior da cavidade uterina e preenchida com 60 a 80 mL de solução salina. Essa técnica propicia, além do tamponamento uterino, a drenagem do sangue da cavidade uterina. De modo semelhante, podem ser utilizados o balão de Sengstaken-Blakemore ou o de Bakri, com maior capacidade de tamponamento.31
•8º Estes últimos apresentam a vantagem de uma via de saída que permite a avaliação da continuidade do sangramento. Qualquer um desses dispositivos pode ser deixado no interior do útero por 12 a 24 horas. Durante o uso do balão, sugere-se realizar antibioticoprofilaxia (p. ex., cefazolina, 1 grama endovenosa, a cada 8 horas) e manter os uterotônicos.
Recomenda-se encher o balão com líquidos mornos (ou pelo menos em temperatura ambiente), evitando líquidos frios ou gelados pelo risco de indução de hipotermia. Em um estudo com dezessete pacientes com hemorragia pós-parto significativa, o balão de Sengstaken-Blakemore reduziu a necessidade de cirurgia ou embolização, ou foi de grande valia para o controle do sangramento enquanto a paciente aguardava por tais procedimentos.
Problema 6: “Minhas vistas estão escurecendo...”
Ana Maria, 24 anos, procurou pela terceira vez, em 02 dias, a UPA de Teixeira de Freitas com queixa de dor abdominal. Ela diz que há dois dias está sentindo dores abdominais que estão piorando muito. Diz que a dor é contínua, que começou um pouco acima da virilha esquerda, mas que agora tá espalhada em todo a barriga. Ela diz que sempre teve cólicas na menstruação, mas que essa dor é diferente de tudo. Diz inclusive que a menstruação dela está atrasada. Questionada pelo plantonista sobre o que foi dito nas outras duas vezes que veio à UPA, ela relata que disseram que era para observar porque o exame de sangue dela estava só com um pouco de anemia e não tinha nada de infecção. Agora ela diz que a dor está muito pior e que está sentindo fraqueza e como se fosse desmaiar. Ao exame físico está muito pálida, pele fria, com FC de 130bpm, PA de 80x30 mmHg, ausculta cardíaca e pulmonar normais. Foi solicitado novo hemograma, coagulograma, beta-HCG e USG abdominal. Enquanto aguarda os exames ela diz que as vistas estão escurecendo e desmaia.
HD: Abdome Agudo Hemorrágico (AAH)
Objetivos caso 6
1: Elucidar o conceito, epidemiologia e fatores risco do Abdome Agudo hemorrágico não traumático. 
2 Estudar as principais etiologias, associadas com manifestações clínicas, diagnóstico e DDX da HD
3 Compreender o manejo da HD (tratamento e complicações)
Abdome Agudo Hemorrágico
Definição
O abdome agudo hemorrágico se define como presença de sangue na cavidade abdominal, de origem traumática ou não. Suas causas mais comuns incluem gravidez ectópica rota, cisto ovariano roto e aneurisma de aorta abdominal roto, os quais serão abordados posteriormente.
Causado pela presença de sangue em cavidade abdominal. São mais raros e geralmente acometem faixas etárias mais avançadas.
Dor intensa, com rigidez e sinais de hipovolemia, tais como hipotensão, taquicardia, palidez e sudorese. Como há sangramento, a depender do volume e a velocidade de instalação do quadro, pode haver prejuízo neurológico e a intervenção deve ser rápida.
Em mulheres, sempre investigar ciclo menstrual e possibilidade de gravidez.
Etiologias comuns: gravidez ectópica rota, ruptura de aneurisma de aorta, rotura de baço.
 ABDOME AGUDO HEMORRÁGICO
 Introdução
Inúmeras são as causas de hemorragia intra-abdominal. Possui etiologias variadas abrangendo desde traumatismo abdominal, ruptura de
2. Epidemiologia
Apesar de incomum, estando presente em apenas 2% dos pacientes que procuram atendimento de emergência com dor abdominal, se não diagnosticado precocemente, sua consequência pode ser fatal.
Sangramento abdominal pode ocorrer em qualquer idade, embora esteja mais presente entre 50 e 60 anos de idade. É mais frequente em homens, na proporção de 2:1. A etiologia varia de acordo com a idade e sexo, conforme mapa abaixo.
 Etiologias
Abdome Agudo Hemorrágico
Vascular
Ruptura de aneurisma de aorta abdominal O aneurisma da aorta abdominal (AAA) está presente em 5-7% dos indivíduos acima dos 60 anos de idade, predominando mais no sexo masculino tendo como principais fatores de risco para essa categoria a idade >65 anos, hipertensão arterial (HAS), tabagismo, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), aterosclerose, síndrome de Marfan, a síndrome de Ehlers-Danlos e antecedente familiar da doença.
Muitos pacientes com AAA são assintomáticos e o diagnóstico é suspeitado no exame físico pela palpação de massa pulsátil, distensão abdominal e dor à palpação. Nesses pacientes, o ultrasom ou a tomografia computadorizada confirma o diagnóstico.
Em metade dos pacientes com AAA, a manifestação clínica inicial é apenas referida como desconforto ou dor abdominal mal caracterizada, podendo apresentar também dor na região dorsal. Os sintomas associados à dor são vários, predominando náuseas e vômitos. Poucos pacientes, cerca de 12%, com ruptura de aneurisma sabem ser portadores de AAA.
Quando ocorre ruptura, a hipotensão arterial está presente em 25% dos casos no atendimento inicial.
O tratamento inicial é direcionado para estabilização hemodinâmica do paciente, sendo o grau desse acometimento definidor da urgência necessária na avaliação radiológica e na indicação cirúrgica. Nos doentes instáveis hemodinamicamente, o diagnóstico da ruptura do AAA pode ser confirmado pelo ultrassom na sala de emergência, exame que detecta tanto a presença do AAA como de líquido livre na cavidade peritoneal.
Ruptura de aneurisma das artérias viscerais abdominais 
Aneurisma da artéria esplênica: é mais comum no sexo feminino e é o aneurisma mais comum entre os vasos viscerais abdominais, correspondendoa cerca de 60% de todos os aneurismas de artérias viscerais. Tem como fatores de risco para ruptura desse aneurisma a hipertensão venosa portal, fibrodisplasia arterial e gravidez.
O tratamento do paciente que é admitido no hospital com choque hipovolêmico em decorrência de sangramento por ruptura do aneurisma é a laparotomia exploradora imediata associada à reposição agressiva da volemia com soluções cristalóides e, quando necessário, com hemoderivados. Quando o aneurisma se situa distalmente, nas proximidades do baço, o tratamento consiste na ligadura proximal da artéria, seguida de esplenectomia.
Aneurisma da artéria hepática: é predominante em homens acima de 60 anos de idade e corresponde ao segundo aneurisma de arterial visceral mais comum.
Atualmente, cerca de 38% ocorrem em decorrência de arteriosclerose, 21%, de degeneração da camada média, 18%, de traumatismo e apenas 16% são de origem micótica.
Habitualmente é assintomático. Ao romper-se, manifesta dor no quadrante superior direito ou no epigástrio e mimetiza a colecistite e a pancreatite agudas. Dependendo da localização, o sangramento pode exteriorizar-se por hematêmese ou melena, por erosão dos ductos biliares ou do tubo digestivo.
A ressecção, ou a obliteração, dos aneurismas da artéria hepática está indicada em todos os pacientes.
 Aneurisma da artéria mesentérica superior: é o terceiro mais comum. Ocorre em indivíduos abaixo de 50 anos e distribui-se igualmente entre os homens e as mulheres. Os fatores de risco são a endocardite, os traumatismos e a arteriosclerose. A maioria dos aneurismas da artéria mesentérica superior ocorrem em consequência de endocardite bacteriana.
Os sintomas variam muito. Quando o aneurisma compromete a irrigação das alças intestinais, podem ocorrer cólicas abdominais após as refeições, sugestivas de claudicação intestinal.
Quando há ruptura, a dor é intensa, dinfundida para todo o abdome e os sinais de choque tornam-se mais evidentes. Pode ser acompanhada de náuseas.
O tratamento dessas lesões é muito variável, dependendo da localização do aneurisma, da condição de irrigação e de vitalidade das alças intestinais e da condição clínica do doente.
A gravidez ectópica (GE) ocorre entre 1-2% das gestações e corresponde a 10-15% das mortes maternas no 1º trimestre. Tem como principais fatores de risco cirurgias tubárias, gravidez ectópica prévia, uso de Dispositivo Intrauterino (DIU), tabagismo ≥ 20 cigarros por dia; técnicas de reprodução assistida e endometriose.
Quando forma da cavidade endometrial, o lugar mais frequente são as trompas, representando cerca de 95% dos casos. Contudo, também pode ocorrer nos ovários e na cavidade abdominal.
Os sintomas de uma GE rota pode se apresentar como atraso menstrual, geralmente o útero é menor do que o esperado, além de dor abdominal intensa, súbita, inicialmente em baixo ventre, que pode irradiar para ombro (Sinal de Lafond). Instabilidade hemodinâmica, hipotensão, taquicardia e choque hipovolêmico. Durante o exame físico há presença de dor à palpação abdominal, dor aguda ao toque do fundo de saco de Douglas.
Além disso, pode apresentar sinal de Cullen. Os sintomas da gravidez inicial normal também estão presentes: aumento da sensibilidade mamária, náuseas e polaciúria.
O tratamento da GE rota consiste em avaliação da volemia materna, bem como reposição volêmica e tratamento do choque hipovolêmico. A abordagem cirúrgica de urgência, sendo realizado muitas vezes laparotomia exploratória com salpingectomia. Em casos eventuais admite-se a salpingostomia com microcuretagem tubária e reconstituição da trompa atingida. É conduta alternativa reservada a paciente em boas condições, que deseja filhos e que possui a outra trompa comprometida.
Exames laboratoriais
Os exames laboratoriais podem ser importantes para quantificar o sangramento e suas repercussões fisiológicas. Na maioria das vezes, auxiliam no reconhecimento de alguma condição predisponente ao sangramento. Poucos são os que permitem definir sua causa.
ABDOME AGUDO 
Se a hemorragia for em quantidade considerável e se houver tempo suficiente para que se instalem os mecanismos compensatórios desencadeados pela hipovolemia, os valores da hemoglobina e a do hematócrito estarão reduzidos. A leucocitose é usual e decorre da irritação peritoneal provocada pela hemoglobina e da própria resposta homeostática à hipovolemia. O número de leucócitos pode variar, dependendo do tempo de instalação do hemoperitônio. A contagem do número de plaquetas é obrigatória. O estudo global da coagulação é útil para o diagnóstico e orienta o tratamento. A atividade da protrombina, a tromboplastina parcial ativada e a trombina são os mais utilizados.
O teste de gravidez é realizado quando a suspeita for prenhez ectópica rota.
Outros métodos diagnósticos
A ultrasonografia, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética, tem permitido o diagnóstico na maioria dos casos, com a vantagem de não se-
rem invasivos. A videolaparoscopia encontra sua indicação nos doentes com dor abdominal aguda cuja indicação cirúrgica é duvidosa e nas afecções cuja correção cirúrgica é viável por esse método de acesso. Na dúvida diagnóstica, a videolaparoscopia pode reduzir a realização de laparotomia desnecessária de 19% para 0%.
Nas doenças ginecológicas agudas, a videolaparoscopia é capaz de confirmar o diagnóstico em 82% dos casos com cisto de ovário e em 80% das doentes com hemorragia do corpo lúteo. As contraindicações da videolaparoscopia são insuficiência respiratória grave, choque hipovolêmico, obesidade mórbida, múltiplas intervenções abdominais prévias e coagulopatias.
Problema 7: "Chama o SAMU!”
Eduardo, 32 anos, motoboy de aplicativo de refeição, durante uma entrega sofreu colisão com um automóvel e foi arremessado contra um muro. Ficou caído no asfalto impossibilitado de levantar-se devido à lesão importante na coxa direita. Vários curiosos se aproximaram do local do acidente e tentaram ajudar a vítima removendo para um local próximo onde havia uma sombra até que o SAMU 192 fosse acionado. A vítima estava consciente o tempo todo e reclamando que o SAMU não chegava. Um dos curiosos resolveu que, devido o sangramento na coxa está piorando, seria melhor levarem logo. A vítima foi removida para o HMTF e procederam ao atendimento. Colocaram colar cervical e fizeram a avaliação inicial. O paciente apresentava, além da lesão importante na coxa, fratura em ambos os antebraços, escoriações importantes no abdome e face.
HD: Politraumatismo 
Objetivos: 
1 - Definir conceito, epidemiologia, fatores de risco e políticas públicas relativas ao politraumatizado 
2 - Compreender o manejo do politrauma no APH 
3 - Discutir o manejo hospitalar (ATLS) com foco na hemorragia
Epidemiologia 
Trauma, nos países ocidentais, é a terceira maior causa de morte, perdendo para doenças cardiovasculares e cânceres. Quando consideramos apenas a população menor de 45 anos, ele passa a representar a primeira causa de morte. Desse modo, afeta principalmente a população economicamente ativa, trazendo consequências socioeconômicas importantes, seja pelo óbito em si ou pela morbidade (sequelas definitivas irreversíveis) que pode causar.
u 9 mortes/minuto por trauma ou violência;
u 5,8 milhões de mortes/ano;
u 12% dos gastos mundiais com saúde.
Classicamente, a distribuição das mortes no trauma é tri modal, isto é, a mortalidade ocorre em três diferentes picos. Quase 50% dos óbitos ocorrem na cena, logo após o acidente. Para esses casos, o único tratamento é a prevenção. O segundo pico de morte ocorre nas primeiras horas após o trauma e é decorrente de lesões fatais, mas potencialmente tratáveis, como pneumotórax, hemotórax, lesões abdominais, hematomas intracranianos etc. Nós, médicos, conseguimos salvar esses pacientes se agirmos de forma correta e precoce. O terceiro momento ocorre dias ou meses após o trauma, geralmente por sepse e disfunção de múltiplos órgãos.
Com o avanço da Medicina e o melhor atendimento ao paciente, essa curva tem se modificado e tornando-se bimodal.Isso é observado especialmente em países desenvolvidos, nos quais há um sistema de trauma bem-organizado. O gráfico abaixo facilita nosso entendimento:
CONCEITOS
O preceito básico do atendimento ao politraumatizado é a avaliação do doente. O objetivo desta avaliação é determinar a condição atual do doente e servir de base para a tomada de decisões em relação ao tratamento e transporte do mesmo. Dessa forma, esse processo de avaliação deve ser realizado de forma sistemática, rápida e organizada.
A prioridade inicial no atendimento pré-hospitalar ao politraumatizado é a avaliação da cena. Essa avaliação inicia-se antes mesmo da chegada ao local, com base nas informações coletadas do solicitante e outras testemunhas que estejam próximas às vítimas no local da ocorrência. É necessário garantir a segurança do socorrista e das vítimas na cena antes de proceder à avaliação do doente e seu tratamento. Diante de uma cena segura, deve-se avaliar a real situação da ocorrência reconhecendo situações de incidentes com múltiplas vítimas, desastres e necessidade de apoio de mais equipes ou outros recursos necessários para o atendimento adequado dos doentes. Após uma avaliação sucinta da cena deve-se voltar à atenção para a avaliação de cada doente.
POLITICAS PÚBLICAS 
É o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou Não (Seguro DPVAT), criado pela Lei n° 6.194/74, com a finalidade de amparar as vítimas de acidentes de trânsito em todo o território nacional, não importando de quem seja a culpa ...
Valor de indenização do DPVAT em 2022 Morte, com indenização de R$ 13.500; Invalidez permanente, com indenização de até R$ 13.500. No entanto, o valor pode variar de acordo com o local e a intensidade da sequela causada;
Reembolso de despesas médicas e suplementares (DAMS), com valor que pode chegar a R$ 2.700.
AVALIAÇÃO PRIMÁRIA
Entende-se por politraumatizado o doente que possui lesões que afetam mais de um sistema do corpo secundário a algum tipo de trauma. Nesses casos, o objetivo da avaliação primária é identificar rapidamente condições com risco de vida, iniciar a reanimação e prover o transporte rápido à unidade de referência.
A avaliação primária inicia-se com uma impressão geral do paciente. O socorrista observa se o paciente está respirando efetivamente, se está acordado e apresenta alguma movimentação espontânea. Se o paciente é capaz de responder algum questionamento conclui-se que o mesmo possui via aérea pérvia, boa função respiratória e perfusão cerebral. Nesse momento, procura-se sinais de sangramento e coleta-se dados preliminares para completar a avaliação.
Essa avaliação inicial pode fornecer informações suficientes para a equipe determinar a necessidade de mais recursos ou o suporte avançado para atendimento desse doente. A partir de então, segue-se a avaliação primária obedecendo às etapas seguintes.
anormal (por exemplo, pneumotórax hipertensivo, hemotórax maciço, dentre outros).
 SAMU 192 – É vedada a reprodução total ou parcial do conteúdo deste protocolo sem prévia autorização sob pena de sofrer as penalidades previstas nas leis de direitos autorais.
Mesmo no paciente eupnéico pode ser necessária a oferta de oxigênio suplementar, avaliando-se a oxigenação dos tecidos do paciente, tendo como parâmetro a oximetria do mesmo. O objetivo é manter uma saturação de oxigênio > 95%.
Circulação
Na avaliação inicial do doente politraumatizado, deve-se identificar e controlar o sangramento visível, a hemorragia externa. Esse controle deve ser iniciado na cena e mantido durante o transporte do doente.
