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Nota de Aula - poder 2015.2

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TÓPICOS SOBRE O PODER 
 
- Gérard Lebrun tem significação complexa e sentido vago. Existe poder quando a potência, 
determinada por certa força, se explicita em forma de dominação. Potência significa capacidade de 
impor sua vontade no interior de relações sociais e políticas. 
- ERIC VOEGELIN: o poder é o elemento organizador da sociedade, princípio de unidade social, 
centro propulsor e coordenador. E a representação é um vínculo entre a sociedade e o poder, 
sintonizando a ação dos governantes e as aspirações dos governados. 
- Manuel Castells: o poder é aquela relação entre sujeitos humanos que, com base na produção e 
na experiência, impõe a vontade de alguns sobre os outros pelo emprego potencial ou real de 
violência física ou simbólica. 
- Alain Supiot: o poder tem necessidade de reconhecimento para se exercer legitimamente, à falta 
do que se esgota na violência. O que distingue um governo de um bando de ladrões? A força não 
basta para tornar o poder legítimo. Um poder que só tenha ao seu lado a força está privado de razão 
e o poder legítimo é, pelo contrário, aquele que mostra uma razão na qual acreditamos. 
- Cícero: “Se não houver equilíbrio na cidade, e direitos e funções e cargos, de tal forma que os 
magistrados tenham suficiente poder, o conselho dos grandes suficiente autoridade e o povo 
suficiente liberdade, o regime não pode ter estabilidade.” Os romanos não recorriam a figura do 
Estado para pensar a coisa pública e a sua forma de fazer assentar a República sobre três bases: 
poder, autoridade e liberdade – é, sem dúvida, mais apta para explicar os tempos presentes, 
marcado por recuo geral da ideia de soberania (Supiot). 
- Jean Bodin: é absolutamente soberano aquele que, depois de Deus, não depende de nada senão 
da espada. 
 
1) HEGEL, MARX, NIETZSCHE, WEBER: reduzem o poder a uma mercadoria rara que só pode ser 
conquistada à custa do Outro. Dissolvem o poder na autoridade. O poder seria uma soma fixa, tal 
que o poder de A implica o não poder de B. Os sociólogos norte-americanos chamam essa teoria de 
„poder de soma zero‟. Duas correntes: a) o poder não é um fenômeno da sociedade política; b) nem 
uma organização política moderna poderia funcionar sem dominação e o único problema político 
seria determinar o melhor modo de estabelecer essa dominação. 
 
2) MAX WEBER: há três tipos puros de dominação: a) racional ou legal: crença na legitimidade da 
ordem estatuída; b) tradicional: crença na santidade das tradições e na legitimidade daqueles 
assumem o poder com base nessas tradições; não se obedece a estatutos, mas a pessoa; e c) 
carismático: baseada na veneração, no mito, no herói, no caráter exemplar e das ordens dadas ou 
reveladas. O carisma pode ser: hereditário; institucional; estamental. Tem caráter emocional e 
sentimental; ex.: DALAI-LAMA. 
 
3) MICHEL FOUCAULT: rejeita a teoria do poder de soma zero. O poder encontra-se muito vinculado 
a teoria jurídica e ao Estado. Existem outros mecanismos de poder fora do Estado. Encontramos 
DISCIPLINA: Filosofia 
Prof.: Nicodemos F. Maia 
CARGA HORÁRIA: 
80h / a 
GRAU DE ENSINO: 
GRADUAÇÃO (Bacharelado) CURSO DE DIREITO 
CÓDIGO: 
31076 
 
NOTA DE AULA 
DISCIPLINA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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„relações de poder‟ em várias instâncias: economia, religião, família, escolas, hospitais, sindicatos, na 
família, no sexo. O poder é um conjunto de relações que formiga por toda a parte. O homem é 
condicionado e adestrado pelo poder. “Penso que não há um poder, mas que dentro de uma 
sociedade existem relações de poder – extraordinariamente numerosas e múltiplas, em diferentes 
níveis. Não podermos falar de um poder, mas de relações de poder.” “O poder oprime. Não é 
verdade.” O poder não oprime por duas razões: primeiro, porque dá prazer, pelo menos para 
algumas pessoas. Temos toda uma economia libidinal do prazer, toda uma erótica do poder. O poder 
pode criar ou transformar e produzir saberes (poder epistemológico). As relações de poder que 
existem no interior das instituições sociais são ao mesmo tempo um poder judiciário, legislativo e 
executivo. “O sistema escolar é inteiramente baseado numa espécie de poder judiciário.” 
 
4) PIERRE BOURDIEU: poder simbólico é um poder invisível o qual só pode ser exercido com a 
cumplicidade de outros (sistemas simbólicos: arte, religião, política, direito, etc). É um poder de 
construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica. A cultura dominante é 
alimentada por esse sistema de símbolos para assegurar a integração da classe dominante e 
legitimação da ordem estabelecida. O que faz o poder das palavras é a crença na legitimidade das 
palavras e daqueles que a pronunciam. Poder simbólico como poder de constituir o dado pela 
palavra, de fazer ver e fazer crer. É um poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo 
que é obtido pela força. É um poder subordinado às outras formas de poder. Símbolos do poder: 
indumentária, o cetro, o palácio, o emblema, etc... 
 
5) HANNAH ARENDT: o poder é oposto da violência. A violência acontece quando se dá a perda de 
autoridade e de poder. 
 
6) HOBBES: tratou de várias espécies de poder: beleza, amizade, riqueza, popularidade, poder 
político, etc. O maior dos poderes é o poder do Estado, resultado da soma de poderes de todos os 
homens na formação do Contrato Social. 
 
7) MAQUIAVEL: o governante (Príncipe) tem a tarefa central de conquistar e manter o poder, 
adotando estratégias políticas. 
 
8) PODER IDEOLÓGICO: poder do monopólio das ideias. 
 
9) PODER ECONÔMICO: monopólio das riquezas. 
 
10) PODER POLÍTICO: monopólio da força legitimada pelo direito. 
 
11) NORBERTO BOBBIO: "O principal conceito que estudos jurídicos e políticos têm em comum é 
sobretudo o conceito de poder. Uma vez estabelecido que no âmbito da teoria geral do direito o 
campo de referência do poder é a produção e aplicação de normas jurídicas, temos como 
conseqüência que norma jurídica e poder podem ser considerados, e foram de fato mais ou menos 
conscientemente considerados, como duas faces da mesma medalha, com a conseqüência de que o 
problema da relação entre direito e poder, que é objeto das presentes observações, pode ser olhado 
seja do ponto de vista da norma, seja do ponto de vista do poder. O poder sem direito é cego, mas 
o direito sem poder é vazio. Da mesma forma que o direito público tradicional que partia do poder 
sempre perseguiu o direito, para conseguir distinguir o poder de fato do poder legítimo, a teoria 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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normativa do direito – ensina Kelsen – teve de perseguir o poder para conseguir fazer a distinção 
entre uma ordem jurídica apenas imaginada e uma ordem jurídica efetiva. Para ilustrar esses dois 
pontos de partida opostos, que todavia conduzem ao mesmo ponto de chegada, recorro a dois 
escritores cuja autoridade no campo dos estudos de teoria do direito e do estado é indiscutível: 
Weber e Kelsen. O primeiro parte da distinção fundamental entre poder de fato (Macht) e poder 
legítimo (Herrschaft) e chega à conhecida teoria das três formas de poder legítimo. "(Teoria Geral da 
Política, Rio de Janeiro, Campus, 2000, pp. 238 e ss.) 
 