Para controlar o sangramento externo pode-se utilizar pressão direta no local do sangramento, com curativos ou pode-se utilizar torniquetes quando o sangramento não é contido por pressão direta.
Mesmo na ausência de sangramento visível deve-se avaliar sinais de perda sanguínea, choque ou instabilidade hemodinâmica. Para tal, avalia-se a presença, qualidade e regularidade do pulso, a cor, temperatura e umidade da pele e o tempo de enchimento capilar. A presença de pulso radial pode ajudar a estimar a pressão arterial sistólica. Pulso radial não-palpável pode indicar fase descompensada de choque hipovolêmico. Pele azulada ou pálida, úmida e pegajosa são sinais de perfusão inadequada da pele. Tempo de enchimento capilar maior que dois segundos também indica má perfusão, porém não é um indicador fidedigno, pois pode ser alterado por outros fatores.
Disfunção Neurológica
Avalia-se a oxigenação cerebral ao se estabelecer o nível de consciência do doente. Um paciente agressivo, agitado, confuso ou com um nível de consciência diminuído pode estar hipoxêmico, apresentar alguma lesão cerebral, intoxicação medicamentosa ou por outras drogas ou ainda estar em um quadro de descompensação clínica de alguma doença de base (por exemplo, diabetes mellitus).
A Escala de Coma de Glasgow é uma ferramenta prática para determinar o nível de consciência.
Considerando a abertura ocular, a melhor resposta motora e a melhor resposta verbal determina-se uma pontuação para o paciente. O escore mínimo é três e o máximo é quinze. Um escore menor ou igual a oito indica uma lesão grave e serve como indicativo para avaliar tratamento imediato da via aérea do paciente.
O exame pupilar também pode auxiliar o diagnóstico de lesões cerebrais potencialmente fatais. Deve-se avaliar alteração no tamanho das pupilas e sua reação ao estímulo luminoso.
Exposição e Ambiente
A exposição do doente é fundamental para que se identifiquem todas as lesões. Lesões graves podem passar despercebidas se a exposição não for devidamente realizada. Após inspeção de todo o corpo do doente, o mesmo deve ser coberto para conservar o calor corporal e evitar hipotermia, que pode contribuir para piorar a perfusão tecidual.
É importante frisar que a avaliação primária é um processo de ações que ocorrem simultaneamente, de forma rápida e sequenciada. Se uma condição de risco de vida é identificada na avaliação primária, o doente deve ser rapidamente imobilizado para transporte após início da SAMU 192 – É vedada a reprodução total ou parcial do conteúdo deste protocolo sem prévia autorização sob pena de sofrer as penalidades previstas nas leis de direitos autorais.
intervenção na cena, com o objetivo de minimizar o tempo gasto na cena. Exceto em condições excepcionais o tempo de permanência na cena para pacientes críticos não deve exceder 10 minutos.
 Volume adequado de fluidos no intravascular também deve ser instalado para restaurar a circulação do doente. Apesar das últimas orientações do PHTLS definirem que o acesso venoso deve ser instalado a caminho da instituição de referência, orientamos no nosso serviço que devem ser instalados dois acessos venosos calibrosos ainda no local da cena. Instituir punção venosa na ambulância a caminhoda unidade de referencia aumenta os riscos de agravos a equipe. 
AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA
Em pacientes críticos, apenas a avaliação primária é realizada, instituindo-se reanimação e transporte do paciente, com reavaliações seguidas durante o transporte.
Após o término da avaliação primária, se não existirem lesões que ameacem a vida, segue-se a avaliação secundária do doente, com o objetivo de identificar lesões ou problemas não identificados na avaliação primária.
Deve-se reavaliar os sinais vitais do paciente, estando atento para possível deterioração do quadro clínico. Segue-se então exame detalhado de cada segmento corporal, incluindo inspeção e palpação, em busca de fraturas, lacerações ou outras alterações.
INCIDENTES COM MÚLTIPLAS VÍTIMAS
Nos casos de incidentes com múltiplas vítimas, após avaliação da cena e garantia de segurança, a equipe deve proceder à triagem das vítimas. O objetivo é determinar a prioridade de atendimento e transporte.
Nos casos em que há disponibilidade de recursos para atender a todas as vítimas, os doentes com lesões mais graves serão tratados e transportados primeiro.
Nos casos em que o número de doentes excede a capacidadeimediata de recursos no local, o objetivo é assegurar a sobrevida do maior número de vítimas. Nesse caso, os doentes com lesões consideradas catastróficas serão considerados de prioridade menor até que haja disponibilidade de mais recursos e auxílio.
1. A – VIA AÉREA E COLUNA CERVICAL
Primeiro, cuidamos da via aérea, porque é ela que mata mais rapidamente! De nada adianta parar o sangramento de ossos longos ou transfundir, se meu paciente está morrendo por hipóxia. Antes da ausculta pulmonar, FAST, Glasgow ou qualquer outro procedimento, temos que avaliar e garantir a permeabilidade da via aérea! Não interessa se há fratura exposta de todos os membros e se o paciente está chocado. O “A” vem antes do “C”. Agora você deve estar pensando: “mas o ATLS não mudou para X-ABCDE?”. A resposta é não! Falaremos sobre isso no final do capítulo.
Podemos assumir que pacientes que conseguem verbalizar, isto é, conversar, têm uma via aérea pérvia!
É também nesse primeiro momento que precisamos garantir a proteção da coluna cervical! Muitos pacientes já chegam trazidos pelo resgate com colar cervical em prancha rígida; c aso isso não ocorra, é sua obrigação estabilizar a cervical do paciente (primeiro, de forma manual), até que alguém coloque o colar cervical. Não confunda: nesse momento, devemos proteger a coluna cervical, mas não a avaliar. Não é agora que vamos palpar a coluna, perguntar para o doente se ele tem dor ou buscar sinais de trauma raquimedular.
2. B – VENTILAÇÃO E RESPIRAÇÃO
A permeabilidade da via aérea, por si só, não garante ventilação adequada. Uma troca adequada de gases é necessária para que seja possível a oxigenação e a eliminação de dióxido de carbono. Uma boa ventilação exige um funcionamento adequado dos pulmões, da parede torácica e do diafragma.
FLASHCARD
Quais diagnósticos potencialmente fatais podem ser
feitos e tratados no “B” da sequência?
• Pneumotórax hipertensivo
• Lesão de árvore traqueobrônquica
• Hemotórax maciço
• Pneumotórax aberto
• Tamponamento cardíaco
O pescoço e o tórax devem ser expostos, a fim de avaliar veias jugulares, posição da traqueia e movimentos respiratórios. O exame físico do tórax é essencial nesse momento, com inspeção, ausculta e percussão. É nessa etapa que fazemos diagnósticos potencialmente letais, como pneumotórax hipertensivo, lesão de árvore traqueobrônquica, hemotórax maciço e pneumotórax aberto. Além de fazer essediagnósticos, devemos tratá-los imediatamente.
3. C – CIRCULAÇÃO
A hemorragia é a principal causa de morte pós-traumática evitável, por isso temos que identificar rapidamente um potencial sangramento, parar a hemorragia e repor o volume perdido. Lembre-se sempre de que o principal tipo de choque no trauma é o choque hemorrágico.
Nesse momento, avaliamos o estado hemodinâmico do nosso paciente (pressão arterial, frequência cardíaca, pulso e perfusão periférica). Após constatado o choque, temos que:
* Buscar a fonte de sangramento;
* Parar o sangramento;
* Repor o volume perdido.
A hemorragia externa significativa deve ser tratada por compressão manual direta. Os torniquetes são efetivos na exsanguinação em lesões de extremidades, mas podem causar lesão isquêmica (ficam reservados para quando a compressão direta não é eficaz). Não devemos utilizar pinças hemostáticas, pois elas podem causar lesões de nervos ou veias.
Possíveis fontes de sangramento no trauma
• Tórax
• Abdome
• Pelve e retroperitônio
• Ossos longos
• “Chão”: meio externo
4. D – AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA
A avaliação neurológica deve ser rápida e direcionada!
Em 2018 foi proposta uma atualização da escala de coma de Glasgow, na qual a reatividade pupilar entra no cálculo. Mas tomem cuidado, ela NÃO substituiu a escala original e a edição mais recente do ATLS (10a edição, 2018) não cita essa nova escala! O próprio autor do estudo original escreve no artigo que a nova escala (ECG-P: escala de coma de Glasgow pupilar) não deve substituir a escala clássica, mas sim adicionar informações e que ambas deverias ser registrada em prontuários!
A ECG-P varia de 1 – 15, pois devemos subtrair da escala original conforme os achados da reatividade pupilar.
u Avaliação de reatividade pupilar:
W (2) Ambas as pupilas não reagem ao estímulo de luz.
W (1) Uma pupila não reage ao estímulo de luz.
W (0) Nenhuma pupila fica sem reação ao estímulo de luz.
Por exemplo: se o paciente apresenta um Glasgow 8 (RM 3, RV 3 e AO 2) e não há reflexo fotomotor bilateral, iremos subtrair 2 (8 − 2 = 6). Portanto, ECG-P = 6.
5. E – EXPOSIÇÃO (PREVENÇÃO DE HIPOTERMIA)
A etapa final do ABCDE é exposição e aquecimento do ambiente (Exposure e Environment). Devemos despir todo o paciente e examiná-lo da cabeça aos pés, buscando lesões que podem ter passado despercebidas até o momento.
Devemos rodar o paciente em monobloco, visando buscar lesões em dorso, nádegas e períneo. Lembre-se: sempre temos que garantir a estabilidade de coluna vertebral.
Após exposição completa do paciente e avaliação, devemos prevenir a hipotermia. A temperatura do ambiente deve ser controlada; o paciente precisa ser protegido com cobertores ou manta térmica.
Lembre-se: a infusão de fluidos deve ser feita com soro previamente aquecido a 39 graus.
Também nessa etapa podemos realizar algumas partes do exame físico ainda não realizadas, além de passar sondas.
Lembre-se: no caso de doentes politraumatizados, o toque retal e vaginal faz parte do exame físico.
Como o toque pode nos ajudar no trauma?
u Sangramento: possibilidade de lesões de alças.
u Espículas ósseas: fratura de ossos pélvicos.
u Tônus do esfíncter: hipotonia pode sugerir trauma raquimedular. Em pacientes chocados, temos que lembrar do choque neurogênico.
u Altura da próstata (próstata móvel ou alta/cefalizada): classicamente, esse achado pode significar lesão de uretra. Entretanto, a 10a edição do ATLS diz que a palpação da próstata não é um sinal confiável de lesão prostática.
O toque retal pode ser feito no C (Circulação), pois ajuda a diagnosticar possíveis causas de choque; no D (Neurológico), visando avaliar tonalidade do esfíncter; ou na fase final da avaliação (E).
A passagem da sonda vesical de demora pode ter sido feita no C (avaliação da reposição volêmica), mas não é errado deixá-la para o E, ou até mesmo
para a avaliação secundária.
A passagem de sonda gástrica (nasogástrica ou orogástrica) também pode ser feita agora, tendo como objetivo esvaziar o estômago e prevenir a aspiração de conteúdo gástrico.
Não se esqueça: nunca podemos passar sondas por via nasal em pacientes com suspeita de fratura de base de crânio: olhos de guaxinim, sinal de Battle, rinorreia, otorreia, otorragia, rinorragia. Se fizermos isso, podemos locar a sonda dentro do cérebro!
6. X – XABCDE
Na abordagem inicial, deve ser dada ênfase à manutenção das vias aéreas, à estabilização da coluna cervical, ao controle da hemorragia externa e à imobilização do paciente para o transporte – neste último caso, empregando uma prancha longa.
A edição mais recente do PHTLS (2018, 9a edição) introduziu um novo conceito, o X-ABCDE. A 10a edição do ATLS (2018) somente menciona o X-ABCDE em um dos capítulos apêndices, quando se refere ao ATLS-OE (U.S. Military’s Advanced Trauma Life Support for the Operational Environment). O ATLS-OE é voltado para um ambiente operacional e hostil, como a guerra.
Portanto, preste atenção e tome cuidado! A regra
para a prova e para a vida é o ABCDE. A VIA AÉREA vem ANTES do sangramento na MAIORIA das vezes!
Afinal, o que é o X-ABCDE?
u X – EXsanguinante;
u A – Via aérea;
u B – Respiração;
u C – Circulação;
u D – Neurológico;
u E – Exposição.
O X refere-se a hemorragias exsanguinantes e MUITO severas, como sangramentos arteriais em jato ou maciços. Nesses casos EXCEPCIONAIS, a contenção da hemorragia externa grave deve ser realizada antes mesmo do manejo das vias aérea. Esse conceito é válido para o atendimento pré-hospitalar e em cenários hostis.
DICA ATLS é ABCDE! Somente utilize o conceito de XABCDE se o autor for muito claro ao afirmar que há um sangramento arterial ativo e incompatívelcom vida!
O controle da hemorragia externa maciça pode ser feito de duas maneiras:
u Compressão direta
u Torniquete (caso o sangramento seja em membros)
6.1. TORNIQUETE
É uma ferramenta extremamente útil para sangramentos importantes de membros, mas deve ficar reservado a casos excecionais e muito graves. Não há um tempo máximo para a utilização do dispositivo, mas sabe-se que, quanto maior o tempo de uso, maior o risco de perda do membro. O torniquete deve ser específico para tal procedimento, pois garrotes improvisados dificilmente conseguem vencer a pressão arterial e cessar o sangramento.
7. AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA
A avaliação secundária sempre deve ser realizada.
Consiste em um exame minucioso, da cabeça aos pés. Assim como na exposição, aqui podemos realizar os toques retais ou vaginais e passar as sondas (vesicais ou gástricas).
7.1. HISTÓRIA AMPLA
Para finalizar, guarde a regra da história Ampla!
Esse mnemônico pode ser bastante útil no dia a dia, para obter a história do paciente vítima de trauma.
7.2. RADIOGRAFIAS
Precisamos solicitar duas radiografias básicas para todo paciente vítima de trauma:
u RX de tórax no leito (anteroposterior – AP);
u RX de pelve no leito.
A radiografia cervical em perfil tem perdido muito espaço, em razão da maior disponibilidade de tomografias nos hospitais; contudo o RX cervical ainda pode ser muito útil – guarde essa informação!
Tenha em mente que nenhum exame ou procedimento diagnóstico pode atrasar a reanimação do paciente! Exames e procedimentos devem ser realizados na sala de trauma, com aparelhos portáteis.
Problema 8: “Uma chateação de rasgar o peito...”
Sr. Arquimedes, 70 anos, professor aposentado, é hipertenso e dislipidêmico de longa data. Após um grande estresse com seu filho, resolveu ir ao encontro dos companheiros jogar dominó, mas foi surpreendido por dor torácica retroesternal insuportável que o fez sentar na calçada. Por sorte, foi encontrado por um conhecido que o levou até a UPA porque ele mal conseguia falar, tamanha a dor. Ao ser atendido, a dor estava um pouco melhor, mas começou a doer também nas costas. O médico de plantão abriu o protocolo de SCA, mas ao examinar o paciente começou a pensar em outro diagnóstico e ficou ainda mais preocupado. Encontrava se pálido, sudoreico, taquipneico, PA: 180 x 90 mmHg MSE e PA: 150 x 50 em MSD, FC: 110 bpm, FR: 28bpm, Sat. 93%. A ausculta respiratória estava sem alterações, mas a ausculta cardíaca com RCR, sopro diastólico decrescendo em foco aórtico. O médico prontamente fez a prescrição, solicitou os exames e vaga na UTI. E o Sr. Arquimedes, muito assustado, perguntava: Vou morrer, Doutor?
HD: DISSECÇÃO DE AORTA 
Objetivos:
1. Elucidar epidemiologia e fatores de risco 
2. Compreender a fisiopatologia associada às manifestações clínicas e a classificação. 
3. Listar os exames indicados 
 4. Elencar o manejo e prognóstico da HDA.
DISSECÇÃO DA AORTA TORÁCICA
A Dissecção Aórtica (DA) é uma condição catastrófica. A mortalidade precoce apresenta números assustadores, sendo de 1% a cada hora de doença não tratada. Dessa forma, o reconhecimento precoce e a instituição da terapia o mais breve possível alteram significativamente a mortalidade.
A dissecção aórtica ocorre quando um defeito na camada íntima do vaso permite que o sangue crie um falso canal na parede aórtica, normalmente entre as camadas média e adventícia. A aorta fica dividida em lumens, verdadeiro e falso, que são separados por um septo denominado retalho de dissecção. Várias condições, incluindo desordens do tecido conjuntivo, como síndrome de Marfan, hipertensão e gravidez, estão associadas ao desenvolvimento da dissecção aórtica, bem como ao abuso de cocaína e à prática de halterofilismo.
FISIOPATOLOGIA
O evento primário na DA é o surgimento de uma espécie de “rasgo” na íntima da aorta. A degeneração da túnica média, conhecida como necrose cística da média, é um pré-requisito, estando presente em todos os casos de dissecção não traumática do vaso.
O sangue, impulsionado pela contratilidade miocárdica, penetra através desse defeito na íntima e ganha a túnica média, promovendo uma fenda longitudinal nessa camada da aorta.
Como resultado, temos a formação de um falso lúmen, ou seja, o sangue a cada sístole ventricular “corre” por esta fenda na túnica média. O comprometimento da média leva ao enfraquecimento da parede da aorta, que pode dilatarse levando ao aneurisma.
Sendo assim, teremos dois lúmens na aorta: um verdadeiro e outro falso, sendo este último formado pelo trajeto do sangue no interior da parede da artéria. A lesão da íntima ocorre com maior frequência na parede lateral direita da aorta ascendente, devido à maior força de cisalhamento (tangencial) do sangue ejetado nesse local. Outro sítio comum é a aorta torácica descendente distal ao ligamento arterioso.
Com a progressão anterógrada (para frente) do sangue pelo falso lúmen, ramos arteriais importantes da aorta (subclávia, carótida etc.) podem ser comprimidos ou ocluídos. Com a progressão retrógrada da dissecção, as comissuras da valva aórtica podem perder sustentação, o que gera insuficiência valvar aórtica grave. A parede externa no processo de dissecção pode se romper, dando origem a hemopericárdio (tamponamento) e hemotórax.
Existem duas variantes patológicas da dissecção, o hematoma intramural sem solução de continuidade da íntima e a úlcera aterosclerótica penetrante. No primeiro caso, ocorre ruptura dos vasa vaso um com hemorragia na parede da aorta, sendo encontrado na aorta descendente; dissecção e ruptura podem ocorrer como complicações do hematoma.
A úlcera aterosclerótica penetrante é derivada de uma erosão de uma placa em direção à túnica média da artéria; esta lesão pode erodir em direção à lâmina elástica interna, ocasionando hematoma da média, fenômeno que pode levar a falso aneurisma ou a ruptura.
O fator predisponente de maior importância para a DA é a hipertensão, presente em 72% dos casos, de acordo com o International Registry of Acute Aortic Dissection (IRAD). Aterosclerose é encontrada em 31% dos pacientes. A DA, em indivíduos jovens, apresenta menor relação com HAS e com aterosclerose. Na análise promovida pelo IRAD em pacientes com menos de 40 anos, 34% eram hipertensos e somente 1% portadores de aterosclerose.
Outros fatores de risco incluem aneurisma aórtico preexistente, uso de cocaína e crack (picos hipertensivos relacionados à liberação adrenérgica), atividade física extenuante, principalmente aquela envolvendo levantamento de peso, doenças do tecido conjuntivo (síndrome de Marfan, Ehler-Danlos e ectasia anulo aórtica), valva aórtica bicúspide, coarctação da aorta e síndrome de Turner.
No estudo IRAD, a síndrome de Marfan foi responsável por metade dos casos de DA em pacientes com menos de 40 anos. Existe uma associação entre síndrome de Marfan e DA no terceiro trimestre de gravidez.
saiba mais
A presença de um aneurisma de aorta ascendente, com dilatação da raiz aórtica, sobretudo em jovens, deve nos chamar a atenção para a presença da síndrome de Marfan. Esta é uma desordem hereditária do tecido conjuntivo, autossômica dominante, devido à ocorrência de mutação no gene FBN-1, que codifica a síntese de uma proteína do tecido conjuntivo conhecida como fibrilina 1. Embora existam diversos fenótipos, as manifestações clássicas da síndrome incluem alterações cardiovasculares, como prolapso valvar mitral, dilatação da raiz aórtica e maior tendência à dissecção aórtica, alterações oculares, subluxação do cristalino, sendo a mais importante, e alterações musculoesqueléticas, como crescimento linear excessivo (com extremidades longas e desproporcionais ao tronco), cifose, escoliose, pectus carinatum, aracnodactilia e uma espécie de frouxidão das articulações. A dilatação da aorta se deve a uma degeneração prematura da camada média, histologicamente representada por necrose cística da média, fragmentação da lâmina elástica e apoptose de células musculares lisas.
CLASSIFICAÇÃO
A DA pode ser classificada em relação ao sítio envolvido. Em 1965, DeBakey descreveuna redução da hemorragia recorrente. Em pacientes com doença hepática avançada (p. ex., classe C de Child-Pugh com escore 10-13), deve-se considerar seriamente a realização de um shunt intra-hepático transjugular peritoneal (TIPS) durante os primeiros 1-2 dias de hospitalização, pois ensaios randomizados mostram reduções significativas na hemorragia recorrente e na mortalidade, quando comparado à terapia endoscópica e clínica padrão. Em longo prazo, o tratamento com betabloqueadores não seletivos somado à ligação endoscópica é recomendado, porque a combinação da terapia médica e endoscópica é mais eficiente do que cada uma isoladamente na redução da hemorragia recorrente das varizes esofágicas.
Nos pacientes que apresentam sangramento persistente ou recorrente, apesar da terapia endoscópica e clínica, recomenda-se o TIPS. A cirurgia de descompressão (p. ex., shunt esplenorrenal distal) poderá ser considerada em vez do TIPS em pacientes com cirrose bem compensada.
A hipertensão portal também é responsável pela hemorragia de varizes gástricas, varizes nos intestinos delgado e grosso, gastropatia hipertensiva portal e enterocolopatia. A hemorragia de varizes gástricas devida à cirrose é tratada com injeção endoscópica de adesivo tissular (p. ex., n-butil cianoacrilato), quando disponível; caso contrário, é realizado o TIPS.
GASTROPATIA HEMORRÁGICA E EROSIVA (“GASTRITE”) 
A gastropatia hemorrágica e erosiva, normalmente conhecida como gastrite, refere-se às erosões e hemorragias subepiteliais visualizadas durante uma endoscopia. Essas são lesões mucosas e não causam hemorragias importantes devido à ausência de artérias e veias na mucosa. As erosões ocorrem em vários contextos clínicos, dos quais os mais importantes são o uso de AINEs, a ingestão de álcool e o estresse. Metade dos pacientes que ingerem AINEs cronicamente exibe erosões, enquanto até 20% dos pacientes com ingestão ativa de álcool e sintomas de HDA apresentam evidências de erosões ou hemorragias subepiteliais.
A lesão da mucosa gástrica relacionada com o estresse ocorre apenas em pacientes extremamente enfermos, como aqueles que sofreram traumatismo grave, grande cirurgia, queimaduras que atingem mais de 33% da superfície corporal, doença intracraniana grave ou doença clínica grave (i.e., dependência do respirador, coagulopatia). A hemorragia grave não se desenvolve, a menos que aconteça a ulceração. A taxa de mortalidade nesses pacientes é bastante elevada em consequência de suas doenças subjacentes graves.
A incidência de hemorragia por lesão da mucosa gástrica ligada ao estresse reduziu drasticamente nos últimos anos, mais provavelmente em decorrência da melhor assistência prestada aos pacientes criticamente enfermos. A profilaxia farmacológica para a hemorragia pode ser considerada no caso dos pacientes de alto risco mencionados anteriormente. Metanálises de ensaios randomizados indicam que os IBPs são mais eficazes do que os antagonistas do receptor de H2 na redução da HDA evidente e clinicamente importante sem diferenças na mortalidade ou na pneumonia nosocomial.
OUTRAS CAUSAS 
Outras causas menos frequentes de HDA compreendem a duodenite erosiva, neoplasias, fístulas aortoentéricas, lesões vasculares (incluindo telangiectasiashemorrágicas hereditárias [Osler-Weber-Rendu] e ectasia vascular do antro gástrico [“estômago em melancia”]), lesão de Dieulafoy (na qual um vaso aberrante na mucosa sangra em decorrência de um defeito puntiforme na mucosa), gastropatia por prolapso (prolapso do estômago proximal para dentro do esôfago com o esforço para vomitar, especialmente em alcoolistas) e hemobilia ou suco pancreático hemorrágico(sangramento do ducto colédoco ou do ducto pancreático).
 Fontes de hemorragia no intestino delgado. As fontes hemorrágicas no intestino delgado (sangramento a partir de locais fora do alcance do endoscópio superior comum) são geralmente de difícil diagnóstico e respondem pela maioria dos casos de HD obscura. Felizmente, o sangramento no intestino delgado é raro. As causas mais comuns em adultos são as ectasias vasculares, os tumores (p. ex., tumor estromal gastrintestinal, carcinoide, adenocarcinoma, linfoma, metástases) e as erosões e úlceras induzidas por AINEs. As outras causas menos comuns em adultos incluem doença de Crohn, infecção, isquemia, vasculite, varizes do intestino delgado, divertículos, divertículo de Meckel, cistos de duplicação e intussuscepção.
O divertículo de Meckel é a causa mais comum de HDB significativa em crianças,
diminuindo a sua frequência como causa de hemorragia com a idade. Em adultos com 50-60 anos, as ectasias vasculares e as lesões induzidas por AINEs costumam ser as mais responsáveis.
As ectasias vasculares devem ser tratadas com terapia endoscópica, quando possível. Embora os compostos de estrogênio/progesterona tenham sido usados para as ectasias vasculares, um amplo estudo duplo-cego mostrou ausência de benefício na prevenção de sangramento recorrente. A octreotida também é utilizada, com base em séries de casos, porém não em ensaios randomizados. Um ensaio randomizado mostrou benefícios significativos da talidomida e aguarda posterior confirmação. Outras lesões isoladas, como tumores, costumam ser tratadas com ressecção cirúrgica.
Fontes de hemorragia no cólon As hemorroidas provavelmente são a causa mais frequente de HDB; as fissuras anais também causam sangramento leve e dor. Quando esses distúrbios anais locais, que raramente exigem hospitalização, são excluídos, as causas mais comuns de HDB em adultos são divertículos, ectasias vasculares (especialmente no cólon proximal de pacientes com > 70 anos), neoplasias (principalmente adenocarcinoma), colite (doença inflamatória intestinal isquêmica, infecciosa, idiopática) e hemorragia pós-polipectomia. Causas menos comuns incluem úlceras ou colite induzidas por AINEs, proctopatia por radiação, síndrome da úlcera retal solitária, trauma, varizes (mais retal), hiperplasia nodular linfoide, vasculite e fístulas aortocólicas. Em crianças e adolescentes, as causas colônicas mais comuns de HD significativa são a doença inflamatória intestinal e pólipos juvenis.
O sangramento diverticular tem início súbito, em geral indolor, por vezes maciço e, com frequência, a partir do cólon direito; uma hemorragia crônica ou oculta não é típica. Relatos clínicos sugerem que os divertículos colônicos hemorrágicos param de sangrar espontaneamente em cerca de 80% dos pacientes e, em acompanhamento prolongado, voltam a sangrar em aproximadamente 15-25%. Séries de casos sugerem que a terapia endoscópica pode diminuir a hemorragia recorrente no raro caso em que a colonoscopia identifica o divertículo hemorrágico específico. Quando a hemorragia diverticular é observada na angiografia, a embolização arterial transcateter por técnica super seletiva interrompe a hemorragia na maioria dos pacientes. Quando o sangramento persiste ou recorre, indica-se ressecção cirúrgica segmentar.
O sangramento de ectasias vasculares do cólon direito no idoso pode ser evidente ou oculto; tende a ser crônico e apenas ocasionalmente é hemodinamicamente significativo. A terapia hemostática endoscópica pode ser útil no tratamento da ectasia vascular, bem como de úlceras hemorrágicas discretas e da hemorragia póspolipectomia.
Em geral, a terapia cirúrgica é necessária para o caso de um sangramento intenso, persistente ou recorrente a partir de uma grande variedade de fontes colônicas de HD que não podem ser tratadas por meios clínicos, angiográficos ou endoscópicos.
ABORDAGEM AO PACIENTE:
Hemorragia digestiva
AVALIAÇÃO INICIAL
A determinação da frequência cardíaca e da pressão arterial é o melhor meio para avaliar inicialmente um paciente com HD. O sangramento clinicamente significativo leva a alterações posturais na frequência cardíaca ou pressão arterial, taquicardia e, por fim, hipotensão, com o paciente deitado. Por outro lado, o nível de hemoglobina não cai imediatamentesua classificação identificando três tipos. Posteriormente, o grupo da Universidade de Stanford (Daily e cols.), em 1970, classificou a DA em tipos A e B, classificação mais utilizada. No primeiro caso, existe envolvimento da aorta ascendente; no tipo B, a aorta ascendente não está comprometida, com a dissecção se iniciando no segmento torácico descendente (distal a artéria subclávia esquerda), podendo ou não alcançar a aorta abdominal. Observem a.
DeBakey (tipos I, II, IIIa e IIIb) e Stanford (tipos A e B).
TIPO A DE STANFORD
A dissecção obrigatoriamente envolve a aorta ascendente, podendo ou não se estender ao arco aórtico, aorta torácica descendente e aorta abdominal.
TIPO B DE STANFORD
A dissecção se origina na aorta torácica descendente, distal à emergência da subclávia esquerda, podendo ou não se estender à aorta abdominal.
TIPO I DE DEBAKEY (TIPO A DE STANFORD)
A dissecção obrigatoriamente envolve a aorta ascendente, arco aórtico e aorta torácica descendente, e pode progredir para acometer a aorta abdominal.
TIPO II DE DEBAKEY (TIPO A DE STANFORD)
A dissecção está limitada à aorta ascendente.
TIPO III DE DEBAKEY (TIPO B DE STANFORD)
(A) A dissecção se origina na aorta torácica descendente, distal à emergência da subclávia esquerda, e se estende até um segmento proximal à emergência do tronco celíaco.
(B) A dissecção se origina na aorta torácica descendente, distal à emergência da subclávia esquerda, envolvendo a aorta abdominal.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A dissecção tipo A tem uma apresentação clínica caracterizada por início súbito de dor torácica em região anterior do tórax, mais precisamente retroesternal, de grande intensidade, associada a náuseas e à sudorese. Após alguns minutos ou horas, a intensidade da dor vai reduzindo-se, dando lugar a uma dor na região dorsal do tórax, devido à extensão da dissecção para a aorta descendente. Se a dissecção continuar até a aorta abdominal, a dor “migra” para a região lombar (47% dos casos), podendo ter irradiação também para o abdome (22% dos casos).
O caráter da dor é variável, geralmente descrita como “rasgante” ou “cortante”, mas pode ser idêntica à dor do Infarto Agudo do Miocárdio (IAM), ou seja, “em aperto” ou em “queimação”. Contudo, estudos recentes têm relatado que a dor do tipo “pontada” é a mais encontrada. Independentemente do caráter da dor, é muito importante o diagnóstico diferencial com as síndromes coronarianas agudas, principalmente o IAM. Algumas diferenças que “falam a favor” de dissecção aórtica podem ser: o caráter “migratório” característico da dor e o pico de intensidade da dor ser logo no início (no IAM, geralmente, a intensidade é progressiva).
A dissecção tipo B é caracterizada como aguda (≤ 14 dias do início dos sintomas) ou crônica (> 14 dias do início dos sintomas) e, dentro dessas categorias, como complicada e não complicada. As dissecções tipo B agudas também apresentam, frequentemente, dor torácica ou dorsal lancinante, principalmente no caso de hipertensão grave
O tipo B manifesta-se com uma súbita dor na região dorsal torácica ou toracolombar. As dores lombar e abdominal são mais observadas neste tipo de dissecção, com incidência de 64 e 43%, respectivamente. Em alguns casos, a evolução pode ser arrastada; sendo assim, muitos autores consideram a DA do tipo B aguda quando os sintomas se desenvolvem em até 14 dias e crônica quando as manifestações ultrapassam esse período…
Alguma evidência sugestiva do diagnóstico ocorre em pelo menos 50% dos casos, em especial no tipo A. Os principais sinais são:
O envolvimento da subclávia ou da inominada (tronco braquicefálico) leva à diferença significativa na intensidade do pulso e/ou na pressão arterial sistólica (diferença > 20 mmHg) entre os membros superiores;
Deficit neurológico focal ou sopro carotídeo intenso, devido à dissecção da inominada ou da carótida;
Sopro de insuficiência aórtica aguda, devido à dissecção dos folhetos valvares aórticos, que podem deformar-se e prolapsarem para o ventrículo na diástole.
Além do comprometimento do território carotídeo, a paraplegia pode ser outro achado neurológico nesses pacientes.
Ocorre por envolvimento da artéria espinhal pela DA.
A DA abdominal pode comprometer as artérias renais, ocasionando a hipertensão grave renovascular. O achado de um sopro sistodiastólico abdominal na topografia de uma artéria renal é bastante sugestivo. A dissecção retrógrada pode acometer os óstios coronarianos levando a um real IAM; quando esta condição ocorre, a coronária direita é a mais envolvida e pode haver, raramente, bloqueio atrioventricular total.
As complicações mais temidas da DA incluem tamponamento cardíaco, compressão do mediastino (choque com turgência jugular) e choque hemorrágico franco associado à síndrome do derrame pleural (hemotórax) ou ascite (hemoperitônio). O tamponamento cardíaco é a principal causa de óbito nesses pacientes, sendo resultado da ruptura da aorta em direção à cavidade pericárdica; esta complicação é mais encontrada em mulheres.
EXAMES COMPLEMENTARES
Devido à acurácia de procedimentos não invasivos, a arteriografia tem sido pouco utilizada para o diagnóstico de DA.
O ecocardiograma transtorácico apresenta sensibilidade diagnóstica de 60-85%, sendo mais alta para a DA da aorta ascendente e demonstrando menor sensibilidade para lesões de arco aórtico e de aorta torácica descendente. O
Ecocardiograma Transesofágico (ETE) possui sensibilidade de 98% e especificidade de 90% para o acometimento da aorta ascendente e torácica descendente, não visualizando com clareza o arco aórtico. Requer experiência do examinador e cooperação do paciente. Além disso, o ETE nos fornece informações (em casos de propagação proximal da dissecção) a respeito da presença ou não de regurgitação aórtica ou de derrame pericárdico. Pela rapidez em sua realização, é o exame ideal em pacientes instáveis hemodinamicamente.