12) VARIAÇÕES SOBRE O PODER - MIGUEL REALE 
 Segundo a Teoria Tridimensional do Direito,tal como a venho expondo em vários livros, 
notadamente na 5ª edição do que tem aquele título (Editora Saraiva, 1994) a experiência jurídica é 
constituída por um processo dinâmico e concreto de modelos normativos, os quais representam a 
integração de fatos sociais segundo múltiplos valores. O ordenamento jurídico não é, pois, formado 
por uma série de normas ideais, em função das quais os fatos vão valorativamente se 
desenvolvendo, mas sim uma realidade concreta de três dimensões que desde o início se 
correlacionam em unidade plural. Fatos, valores e normas coordenam-se em unidades concretas de 
ação, as quais se confundem com a própria experiência jurídica. Tais unidades são de natureza 
histórico-cultural de conformidade com uma dialética de complementaridade, caracterizada pela 
oposição e polaridade dos elementos que a compõem. 
 A essa luz, os fatos sociais, que estão na base das regras de direito, não se explicam uns 
pelos outros de maneira empírica, segundo relações causais de caráter determinista, mas são o 
resultado de valorações daqueles fatos na forma de estruturas normativas, ou, por outras palavras, 
de modelos jurídicos, cujo sentido é dado pela integração dialética desses três elementos. Ora, se 
toda norma jurídica representa sempre uma integração de fatos segundo valores, é o caso de 
perguntar como é que essa integração se realiza, e qual é a sua razão determinante. É aqui que se 
põe a problemática do poder. O poder tem duplo significado. Ora significa auctoritas, ou seja, o mero 
poder ou comando do Estado no exercício de sua soberania, tanto nas relações internas como nas 
internacionais; ora se refere à força que, com a anuência da coletividade, preside o surgimento dos 
modelos jurídicos. Fazendo abstração do poder como soberania – matéria de estudo da Teoria do 
Estado, ou do Direito Constitucional – vou me limitar a apreciar o poder como elemento de conexão 
no processo de formação do direito, observando que quando um determinado número de valores 
incide sobre o fato social, dá lugar a várias soluções normativas (por exemplo, vários projetos de lei) 
uma das quais se converte em norma legal, devido à escolha decisória do Poder. Como se vê, a 
opção do poder no Estado de Direito não é arbitrária mas ocorre no âmbito de um processo 
axiológico global. Os juristas apegados à compreensão sociológica do Direito entendem que o 
processo nomogenético resulta da evolução social qua talis, em razão do determinismo causal que 
lhes seria inerente e que vincularia fatos e valores contrapostos em uma solução normativa. Tudo 
estaria, em suma, sociologicamente traçado. Por outro lado, há a solução normativista integral de 
Hegel, para quem a regra jurídica põe-se de per si, pois “o que é vale e o que vale é”, 
desenvolvendo-se dialeticamente o processo normativo, no qual o poder está imanente, dando 
preeminência ao Estado. Foi meditando sobre as características do valor (polaridade, realizabilidade, 
historicidade, etc.) que, no início da década de 1950, contestei a posição idealista de Max Scheller e 
Nicolai Hartmann que consideravam os valores objetos ideais. Minha tese fundamental é a de que o 
valor não pertence ao “mundo do ser”, mas sim ao do “dever ser”, de conformidade com a doutrina 
de um novo culturalismo, de acordo com o qual os objetos culturais, “são enquanto devem ser”. Pois 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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bem, a realizabilidade dos valores levou-me a compreender que, no processo nomogenético, o valor 
abre um leque de soluções possíveis, uma das quais é escolhida e positivada pelo poder, tornando-
se norma cogente. 
 À primeira vista, poder-se-ia entender que, na criação de um modelo jurídico, haveria a 
interferência de um quarto fator, o poder, mas este não opera “ab extra”, mas na imanência da 
oposição fato-valor, sendo a norma o resultado dessa integração fático-axiológica. Se o poder fosse 
concebido como simples auctoritas, seria esta, com seu arbítrio ou discricionariedade, a senhora 
absoluta da nomogênese jurídica, recaindo-se no autoritarismo de Hobbes, de acordo com o qual a 
opção do legislador por este e não por aquele outro projeto de lei constituiria um ato de escolha 
unilateral e arbitrário, e não uma posição tomada em função dos livres contrastes havidos entre fatos 
e valores, como é próprio da democracia. Por outras palavras, a meu ver, a decisão do poder ocorre 
no âmbito do processo nomogenético, e representa o triunfo de um dos caminhos decorrentes do 
valor perante os fatos. No Estado de Direito a escolha não resulta de mero arbítrio, mas de um livre 
cotejo de valorações em sintonia com os fins visados pela comunidade. Essa compreensão do poder 
como momento do processo nomogenético torna-se mais transparente quando colocamos o 
problema da normatividade em razão das fontes do Direito, mostrando que assiste razão a 
Bourdeau, apoiado por Goffredo Telles Júnior, quando escreve que “o poder é a energia da regra”. 
 Deve-se a Hans Kelsen a renovação e o alargamento do conceito de normatividade, 
mostrando que a norma legal não é a única fonte do Direito, por mais que seja relevante a função do 
legislador na emanação das regras jurídicas, visto como outras surgem como as estabelecidas por 
uma sentença (direito jurisdicional) ou pelos costumes (direito consuetudinário) ou, ainda, por acordo 
de vontades, como ocorre em um contrato (direito negocial). Nesses quatro processos de instituição 
de regras jurídicas há interferência, respectivamente, do poder legislativo; do poder jurisdicional; do 
poder costumeiro e, finalmente, do poder negocial. 
 O paradoxo da Teoria Pura do Direito kelseniana, na sua versão originária, consistiu na 
sua identificação inicial entre Estado e Direito, só possível numa concepção idealista do 
ordenamento jurídico, concebido como uma série hierárquica de modelos ideais, cuja validade 
dependeria de uma norma transcendental, hipoteticamente pensada. Nessa fase inicial, o seu livro 
Teoria Geral do Estado era, ao mesmo tempo, Teoria Geral do Direito e do Estado. Mais tarde, 
quando ele, fugindo do totalitarismo nazista, se refugiou nos Estados Unidos da América, entrou em 
contato com o Common Law, que é de natureza consuetudinária e jurisdicional, sendo obrigado a 
rever sua posição, tanto assim que, em lugar de sua obra principal, Hauptprobleme des 
Staatsrecheslehere (“Problemas fundamentais da doutrina jurídico-estatal”), Tubinga, 1911, publicou 
novo livro significativamente denominado Teoria Geral do Direito e do Estado, Cambridge, 1945, que 
ele teve a gentileza de enviar-me. A palavra Staatsrechslehere expressa bem a identidade 
kelseniana do Direito com o Estado, tal como era exposto na primeira versão da Teoria Pura do 
Direito, que, como vimos, ele depois alterou, continuando, porém, a ver o Estado e o Direito como 
conjuntos distintos de normas, ou seja, sem abandonar seu normativismo integral. 
 Kelsen acaba, todavia, reconhecendo que o processo nomogenético não se desenvolve 
apenas no plano da validade, mas também no da eficácia, a qual pressupõe, a meu ver, a 
interferência do poder, ao optar por um dos valores em jogo. O Estado e o Direito não são, em 
suma, meras configurações normativas, exatamente porque há o poder que decide em função dos 
fins que presidem o ordenamento jurídico, sem o que não haveria legitimidade. É no âmbito dessa 
compreensão que se demonstra que o poder não é um fator arbitrário que se põe “ab extra”, mas sim 
como momento da nomogênese jurídica, sendo a decisão tomada em face e em razão de uma 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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multiplicidade de valores livremente estabelecidos como é próprio do Estado de Direito.
 31/07/2004 
 