A TC helicoidal de tórax (angiotomografia helicoidal) é um exame de grande acurácia no diagnóstico de DA. A imagem mais característica é o sinal do duplo lúmen aórtico. A solução de continuidade da íntima faz com que esta camada, e muitas vezes parte da média, se destaquem, formando uma espécie de septo (flap intimal ou mediointimal). Na TC, o que está de um lado do septo é o lúmen verdadeiro e o que está do outro lado é o lúmen falso ( e ). A angiotomografia helicoidal delimita com precisão a extensão da dissecção e o acometimento das principais artérias ramos da aorta, apresentando sensibilidade e especificidade de 96 e 100%, respectivamente. A RM apresenta sensibilidade e especificidade de 98%, sendo outro exame que pode ser solicitado; sua desvantagem é o tempo prolongado na aquisição de imagens, o que pode ser prejudicial em doentes instáveis.
Na prática, o ETE e a TC são os métodos complementares solicitados com maior frequência para o diagnóstico e avaliação de pacientes com DA que se encontram estáveis hemodinamicamente.
TRATAMENTO
O paciente deve ser imediatamente internado em unidade de terapia intensiva, recebendo morfina (para o controle da dor) e drogas para reduzir a Pressão Arterial (PA) e a força contrátil do miocárdio (dP/dT), principais propagadores da dissecção.
Para o controle inicial da PA e da Frequência Cardíaca (FC), empregamos, salvo contraindicação, betabloqueadores, que podem ser o propranolol intravenoso (1 a 10 mg de ataque, seguido da dose de 3 mg/h), o labetalol (dose inicial de 20 mg, seguida de 20 a 80 mg a cada dez minutos, até um total de 300 mg), o metoprolol ou o esmolol, visando uma frequência cardíaca em torno de 60 bpm e uma PA sistólica ≤ 120 mmHg. Os betabloqueadores reduzem a contratilidade miocárdica (inotropismo) e acabam tendo efeito anti-hipertensivo também. O labetalol possui vantagem teórica, que seria seu efeito alfabloqueador, o que contribuiria com mais ênfase na queda da PA.
Se, após alcançarmos o betabloqueio, o doente apresentar níveis de PA sistólica maiores do que 100 mmHg – com boa função renal e sem alterações mentais –, podemos iniciar Nitroprussiato de sódio (dosede 0,25 a 0,5 µg/kg/min).
Pacientes em uso desta droga devem ser monitorados com medidas invasivas de PA.
O nitroprussiato só deve ser prescrito após controle adequado da frequência cardíaca, uma vez que pode levar à taquicardia reflexa, com aumento da contratilidade e propagação da dissecção. Vasodilatadores diretos, como a hidralazina, estão contraindicados na DA, mesmo se utilizarmos de forma correta o betabloqueador.
Antagonistas dos canais de cálcio (verapamil ou diltiazem) podem ser prescritos por via intravenosa em doentes onde o nitroprussiato e os betabloqueadores não possam ser utilizados.
O tratamento cirúrgico imediato está indicado nas dissecções agudas da aorta ascendente com presença de trombo mural (tipo A) devido ao risco elevado de tamponamento cardíaco e de ruptura aórtica. O tratamento cirúrgico deve interromper a progressão da dissecção, remover o local de ruptura da íntima e ressecar a aorta no local mais provável de ruptura. O procedimento inclui a ressecção do segmento acometido e sua substituição por enxerto. O uso de circulação extracorpórea é necessário; em alguns casos, é realizada a troca valvar aórtica.
Os pacientes com dissecção aguda tipo B que se apresentem estáveis não são candidatos à operação de emergência, controlados inicialmente com terapia medicamentosa; mesmo assim, sua mortalidade intra-hospitalar gira em torno de 10%. No acompanhamento desses casos, avaliações periódicas são fundamentais e consistem em exames de imagem da aorta (TC ou RM) antes da alta e em intervalos regulares, a cada seis a doze meses, para a detecção de propagação ou expansão do aneurisma.
Terapia endovascular (uso de stent endoluminal) e, na inviabilidade desta, cirurgia se encontram indicadas nas dissecções do tipo B complicadas. As principais complicações incluem: (1) dor persistente; (2) dilatação aneurismática da aorta; (3) envolvimento de vasos arteriais (ramos da aorta) com isquemia de órgãos (rim, intestino) ou de membros inferiores; (4) propagação distal (dor recorrente ou persistente); e (5) evidência de dissecção retrógrada até a aorta ascendente.
A mortalidade intra-hospitalar de pacientes submetidos à cirurgia (dissecções tipo A ou B complicadas) é de aproximadamente 15-25%, sendo as principais causas IAM perioperatório, paraplegia, hemorragia, tamponamento cardíaco e sepse.
Em alguns doentes com DA tipo B, que têm indicação de intervenção, a terapia endovascular tem sido empregada com sucesso, apresentando morbimortalidade inferior à cirurgia. A cobertura da área de “rasgo” da íntima, a despressurização do falso lúmen, a expansão do lúmen verdadeiro e, em alguns casos, o desenvolvimento de trombose do falso lúmen são vantagens observadas. A trombose do falso lúmen inicia um processo de remodelamento da aorta, caracterizado por expansão do lúmen verdadeiro e, eventualmente, por uma redução no diâmetro do vaso.
A terapia de longo prazo para os pacientes com DA (tratados cirurgicamente ou não) tem como base o emprego de drogas que reduzam a contratilidade miocárdica e controlem a PA. Geralmente, os betabloqueadores são utilizados em combinação com IECA ou antagonistas dos canais de cálcio.
Problema 9: “Tinha uma vaca no meio do caminho...”
O SAMU foi acionado para atender a ocorrência de João, 19 anos, que, segundo relato de seu patrão, sofreu acidente de moto há dois dias, próximo do aeroporto de Teixeira, após ter sido surpreendido por uma vaca na pista. No acidente, ele não colidiu com o animal, mas caiu da moto ao desviar, batendo o lado do esquerdo do corpo na pista. "Ainda bem que João só pilota com capacete e roupas adequadas. João trabalhou no dia seguinte ao acidente, mesmo queixando-se de desconforto no corpo. Hoje, no entanto, a dor piorou e ele começou a ficar agitado, reclamando que sentia uma forte pontada no ombro esquerdo e que achava que estivesse infartando, porque tinha dificuldades de respirar, por isso liguei para 192”, finalizou o patrão. Dr. Breno, médico da ambulância de suporte avançado do SAMU, ao se aproximar da vítima e examiná-lo, percebeu que o paciente, antes descrito como agitado, encontrava-se agora sonolento, abrindo os olhos ao chamado, porém não conseguindo manter a consciência por mais de 2 segundos. Encontrava-se muito pálido, com pele fria e úmida, e enchimento capilar lentificado. FC: 130 bpm FR: 30 irpm; o oxímetro de pulso não conseguiu medir a saturação de O2. PA: Inaudível. Ao exame físico: sinais de fratura ausentes e equimose no andar superior do abdome. Imediatamente, foram puncionados 2 acessos venosos periféricos e iniciada reposição volêmica com ringer lactato. ao chegar no hmtf, dr. Breno passa o caso para o médico plantonista que diante do quadro apresentado mobiliza os colegas para que o HEMOBA e a equipe do bloco cirúrgico sejam acionados.
HD: CHOQUE HIPOVOLÊMICO
OBJETIVOS:
1 - Estudar a fisiopatologia correlacionando com os aspectos clínicos do choque hipovolêmico 
2 - Elucidar o manejo do choque hipovolêmico (diagnóstico e tratamento) 
3 - Entender as complicações associadas ao choque hipovolêmico
DEFINIÇÃO DE CHOQUE
Segundo os conceitos atuais, choque é um estado de hipoperfusão orgânica efetiva generalizada — uma verdadeira "isquemia" generalizada. Em última análise, as células não recebem o aporte de oxigênio necessário para manter a sua homeostase. A perfusão efetiva de um órgão ou tecido depende de dois fatores: (1) fluxo sanguíneo total para este órgão; e (2) distribuição adequada deste fluxo através do órgão ou tecido, de forma que todas as suas células recebam um suprimento adequado de oxigênio.
FISIOPATOLOGIA — PRINCÍPIOS GERAIS E ESPECÍFICOS ALTERAÇÕES HEMODINÂMICAS
No choque surgem diversas alterações hemodinâmicas que devem ser muito bem compreendidas. O padrão hemodinâmico do choque pode, inclusive, categorizá-lo em seus diversos tipos. Alguns princípios fisiológicos devem ser primeiramente entendidos para que, em seguida, possamos explicar as alterações fisiopatológicas do choque.
ENTENDENDO OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DE HEMODINÂMICA
Imagine o sistema circulatório como um circuito fechado contendo um fluido — o sangue. Esse fluido é bombeado pelo coração, de modo a circular pelos órgãos e tecidos. O fluxo total de sangue produzido pela bomba cardíaca é denominado débito cardíaco. O sangue bombeado passa pelo sistema arterial, ganha o leito capilar e retorna ao coração através do sistema venoso. Para que o sangue perfunda adequadamente o leito capilar dos órgãos e tecidos, é preciso que a Pressão Arterial Sistêmica Média (PAM) se mantenha em um nível adequado (geralmente entre 60–120 mmHg), o que é garantido pelo produto do Débito Cardíaco (DC) pela Resistência Vascular Sistêmica (RVS).
PAM = DC x RVS
A RVS é determinada pelo tônus muscular das arteríolas, de modo que a vasoconstrição arteriolar aumenta a RVS, enquanto a vasodilatação arteriolar reduz a RVS. A maioria dos órgãos e tecidos (pele, subcutâneo, musculoesquelético, vísceras) funciona como principais reguladores da RVS, pelo tônus de suas arteríolas, de forma a garantir a pressão necessária para manter a perfusão dos órgãos nobres (cérebro e miocárdio).
O sistema venoso é de suma importância em todo esse contexto, pois funciona como o grande armazenador de sangue — cerca de 70% da volemia encontra-se no leito venoso, enquanto que apenas 20% está no leito arterial e 10% no leito capilar. Quando as veias dilatam (venodilatação ou venoplegia), chega menos sangue ao coração, isto é, diminui o retorno venoso e, portanto, o débito cardíaco. Quando contraem (venoconstrição), o retorno venoso se eleva.
O DC é determinado basicamente por quatro fatores: (1) pré-carga; (2) pós-carga; (3) contratilidade miocárdica; e (4) frequência cardíaca. Os três primeiros determinam o volume de sangue bombeado a cada batimento — o débito sistólico. A pré-carga representa o retorno venoso que, em última análise, determina o volume de enchimento diastólico do ventrículo — quanto maior esse volume, maior será o débito sistólico. A pós-carga representa a "dificuldade" impostaà ejeção ventricular, determinada pela própria RVS, pela impedância da aorta e pela geometria ventricular. O aumento da pós-carga prejudica o esvaziamento ventricular, portanto, reduz o débito sistólico. A contratilidade miocárdica é a capacidade contrátil intrínseca ao músculo cardíaco, independente da pré e pós-carga. O débito cardíaco é o produto do Débito Sistólico (DS) pela Frequência Cardíaca (FC).
DC = DS x FC
Nas taquiarritmias com frequência muito elevada (> 200 bpm), o tempo de enchimento diastólico é tão encurtado que o débito sistólico "despenca", tendo como resultado a queda do débito cardíaco, ao invés do seu aumento (como esperado pela fórmula acima). Nas bradiarritmias, o tempo de enchimento diastólico fica maior, aumentando o volume diastólico e, portanto, o débito sistólico. Porém, se a frequência cardíaca estiver muito baixa (então, sai da célula através de um carreador específico de membrana e ganha o espaço extracelular e o plasma. Como resultado, teremos a acidose láctica — a causa mais comum de acidose metabólica. O aumento dos níveis de lactato (> 2,5 mM) e o aparecimento de um deficit de bases (base excess negativo) são os primeiros indícios de que um paciente está em choque. Nesse momento, a pressão arterial ainda pode encontrar-se na faixa normal, já que o sistema neuro-hormonal já está ativado.
O lactato não é apenas um "grande vilão"... Ele também tem a sua importância fisiológica no choque, ao servir como substrato energético para o músculo cardíaco. Já está bem documentado que, excetuando-se os casos de choque cardiogênico por fenômenos de isquemia ou infarto miocárdico, o tecido miocárdico não libera lactato — pelo contrário, consome-o. O grande produtor de lactato no choque é o musculoesquelético e, em segundo lugar, as vísceras. A reutilização do lactato para formar piruvato, que então pode ser convertido em glicose (gliconeogênese) ou utilizado no ciclo de Krebs, é denominada ciclo de Cori.
Como estão os hormônios no choque?
Como vimos no capítulo 1, o estresse isquêmico e inflamatório estimula a liberação de cortisol e adrenalina pela suprarrenal e de glucagon pelo pâncreas — são os hormônios contrarreguladores da insulina. Eles promovem glicogenólise (quebra do glicogênio) e gliconeogênese no fígado, lançando mais glicose no sangue — razão da hiperglicemia frequentemente encontrada nas fases iniciais do choque, da sepse e do trauma. A supressão insulínica permite o efeito da adrenalina e do cortisol no tecido adiposo, promovendo a liberação de ácidos graxos (lipólise), que serão utilizados como principal substrato metabólico para o musculoesquelético. Ao agir sobre os receptores beta-2 do musculoesquelético, a adrenalina promove o influxo de potássio, levando à hipocalemia (achado também frequente no choque, sepse ou trauma). O sistema renina-angiotensina-aldosterona também se encontra ativado, auxiliando as catecolaminas a "proteger" a hemodinâmica do paciente, devido ao efeito vasoconstritor e retentor de sal e água da angiotensina II e aldosterona, respectivamente.
EXTRAÇÃO TECIDUAL DE OXIGÊNIO NO CHOQUE
Um conceito que tem que estar bem sedimentado em "nosso cérebro": no choque, o resultado final é a falta de O2 às células, levando-as a perder as reservas de energia (ATP) e produzir ácido láctico. A hipóxia celular sobrevém por um dos seguintes mecanismos: (1) não há oferta suficiente de oxigênio aos tecidos; (2) os tecidos não estão mais extraindo o oxigênio de forma adequada. Vamos entender isto melhor...
A oferta de oxigênio aos tecidos é representada pela DO2, que mede a quantidade de O2 que chega aos tecidos na unidade de tempo — depende do débito cardíaco, do teor de hemoglobina do sangue e da saturação de oxigênio arterial. Valor normal = 700–1.200 ml/min. Uma queda expressiva da DO2 caracteriza os choques hipodinâmicos (hipovolêmico, cardiogênico, obstrutivo). Nem a hipoxemia nem a anemia costumam ser os responsáveis isolados por uma queda expressiva da DO2, pois a hipoxemia geralmente estimula o aumento da hemoglobina (policitemia) e a anemia estimula o aumento do DC.
O consumo tecidual de oxigênio é representado pelo VO2, que mede a quantidade de O2 extraída pelos tecidos na unidade de tempo. Valor normal = 180–280 ml/min.
A taxa de extração tecidual de oxigênio — representada pela TEO2 — é o percentual do O2 ofertado aos tecidos que é efetivamente extraído, ou seja, quantos por cento do que é ofertado (DO2) é consumido (VO2).
TEO2 = VO2/DO2 x 100
Em condições normais, a TEO2 está entre 25 e 35%, ou seja, vai de 0,25 a 0,35. Quando a DO2 começa a cair, como na hipovolemia ou na insuficiência cardíaca, o consumo tecidual de O2 (VO2) permanece inalterado à custa de uma maior TEO2. À medida que a DO2 vai caindo, chega num ponto crítico (na faixa de 500 ml/min), no qual a TEO2 tornou-se máxima (em torno de 70% ou 0,70) — a partir daí, qualquer queda adicional da DO2 levará a uma redução proporcional do consumo (VO2). É o que acontece nos choques hipovolêmico, cardiogênico e obstrutivo. Essa queda da VO2 proporcional à queda da DO2 é chamada dependência fisiológica da DO2 e é a responsável pela hipóxia tecidual nos choques hipodinâmicos.
E no choque séptico?
Nesse tipo de choque, a taxa de extração de oxigênio pelos tecidos está comprometida, isto é, a TEO2 encontra-se abaixo de 0,25. Mesmo com uma DO2 alta (o que é comum nos estados de alto débito cardíaco), o consumo (VO2) está baixo, apesar de uma demanda tecidual elevada de O2. As células precisam de oxigênio, mas parece que há algum tipo de "bloqueio" em sua extração ou consumo. Nestes pacientes observamos que o ponto crítico da DO2 é maior que o esperado — o VO2 começa a cair antes da DO2 atingir 500 ml/min. A isto denominamos dependência patológica da DO2. Essa é a razão da hipóxia tecidual no choque séptico. A razão desse "bloqueio" da TEO2 pode ser o desarranjo microvascular, a disfunção endotelial ou ainda uma disfunção celular metabólica.
SATURAÇÃO VENOSA DE OXIGÊNIO
Nos choques hipodinâmicos, vimos inicialmente que uma DO2 reduzida acaba deflagrando um aumento compensatório na TEO2 pelas células. Se formos "olhar" a microcirculação com calma, veremos que este fenômeno faz passar um sangue com menor quantidade de O2 do capilar para vênula pós-capilar, e daí para as veias, o que levará a uma queda da saturação venosa de O2 obtida da artéria pulmonar, também conhecida como saturação de O2 do sangue venoso misto (SvO2). Lembrem-se de que o sangue da artéria pulmonar é venoso.