QUE É AUTORIDADE NO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT? 
Nicodemos F. Maia 
O conceito de autoridade, segundo a autora, é enevoado por 
controvérsia e confusão. O que fica claro entre os estudiosos das Ciências Políticas é a crise de 
autoridade, crescente e profunda que se estabeleceu no início do Século XX e acompanhou o 
desenvolvimento do mundo moderno. O sintoma da crise teria se espalhado por áreas pré-políticas, 
tais como na família e na educação, onde a autoridade era tida como natural. Devido a seu caráter 
simples e elementar esse tipo de autoridade serviu de modelo para uma grande variedade de formas 
autoritárias de governos, como já registrado por Aristóteles. Por não ser mais seguro, porém, esse 
modelo natural de autoridade (adulto/criança - mestre/aluno), que conferiu fundamento a governos 
autoritários, significa que também todos os padrões adotados ou espelhados neles perderam seu 
significado. Assim, tanto na prática como na teoria não estamos mais em posição de saber o que a 
autoridade realmente é. Trata-se de perda de referenciais. E essa problemática da autoridade é 
apenas a fase final, embora decisiva, de um processo que durante séculos solapou a religião e a 
tradição. Mas a perda da permanência e da segurança, que politicamente é idêntica a perda de 
autoridade, não acarreta a perda da capacidade humana de construir, preservar e cuidar de um 
mundo que nos transcende em valores e em permanência. 
A autoridade sempre exige o critério da obediência. Neste contexto, ela 
é confundida com alguma forma de poder ou violência. Porém, a autoridade exclui meios externos de 
coerção: onde a força é usada a autoridade em si mesma fracassou. A autoridade é incompatível 
também com a persuasão, a qual pressupõe igualdade e opera mediante um processo de 
argumentação. Onde se utilizam argumentos a autoridade é colocada em suspenso. A autoridade 
assim não pode ser definida nem pela coerção da força e nem pela força dos argumentos. Ela não se 
assenta nem no poder de quem manda e nem na razão. A hierarquia natural, reconhecida por todos, 
é o ponto central para uma definição de autoridade. O conceito de autoridade que a autora trabalha é 
de origem platônica. Ela não procura discutir o conceito geral de autoridade, porém o modelo 
específico que se tornou dominante na história. Platão e Aristóteles tentaram introduzir algo parecido 
com autoridade na vida política da pólis grega. Recorriam aos dois tipos de governos conhecidos: 
público, político e a da esfera privada da administração doméstica. Para eles autoridade implica uma 
obediência na qual os homens retêm sua liberdade. Outorgou as leis a qualidade que faria delas 
governantes inquestionáveis de todo o domínio político. Mas a construção dessas leis era de maneira 
despótica. Os homens poderiam ter a ilusão de serem livres por não dependerem de outros homens. 
Em Platão, o despotismo originário da família que se voltava contra a esfera pública, permaneceu 
utópico. Mas quando essa destruição se tornou realidade nos últimos séculos do Império Romano, a 
mudança foi introduzida mediante a aplicação ao governo público do termo "dominus", que em Roma 
tinha o mesmo significado de déspota (grego). Calígula recebeu o nome de dominus. As filosofias 
políticas de Platão e Aristóteles dominaram todo o pensamento político subsequente, mesmo com a 
experiência política dos romanos. Na República, Platão confronta a realidade da pólis com o governo 
da razão na pessoa do rei-filósofo que, na visão de Aristóteles, assemelhava-se ao tirano grego. A 
filosofia de Platão mostra a rebelião do filósofo contra a pólis. As verdades auto-evidentes compelem 
a mente e essa coerção é mais forte que a razão e a persuasão. Mas na coerção pela razão somente 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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uma minoria se sujeita a ela. Mas como assegurar que a maioria do povo que constitui em sua 
multiplicidade o organismo político, possa ser submetida a mesma verdade? Esse é o principal 
impasse da filosofia de Platão. Este problema é resolvido, porém, pelo mito final das recompensas e 
punições da vida futura. As verdades só se tornam evidentes quando o filósofo deixou o límpido céu 
das idéias e retornou à escura caverna da existência humana. Função original das idéias não é 
governar mas iluminar a escuridão. Em Aristóteles encontramos uma segunda tentativa de 
estabelecer um conceito de autoridade em termos de governantes e governados. Para ele a razão 
não tinha características ditatoriais ou tirânicas e não há nenhum filósofo-rei que regule os assuntos 
humanos. A razão de afirmar que cada organismo político se compõe de governantes e governados 
funda-se na superioridade do perito sobre o leigo, isto é, na natureza que estabelece a diferença 
entre velhos e jovens, uns destinados a governar outros a serem governados. A simplicidade desse 
argumento ao longo dos séculos o conduziu ao nível da banalidade. É flagrante a definição de pólis 
dada por Aristóteles como uma comunidade de iguais visando a uma vida potencialmente melhor. 
Todo o cidadão pertence a duas ordens de existência, pois a pólis dá ao indivíduo, além de sua vida 
privada, a uma espécie de segunda vida, sua bios politikos (a vida boa). Ambas as ordens eram 
formas de convivência humana, mas somente a comunidade familiar se ocupava em manter-se viva 
como tal e enfrentar as necessidades físicas. A necessidade deve ser controlada antes que a "boa 
vida" política possa se iniciar. Consequentemente a liberdade para a “vida boa" assenta-se na 
dominação da necessidade. O homem livre da pólis não é coagido pelas necessidades físicas da 
vida nem tampouco sujeito à dominação artificial dos outros. A liberdade no âmbito da política 
começa tão logo todas as necessidades elementares da vida tenham sido sujeitas ao governo, de 
modo tal que dominação e sujeição, mando e obediência, governo e ser governado, são pré-
condições para o estabelecimento da esfera política precisamente por não fazerem parte de seu 
conteúdo. As grandiosas tentativas da Filosofia grega para encontrar um conceito de autoridade que 
obstasse a deterioração da pólis e salvaguardasse a vida da filosofia soçobraram devido ao fato de 
não existir, no âmbito da política grega, nenhuma consciência de autoridade que se baseasse em 
experiências políticas imediatas. Na política romana encontra-se a convicção do caráter sagrado da 
fundação. Participar da política significava, antes de mais nada, preservar a fundação da cidade de 
Roma. Ser religioso significava ligar-se ao passado. Religião e atividade política eram praticamente 
idênticas. A palavra autoridade deriva do verbo augere, “aumentar", e aquilo que a autoridade faz é 
aumentar a fundação. Os dotados de autoridade eram os anciãos, o senado ou os patres. Os quais 
obtinham por descendência e transmissão a tradição daqueles que haviam lançado a fundação da 
cidade. A característica mais proeminente dos que detêm autoridade é não possuir poder. Para 
Cícero, enquanto o poder reside no povo, a autoridade repousa no Senado. Agir sem autoridade e 
tradição, sem padrões e modelos aceitos e consagrados pelo tempo (tradição), sem o préstimo da 
sabedoria dos pais fundadores era inconcebível. Os grandes mestres gregos tornaram-se 
autoridades nas mãos dos romanos. Assim, a vida política romana repousa na tríade: religião, 
autoridade e tradição. O passado era santificado através da tradição. Após a queda do Império a 
igreja substituiu a fundação pela morte e ressurreição de Cristo. A fé cristã tornou-se uma religião.Assim, surge a tríade religião, autoridade e tradição. A Igreja reclamou para si a autoridade (que 
estava no Senado), deixando o poder aos príncipes do mundo, que a exemplo do declínio do Império 
Romano não estava mais nas mãos do povo, mas da família imperial. “Duas coisas pelas quais esse 
mundo é governado: pela autoridade "sagrada dos papas" e pelo poder real. Com a separação entre 
Igreja e Estado, longe de significar uma secularização da esfera política, pela primeira vez, implicou o 
político ter perdido sua autoridade. E com ela aqueles elementos que, pelo menos na História 
Ocidental, dotara as estruturas políticas de durabilidade, continuidade e permanência. Na medida em 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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que a Igreja Católica incorporou a Filosofia Grega na estrutura de suas doutrinas e crenças 
dogmáticas, ela amalgamou o conceito político romano de autoridade, que era baseado na noção 
grega de medidas e regras transcendentes, adotando o mito da recompensa e dos castigos na vida 
futura. Enquanto o Cristianismo permaneceu sem interesses e encargos seculares, ele deixou as 
crenças e especulações sobre uma vida futura tão livres como elas o haviam sido na antigüidade. 
Contudo, quando o desenvolvimento puramente religioso do novo credo chegara a termo e a Igreja 
se tornara cônscia das responsabilidades políticas, decidindo-se assumi-las, deparou com uma 
perplexidade similar à que dera origem à Filosofia de Platão. A introdução do inferno platônico no 
corpo das crenças dogmáticas cristãs fortaleceu a tal ponto a autoridade religiosa que ela podia 
esperar permanecer vitoriosa em qualquer contenda com o poder secular. Mas o preço pago foi a 
diluição do conceito romano de autoridade, permitindo-se que um elemento de violência se 
insinuasse ao mesmo tempo na própria estrutura do pensamento religioso e na hierarquia 
eclesiástica. Certamente não é motivo de surpresa que todas as tentativas de reter o único elemento 
de violência do edifício em desmoronamento da religião, da autoridade e da tradição, utilizando como 
salvaguarda para a nova ordem secular, se destinasse ao fracasso. Temendo-se as revoluções dizia-
se que aqueles que rompem com seu Deus terminam por desertar de suas autoridades terrenas. 
Aqueles que crêem só são impedidos de mentir, por medo do inferno, daí o juramento. Assim, a 
perda da crença em existências futuras é politicamente, senão espiritualmente, a distinção mais 
significativa entre o presente período e os séculos precedentes. A religião estava fada a perder seu 
elemento político, assim, como a vida pública a perder a sanção religiosa da autoridade 
transcendente. Neste termos, seria bom lembrar que o estratagema de Platão para persuadir a 
multidão a seguir os padrões da minoria permaneceram utópicos até que a religião os sancionasse. 
A experiência romana de fundação foi completamente perdida. Há, porém, um pensador em que o 
conceito de fundação é central. É Maquiavel, na sua obra a um completo menosprezo por todas as 
tradições, a cristã e a grega. Ele viu que toda a história e a mentalidade romanas dependiam da 
experiência da fundação e acreditou que podia repetir a experiência através de uma Itália unificada 
que deveria constituir para o organismo político "eterno" da nação italiana a mesma pedra angular 
sagrada que fora a fundação da "Cidade Eterna" para o povo latino. Maquiavel foi o precursor das 
modernas revoluções e o pai da nação-estado, pois ao novo organismo político ele deu o nome de 
"statio". As grandes revoluções não passaram de tentativas de restaurar as fundações que deram 
grandeza e dignidade ao Império Romano, baseados na religião,, autoridade e tradição. Dessas, 
somente a revolução americana foi bem sucedida, pois fundaram um organismo político inteiramente 
novo prescindindo da violência e com o auxílio de uma Constituição, baseada em um legado já 
existente, isto é, as declarações de direitos. Pouparam o esforço de iniciar uma nova ordem de 
coisas. Porém, a autoridade, tal como a conhecemos outrora, e que se desenvolveu a partir da 
experiência romana e foi entendida à luz da Filosofia Política Grega, não se restabeleceu em 
nenhum lugar, quer por meio de revoluções ou pelos meios menos promissores da restauração e 
muito menos através do clima e tendências conservadoras que se apossam da opinião pública, vez 
por outra. Viver sem autoridade e sem o conhecimento de que a fonte desta transcende o poder, 
significa ser confrontado de novo, sem a confiança religiosa em um começo sagrado e sem a 
proteção de padrões de condutas tradicionais e, portanto, auto-evidentes. 
 