Outros fatores além do aumento da TEO2 reduzem a SvO2. Os principais incluem: queda no conteúdo de O₂ no sangue arterial, diminuição do DC, redução da Hemoglobina (Hb) e aumento da VO2.
Em pacientes sem monitorização invasiva com cateter de Swan-Ganz (somente com cateter profundo e medidas da PVC), a saturação venosa de O2 pode ser medida diretamente de sangue colhido da veia cava superior, sendo chamada de ScvO2.
como fica a svo2 na sepse grave e no choque séptico?
Vai depender do momento de evolução do paciente. Embora a TEO2 esteja diminuída, esta alteração não ocorre de imediato. Lembrem-se de que nas fases iniciais da sepse grave e do choque séptico o que temos é um paciente com extrema hipovolemia relativa (os vasos dilatam e o sangue em seu interior acaba sendo "insuficiente").
Dessa forma, a TEO2 vai se comportar como nos choques hipodinâmicos, estando aumentada, o que vai justificar uma SvcO2 baixa. Quando repomos volume no doente, inauguramos a fase hiperdinâmica, e esta, por coincidência ou não, vem acompanhada dos reais distúrbios microcirculatórios, ou seja, TEO2 reduzida e, por isso, um aumento gradual na SvcO2. Esta, que estava reduzida, tende inicialmente à normalidade. O mesmo raciocínio se aplica naturalmente à SvO2.
MECANISMOS DE LESÃO CELULAR NO CHOQUE
O mecanismo do êxito letal no choque é a Disfunção de Múltiplos Órgãos e Sistemas (DMOS). Seria muito bom para o paciente se o choque fosse apenas um distúrbio hemodinâmico, microvascular e metabólico... Ele seria simplesmente reversível na maioria dos casos e não haveria morte. Pois é, infelizmente, essa não é a realidade. O aspecto mais importante do choque, na verdade, é a evolução para uma fase tardia, caracterizada pela lesão orgânica múltipla. Nesse momento, a letalidade torna-se bastante elevada, mesmo se o distúrbio hemodinâmico for corrigido.
A hipóxia celular, o trauma e a sepse são fatores capazes de ativar o sistema inflamatório. A inflamação é um processo fisiológico localizado, definido pela vasodilatação (calor e rubor) e aumento da permeabilidade capilar (edema) desencadeados por mediadores químicos que, em última análise, têm o intuito de atrair neutrófilos e monócitos para o local — células estas que possuem a função de matar micro-organismos e induzir o reparo tecidual. No choque, entretanto, o estímulo inflamatório pode ocorrer em vários órgãos e tecidos ao mesmo tempo, culminandoem lesão orgânica generalizada.
Os fatores relacionados ao choque estimulam macrófagos a produzir e liberar uma citocina — o fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α), talvez um dos mais importantes mediadores inflamatórios do choque. O seu papel já está bem documentado no choque séptico (a endotoxina dos Gram-negativos e o ácido teicoico dos Gram-positivos podem induzir a sua liberação). O TNF-α estimula a invasão de leucócitos aos tecidos, ao aumentar a formação de neutrófilos na medula óssea (leucocitose) e ao mesmo tempo promover a expressão endotelial de moléculas de adesão leucocitária (ICAM-1, VCAM-1, P-selectina). Os neutrófilos podem ser os responsáveis diretos pela lesão tecidual (quando ativados, liberam radicais livres derivados do oxigênio, N-cloraminas e enzimas proteolíticas), substâncias de um alto poder lesivo.
O TNF-α também estimula leucócitos a produzir e liberar citocinas (IL-1, IL-6, IL-8 e o próprio TNF-α) importantes na manutenção e exacerbação do processo inflamatório.
Diversos mediadores inflamatórios são liberados por efeito direto ou indireto das citocinas: PAF (um dos mais potentes), prostaglandinas, leucotrienos, bradicinina, fatores quimiotáticos do sistema complemento (C3a, C5a). A Interleucina-6 (IL-6) age no fígado, estimulando a liberação de proteínas da fase aguda, como a Proteína C-Reativa (PCR) e o amiloide A. Existe no choque séptico um estado pró-coagulante, que tem como características uma redução dos níveis de proteínas anticoagulantes, como as proteínas C e S e a antitrombina, e um aumento do inibidor do ativador do plasminogênio do tipo 1 (PAI-1), o que dificulta a lise da malha de fibrina. Além disso, a ativação de plaquetas e dos fatores de coagulação é fenômeno encontrado em fases avançadas de todos os tipos de choque, justificando, dentre outros achados, a formação de microtrombos na rede capilar, o que contribui para o distúrbio microcirculatório. O TNF-α é um importante inotrópico negativo, à medida que estimula a produção do lipídio esfingosina que, por sua vez, bloqueia a saída de cálcio do retículo sarcoplasmático do miócito cardíaco.
O TNF-α age sobre o endotélio, induzindo a formação de um tipo especial da enzima óxido nítrico sintetase. Essa enzima é capaz de sintetizar níveis 100 vezes maiores que o normal de óxido nítrico (NO) — um potente vasodilatador e um dos principais fatores incriminados na vasodilatação do choque séptico. Em altas concentrações no tecido hipóxico, o NO pode reagir com o ânion superóxido (O2 -) para gerar o radical peroxinitrito (ONOO-), altamente lesivo para as mitocôndrias. O NO também é um importante inotrópico negativo — aumenta os níveis de GMPc do miócito, levando à desfosforilação dos canais L de cálcio da membrana (um efeito oposto ao AMPc). Como resultado, o influxo sistólico de cálcio, determinante da contratilidade miocárdica, encontra-se reduzido.
Outro aspecto da lesão tecidual é a lesão de reperfusão. A hipóxia prolongada depleta progressivamente os estoques de ATP das células. À medida que vai sendo utilizado, o ATP volta a ser ADP. O ADP pode seguir um caminho metabólico, convertendo-se sequencialmente em AMP, adenosina, inosina e hipoxantina. O resultado é o acúmulo de hipoxantina no citoplasma da célula depletada em ATP. A hipoxantina, na presença de O2, sofre ação da xantina oxidase, que transforma a hipoxantina em xantina e o O2 em O2 - (ânion superóxido). Esse radical livre sofre ação da superóxido dismutase, se convertendo em H2O2 (peróxido de hidrogênio) que logo libera o radical hidroxila (OH), altamente reativo. Em resumo, quando reperfundimos um tecido depletado previamente em ATP, podemos aumentar mais ainda a lesão a suas células, pois o O2 fornecido acaba sendo transformado em radicais livres altamente citotóxicos.
Os eventos acima descritos podem culminar na morte celular. Depletada de ATP e com a queda do pH citoplasmático, a célula vai perdendo a ação de suas enzimas, como a Na+ K+- ATPase e a Ca++- ATPase, permitindo a excessiva entrada de líquido e de cálcio. A peroxidação dos fosfolipídios pelos radicais livres derivados do O₂ contribui para a disfunção da membrana celular e para a morte das mitocôndrias. Os lisossomas se rompem no citoplasma, liberando suas hidrolases ácidas, responsáveis pelo processo de autólise. Nesse momento, a morte celular já se instalou. Se o processo se generalizar entre os diversos órgãos e sistemas, a morte do organismo sobrevém.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS CHOQUES HIPODINÂMICOS
Os pacientes com choque hipodinâmico se apresentam com "fácies de sofrimento" (em inglês, ill appearance), palidez cutâneo-mucosa, sudorese fria e pegajosa, principalmente nas extremidades, taquicardia, taquipneia, com pulsos radiais finos ou impalpáveis, oligúria e hipotensão arterial. Como vimos, a hipotensão arterial (definida como PA sistólicaTotal (BAVT) com ritmo de escape baixo. Nesses casos está indicado um marca-passo provisório transvenoso.
Um tipo especial de choque cardiogênico é o infarto de VD. Geralmente associado ao IAM de parede inferoposterior, pode levar a uma grave disfunção sistólica do VD, provocando baixo DC, aumento das pressões de enchimento do VD (como a PVC), aumento da RVS e choque. Como o VD costuma tolerar bem a infusão de volume, esse choque costuma ter uma boa resposta à infusão volêmica, mas quase sempre é necessário o uso de inotrópicos.
É importante destacar que muitos pacientes hipotensos ou mesmo chocados na fase aguda do IAM podem ter uma excelente resposta à reposição volêmica, afastando como principal hipótese o choque cardiogênico. No contexto do IAM, ele é definido por uma PA sistólicatecidual. Uma vez consumidos plaquetas e fatores de coagulação, principalmente o fibrinogênio, sobrevêm manifestações de sangramento (sítios de punção, petéquias, equimoses, sangramentos em cavidades etc.). No choque hemorrágico, a politransfusão pode causar plaquetopenia e coagulopatia dilucionais.
ABORDAGEM TERAPÊUTICA MEDIDAS GERAIS
Os pacientes com o diagnóstico clínico de choque devem ser prontamente atendidos. Antes de mais nada, devem ser instalados o monitor cardíaco, o oxímetro de pulso e o paciente deve ser colocado no oxigênio em máscara de Hudson. Em seguida, punciona-se um acesso venoso periférico com um jelco nº 16 ou nº 18. Nos pacientes vítimas de trauma ou choque hemorrágico, é de praxe a instalação de dois acessos venosos periféricos para aumentar a capacidade de reposição de fluidos. Não se esqueçam da tríade inicial para todo paciente grave: oxigênio – veia – monitor.
O sangue do paciente deve ser prontamente coletado para tipagem, bioquímica, hemograma, gasometria arterial, enzimas cardíacas, lactato e PCR. Em certos casos suspeitos, os hormônios tireoidianos e o cortisol devem ser dosados. Nos casos em que há sinais de insuficiência ventilatória (esforço ventilatório intenso, respiração agônica, redução do nível de consciência) o indivíduo deve ser prontamente intubado e colocado em ventilação mecânica. Devemos tomar cuidado com o uso dos sedativos, uma vez que estas drogas podem piorar a instabilidade hemodinâmica. A pressão positiva do ventilador também é um fator potencialmente deletério para a hemodinâmica do paciente, pois reduz o retorno venoso. A reposição volêmica pode corrigir esse problema. A princípio, os pacientes com instabilidade hemodinâmica não devem ser submetidos a uma PEEP alta (> 10 cmH2O). A saturação de O2 deve ser mantida acima de 92%.
A não ser que o paciente esteja congesto (ortopneia, terceira bulha, estertores pulmonares) ou sabidamente hipervolêmico, o primeiro passo no tratamento do choque é a reposição de fluidos. Além de ser a principal medida no choque hipovolêmico, é parte fundamental do tratamento do choque séptico e pode ajudar em alguns casos de choque cardiogênico, quando existe um componente de hipovolemia (pelo uso prévio de diuréticos etc.). Neste momento, um cateter de Foley uretral deve ser instalado, para a monitorização do débito urinário. A melhora da diurese é um excelente parâmetro de sucesso terapêutico.
Suporte hemodinâmico
No geral, o suporte hemodinâmico ao paciente com choque inespecífico é – fluidos intravenosos e vasopressores, com o intuito de manter a pressão arterial média em torno de 65 – 70 mmHg. Inicialmente faz a utilização dos fluidos e quando eles não são efetivos administra-se os vasopressores.
• Fluidos intravenosos: São as medidas de primeira linha nos pacientes com hipotensão e choque indiferenciados. É preferível que a administração dos fluidos seja feita em bólus e com fluido aquecido a 39°C, até que a pressão arterial e a perfusão tecidual sejam aceitáveis. Porém, atentar-se ao conceito de hipotensão permissiva, que consiste em manter pressão arterial sistólica entre 80-10oommHg (idealmente 90mmHg), se não houver contraindicações. Além disso, deve-se ter cuidado com a quantidade de fluido utilizada devido ao risco de hemodiluição. Vale lembrar que o total de volume a ser infundido é determinado pela etiologia do choque, por exemplo: casos de choque cardiogênico, de maneira geral, necessitam de 500 – 1000mL, nos casos de choque hipovolêmico esse volume é maior, cerca de 3 – 5 L, incluindo a necessidade de hemoderivados. O fluido ideal ainda é incerto, mas na maioria das vezes os cristaloides são os utilizados, como o Ringer Lactato e o Soro Fisiológico 0,9%, sendo preferível o Ringer, pois é mais fisiológico e o cloro presente no soro fisiológico pode causar acidose hiperclorêmica. Aqueles pacientes com choque hemorrágico devem ser tratados com a contenção do sangramento, sendo a compressão direta a medida principal em sangramentos externos, sendo o torniquete uma opção àqueles casos refratários e sangramentos em extremidades. Além disso, deve-se tratá-los com produtos sanguíneos (concentrado de hemácias, plasma fresco congelado e plaquetas), na proporção de 1:1:1, lembrando que cada CH tem cerca de 30mL e para plaquetas considera-se 1 concentrado para cada quilo do paciente.
Dito isso, é importante lembrar do conceito de transfusão maciça, que consiste em transfundir 100% da volemia do paciente ou mais que 10 CH, 50% da volemia em 3 horas ou 4 unidades em 1 hora. Por fim, àqueles refratários pode-se lançar mão do ácido tranexâmico (transamin), que inativa a plasmina, sendo a dose de ataque 1g IV diluída em 250mL de SF, correr em 10 minutos e 1g de manutenção a cada 8 horas.
• Observação: O próprio mecanismo de choque, a hipoperfusão, pode causar hipocalcemia, pois o fígado não metaboliza o citrato, que é o quelante natural do cálcio.Desse modo, com a infusão de CH, que tem como estabilizante o citrato, aumenta a fração de ligação com cálcio e consequente hipocalcemia. No entanto, deve-se oferecer cálcio apenas se deficiência.
• Vasopressores: Os vasopressores são drogas frequentemente requeridas nos pacientes com choque, pois a ressuscitação volêmica não consegue estabelecer níveis aceitáveis de PA e perfusão tecidual. Vale lembrar que os vasopressores podem ser prejudiciais nos pacientes com hemorragia ou choque hipovolêmico, de modo que essas drogas devem ser usadas apenas como forma de suporte adicional de suporte hemodinâmico, quando a ressuscitação volêmica falhar, ou como último recurso para pacientes em situação extrema. Os agentes mais usados são: agonistas adrenérgicos (norepinefrina e dopamina) e os agentes inotrópicos (dobutamina). Nesse sentido, dentre os agonistas adrenérgicos, a droga mais utilizada é a norepinefrina (utilizada na dosagem inicial de 8 – 12 mcg/min, via IV), quanto aos agentes inotrópicos, a dobutamina é a mais utilizada (na dose inicial de 0,5 a 1 mcg/kg/min), sendo mais comumente usada nos casos de choque cardiogênico, sendo geralmente usada em associação com a norepinefrina, usada para compensar a diminuição da resistência vascular periférica causada pelas doses baixas de dobutamina.
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image4.pngno caso de uma HD aguda, devido às reduções proporcionais nos volumes plasmático e eritrocitário (i.e., “os indivíduos perdem sangue total”).
Assim, a hemoglobina pode se apresentar normal ou apenas levemente diminuída à apresentação inicial de um episódio hemorrágico grave. Conforme o fluido extravascular penetra no espaço vascular para equilibrar o volume, a hemoglobina cai, porém esse processo poderá levar até 72 horas. A transfusão é recomendada quando a hemoglobina cai abaixo de 7 g/dL, com base em um amplo ensaio randomizado, mostrando que essa estratégia de transfusão restritiva reduz a hemorragia recorrente e a morte na HDA quando comparada a um limiar de transfusão de 9 g/dL. Pacientes com HD crônica e lenta podem apresentar valores muito baixos de hemoglobina, apesar da pressão sanguínea e frequência cardíaca normais. Com o aparecimento de anemia por deficiência de ferro, o volume corpuscular médio será baixo e o índice de anisocitose irá aumentar.
DISTINÇÃO ENTRE HDA E HDB
A hematêmese indica uma origem da hemorragia no trato digestivo superior (acima do ligamento de Treitz). A melena indica a presença de sangue no trato digestivo por pelo menos 14 horas, e por até 3-5 dias. Quanto mais proximal for o local da hemorragia, mais provável será a ocorrência de melena. A hematoquezia geralmente representa uma fonte de sangramento no trato digestivo inferior, embora uma lesão no trato digestivo superior possa sangrar tão rapidamente que o sangue ultrapasse o intestino antes que a melena se desenvolva. Quando é um sintoma de apresentação da HDA, a hematoquezia está associada à instabilidade hemodinâmica e queda da hemoglobina. As lesões hemorrágicas do intestino delgado podem apresentar-se como melena ou hematoquezia. Outros indícios de HDA incluem ruídos intestinais hiperativos e uma elevação do nitrogênio ureico sanguíneo (devido à depleção de volume e absorção de proteínas sanguíneas no intestino delgado).
Um aspirado nasogástrico sem sangue pode ser observado em até aproximadamente 18% dos pacientes com HDA, geralmente a partir de uma fonte duodenal. Mesmo um aspecto tinto de bile não exclui uma lesão hemorrágica póspilórica, porque os relatos de bile no aspirado são incorretos em cerca de 50% dos casos. O exame para sangue oculto, no aspirado que não exibe sangue macroscópico, é inútil.
AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DA HDA (FIG. 57.1.)