Dois ensaios sobre o sujeito e o poder 
Michel Foucault (*) 
 
I - PORQUE ESTUDAR O PODER: A QUESTÃO DO SUJEITO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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II - O PODER, COMO SE EXERCE? 
 
1. "Como", não no sentido de "Como é que ele se manifesta?", mas "Como é que ele se 
exerce?" 
2. Em que é que consiste a especificidade das relações de poder? 
3. Como analisar a relação de poder? 
4. Relações de poder e relações estratégicas. 
 
I - Porque estudar o poder: a questão do sujeito 
 
As idéias de que gostaria de falar aqui não se podem enquadrar nem na teoria nem na 
metodologia. Gostaria de inicialmente dizer qual foi o objetivo do meu trabalho nos últimos 
vinte anos. Não foi o de analisar os fenômenos do poder, nem de lançar as bases para uma tal 
análise. 
Procurei acima de tudo produzir uma história dos diferentes modos de subjetivação do ser 
humano na nossa cultura; tratei, nessa óptica, dos três modos de objetivação que 
transformam os seres humanos em sujeitos. 
Existem em primeiro lugar os diferentes modos de investigação que procuram aceder ao 
estatuto de ciência; estou a pensar, por exemplo, na objetivação do sujeito falante na 
gramática geral, na filologia e na lingüística. Ou também, sempre neste primeiro modo, na 
objetivação do sujeito produtivo, do sujeito que produz, em economia e na análise das 
riquezas. Ou ainda, para tomar um terceiro exemplo, na objetivação devida ao simples fato de 
existir na vida, na história natural ou na biologia. 
Na segunda parte do meu trabalho, estudei a objetivação do sujeito naquilo que designarei de 
'práticas divergentes'. O sujeito é quer dividido no interior dele mesmo, quer dividido dos 
outros. Este processo faz dele um objeto. As partilhas entre o louco e o homem são de 
espírito, o doente e o indivíduo com boa saúde, o criminoso e o "bem comportado", ilustra 
esta tendência. 
Enfim, tenho procurado estudar - é esse o meu trabalho em curso – a maneira como um ser 
humano se transforma em sujeito; tenho orientado minhas pesquisas na direção da 
sexualidade, por exemplo - a maneira como o ser humano tem aprendido a reconhecer-se 
como sujeito de uma "sexualidade". 
Não é portanto o poder, mas o sujeito, que constitui o tema geral das minhas investigações. 
É verdade que eu fui levado a interessar-me mais de perto pela questão do poder. 
Rapidamente me apercebi que, se o sujeito humano é apanhado nas relações de produção e 
nas relações de sentido, ele é igualmente apanhado nas relações de poder de uma grande 
complexidade. Ora, parece-me que nós dispomos, graças à história e à teoria econômica, de 
instrumentos adequados para estudar as relações de produção; igualmente, a lingüística e a 
semiótica fornecem instrumentos para o estudo das relações de sentido. Mas para aquilo que 
é as relações de poder, não há nenhum instrumento definido; nós temos recorrido a maneiras 
de pensar o poder que se apóiam quer nosmodelos jurídicos (o que é que legitima o poder?), 
quer nos modelos institucionais (o que é o Estado?). Era por isso necessário alargar as 
dimensões de uma definição de poder se quiséssemos utilizar esta definição para estudar a 
objetivação do sujeito. Será que temos necessidade de uma teoria do poder? Visto que toda a 
teoria supõe uma objetivação prévia, nenhuma pode servir de base ao trabalho de análise. 
Mas o trabalho de análise não se pode fazer sem uma problematização dos aspectos tratados. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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E esta problematização implica um pensamento crítico - uma verificação constante. É 
necessário que nos asseguremos daquilo que chamarei as 'necessidades conceituais'. 
Isto significa que a problematização não se deve fundar numa teoria do objeto: o objeto 
problematizado não é o único critério de validade de uma problematização. Precisamos 
conhecer as condições históricas que motivam este ou aquele tipo de problematização. 
Precisamos ter uma consciência histórica da situação na qual vivemos. Em segundo lugar, 
temos que nos assegurar da realidade com que somos confrontados. Um jornalista de um 
grande jornal exprimia um dia a sua surpresa: "Por que é que tanta gente acentua a questão 
do poder atualmente? É isso um assunto importante? E tão independente que se possa falar 
dele sem ter em conta os outros problemas?" 
Esta surpresa espantou-me. É-me difícil de acreditar que foi necessário esperar pelo século 
XX para que esta questão tenha sido enfim levantada. 
Para nós, de qualquer forma, o poder não é apenas uma questão teórica, mas qualquer coisa 
que faz parte da nossa experiência. (...) O fascismo e o estalinismo utilizaram e aperfeiçoaram 
os mecanismo já presentes na maior parte das outras sociedades. Não apenas isso, mas 
apesar da sua loucura interna, eles utilizaram numa grande medida as idéias e os 
procedimentos da nossa racionalidade política. O que é necessário, é uma nova economia das 
relações de poder - e utilizo aqui a palavra 'economia' no seu sentido teórico e prático. 
Dizendo as coisas de outra forma: depois de Kant, o papel da filosofia é o de impedir a razão 
de exceder os limites do que é dado pela experiência; mas depois dessa época também - isto 
é, depois do desenvolvimento do Estado moderno e da gestão política da sociedade - a 
filosofia tem igualmente por função vigiar os poderes excessivos da racionalidade política. E 
isto é pedir-lhe muito. 
Existem fatos de uma extrema banalidade, que todo o mundo conhece. Mas não é porque são 
banais que eles não existem. O que é necessário fazer com os fatos banais, é descobrir - ou 
pelo menos tentar descobrir - qual o problema específico e talvez original que aí se 
estabelece. A relação entre racionalização e excessos do poder político é evidente. E nós não 
deveríamos ter de esperar a burocracia ou os campos de concentração para reconhecer a 
existência de relações desse tipo. Mas o problema que se põe é o seguinte: que fazer de uma 
tal evidência? Será necessário fazer um processo contra a razão? (...) Vamos tentar analisar 
esse tipo de racionalismo que parece próprio da nossa cultura moderna e que encontra o seu 
ponto de ancoragem na Aufklärung (Iluminismo). Esta foi a abordagem de alguns membros da 
Escola de Frankfurt. O meu objetivo, contudo, não é o de encetar uma discussão das suas 
obras, embora importantes e preciosas. Mas mais o de propor um outro modo de análise das 
relações entre racionalização e poder. 
Sem dúvida que é mais sensato não abordar globalmente a racionalização da sociedade ou da 
cultura, mas sim analisar o processo em diversos domínios em que cada um reenvia para uma 
experiência fundamental: a loucura, a doença, a morte, o crime, a sexualidade, etc. Penso que 
a palavra "racionalização" é perigosa. O que é necessário fazer, é analisar as racionalidades 
específicas mais do que invocar sem fim os progressos da racionalização em geral. Mesmo se 
a Aufklärung constituiu uma fase muito importante da nossa história e do desenvolvimento da 
tecnologia política, eu creio que é necessário remontar a processos muito mais longínquos se 
queremos compreender através de que mecanismos nós nos encontramos prisioneiros da 
nossa própria história. 
Eu gostaria de sugerir aqui uma outra maneira de avançar para uma nova economia das 
relações de poder, que seja mais empírica, mais diretamente ligada à nossa situação presente, 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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e que implique igualmente relações entre a teoria e a prática. Este novo modo de investigação 
consiste em tomar as formas de resistência aos diferentes tipos de poder como ponto de 
partida. Ou, para utilizar uma outra metáfora, consiste em utilizar esta resistência como um 
'catalisador químico' que permita colocar em evidência as relações de poder, de ver onde elas 
se inscrevem, de descobrir os seus pontos de aplicação e os métodos que elas utilizam. Mais 
do que analisar o poder do ponto de vista da sua racionalidade interna, trata-se de analisar as 
relações de poder através do afrontamento de estratégias. 
Por exemplo, seria necessário talvez, para compreender o que a sociedade entende por 'ser 
sensato', analisar o que se passa no campo da alienação. E igualmente, analisar o que se 
passa no campo da ilegalidade para compreender o que nós queremos dizer quando falamos 
de legalidade. Quanto às relações de poder, para compreender em que é que elas consistem, 
seria necessário talvez analisar as formas de resistência e os esforços desenvolvidos para 
tentar dissociar essas relações. 
Proporei, como ponto de partida, que se tome uma série de oposições que se desenvolveram 
nestes últimos anos: a oposição ao poder dos homens sobre as mulheres, dos pais sobre os 
filhos, da psiquiatria sobre os doentes mentais, da medicina sobre a população, da 
administração sobre a maneira como as pessoas vivem. Não é suficiente dizer que estas 
oposições são lutas contra a autoridade; é preciso tentar definir mais precisamente o que elas 
têm em comum. 
1. São lutas transversais; quero dizer com isto que elas não se limitam a um país particular. É 
claro que certos países favorecem o seu desenvolvimento, facilitam a sua extensão, mas elas 
não são restritas a um tipo particular de governo político ou econômico. 
2. As finalidades destas lutas são os efeitos do poder enquanto tais. Por exemplo, a 
recriminação que fazem à profissão médica não é o de ser uma empresa com fins lucrativos, 
mas de exercer sem controle um poder sobre os corpos, a saúde dos indivíduos, a sua vida e 
a sua morte. 
3. São lutas 'imediatas', e isto por duas razões. Para já porque as pessoas criticam as 
instâncias do poder que estão mais próximas delas (...). Em seguida, porque não pensam que 
uma solução para o seu problema possa residir num qualquer futuro (isto é, numa promessa 
de libertação, de revolução, no fim do conflito de classes). 
(...) Mas não são estas as suas características mais originais. 
4. São lutas que coloca em questão o estatuto do indivíduo: por um lado, elas afirmam o 
direito à diferença e sublinham tudo o que pode tornar os indivíduos verdadeiramente 
individuais. Por outro lado, elas combatem tudo o que pode isolar o indivíduo, desligá-lo dos 
outros, cindir a vida comunitária, constranger o indivíduo a debruçar-se sobre si próprio e a 
ligar-se à sua identidade própria. Estas lutas não são exatamente por ou contra o "indivíduo", 
mas elas opõem-se aquilo que poderíamos designar por "governo pela individualização". 
5. Elas opõem umaresistência aos efeitos de poder que estão ligados aos saber, à 
competência e à qualificação. Elas lutam contra os privilégios do saber. Mas elas opõem-se 
também ao mistério, à deformação e a tudo que possa aí haver de mistificador nas 
representações que se impõem às pessoas. (...) 
6. Enfim, todas as lutas atuais rodam em torno de uma mesma questão: quem somos nós? 
Elas são uma recusa destas abstrações, uma recusa da violência do Estado econômico e 
ideológico que ignora que nós somos indivíduos, e também uma recusa da inquisição 
científica e administrativa que determina a nossa identidade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Para resumir, o principal objetivo destas lutas não é o de atacar esta ou aquela instituição de 
poder, ou grupo, ou classe ou elite, mas sim uma técnica particular, uma forma de poder. Esta 
forma de poder exerce-se sobre a vida quotidiana imediata, que classifica os indivíduos em 
categorias, os designa pela sua individualidade própria, liga-os à sua identidade, impõe-lhes 
uma lei de verdade que é necessário reconhecer e que os outros devem reconhecer neles. É 
uma forma de poder que transforma os indivíduos em sujeitos. Há dois sentidos para a 
palavra "sujeito": sujeito submetido a outro pelo controle e a dependência e sujeito ligado à 
sua própria identidade pela consciência ou pelo conhecimento de si. Nos dois casos a palavra 
sugere uma forma de poder que subjuga e submete. 
De uma forma geral, pode-se dizer que há três tipos de lutas: a) aquelas que se opõem às 
formas de dominação (étnicas, sociais e religiosas); b) aquelas que denunciam as formas de 
exploração que separam o indivíduo daquilo que produz; c) e aquelas que combatem tudo o 
que liga o indivíduo a ele mesmo e asseguram assim a submissão aos outros (lutas contra a 
sujeição, contra as diversas formas de subjetividade e de submissão). (...) As sociedades 
feudais se desenrolaram predominantemente as lutas do primeiro tipo; no século XIX, as lutas 
contra a exploração; e, atualmente, predominam as lutas contra a submissão da subjetividade. 
A razão pela qual este tipo de luta [contra a submissão da subjetividade] tende a prevalecer na 
nossa sociedade é devida ao fato que uma nova forma de poder político se desenvolveu de 
maneira contínua depois do século XVI. Esta nova estrutura política é o Estado. Mas na maior 
parte do tempo, o Estado é apercebido como um tipo de poder político que ignora os 
indivíduos, ocupando-se apenas dos interesses da comunidade ou, deveria dizer, de uma 
classe ou de um grupo de cidadãos escolhidos. 
Tudo isto é de fato verdade. No entanto, gostaria de sublinhar o fato de o poder do Estado - e 
é essa uma das razões da sua força - é uma forma de poder simultaneamente globalizante e 
totalitária. Jamais, creio eu, na história das sociedades humanas - e mesmo na velha 
sociedade chinesa - se encontrou, no interior das mesmas estruturas políticas, uma 
combinação tão complexa de técnicas de individualização e de procedimentos totalizadores. 
Isto se deve ao fato de o Estado ocidental moderno ter integrado, sob uma forma política 
nova, uma velha técnica de poder que tinha nascido nas instituições cristãs. Esta técnica de 
poder, designamo-la por 'poder pastoral'. 
E para começar, algumas palavras sobre este poder pastoral. 
Já se disse muitas vezes que o cristianismo deu origem a um código de ética 
fundamentalmente diferente do mundo antigo. Mas insiste-se geralmente menos sobre o fato 
de que o cristianismo propôs e estendeu a todo o mundo antigo, novas relações de poder. O 
cristianismo é a única religião a organizar-se em Igreja. E como Igreja, o cristianismo postula 
em teoria que certos indivíduos são aptos, pela sua qualidade religiosa, a servir os outros, 
não tanto como príncipes, magistrados, profetas, adivinhos, benfeitores ou educadores, mas 
como pastores. 
Esta palavra designa nomeadamente uma forma de poder bem particular. 
1. É uma forma de poder cujo objetivo final é o de assegurar a salvação dos indivíduos no 
outro mundo. 
2. O poder pastoral não é simplesmente uma forma de poder que ordena; deve também estar 
pronto a sacrificar-se pela vida e salvação do rebanho. Nisto, distingue-se, portanto, do poder 
do soberano que exige um sacrifício da parte dos seus sujeitos a fim de salvar o trono. 
3. É uma forma de poder que não se preocupa apenas com o conjunto da comunidade, mas 
com cada indivíduo particular, durante toda a sua vida. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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4. Enfim, esta forma de poder não se pode exercer sem conhecer o que se passa na cabeça 
das pessoas, sem explorar as suas almas, sem as forçar a revelar os seus segredos mais 
íntimos. Implica um conhecimento da consciência e uma aptidão para a dirigir. Esta forma 
de poder é orientada pra a salvação (por oposição ao poder político). 
Ela é oblativa (por oposição ao princípio da soberania) e individualizante (por oposição ao 
poder jurídico). Ela é coextensiva à vida e no seu prolongamento; ela está ligada a uma 
produção de verdade - a verdade do indivíduo sobre ele mesmo. 
Mas, direis vós, tudo isso pertence ao passado; a pastoral senão desapareceu, perdeu pelo 
menos o essencial que fazia a sua eficácia. Isso é verdade, mas penso que é preciso distinguir 