Na apresentação, os pacientes geralmente são classificados como de alto ou baixo risco para hemorragia posterior e óbito. Características básicas preditoras de hemorragia recorrente incluem comprometimento hemodinâmico (taquicardia ou hipotensão), idade avançada e comorbidades. A infusão de IBP poderá ser considerada no momento da apresentação: ela reduz os estigmas da úlcera de alto risco (p. ex., hemorragia ativa) e a necessidade de terapia endoscópica, porém não melhora o prognóstico clínico, como posteriores hemorragia, cirurgia ou óbito. O tratamento para melhorar a visualização endoscópica com o agente pró-motilidade eritromicina, 250 mg, administrados por via intravenosa, cerca de 30 minutos antes da endoscopia, também pode ser considerado: ele causa um pequeno, porém significativo, aumento no campo diagnóstico e diminui nas segundas endoscopias, porém não está provado que reduza posterior hemorragia ou óbito. Pacientes cirróticos que se apresentam com HDA devem receber antibióticos (p. ex., quinolona, ceftriaxona) e iniciar um medicamento vasoativo (octreotida, terlipressina, somatostatina, vapreotida) no momento da apresentação, mesmo antes da endoscopia. Os antibióticos reduzem as infecções bacterianas, a hemorragia recorrente e a mortalidade nessa população, e parece que os medicamentos vasoativos melhoram o controle da hemorragia nas primeiras 12 horas após a apresentação.
FIGURA 57.1 Algoritmo sugerido para pacientes com hemorragia digestiva alta aguda. Recomendações em nível de tratamento e período de alta assumem que o paciente esteja estabilizado sem hemorragia posterior ou outros problemas médicos concomitantes. UTI, unidade de terapia intensiva; IBP, inibidor da bomba de prótons; IV, intravenosa.
A endoscopia alta deverá ser realizada em até 24 horas na maioria dos pacientes com HDA. Os pacientes de alto risco (p. ex., instabilidade hemodinâmica, cirrose) podem se beneficiar de uma endoscopia mais urgente em até 12 horas. A endoscopia precoce também é benéfica para pacientes de baixo risco nos casos de tomadas de decisões. Os pacientes com hemorragia grave e achados endoscópicos de alto risco (p. ex., varizes, úlceras com sangramento ativo ou um vaso visível) beneficiam-se da terapia hemostática endoscópica, enquanto os pacientes com lesões de baixo risco (p. ex., úlceras com base limpa, lacerações de Mallory-Weiss não hemorrágicas, gastropatia erosiva ou hemorrágica) que apresentam sinais vitais e hemoglobina estáveis e nenhum outro problema clínico, podem receber alta.
Abordagem no sangramento por varizes esofágicas
Assim como já discutido anteriormente, a prioridade é a estabilização hemodinâmica.
A endoscopia digestiva alta é necessária e deve ser realizada assim que o paciente apresentar condições para sua realização.
A administração precoce de terapia farmacológica com análogos da somatostatina pode levar à parada temporária de sangramento, facilitar a execução do exame endoscópico e reduzir a necessidade transfusional em pacientes com sangramento de varizes esofágicas. As opções incluem: terlipressina, somatostatína e octreotide.
A terlipressina é a medicação de escolha, pois parece estar associada à redução de mortalidade;
Problema 2: “Sangrava muito!”
Antônio Carlos, de 65 anos, reside em Porto Seguro há 5 anos após aposentadoria do serviço público. Seu Antônio foi surpreendido no último sábado por dor abdominal intensa. O filho Bruno, que passava férias em sua casa, o levou ao pronto atendimento do Hospital Luís Eduardo Magalhães. Ao exame clínico inicial foram observados enterorragia maciça e dor abdominal intensa em todo abdômen com maior intensidade em região hipogástrica. Bruno informou ainda que o pai sempre teve o “intestino preso”, mas que nos últimos tempos ele vinha intercalando constipação com episódios de diarreia. Apresentava-se hidratado, porém intensamente hipocorado. Aparelho Cardiovascular: FC: 115 bpm; FR: 14 irpm; PA: 100 x 60 mmHg, Temperatura: 36 C. Abdômen endurecido e doloroso à palpação, com aumento dos ruídos peristálticos. Extremidades acianóticas, sem edema e com pulso fino. Foram obtidos dois acessos de grosso calibre, realizada reposição volêmica com cristaloides, e posterior coleta de exames gerais e tipagem sanguínea. À inspeção anal e ao toque retal não foram encontradas alteração significativas, além da presença de sangue vivo e aspecto eventual de hematoquezia.
Não havia disponibilidade de colonoscopia no final de semana. Após as 6 primeiras horas do exame inicial e da reposição volêmica observou-se queda do hematócrito acima de 8 pontos em relação ao nível de base, sendo necessária a transfusão de mais de 2 bolsas de sangue. Diante deste quadro o plantonista decidiu chamar a equipe de cirurgia que realizou laparotomia com ressecção do segmento sigmoide do cólon. Ao exame da peça cirúrgica após fixação em formol a 10% foram visualizadas alterações macroscópicas em A e B, além do aspecto microscópico em C. No momento da alta hospitalar, Bruno pergunta: “Será que vai sangrar novamente?
HD: Hemorragia Digestiva Baixa (HDB)
Objetivos
1 - Elucidar conceito, epidemiologia e fatores de risco da HD
2 - Estudar as principais etiofisiopatologia correlacionando com as manifestações clínicas da HD
3 - Compreender o manejo da HD (diagnóstico e tratamento)
HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA
A hemorragia digestiva baixa (enterorragia) é definida pela fonte sangrante após o ângulo de Treitz (junção duodeno jejunal), representando 10-15% dos casos de hemorragia digestiva aguda. Em cerca de 95% dos casos, o sangue é proveniente do cólon e, nos 5% restantes, do delgado.
A manifestação clássica é a hematoquezia (eliminaçãode sangue vivo puro ou misturado às fezes pelo reto), embora os sangramentos do delgado e do cólon direito, quando a motilidade colônica é lenta, possam aparecer como melena. Além disso, em cerca de 15% dos casos de hematoquezia, a fonte do sangramento está acima do ângulo de Treitz (hemorragia digestiva alta), geralmente quando a hemorragia é volumosa e/ou a motilidade intestinal está exacerbada (às vezes, pelo próprio efeito catártico do sangue).
(A) A localização típica, entre as tênias antimesentéricas e mesentéricas;
(B) Um enema baritado (o contraste preenche o lúmen diverticular, gerando "imagens de adição");
(C) A visão endoscópica dos divertículos.
Até 50% dos pacientes cursam com anemia e/ou instabilidade hemodinâmica (30% com hipotensão postural, 10% com síncope e até 20% com choque hemorrágico).
Mesmo estas cifras perdem para a hemorragia digestiva alta!
QUADRO DE CONCEITOS I
SANGRAMENTO DE DIVERTÍCULO COLÔNICO
O sangramento digestivo baixo ocorre em cerca de 15% dos pacientes com diverticulose intestinal. Embora os divertículos sejam mais comuns no sigmoide, a hemorragia diverticular é proveniente do cólon direito em 50-70% dos pacientes, mostrando a maior propensão a sangrar dos divertículos à direita. Geralmente, provém de apenas um divertículo... O sangramento ocorre na maioria dos casos na ausência de inflamação aguda ou crônica. Ou seja, é difícil a associação do sangramento diverticular com a diverticulite.
Acredita-se que quando o divertículo se forma, ele "carrega" uma das artérias penetrantes (vasos retos) consigo. O vaso pode ficar aprisionado e tracionado na cúpula da estrutura diverticular, separado do lúmen intestinal por uma fina camada mucosa. O trauma mecânico (por exemplo, por fecalitos) pode provocar erosão mucosa e fragilidade da parede arterial que então se torna propensa ao rompimento. Pacientes hipertensos ou em uso de AINE têm um risco maior de sangramento diverticular. Os divertículos do cólon direito têm maior chance de sangrar por serem maiores e terem uma base mais larga, expondo uma extensão maior da artéria penetrante à erosão.
A hematoquezia é registrada em 15% dos pacientes com diverticulose, sendo autolimitada em 70-80% dos casos. Entretanto alguns pacientes apresentam sangramento maciço (cerca de 5%), pois o vaso sangrante do divertículo é um vaso arterial! Estes necessitarão de ressuscitação volêmica e intervenção terapêutica imediata. Com muita frequência, os doentes deste grupo têm entre 50-70 anos e apresentam-se com comorbidades (doença coronária, nefropatia, etc.), o que eleva muito a taxa de mortalidade da hemorragia exsanguinante. O sangramento é indolor e sem sinais de proctite (tenesmo, urgência fecal); o exame do abdome é "inocente"...
O risco de novo sangramento é de aproximadamente 30%, porém, aumenta para 50% após o segundo episódio...
SANGRAMENTO DA ANGIODISPLASIA COLÔNICA
A doença diverticular do cólon causa 30-50% dos casos de HDB em adultos, seguida pela angiodisplasia (20-30% dos casos, com estatísticas bastante variáveis), especialmente em pacientes com mais de 65 anos (nesta faixa etária, algumas estatísticas colocam a angiodisplasia em primeiro lugar!).
Angiodisplasia intestinal é uma malformação vascular caracterizada pela ectasia de pequenos vasos sanguíneos, cuja parede é revestida apenas por endotélio e pequenina quantidade de músculo liso. Os vasos sobressaem na mucosa intestinal como lesões arborizadas ou aracneiformes vermelho vivo. Na maioria das vezes o vaso é uma veia da submucosa da parede intestinal (por isso, o sangramento geralmente é venoso), embora fístulas arteriovenosas e artérias participem das angiodisplasias de maior tamanho (responsáveis pelos casos de hemorragia maciça...).
As angiodisplasias são encontradas mais frequentemente no cólon; o ceco é o local mais comum (45% dos casos). As que sangram predominam nos idosos (> 65 anos). Os fatores de risco para angiodisplasia intestinal são: estenose aórtica, doença de von Willebrand e síndrome urêmica crônica.
OUTRAS CAUSAS DE HDB
O sangramento a partir de um divertículo é a principal causa de hemorragia digestiva baixa significativa em pacientes com mais de 50 anos.
As hemorroidas são causas importantes de hematoquezia de pequena intensidade ou de sangramento oculto com anemia ferropriva. O câncer colorretal pode ser considerado a terceira causa em pacientes com mais de 50 anos (perdendo apenas para a diverticulose e a angiodisplasia). Os pólipos adenomatosos ou hamartomatosos também estão na lista... A lesão de Dieulafoy, definida pela presença de um vaso arterial submucoso visível, embora mais comum no estômago, pode surgir no cólon, reto e intestino delgado, e causar HDB de vulto. A hematoquezia associada à dor abdominal, diarreia e febre define o quadro de colite, tendo como principais causas as colites bacterianas, a doença inflamatória intestinal, a colite amebiana, a colite isquêmica e a actínica. O divertículo de Meckel é a causa mais comum de HDB em pacientes com menos de 30 anos, seguido pelos pólipos juvenis.
ABORDAGEM DIAGNÓSTICO-TERAPÊUTICA AO PACIENTE COM HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA
Diante de um paciente com hemorragia digestiva baixa maciça, os exames diagnósticos só poderão ser realizados após a estabilização hemodinâmica do paciente, utilizando-se soros cristaloides (soro fisiológico, Ringer) e concentrados de hemácia.
É importante memorizarmos que pacientes instáveis hemodinamicamente com sangramento continuado, a despeito de medidas de reposição volêmica, são candidatos à intervenção cirúrgica sem tempo hábil para a localização precisa do sangramento, portanto, uma colectomia subtotal (retirada de todo o cólon, mas poupando o reto) com anastomose ileorretal. Atualmente, esta situação é bastante incomum e pode ser muitas vezes evitada pelo tratamento guiado pela angiografia seletiva (adiante)!!
A grande maioria dos pacientes estabiliza prontamente às primeiras medidas de reposição e o sangramento para espontaneamente em até 90% dos casos, antes da necessidade de se transfundir mais do que duas bolsas de hemácias. O sangramento, entretanto, pode permanecer de forma intermitente.
O objetivo diagnóstico primário é descobrir onde está o sítio sangrante!! Uma vez descoberto o sítio, a terapêutica depende do tipo de lesão, ou seja, da sua etiologia (divertículo, angiodisplasia, etc.). Não adianta o exame mostrar a presença de divertículos, pólipos ou angiodisplasia sem provar que uma dessas lesões está sangrando ou sangrou recentemente!! Tanto a diverticulose quanto as angiodisplasias e pólipos são achados comuns (especialmente em idosos) e podem ser apenas coincidentes com algum outro sítio sangrante...
Antes de tudo, temos que afastar duas possíveis fontes de sangramento fáceis de investigar: (1) gastroduodenal; e (2) anorretal. A hemorragia digestiva alta (acima do ligamento de Treitz), geralmente causada por úlcera péptica sangrante, pode se manifestar eventualmente como hematoquezia, como vimos... A passagem de um cateter nasogástrico é de grande auxílio: a saída de sangue vivo confirma hemorragia alta, enquanto que a presença de bile sem sangue a exclui, pois, a bile vem do duodeno (se houvesse sangramento duodenal, o sangue certamente apareceria...). Não saindo nem sangue e nem bile, somente uma endoscopia digestiva alta será capaz de confirmar ou afastar a hemorragia alta, pois há casos de sangramento ativo duodenal associado a espasmo do piloro que não deixa passar o sangue para o estômago. Devemos lembrar que todo o paciente com hemorragia digestiva baixa deve ser submetido a exame proctológico (anoscopia) com o intuito de afastar vasos hemorroidários como sítio atual de sangramento. Eventualmente, a rotura de hemorroidas se manifesta com sangramento de grande monta, especialmente em pacientes com hipertensão porta ou distúrbio da hemostasia. O simples encontro de hemorroidas não as indica como culpadas pela HDB!!
Uma vez afastadas a hemorragia alta e as hemorroidas como causas do episódio atual, é muito grande a chance de o sangramentoser proveniente do cólon, mais comumente do cólon direito.
Se o paciente não estiver apresentando um sangramento copioso no momento, o próximo exame deverá ser a colonoscopia.
Após um preparo adequado do cólon ou sem preparo (caso o sangramento tenha parado nas últimas horas ou tenha se mantido em menor monta), a acurácia diagnóstica oscila entre 70-85%. Após estabilização do quadro, este exame deve ser feito o quanto antes (dentro de 4-12h do episódio hemorrágico), para que seja capaz de detectar o ponto sangrante. Como vimos, na ausência de um foco de sangramento ativo ou recente, não podemos fechar o diagnóstico. O colonoscopista deve procurar um ponto sangrante, um coágulo aderido ao orifício de um divertículo, um vaso visível ou pelo menos descobrir que o sangue vem de um segmento específico do cólon. Múltiplos coágulos em vários orifícios diverticulares não têm valor diagnóstico... Se observar sangue transbordando do íleo, a fonte da hemorragia deve ser no delgado (uma vez afastada a HDA)... 
A colonoscopia tem a vantagem de ser também um método terapêutico (ver adiante).
Nas mãos de um colonoscopista experiente, a lesão sangrante é corrigida em até 40% das vezes.
A hemorragia digestiva baixa contínua de grande monta é uma indicação tradicional para a angiografia mesentérica seletiva.
Esta afirmação é reiterada pelo Colégio Americano de Gastroenterologia e pela Sociedade Americana de Endoscopia Gastrointestinal. Se o paciente realmente estiver sangrando no momento do exame (numa taxa > 0,5-1 ml/min), é possível estabelecer com exatidão o sítio da hemorragia e ainda controlá-la por meio da infusão intra-arterial de vasopressina. A maioria dos sangramentos encontra-se no território da mesentérica superior (que irriga até a metade do cólon transverso). Alguns riscos são inerentes ao método, que, além de considerado invasivo, ainda utiliza altas doses de contraste iodado.
Uma cintilografia com hemácias marcadas (com 99mTc) pode ser indicada antes da angiografia, para averiguar a presença do sangramento e a sua localização
aproximada (qual o quadrante). Se a cintilografia for negativa, o sangramento já parou e, portanto, a angiografia será negativa. Assim, pode-se evitar a realização
desnecessária de um exame invasivo... A cintilografia detecta um sangramento ativo com altíssima sensibilidade (acima de 0,1 ml/min).
TRATAMENTO
As medidas iniciais, como já comentamos, visam controlar os sinais vitais, pela reposição de soro fisiológico ou Ringer em dois acessos venosos periféricos. Uma perda superior a 1.500 ml deve indicar a reposição de um concentrado de hemácias. Lembre-se de que o hematócrito só irá refletir a perda sanguínea a partir do terceiro dia (fase da hemodiluição).
Uma vez estável hemodinamicamente, o diagnóstico é feito em conjunto com a terapêutica, já que a maioria das lesões sangrantes no cólon pode ser controlada e tratada pela colonoscopia.
Terapia colonoscópica: lesões sangrantes ativas ou coágulos, localizados no colo do divertículo sangrante, poderão receber aplicações de adrenalina ou eletrocoagulação com dispositivos bipolares (gold probe). Ainda que não seja possível o controle da hemorragia através do tratamento endoscópico (por indisponibilidade de endoscopista experiente ou por insucesso), a localização da área sangrante possibilita adequado planejamento cirúrgico, reduzindo significativamente a morbimortalidade destes pacientes. O tratamento das angiodisplasias sangrantes também é possível, utilizando eletrocoagulação, injeção de adrenalina ou outras técnicas descritas.
Terapia angiográfica: naqueles indivíduos cuja arteriografia consegue localizar o sítio de sangramento, recomenda-se a infusão intra-arterial de vasopressina na dose de 0,2 U/min. Caso a perda sanguínea não seja interrompida, podemos dobrar a dose para 0,4 U/min. Cerca de 90% dos pacientes terão seu sangramento interrompido temporariamente. Nestes casos, a infusão deve ser mantida por mais 24h. Concluímos que a vasopressina pode converter uma situação operatória de emergência em uma eletiva ou semieletiva, o que diminui em muito a mortalidade neste grupo de pacientes. Devemos lembrar os possíveis efeitos colaterais da droga que incluem isquemia cerebral, coronariana e mesentérica, hiponatremia e sobrecarga hídrica. Outra opção de terapia angiográfica é a embolização do sítio sangrante, que também oferece risco (10%) de isquemia mesentérica.
CIRURGIA PARA A HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA
A cirurgia de emergência deve ser indicada em todos os indivíduos com instabilidade hemodinâmica persistente que continuem a sangrar copiosamente (como alternativa,
temos a angiografia seletiva diagnóstico-terapêutica!). Devemos lembrar que em cerca de 1/3 dos doentes com sangramento maciço não há tempo hábil para identificarmos o local exato do sangramento. A operação pode ser direcionada, quando localizamos o sítio do sangramento. Deve ser realizada uma colectomia segmentar com anastomose primária (mortalidade de 20-30%). Não há necessidade de preparo colônico, pois geralmente o sangue "limpa e prepara" o cólon. A cirurgia não direcionada é realizada quando o sítio de perda sanguínea não foi identificado em tempo hábil, na maior parte das vezes por sangramento incoercível e volumoso. A proposta cirúrgica nestes casos é a colectomia subtotal com anastomose ileorretal (mortalidade de 30-50%).
A cirurgia eletiva de colectomia parcial é indicada nos casos de diverticulose com sangramento recidivante pós-terapia endoscópica.
HEMORRAGIA DO DELGADO
Cerca de 5-10% dos casos de HDB vem do delgado. A causa mais comum do sangramento do delgado é angiodisplasia (50-75% dos casos), seguida de longe pelos tumores (benignos ou malignos), pólipos, divertículos (incluindo o de Meckel), doença de Crohn, lesão pelos AINE, enterite actínica, etc. Em pacientes com menos de 30 anos, o divertículo de Meckel é a causa mais comum...
Obs.: causas raras de HDB são o sangramento do ducto pancreático e a hemobilia (sangramento na árvore biliar).
QUADRO DE CONCEITOS II
A conduta diagnóstica começa pela enteroscopia, realizada por via gastroduodenal (um endoscópio fino, modelo infantil, pode alcançar os primeiros 60 cm do jejuno), enteróclise (exame baritado, por injeção por cateter nasoduodenal) e cintilografia do divertículo de Meckel. A cápsula endoscópica de Given (sem cabo ou wireless) pode complementar o estudo diagnóstico. Esta cápsula é engolida pelo paciente e contém uma câmara em miniatura, sendo recuperada nas fezes horas depois. Como a acurácia diagnóstica da cápsula endoscópica é superior aos outros métodos de avaliação no sangramento gastrointestinal obscuro, alguns autores advogam-na como o primeiro método nestes pacientes.
A endoscopia intraoperatória complementa os estudos endoscópicos iniciais. Esta combinação descobre o foco de sangramento em até 70% dos casos. A angiodisplasia de delgado pode ser tratada endoscopicamente se estiver até 60 cm de jejuno. Caso contrário, o tratamento é a ressecção segmentar do delgado (uma vez descoberto o foco sangrante).
DIVERTICULOSE DO DELGADO (DIVERTÍCULO DE MECKEL)
Os divertículos do delgado podem ocorrer em qualquer parte do seu trajeto, mas os locais mais acometidos são o duodeno e o jejuno (com a exceção do divertículo de Meckel).
Na maioria das vezes, os divertículos do delgado são assintomáticos e descobertos acidentalmente por estudos radiológicos da porção superior do trato gastrointestinal.
Em alguns casos, entretanto, estes divertículos podem estar associados a sinais clínicos próprios, e até a complicações, como sangramento e a inflamação.
Alguns poucos pacientes com divertículos duodenais justapapilares desenvolvem icterícia colestática e pancreatite, resultantes da obstrução da ampola de Vater pela parede diverticular.
Os divertículos jejunais são menos comuns que os duodenais, mas também podem sofrer, como qualquer divertículo, as principais complicações temidas. Divertículos jejunais múltiplos podem estar associados à síndrome disabsortiva, relacionada ao supercrescimento bacterianopela estase no seu interior.
O divertículo de Meckel é a mais frequente das anomalias congênitas do aparelho digestivo, ocorrendo em 2% da população. A "boca" do divertículo é larga, seu comprimento atinge aproximadamente 5 cm e se origina na borda antimesentérica do íleo, a aproximadamente 45-60 cm da valva ileocecal. Resulta do fechamento incompleto do saco vitelino ou onfalomesentérico... 
Seu saco diverticular pode ser recoberto por mucosa normal, mas em pelo menos 50% dos casos é revestido por mucosa gástrica, dada a pluripotencialidade de seus tecidos.
O ácido clorídrico secretado pela mucosa gástrica ectópica causa uma úlcera péptica do íleo, provocando sangramento em 25-50% dos casos. Assim, esses divertículos se manifestam com anemia ferropriva inexplicada ou com hemorragia digestiva baixa (que pode ser copiosa), ocorrendo quase sempre até os 10-30 anos de idade. Outra complicação é a diverticulite do divertículo de Meckel (em 10-20% dos casos), cujo quadro clínico é idêntico ao da apendicite aguda!! Pode evoluir com peritonite...
 Outra complicação encontrada é a obstrução intestinal por intussuscepção ou volvo ileal em volta do divertículo.
O diagnóstico é feito pela cintilografia do divertículo de Meckel, realizada com o 99mTc pertecnetato, que se acumula na mucosa gástrica ectópica. A sensibilidade e especificidade são de, respectivamente, 85% e 95% (maior acurácia em crianças do que em adultos).
Toda perda de sangue pelo trato gastrointestinal, crônica ou recorrente, em que a investigação endoscópica (alta e baixa) é negativa, denomina-se Sangramento Gastrointestinal Obscuro (SGO).
O tratamento é indicado para os casos sintomáticos e quando o divertículo é achado ocasionalmente numa laparotomia ou laparoscopia. A conduta é a ressecção do divertículo juntamente com o segmento do íleo adjacente.
Problema 3: “Melhora uma coisa, piora outra...”
Noêmia, 56 anos, trabalha como gari. É hipertensa controlada, tabagista e tem passado de tuberculose. Foi diagnosticada com CA de colo de útero recentemente e há uma semana submetida à histerectomia total. Foi tudo bem na cirurgia, recebeu alta no dia seguinte.
Preocupada em não estragar tudo e abrir os pontos, passou uma semana deitada, se levantava apenas para ir ao banheiro. No entanto, estava achando estranho que uma das pernas estava ficando muito inchada, quente e muito dolorosa. Resolveu manter o repouso e esperar até o dia da consulta para relatar ao doutor. No dia da consulta, porém apresentou quadro de dispneia súbita, com intenso desconforto respiratório. Foi avaliada pelo cirurgião rapidamente, PA:150 x 100 mmHg, FC: 130 bpm, Sat: 85%, e imediatamente encaminhada à UPA. A filha de Noêmia muito aflita indaga, o que é isso doutor? A tuberculose voltou?
HD: A trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP)
Objetivos
1 - Elucidar conceito, epidemiologia e fatores de risco da HD
2 - Estudar as principais etiofisiopatologia correlacionando com as manifestações clínicas da HD
3 - Compreender o manejo da HD (diagnóstico e tratamento)
A trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP) fazem parte do espectro da mesma doença, o tromboembolismo venoso (TEV).
Em um terço dos pacientes, a apresentação inicial é na forma de TEP e em dois terços na forma de TVP. O prognóstico da TVP tratada é excelente, com probabilidade de TEP fatal de 0,4% e TEP não fatal de 3,8%.
A TVP ocorre principalmente em membros inferiores, e nesse caso pode ser dividida em duas categorias:
TVP distal: acomete vasos distais as veias poplíteas.
TVP proximal: acomete veias poplíteas, femoral ou ilíacas.
A TVP proximal apresenta maior importância devido ao risco aumentado de TEP quando comparada à TVP distal.
A idade é o maior fator de risco para trombose, que é rara em pacientes jovens (1/100.000 pacientes/ano). Já a incidência de TVP em adultos com mais de 45 anos é de aproximadamente 1,92/1.000 pacientes/ano. Mais da metade dos episódios ocorre com algum fator secundário, que incluem: neoplasia (48%), internação hospitalar (52%), procedimento cirúrgico (42%) e trauma (6%).
O estudo MEDENOX avaliou o risco para TVP em pacientes não cirúrgicos e encontrou os seguintes fatores de risco associados: doença infecciosa aguda, idade maior do que 75 anos, neoplasia maligna e episódio prévio de doença tromboembólica.
Episódios de TVP podem ocorrer em até 50% dos procedimentos cirúrgicos na ausência de profilaxia. Os procedimentos cirúrgicos de maior risco são neurocirurgias e cirurgias ortopédicas, principalmente cirurgias de quadril e de joelho. Apesar da profilaxia, 1 a 3% dos pacientes com cirurgias de quadril e joelho vão apresentar trombose. Internação hospitalar, por sua vez, aumenta em 8 vezes o risco de TVP, e antecedente de TVP prévia é associado com aumento de seis vezes no risco de recorrência do evento.
Outros fatores incluem imobilização, viagens aéreas prolongadas (duração do que 6 horas), neoplasia maligna, uso de anticoncepcionais orais ou terapia de reposição hormonal, gestação e puerpério, presença de trombofilias, insuficiência cardíaca ou respiratória e acidente vascular cerebral.
As diretrizes brasileiras de TVP, por sua vez, consideram como fatores de risco: história prévia de trombose venosa profunda e/ou embolia pulmonar; câncer; paralisia, paresia, ou imobilização recente do membro inferior; confinamento recente no leito por mais de 3 dias ou grande cirurgia nas últimas 4 semanas. A Tabela 1 apresenta os principais fatores de risco de TVP.
O diagnóstico deve ser suspeitado em qualquer paciente com dor ou edema em membros inferiores, principalmente se unilateral e assimétrico. O edema é geralmente depressível na TVP. Quando a diferença de diâmetro entre as duas panturrilhas é maior do que 3 cm, a probabilidade de TVP aumenta significativamente (a mensuração deve ser realizada 10 cm abaixo da protuberância distal).
A presença de fatores precipitantes potenciais deve ser questionada; em mulheres, por exemplo, o uso de anticoncepcionais orais, terapia de reposição hormonal e antecedentes obstétricos (devido à possibilidade de síndrome de anticorpos antifosfolípides).
A dor à palpação da musculatura da panturrilha é sugestiva, mas não patognomônica. Eventualmente a dor pode se estender para a região da coxa ou se localizar ao longo da distribuição do sistema venoso profundo.
Achados como eritema, calor local e sinal de Homans (dor à dorsiflexão do pé) têm pouco valor diagnóstico. A dilatação de veias superficiais não varicosas também pode ocorrer em pacientes com TVP.
O número de pacientes que têm apresentação clínica compatível com TVP nos serviços de emergência é elevado, mas apenas um em cada cinco pacientes tem confirmação do diagnóstico. Uma meta-análise demonstrou que o único achado de valor preditivo para diagnóstico de TVP foi a diferença de diâmetro entre os dois membros na região das panturrilhas.
Cerca de 10% dos pacientes com TVP apresentam trombose de membros superiores. O aparecimento de TVP de membros superiores está particularmente associado com presença de cateteres ou marca-passo transvenoso.
Comparativamente à TVP de membros inferiores, esses pacientes apresentam menor risco de desenvolvimento
TEP e de recorrência de TVP. Os sintomas incluem desconforto, parestesia, dor e fraqueza no membro afetado.
Edema local e aparecimento de colaterais venosas são achados diagnósticos. O edema de membros superiores apresenta número bem reduzido de diagnósticos diferenciais; portanto, esses têm maior probabilidade de TVP.
Ainda existe indicação de anticoagular esses pacientes.
A mais temível complicação da TVP é a flegmasia cerulea dolens, que ocorre em tromboses ileofemorais extensas e apresenta grande morbimortalidade. Sinais e sintomas sugestivos de seu diagnóstico incluem dor intensa, edema significativo, cianose, gangrena venosa, e pode evoluir com síndrome compartimental e comprometimento arterial, frequentemente acompanhado de colapso hemodinâmico e choque. Essa condição deve ser prontamente reconhecida,devido ao alto risco de perda do membro e morte. Outras complicações incluem TEP fatal e não fatal, que são incomuns com o tratamento. Durante o tratamento é possível ocorrer sangramentos e plaquetopenia induzida pelo uso da heparina.
Flegmasia cerúlea dolens é uma complicação da trombose venosa profunda caracterizada por obstrução venosa, edema acentuado, cianose e dor, acompanhado por espasmo arterial acentuado que pode evoluir para quadro de gangrena úmida
EXAMES COMPLEMENTARES
D-dímeros
Os D-dímeros são produzidos quando a enzima plasmina inicia o processo de degradação de um coágulo de fibrina. Apresentam alta sensibilidade e baixa especificidade para o diagnóstico de TVP. Uma metanálise demonstrou que a incidência de TVP em 3 meses em pacientes com probabilidade baixa a moderada associada com D-dímero negativo é de 0,4%. Existem diferentes métodos para mensuração dos D-dímeros:
Aglutinação pelo látex: realizado à beira do leito, com sensibilidade inadequada para uso nas emergências.
SimpliRED: realizado à beiro do leito, é um teste de aglutinação qualitativo com hemácias. Resultado negativo em paciente com baixa probabilidade pré-teste tem alto valor preditivo negativo para excluir TVP.
ELISA: teste recomendado para uso no departamento de emergência com alto valor preditivo negativo.
Apresenta sensibilidade > 95% e especificidade de 35-45%.
Deve-se acrescentar que, devido à baixa especificidade dos D-dímeros, seu uso exclusivo não é capaz de diagnosticar TVP, e outros exames são necessários para a confirmação do diagnóstico. Situações em que a especificidade do D-dímero é muito baixa (até menor que 10%) raramente são úteis: pacientes internados, pós-operatório, idosos (> 75 anos), evento trombótico ou sangramento recentes. Deve-se lembrar que o Ddímero pode estar aumentado em outras situações que não TVP.
Os valores de D-dímero aumentam com a idade, e um estudo demonstrou melhor performance do exame com cutoffs adaptados ao invés do usual corte de 500 μg/mL. Assim, o valor normal do D-dímero em pacientes acima de 50 anos deve ser: idade em anos × 10 μg/mL. Valores abaixo destes descartam TVP em pacientes com baixa probabilidade clínica.
USG Doppler
A ultrassonografia com Doppler é o exame não invasivo de escolha para o diagnóstico de TVP. Deve ser realizada em todos os pacientes com alta probabilidade clínica do diagnóstico e em pacientes com baixa ou moderada probabilidade associada ao D-dímero positivo. A sensibilidade é de 94% para TVP proximal, 63% para TVP distal e especificidade de 94%. O principal critério ultrassonográfico para diagnóstico de TVP é o teste de compressão.
Nesse caso, com o transdutor vascular se localizam as veias femorais comum, superficial e poplítea e realiza-se leve compressão venosa. Se houver compressão completa se exclui TVP, caso não haja compressão o exame é considerado positivo para presença de trombo. Estudos prospectivos demonstram que a sensibilidade e a especificidade para ausência de compressibilidade ao Doppler são superiores a 95% em pacientes com TVP proximal. Deve-se acrescentar que 1 a 2% dos pacientes com Doppler negativo tem trombose distal que em 5 a 8 dias podem se estender para a região proximal. Assim, em pacientes em que a suspeita persiste, é recomendado repetir o Doppler em 1 semana, indicar flebografia (raramente necessária) ou angiorressonância venosa.
Pletismografia
A pletismografia é um exame não invasivo, em que o paciente deve permanecer deitado enquanto um cuff é insulflado e após desinsulflado rapidam ente. A alteração da impedância nos próximos 3 segundos pode mensurar se existe obstrução ao fluxo venoso. A sensibilidade e a especificidade para TVP proximal é acima de 90% e pode substituir o Doppler.
Angioressonância venosa
A acurácia é comparável com a venografia; e em certas situações, como fratura de acetábulo, pode ser superior, com sensibilidade de 100% e especificidade de 96%. O exame implica maiores custos, mas pode ser substituto da ultrassonografia com Doppler venoso
Angiotomografia venosa
O uso ainda é considerado experimental, mas alguns estudos sugerem performance similar ao Doppler.
Venografia
Trata-se de uma técnica invasiva e limitada a casos selecionados. É considerada o exame padrão ouro para o diagnóstico de TVP. Em um estudo com 160 pacientes com venografia negativa, apenas 1,3% desenvolveram TVP em um período de 6 meses. Apesar desses resultados, não deve ser realizada como exame inicial para o diagnóstico devido ao desconforto e à dificuldade técnica.
Abordagem sugerida
Todos os pacientes devem realizar uma estimativa de probabilidade de TVP na avaliação inicial.