entre dois aspectos do poder pastoral: a institucionalização eclesiástica que desapareceu, ou 
pelo menos perdeu o seu vigor depois do século XVIII, e a função desta institucionalização 
que se espalhou e desenvolveu por fora da instituição eclesiástica. Produziu-se, no século 
XVIII, um fenômeno importante: uma nova distribuição, uma nova organização deste tipo de 
poder individualizante. Não creio que será necessário considerar o 'Estado Moderno' como 
uma entidade que se desenvolveu em detrimento dos indivíduos, ignorando quem eles são e 
até a sua existência, mas pelo contrário como uma estrutura muito elaborada, na qual os 
indivíduos podem ser integrados sob uma condição: que forneça a esta individualidade uma 
forma nova e que a submeta a um conjunto de mecanismos específicos. 
Num sentido, pode-se ver o Estado como uma matriz de individualização ou uma nova forma 
de poder pastoral. Quero acrescentar algumas palavras a propósito deste novo poder 
pastoral. 
1. Observa-se, no decurso da sua evolução, uma mudança de objetivo. Passa-se da 
preocupação em conduzir as pessoas à salvação no outro mundo à idéia de que é preciso 
assegurá-lo aqui em baixo. E neste contexto, a palavra 'salvação' toma diversos sentidos: 
quer dizer saúde, renda, segurança, proteção contra os acidentes. Um certo número de 
objetivos 'terrestres' vem substituir as visões religiosas da pastoral tradicional e tanto mais 
facilmente que esta última, devido a diversas razões, sempre esteve acessoriamente ligada a 
alguns destes objetivos; basta pensar no papel da medicina e na sua função social que 
durante muito tempo foram assegurados pelas Igrejas católica e protestante. 
2. Assistiu-se conjuntamente a um reforço da administração do poder pastoral. Por vezes, 
esta forma de poder foi exercida ou, pelo menos, por uma instituição pública como a polícia. 
(não esqueçamos que a polícia foi inventada no século XVIII não somente para velar pela 
manutenção da ordem e da lei e para ajudar os governos a lutar contra os seus inimigos, mas 
também para assegurar o abastecimento das cidades, proteger a higiene e a saúde assim 
como todos os critérios considerados como necessários ao desenvolvimento do artesanato e 
do comércio.) Por vezes, o poder foi exercido pelas empresasprivadas, sociedades de 
assistência, benfeitores e, duma forma geral, filantropo. Por outro lado, as velhas instituições, 
como por exemplo, a família, foram também mobilizadas para assegurar as funções pastorais. 
Enfim, o poder foi exercido por estruturas complexas como a medicina, que englobava 
simultaneamente as iniciativas privadas (a venda de serviços na base de uma economia de 
mercado) e certas instituições públicas como hospitais. 
3. Enfim, a multiplicação dos objetivos e dos agentes do poder pastoral permitiu centrar o 
desenvolvimento do saber sobre o homem em torno de dois pólos: um, globalizante e 
quantitativo, relativamente à população; o outro, analítico, relativamente ao indivíduo. 
Uma das conseqüências, é que o poder pastoral, que tinha estado ligado durante séculos - de 
fato, mais de um milênio - a uma instituição religiosa bem particular, estendeu-se pouco a 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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pouco ao conjunto do corpo social; encontrou apoio numa multidão de instituições. E, em vez 
de ter um poder pastoral e um poder político mais ou menos ligados um ao outro, mais ou 
menos rivais, percebemos desenvolver-se uma 'táctica' individualizante, característica de toda 
uma série de poderes múltiplos: aquele da família, da medicina, da psiquiatria, da educação, 
dos empregadores, etc. (...) 
Sem dúvida que o objetivo principal de hoje não é o de descobrir, mas de recusar aquilo que 
somos. Precisamos imaginar e construir aquilo que poderíamos ser para nos desembaraçar 
desta espécie de "duplo" constrangimento político que são a individualização e a totalização 
simultâneas das estruturas do poder moderno. 
Podemos dizer, para concluir, que o problema ao mesmo tempo político, ético, social e 
filosófico que se nos coloca atualmente não é o de tentar libertar o indivíduo do Estado e das 
suas instituições, mas o de nos libertarmos nós do Estado e do tipo de individualização que aí 
se retoma. 
Precisamos promover novas formas de subjetividade recusando o tipo de individualidade que 
nos impuseram durante vários séculos. 
II - O poder, como se exerce? 
Para alguns, interrogar-se sobre o 'como' do poder, será limitar-se a descrever os efeitos sem 
se referir jamais nem às causas nem à sua natureza. Isso seria fazer do poder uma substância 
misteriosa que se evita interrogar, sem dúvida porque se prefere não 'pôr em causa'. (...) 
1. "Como", não no sentido de "Como é que ele se manifesta?", mas "Como é que ele se 
exerce?", "Como é que isso se passa quando os indivíduos exercem, como se diz, o seu 
poder sobre os outros?" 
Deste "poder", é preciso distinguir para já daquele que se exerce sobre as coisas e que dá 
capacidade de as modificarem, de as utilizarem, de as consumirem e de as destruírem - um 
poder que remete para aptidões diretamente inscritas no corpo ou mediadas por extensões 
instrumentais. Digamos que se trata aqui de capacidade. O que caracteriza pelo contrário o 
"poder" que se trata de analisar aqui, é que ele coloca em jogo relações entre indivíduos (ou 
entre grupos). (...) 
É preciso distinguir também relações de poder de relações de comunicação que transmitem 
uma informação através de uma língua, um sistema de signos ou outro médium simbólico. 
Sem dúvida que comunicar, é sempre uma certa forma de agir sobre o outro e sobre os 
outros. Ainda que a produção e a colocação em circulação de elementos significantes pode 
bem ter por objetivo ou por conseqüências efeitos de poder, estes não passam simplesmente 
de um aspecto daqueles. Quer passem ou não por sistemas de comunicação, as relações de 
poder têm a sua especificidade. 
Relações de poder, relações de comunicação, capacidades objetivas não devem ser 
confundidas. Isto não significa que se trata de três domínios separados; e que haveria de um 
lado o domínio das coisas, da técnica finalizada, do trabalho e da transformação do real; do 
outro, o dos signos, da comunicação, da reciprocidade e da fabricação do sentido; e enfim 
aquele da dominação dos meios de constrangimento, da desigualdade e da ação dos homens 
sobre os homens. Trata-se de três tipos de relações que, de fato, estão sempre imbricados 
uns nos outros, dão um apoio recíproco e se servem mutuamente de instrumento. O pôr em 
ação das capacidades objetivas, nas suas formas mais elementares, implica relações de 
comunicação (quer se trate de informação prévia ou trabalho partilhado); ele está também 
ligada às relações de poder (quer se trate de tarefas obrigatórias, de gestos impostos por uma 
tradição ou uma aprendizagem, de subdivisões ou repartição mais ou menos obrigatória do 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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trabalho). As relações de comunicação implicam atividades com um fim (que seriam o pôr um 
jogo correto de elementos significantes) e devido ao simples fato de modificarem o campo 
informativo dos parceiros, eles induzem efeitos de poder. Quanto às relações de poder elas 
exercem-se numa parte extremamente importante, através da produção e troca de signos; e 
elas não podem também ser dissociadas das atividades com um fim, quer se trate daquelas 
que permitem exercer esse poder (técnicas de adestramento, os procedimentos de 
dominação, as maneiras de obter obediência) ou aquelas que fazem apelo para se 
desenvolverem às relações de poder (como na divisão do trabalho e na hierarquia das 
tarefas). 
É claro que a coordenação entre estes três tipos de relações não é nem uniforme nem 
constante. Não há numa dada sociedade um tipo geral de equilíbrio entre as atividades com 
um fim, os sistemas de comunicação e as relações de poder. Existem sobretudo diversas 