Probabilidade baixa ou moderada: Realizar D-dímero de alta sensibilidade. Se negativo, encerrar investigação. Se positivo, realizar ultrassonografia com Doppler. Em pacientes portadores de condições prévias que elevem D-dímero (Tabela 3), procede-se com a ultrassonografia sem dosar D-dímero.
Probabilidade alta: Realizar ultrassonografia com Doppler.
A Figura 2 resume a abordagem diagnóstica em pacientes com TVP.
Rastreamento de trombofilias
É recomendado o rastreamento de trombofilias e o referenciamento de pacientes para o especialista nas seguintes situações:
TVP idiopática em pacientes com menos de 50 anos de idade.
História familiar de TVP (parentes de primeiro grau).
Mulheres com história familiar de TVP nas seguintes situações: gestantes ou que pretendem engravidar, antes do início do uso de anticoncepcional oral ou antes do início de terapia de reposição hormonal.
TVP recorrente.
TVP em locais inusitados como veias portais, mesentéricas e hepáticas.
Complicações com varfarina, como necrose cutânea sugestiva de deficiência de proteína C ou de proteína S.
A maioria das trombofilias só pode ser investigada meses após o episódio agudo. Os exames subsidiários da investigação não serão discutidos neste capítulo.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Apenas a minoria dos pacientes investigados para TVP em membros inferiores confirmam o diagnóstico. A Tabela
4 cita os principais diagnósticos diferenciais de TVP de membros inferiores.
TRATAMENTO
Os objetivos do tratamento são prevenir a extensão do trombo, prevenir a ocorrência de TEP e impedir a recorrência da TVP. A maioria dos casos pode ser tratada seguramente em ambiente ambulatorial, desde que respeitadas as seguintes condições:
Paciente estável com sinais vitais normais.
Ausência de alto risco de sangramento.
Ausência de insuficiência renal grave.
Capacidade de administrar a medicação e possibilidade de monitorização posterior.
O American College of Chest Physicians recomenda que, em caso de forte suspeita clínica de TVP, a anticoagulação deve ser iniciada enquanto se aguarda a confirmação diagnóstica, mas a evidência para essa conduta é pobre. A anticoagulação pode ser dividida em duas fases, descritas a seguir.
Fase inicial (primeiros 10 dias)
As opções para o tratamento anticoagulante inicial incluem heparina de baixo peso molecular, heparina não fracionada, fondaparinaux subcutâneo e inibidores do fator Xa por via oral, como a rivaroxabana e a apixabana. A dabigatrana não é recomendada como terapia inicial isolada por falta de evidência na literatura. A varfarina também não pode ser utilizada como anticoagulação inicial isoladamente devido ao atraso de seu efeito anticoagulante. Recomendamos o uso da heparina de baixo peso molecular devido à facilidade de aplicação e de monitorização, além de melhores resultados quando comparada à heparina convencional.
Heparina de baixo peso molecular (HBPM) associada a varfarina: uso por pelo menos 5 dias de HBPM, com início da varfarina oral conjuntamente no primeiro dia. Descontinua-se a HBPM após INR entre 2 e 3 por 2 dias consecutivos.
HBPM associada a dabigatrana: uso por 5 a 10 dias de HBPM.
Monoterapia com rivaroxabana ou apixabana: opção validada pela literatura. Vantagem de não utilizar medicações parenterais.
Medicações orais:
Varfarina sódica (antagonista da vitamina K): dose inicial de 5 mg via oral em jejum uma vez ao dia. A dose deve ser ajustadapara manter o INR entre 2,0 e 3,0.
Dabigatrana (inibidor direto da trombina): dose de 150 mg via oral de 12/12 horas. Apresenta perfil de segurança e eficácia similar a varfarina com a vantagem de não necessitar de coleta de sangue para monitorização de INR.
Rivaroxabana (inibidor do fator Xa): dose inicial de 15 mg 2 vezes ao dia por 3 semanas e depois dose de 20 mg 1 vez ao dia.
Medicações parenterais:
Heparina não fracionada (HNF): a resposta anticoagulante da heparina não fracionada apresenta grandes variações entre pacientes; por esse motivo, a resposta deve ser monitorizada pelo TTPA. As recomendações para tratamento hospitalar das diretrizes brasileiras sugerem: dose de ataque de 80 UI/kg endovenosa (alternativa: dose única de 5.000 U), seguida por infusão contínua com dose inicial de 18 UI/kg/h e ajuste da dose pelo TTPA com objetivo de atingir valores de relação de 1,5-2,5. Deve-se verificar o número de plaquetas no terceiro e no quinto dia devido ao risco de plaquetopenia autoimune pela heparina. O TTPA deve ser verificado inicialmente a cada 6 horas e depois diariamente. A heparina não fracionada é a primeira escolha para o paciente em diálise ou com doença renal crônica avançada (ClCr 2,3 mg/dL.
Heparina de baixo peso molecular: atua como inibidor do fator Xa. As doses são:
– Enoxaparina SC 1 mg/kg 2 vezes ao dia ou 1,5 mg/kg de peso uma vez ao dia.
– Dalteparina 200 UI/kg de peso uma vez ao dia (medicação mais validada em pacientes com neoplasia).
– Nadroparina 171 UI/kg de peso uma vez ao dia (evitar em pacientes com > 100 kg).
– Tinzaparina 175 UI/kg de peso uma vez ao dia (evitar em pacientes com > 70 anos de idade).
A prescrição de 12/12 horas de enoxaparina aumenta uma injeção ao dia e não apresentou maior eficácia em estudos comparativos. Por outro lado, a validação da HBPM 2 vezes ao dia é maior que o uso 1,5 mg/kg 1 vez ao dia. Deve-se lembrar que a segurança da HBPM se aplica a indivíduos com função renal normal e peso entre 40 e 120 kg (considerar alternativas em pacientes fora dessa faixa de peso). A medicação pode ser prescrita em disfunção renal, mas, nesse caso, a monitorização com dosagem sérica de heparina ou com inibição antifator-Xa é obrigatória. Deve-se acrescentar ainda que em TVP secundária a neoplasia a HBPM é uma melhor opção a longo prazo do que os anticoagulantes orais.
Fondaparinaux: é um pentassacarídeo sintético com ação inibidora direta do fator Xa, também usado por via subcutânea, uma vez ao dia e sem necessidade de monitorização, embora não deva ser utilizado em pacientes com clearance de creatinina menor do que 30 mL/min. É uma medicação relativamente nova, segura, prática, mas de alto custo e pouco disponível no Brasil. Trata-se de uma boa opção para pacientes alérgicos à ou com plaquetopenia induzida por heparina, embora a melhor opção nessa última situação seja os inibidores diretos da trombina. As doses são: peso menor que 50 kg: 5 mg SC 1x/dia; peso 50-100 kg: 7,5 mg SC 1x/dia; peso maior que 100 kg: 10 mg SC 1x/dia.
Inibidores da trombina: a lepirudina e a bivalirudina são inibidores diretos da trombina. São opções para pacientes que desenvolveram plaquetopenia induzida pela heparina. Apenas a bivalirudina está sendo produzida comercialmente e a sua dose é de 0,15 mg/kg/hora monitorizada com TTPA entre 1,5 a 2,5 vezes o controle. Doses de 0,14 mg/kg/hora são indicadas em disfunção hepática e de 0,03-0,05 mg/kg/hora se disfunção hepática e renal combinadas.
Em pacientes com neoplasia maligna, a anticoagulação inicial pode ser realizada com HBPM, heparina não fracionada, fondaparinaux e rivaroxaban. A HBPM é preferencial em relação à heparina não fracionada nesses pacientes.
Segunda fase (10 dias a 3 ou mais meses)
As opções incluem medicações por via oral, como os antagonistas da vitamina K (varfarina), os inibidores diretos do fator Xa (rivaroxabana, apixabana ou endoxabana) e os inibidores da trombina (dabigatrana). Opções por via subcutânea incluem a HBPM e o fondaparinaux. Idealmente devem ser utilizados os inibidores diretos do fator Xa e os inibidores da trombina, mas infelizmente a varfarina ainda é a medicação mais utilizada. Em pacientes com neoplasias malignas, a HBPM, endoxaban e rivaroxaban são medicações de escolha. A Tabela 5 apresenta as medicações utilizadas por via oral para tratamento da TVP.
Tempo de tratamento
O tempo recomendado de tratamento com anticoagulação é o seguinte:
Para pacientes com TVP causada por cirurgia ou fator de risco transitório, o tempo recomendado de tratamento é de 3 meses.
Para pacientes sem fator precipitante de TVP, o tempo mínimo de tratamento é de 3 meses. As diretrizes recomendam 3 meses para pacientes com alto risco de sangramento e períodos maiores para pacientes com risco pequeno ou moderado de sangramento (Tabela 6). Recomenda-se uso de aspirina após a interrupção da anticoagulação.
Para pacientes com episódio recorrente de TEV, é recomendada anticoagulação por período estendido em casos de risco baixo e moderado de sangramento e 3 meses em caso de alto risco.
Para pacientes com neoplasia maligna ativa, o período recomendado de tratamento é de pelo menos 6 meses, podendo ser estendida em pacientes com neoplasia maligna ativa, independentemente do risco de sangramento.
Em pacientes com TVP distal e poucos sintomas, pode-se seriar imagens por 2 semanas e, caso não ocorra extensão da TVP, não iniciar anticoagulação. Em caso de sintomas graves ou fatores de risco para extensão, deve-se iniciar a anticoagulação.
A gravidade dos casos de TEP é dependente de sua apresentação hemodinâmica. Pacientes hemodinamicamente instáveis representam 4 a 5% dos casos, mas têm taxa de letalidade de até 45%. Pacientes com TEP, hemodinamicamente estáveis, com menos de 50 anos e sem outras comorbidades têm taxa de letalidadecom obstrução de 20% da vasculatura pulmonar. Com maior carga de coágulos e consequente obstrução, a pressão arterial pulmonar e a resistência vascular pulmonar aumentam, levando a dilatação ventricular direita, redução da pré-carga para o ventrículo esquerdo e lesão miocárdica, causando a liberação de troponina e peptídeo natriurético tipo B. A dilatação ou lesão do ventrículo direito, evidenciada na TC de tórax ou no ecocardiograma, ou sugerida pela elevação da troponina ou do peptídeo natriurético tipo B, indica insuficiência cardíaca direita e aumento do risco de choque circulatório e de morte; o aumento de troponina é associado com aumento de risco de morte de 5,2 a 5,9 vezes.
TABELA 1 Fatores de risco para tromboembolismo pulmonar
Risco alto – risco relativo > 10
Antecedente de trombose venosa
Infarto agudo do miocárdico até 3 meses
Cirurgia do quadril ou joelho
Fratura de membros inferiores
Lesão medular
Politrauma
Internação recente por insuficiência cardíaca ou fibrilação atrial
Risco intermediário – risco relativo 2-9
Insuficiência cardíaca descompensada
Artroscopia de joelho
Acidente vascular encefálico com sequela motora significativa
Insuficiência respiratória aguda
Pneumonia comunitária
Infecção urinária
HIV
Infecções significativas
Cateter venoso central
Neoplasias (risco maior se metástases)
Quimioterapia
Parto e puerpério
Uso de anticoncepcionais orais
Uso de eritropoietina
Doenças autoimunes
Trombofilias
Trombose venosa superficial
Hemotransfusão
Doença inflamatória intestinal
Risco baixo – risco relativo 6 horas sentado)
Obesidade
Diabetes mellitus
Gravidez
Cirurgia laparoscópica
Veias varicosas
Repouso no leito por mais de 3 dias
ABELA 2 Fatores de risco para TEV
Fator Comentário
Imobilidade Risco aumenta dependendo da articulação imobilizada, como segue: cotovelo (mínimo), ombro, tornozelo, joelho e quadril (a maioria). Imobilização de dois membros ou de todo o corpo implica maior risco
Obesidade Risco com IMC > 35 kg/m²
Idade Risco aumenta a partir dos 50 anos com aumento progressivamente maior até os 80 anos
Cirurgias recentes Risco aumenta em cirurgia longa, aberta e sem tromboprofilaxia. Cirurgias de maior risco incluem cirurgia abdominal por neoplasia, cirurgia de substituição de articulação e cirurgia em sistema nervoso central em pacientes com déficits neurológicos
Neoplasias malignas Risco varia conforme fatores do hospedeiro, estágio e tipo do tumor. Quanto mais indiferenciado o tipo celular e maior a carga tumoral (especialmente metástase à distância), maior é o risco. Neoplasias malignas de maior risco incluem adenocarcinoma, glioblastoma, melanoma, linfoma e mieloma múltiplo, em seguida, câncer de pâncreas, estômago, ovário e células renais. O risco de TEV é mais alto durante a fase de indução da quimioterapia ou com o uso de eritropoietina
Tabagismo. Não é um fator de risco independente, mas aumenta risco em pacientes com neoplasia maligna, obesidade ou uso de anticoncepcional oral
Gestação Risco aumenta discretamente
Repouso no leito Risco aumenta quando > 3 dias
Doenças clínicas significativas. Condições como pneumonia ou sepse com necessidade de internação aumentam o risco em 2 a 9 vezes. Doenças inflamatórias não infecciosas como doença inflamatória intestinal, lúpus e síndrome nefrótica aumentam o risco 
Trombofilias hereditárias. Risco dependente do tipo de trombofilia, mas o aumento de risco varia entre 2 e 9 vezes
Viagens aéreas Risco aumenta se > 6 a 8 horas
Uso de anticoncepcionais orais com estrogênio
O período de maior risco é nos primeiros meses
Cateter venoso central
Associados com 50% dos TEV em membro superior
Insuficiência respiratória aguda
Principalmente se intubação orotraqueal
Insuficiência cardíaca Risco correlacionado com grau de disfunção sistólica. Costuma ser mais associada com risco de evolução desfavorável do que com a ocorrência de TEP
Os dois principais mecanismos de morte por TEP são a oclusão abrupta da artéria pulmonar e o efeito isquêmico no sistema de condução de His-Purkinje. Aproximadamente um terço dos sobreviventes de grandes
TEP apresentam disfunção cardíaca direita persistente e sintomas graves, e cerca de 5% evoluem com hipertensão pulmonar crônica e dispneia incapacitante.
Anatomicamente, o TEP “em sela” ou “a cavaleiro” indica um trombo alojado na bifurcação da artéria pulmonar, implicando maior incidência de instabilidade hemodinâmica e mortalidade. Se o trombo se alojar em ramos cada vez mais distantes da artéria pulmonar, o TEP será classificado como lobar, segmentar ou subsegmentar, de acordo com a localização anatômica. Isso terá implicação no tratamento e no prognóstico do paciente.
Já de acordo com a classificação hemodinâmica, os pacientes podem se apresentar instáveis ou estáveis hemodinamicamente. O primeiro, também chamado de TEP maciço, caracteriza-se por hipotensão arterial manifesta com pressão arterial sistólica (PAS) menor do que 90 mmHg ou queda da PAS em mais de 40 mmHg do basal, por um tempo maior do que 15 minutos ou ainda hipotensão com necessidade de uso de inotrópicos, desde que a instabilidade não seja justificada por outro fator. O paciente estável hemodinamicamente é aquele que não preenche os critérios de instabilidade. Nota-se que nesse grupo há uma heterogeneidade na gravidade da doença e nos sintomas, que compreende desde pacientes assintomáticos até pacientes com pressão arterial limítrofe e disfunção de ventrículo direito, também classificados com TEP submaciço. Esses conceitos são muito importantes para definir a investigação diagnóstica, o tratamento e o prognóstico do paciente.
ACHADOS CLÍNICOS
Os achados clínicos são extremamente variáveis, com pacientes se apresentando desde pouco sintomáticos até hemodinamicamente instáveis.
A tríade clássica do TEP (dispneia, dor torácica pleurítica e hemoptise) ocorre na minoria dos casos. A dispneia é o sintoma mais frequentemente descrito, relatado em 80% dos casos, mas com dispneia em repouso ocorrendo em apenas 50% dos pacientes. O segundo sintoma mais comum é a dor torácica, embora até metade dos pacientes diagnosticados com TEP não apresentem essa queixa, que usualmente tem caráter pleurítico (quando o trombo é periférico, próximo a pleura, por inflamação dessa região) ou subesternal, simulando uma síndrome coronariana aguda (por sobrecarga aguda e/ou isquemia do ventrículo direito). O infarto pulmonar nos segmentos basais do pulmão pode se manifestar como dor referida no ombro ou dor que pode ser similar a cólica ureteral.
Além dos sintomas comuns de dor torácica e de dispneia, cerca de 1 a 2% dos pacientes apresentam sintomas neurológicos, como convulsão ou confusão mental, e outros 17% podem apresentar síncope. Como cerca de 20% das pessoas têm forame oval patente, o TEP que aumenta as pressões do coração direito pode levar ao fluxo de material trombótico direita-esquerda nos átrios, e embolização para circulação cerebral, produzindo sintomas semelhantes ao AVC.
No exame físico, achados de trombose venosa profunda como edema assimétrico de membros inferiores devem ser pesquisados. Achados sugestivos de hipertensão pulmonar como B2 hiperfonética e sopro em foco tricúspide também podem estar presentes. Sinais vitais anormais, como taquicardia, taquipneia, pulso fino, baixa saturação de oxigênio na oximetria e, às vezes, febre baixa sugerem estresse cardiorrespiratório agudo. Infelizmente o TEP não altera os sinais vitais de forma previsível e cerca da metade dos pacientes com TEP comprovado têm frequência cardíaca

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