formas, diversos lugares, diversas circunstâncias ou ocasiões em que estas inter-relações se 
estabelecem a partir de um modelo específico. Mas há também 'blocos' nos quais o 
ajustamento das capacidades, das redes de comunicação e as relações de poder constituem 
sistemas regulados e concertados. Seja, por exemplo, uma instituição escolar: o seu arranjo 
espacial, o regulamento meticuloso que rege a sua vida interior, as diferentes atividades que 
aí são organizadas, os diversos personagens que aí vivem ou aí se encontram, cada um com 
uma função, um lugar, uma visão bem definida - tudo isto constitui um 'bloco' de capacidade-
comunicação-poder. A atividade que assegura a aprendizagem e a aquisição de aptidões ou 
de tipos de comportamento aí se desenvolve através de todo um conjunto de comunicações 
reguladas (lições, questões e respostas, ordens, exortações, signos codificados de 
obediência, marcas diferenciais de valor de cada um e de níveis de saber) e através de uma 
série de procedimentos de poder (confinamento, vigilância, recompensa e punição, hierarquia 
piramidal). 
Estes blocos aonde o pôr em ação das capacidades técnicas, o jogo das comunicações e as 
relações de poder são ajustados uns aos outros, segundo fórmulas refletidas, constituem 
aquilo que podemos designar, alargando um pouco o sentido da palavra, por 'disciplinas'. A 
análise empírica de certas disciplinas tal como elas se constituíram historicamente, apresenta 
por isso mesmo um certo interesse. Para já porque as disciplinas mostram, segundo 
esquemas artificialmente claros e decantados, a maneira como se podem articular uns sobre 
os outros os sistemas de finalidade objetiva, de comunicação e de poder. Porque elas 
mostram também diferentes modelos de articulações (uma vez com predominância das 
relações de poder e obediência, como nas disciplinas de tipo monástico ou de tipo 
penitenciário, outra com predominânciadas atividades finalizadas como nas disciplinas de 
oficinas ou hospitais, outra com predominância das relações de comunicação como nas 
disciplinas de aprendizagem, outra também com uma saturação dos três tipos de relações 
como talvez na disciplina militar, onde uma entropia de sinais marca até à redundância as 
relações de poder serradas e cuidadosamente calculadas para procurar um certo número de 
efeitos técnicos. 
Aquilo que é preciso entender por disciplinarização das sociedades depois do século XVIII na 
Europa, não é que os indivíduos que dela fazem parte se tornam cada vez mais obedientes; 
nem que eles se põem todos a assemelhar-se em casernas, escolas ou prisões; mas que aí se 
procurei um ajustamento cada vez mais controlado - cada vez mais racional e econômico - 
entre as atividades produtivas, as redes de comunicação e o jogo das relações de poder. 
Abordar o tema do poder por uma análise do 'como' é portanto, operar, por relação à 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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suposição de um 'Poder' fundamental, diversas deslocações críticas. É dar-se como objeto de 
análise as relações de poder e não um poder; relações de poder que são distintas das 
capacidades objetivas assim como das relações de comunicação; relações de poder que se 
podem descortinar na diversidade do seu encadeamento estas capacidades e estas relações. 
2. Em que é que consiste a especificidade das relações de poder? 
O exercício do poder não é simplesmente uma relação entre 'parceiros', individuais ou 
coletivos; é um modo de ação de alguns alguns outros. Isso quer dizer, claro, que não uma 
coisa como o Poder, ou do poder que existiria globalmente, massivamente ou num estado 
difuso, concentrado ou distribuído: só existe o poder que se exerce por uns sobre os outros; 
o poder só existe no ato, mesmo se ele se inscreve num campo de possibilidades em 
desordem que se apóiam em estruturas permanentes. 
(...) Será que isto significa que será necessário procurar o caráter próprio das relações de 
poder do lado de uma violência que seria a sua forma primitiva, o segredo permanente e o 
último recurso - aquilo que aparece como a sua verdade em última instância, quando ele é 
obrigado a retirar a sua máscara e a mostrar-se tal qual ele é ? (...) 
[O poder] É um conjunto de ações sobre ações possíveis: ele opera sobre o campo de 
possibilidades aonde se vêm inscrever o comportamento dos sujeitos atuantes: ele incita, ele 
induz, ele contorna, ele facilita ou torna mais difícil, ele alarga ou limita, ele torna mais ou 
menos provável; no limite ele constrange ou impede completamente; mas ele é sempre uma 
maneira de agir sobre um ou sobre sujeitos atuantes, enquanto eles agem ou são susceptíveis 
de agir. Uma ação sobre ações. 
O termo conduta com o seu equívoco é talvez um dos que podem melhor mostrar o que há de 
específico nas relações de poder. A conduta é tanto o ato de conduzir os outros (segundo 
mecanismos de coerção mais ou menos estritos) como a maneira de se comportar num 
campo mais ou menos aberto de possibilidades. O exercício do poder consiste em 'conduzir 
as condutas' e a gerir a probabilidade. (...) P. 314 
A relação de poder e a insubmissão da liberdade não podem ser separadas. O problema 
central do poder não é da servidão voluntária (como podemos nós desejar ser escravos?): no 
coração da relação de poder, provocando-a sem cessar, está a relutância do querer e a 
intransitividade da liberdade. Mais do que um antagonismo essencial seria melhor falar de um 
agonismo - duma relação que é simultaneamente incitação recíproca e luta; seria menos uma 
oposição termo a termo que os bloqueia um em face do outro e mais uma provocação 
permanente. 
3. Como analisar a relação de poder? 
É perfeitamente legítimo analisar nas instituições bem determinadas; estas constituem um 
observatório privilegiado para as apanhar, diversificadas, concentradas e postas em ordem, 
surgem, ao seu mais alto nível de eficácia; é ali que, numa primeira observação, podemos 
esperar ver aparecer a forma e a lógica dos seus mecanismos elementares. No entanto a 
análise das relações de poder em espaços institucionais fechados apresenta um certo número 
de inconvenientes. Para já, o fato de uma parte importante dos mecanismos postos em ação 
pela instituição serem destinados a assegurar a sua própria conservação, leva ao risco de 
decifrar, sobretudo nas relações de poder 'intra-institucionais', as funções essencialmente 
reprodutivas. Em segundo lugar, arriscamo-nos, ao analisar as relações de poder a partir das 
instituições, a procurar nelas próprias a explicação e a origem delas, ou seja, em suma a 
explicar o poder pelo poder. Enfim, na medida em que as instituições agem essencialmente 
pela colocação em jogo de dois elementos: as regras (explícitas ou silenciosas) e um aparelho 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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sugestionando-nos a dar a um e a outro um privilégio exagerado na relação de poder e a ver 
nelas apenas modulações da lei e da coerção. 
Não se trata de negar a importância das instituições na gestão das relações de poder. Mas de 
sugerir que é mais importante analisar as instituições a partir das relações de poder e não o 
inverso; e que o ponto de ancoragem destas relações, mesmo se elas se corporizam e 
cristalizam numa instituição, tem de se procurar para além. (...) p. 316 
Concretamente, a análise das relações de poder exige que se estabeleça um certo número de 
pontos: 1. O sistema de diferenciações que permitem agir sobre a ação dos outros: diferenças 
jurídicas ou tradicionais de estatuto ou privilégio; diferenças econômicas na apropriação de 
riquezas ou bens; diferenças de lugar nos processos de produção; diferenças lingüísticas ou 
culturais; diferenças no saber-fazer ou nas competências, etc. 
Toda a relação de poder coloca em ação diferenciações que são para ela simultaneamente 
condições e efeitos. 
2. O tipo de objetivos perseguidos por aqueles que agem sobre a ação dos outros: 
manutenção de privilégios, acumulação de lucros, pôr em ação a autoridade estatutária, 
exercício de uma função ou profissão. 
3. As modalidades instrumentais: conforme o poder é exercido pela ameaça das armas, pelos 
efeitos da palavra, através das disparidades econômicas, por mecanismos mais ou menos 
complexos de controle, por mecanismos de vigilância, com ou sem arquivos, segundo regras 
explícitas ou não, permanentes ou modificáveis, com ou sem dispositivos materiais, etc. 
4. As formas de institucionalização: estas podem misturar disposições tradicionais, estruturas 
jurídicas, fenômenos de habituação ou de moda (como se vê nas relações de poder que 
atravessam a instituição familiar); elas podem também adotar a forma de um dispositivo 
fechado sobre si mesmo com os seus locais específicos, os seus regulamentos próprios, as 
suas estruturas hierárquicas cuidadosamente desenhadas, e uma relativa autonomia 
funcional (como nas instituições escolares ou militares); elas podem também formar sistemas 
muito complexos dotados de aparelhos múltiplos, como no caso do Estado que tem por 
função constituir o envelope geral, a instância de controle global, o princípio de regulação e, 
numa certa medida também, de distribuição de todas as relações de poder num dado conjunto 
social; 5. Os graus de racionalização: como o colocar em jogo das relações de poder como 
ação sobre um campo de possibilidade pode ser mais ou menos elaborado em função da 
eficácia dos instrumentos e da certeza dos resultados (refinamentos tecnológicos mais ou 
menos grandesno exercício do poder) ou ainda em função do custo eventual (quer se trate do 
'custo' econômico dos meios colocados em ação, ou do custo 'reacional' constituído pelas 
resistências encontradas). O exercício do poder não é um fato bruto, um dado institucional, 
nem uma estrutura que se mantém ou quebra: ela elabora-se, transforma-se, organiza-se, 
dota-se de procedimentos mais ou menos ajustados. 
Assim se vê porque é que a análise das relações de poder não se pode limitar ao estudo de 
uma série de instituições, nem mesmo ao estudo de todas aquelas que merecem o nome de 
'político'. As relações de poder enraízam-se no conjunto da rede social. Isto não quer dizer 
que há um princípio de Poder primeiro e fundamental que domina até ao mais pequeno 
elemento da sociedade; mas sim que a partir desta possibilidade de ação sobre a ação dos 
outros que é coextensiva a toda a relação social, formas múltiplas de disparidade individual, 
de objetivos, de instrumentações dadas sobre nós e aos outros, de institucionalização mais 
ou menos setorial ou global, de organização mais ou menos refletida, se definem as formas 
diferentes de poder. As formas e os lugares de 'governo' dos homens uns pelos outros são 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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múltiplas na nossa sociedade: elas se sobrepõem, se entrecruzam, se limitam e se anulam por 
vezes, se reforçam noutros casos. Que o Estado nas sociedades contemporâneas não seja 
simplesmente uma das formas ou um dos lugares - seja ele o mais importante - de exercício 
do poder, mas que de uma certa maneira todos os outros tipos de relações de poder se 
referem a ele, é um fato adquirido. Mas não é porque cada uma deriva dele. É mais porque se 
produziu uma estatização contínua das relações de poder (ainda que não tenha adquirido a 
mesma forma na ordem pedagógica, judiciária, econômica, familiar). Referindo-se ao sentido, 
desta vez restrito, da palavra 'governo', pode-se dizer que as relações de poder foram 
progressivamente governamentalizadas, isto é, elaboradas, racionalizadas e centralizadas sob 
a forma e sob a caução das instituições estatais. 
4. Relações de poder e relações estratégicas A palavra estratégia é utilizada correntemente 
em três sentidos. Para já, para designar a escolha dos meios empregues para chegar a um 
fim; trata-se de uma racionalidade posta em ação para atingir um objetivo. 
Para designar a maneira como um parceiro, num dado jogo, age em função daquilo que ele 
pensa ser a ação dos outros, e daquilo que ele estima ser o que os outros pensam ser a sua; 
em suma a maneira como se tenta ter o comando sobre o outro. 
Enfim para designar o conjunto de procedimentos utilizados num afrontamento para privar o 
adversário dos seus meios de combate e levá-lo a renunciar à luta; trata-se dos meios 
destinados a obter a vitória. Estas três significações juntam-se nas situações de afrontamento 
- guerra ou jogo - onde o objetivo é o de agir sobre um adversário de tal maneira que a luta 
para ele seja impossível. A estratégia define-se pela escolha das soluções 'vitoriosas'. Mas é 
preciso ter em atenção que se trata aí de um tipo bem particular de situação; e que há outros 
onde é necessário manter a distinção entre os diferentes sentidos da palavra estratégia. 
Referindo-nos ao primeiro sentido indicado pode-se chamar 'estratégia do poder' ao conjunto 
de meios postos em ação para fazer funcionar ou para manter um dispositivo de poder. Pode-
se falar de estratégia própria às relações de poder na medida em que elas constituem modos 
de ação sobre a ação possível, eventual, suposta dos outros. Pode-se então decodificar em 
termos de estratégias os mecanismos postos em ação nas relações de poder. Mas o ponto 
mais importante é evidentemente a relação entre relações de poder e estratégias de 
afrontamento. Pois se é verdade que no coração das relações de poder e como condição 
permanente da sua existência, há uma insubmissão e liberdades essencialmente retentoras, 
não há relação de poder sem resistência, sem escapatória ou fuga, sem retorno eventual; toda 
a relação de poder implica, portanto, ao menos de forma virtual, uma estratégia de luta, sem 
que por isso elas se venham a sobrepor, a perder a sua especificidade e finalmente a 
confundir-se. Elas constituem uma para a outra uma espécie de limite permanente, um ponto 
de reversão possível. Uma relação de afrontamento reencontra o seu termo, o seu momento 
final (e a vitória de um dos dois adversários) logo que o jogo de reações antagônicas se vem 
substituir aos mecanismos estáveis pelas quais se pode conduzir de uma forma bastante 
constante e com suficiente certeza a conduta dos outros; para uma relação de afrontamento, 
desde que não seja uma luta de morte, a fixação de uma relação de poder constitui um ponto 
de mira - simultaneamente o seu cumprimento e a sua colocação em suspenso. E no outro 
sentido, para uma relação de poder, a estratégia de luta a constitui também uma fronteira: 
aquela ou a indução calculada das condutas nos outros não pode ir além da réplica à sua 
própria ação. 
Como se sabe não é possível aí haver relação de poder sem pontos de insubmissão que por 
definição lhe escapam, toda a intensificação, toda a extensão das relações de poder para as 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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submeter não pode deixar de conduzir aos limites do exercício do poder; este reencontra 
então a sua finalidade seja num tipo de ação que reduz o outro à impotência total (uma vitória 
sobre o adversário substitui-se ao exercício do poder), seja numa inversão daqueles que 
governam e a sua transformação em adversários. Em suma toda a estratégia de afrontamento 
sonha em transformar-se em relação de poder; e toda a relação de poder pende, na medida 
em que ela segue a sua própria linha de desenvolvimento e que evita as resistências formais, 
a tornar-se estratégia 'vitoriosa'. De fato, entre relação de poder e estratégia de luta, há um 
apelo recíproco, encadeamento indefinido e trocas perpétuas. (...) 
(*)Tradução parcial do texto: Michel Foucault, "Deux essais sur le sujet et le pouvoir", in 
Hubert Freyfus e Paul Rabinow, Michel Foucault. Un parcours philosophique, Paris, Gallimard, 
1984, pp. 297-321

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