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Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 11 (1): 59-69, jun. 2003 CDD: 375 CURRÍCULO: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL E HISTÓRICA CURRICULUM: A CONCEPTUAL AND HISTORICAL APPROACH Elizabeth Silveira Schmidt1 1 Autor para contato: Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, Campus Central, Departamento de Educação, Ponta Grossa, PR, Brasil; e-mail: lizasschmidt@ig.com.br - liza@uepg.br; (42) 220-3373 Recebido para publicação em 16/06/2003 Aceito para publicação em 27/06/2003 RESUMO O currículo deve ser alvo de inúmeros estudos pelos profissionais da educação, pois sem uma compreensão do que tenha acontecido nessa esfera, as outras mudanças têm pouco sentido e quase nenhuma razão de ser. A finalidade desta investigação é esboçar alguns dos ingredientes essenciais ao estudo da Teoria de Currículo: uma abordagem conceitual e histórica de currículo, como um movimento de contínua análise, reformulação, problematização e questionamentos, tendo a Sociologia do Currículo como um importante e fundamental elemento. A abordagem leva em consideração que currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social, que não é um elemento transcendental e atemporal, portanto tem história, que precisa ser estudada e compreendida. A caminhada conceitual e histórica realizada, inclusive abordando especificamente o caso Brasil, revela que a construção das conceituações de currículo são produções humanas que estão marcadas pelas opções valorativas realizadas em cada tempo e lugar, construindo a concepção curricular vigente, sempre com a idéia de que ela é a mais nova e a melhor para o contexto vivido. Palavras-chave: currículo, Sociologia do currículo, teorias curriculares no Brasil ABSTRACT The curriculum must be the object of countless studies by the professionals of education, for without an understanding of what has happened in this sphere the other changes have almost no reason to exist. The purpose of this investigation is to point out some of the ingredients essential to the study of the Curriculum Theory: a conceptual and historical approach of the curriculum as a movement of continuous analysis, reformulation, and questioning, which has the Curriculum Sociology as an important and fundamental element. This approach takes into account the fact that the curriculum is not an innocent and neutral element for a disinterested transmission of social knowledge, that it is not a transcendental and out-of-time element, and thus Publ. UEPG Humanit. Sci., Appl. Soc. Sci., Linguist., Lett. Arts, Ponta Grossa, 11 (1) 59-69, jun. 2003 60 has a history that needs to be studied and understood. This study, which specifically includes the case of Brazil, reveals that curriculum concepts are human productions that carry valuation options of each time and place, always with the certainty that the one in force is the best for that specific time. Key-words: curriculum, Curriculum Sociology, Brazil curriculum theories 1. Introdução O Sistema Educacional Brasileiro tem passado por inúmeras mudanças nos últimos anos, mudanças necessárias e provocadas pela implementação da LDBEN nº 9394/96 e sua regulamentação. Em meio a todas essas mudanças, nada tem sido mais significativo nem tão fundamental quanto as prin- cipais modificações que se têm feito no currículo em todos os níveis, desde a educação infantil até à univer- sidade. Sua natureza fundamental decorre do fato de ser o currículo o próprio fundamento de qualquer sistema de ensino, ele é o elemento nuclear do projeto peda- gógico da escola, viabilizando o processo de ensino e aprendizagem. Sendo assim, toda e qualquer mudança não terá efeito, se não a acompanhar uma reconcepção do currículo. Por isso mesmo, o currículo deve ser alvo de inúmeros estudos pelos profissionais da educação, pois sem uma compreensão do que tenha acontecido nessa esfera, as outras mudanças têm pouco sentido e, qua- se nenhuma razão de ser. A finalidade desta investigação é esboçar alguns dos ingredientes essenciais ao estudo da Teoria de Cur- rículo: uma abordagem conceitual e histórica de currí- culo, como um movimento de contínua análise, reformulação, problematização e questionamentos, ten- do a Sociologia do Currículo como um importante e fundamental elemento. Apple mostra a importância da desocultação do contexto econômico e político para um trabalho sobre currículo, quando diz que: (...) eu estava preocupado com o fato de que, em nossa longa história, desde Bobbitt e Thorndike até Tyler e, digamos, Popham e Mager, de tenta- tivas de transformar o currículo numa mera preo- cupação com métodos eficientes, nós tínhamos despolitizado quase totalmente a educação. Nos- sa busca de uma metodologia neutra e a contínua transformação da área em uma ‘instrumentação neutra’ a serviço de interesses estruturalmente não - neutros servia para nos ocultar o contexto político e econômico de nosso trabalho. (1989, p. 35) Acreditando-se que currículo não é um elemen- to inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social, que não é um elemento transcendental e atemporal, portanto tem história, (MOREIRA e SILVA, 1995), é que realizar-se-á uma abordagem conceitual e histórica para compreendê- lo. 2. Currículo: uma abordagem conceitual e histórica A linguagem usada na área educacional se ca- racteriza por expressões específicas empregadas em discursos, textos e documentos escritos por educado- res em variadas situações, fazendo parte da rotina de quem atua com educação escolar, sem se dar contar da carga conceitual que cada termo comporta. Por exemplo: currículo, grade curricular, componentes curriculares, conteúdos, atividades curriculares, maté- rias de estudo, disciplinas, programas... são palavras utilizadas muitas vezes pelos profissionais da educa- ção, sem considerar essa carga conceitual. Neste trabalho, é básico esclarecer a concei- tuação de “currículo”, pois comprovadamente, mes- mo pessoas da área da educação confundem - no com outros conceitos: programa, rol de conteúdos, plano de ensino, plano de curso; porém, ao refletir sobre es- Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 11 (1) 59-69, jun. 2003 61 sas vivências entre alunos e professores, sente-se que essas dimensões não bastam para conceituá-lo, é pre- ciso considerar muito mais... Por outro lado, se quisermos, pode-se listar até 50 definições de currículo apresentadas pela literatura, o que dá uma idéia do quanto as concepções são vari- áveis e diferentes quanto ao seu significado e funções, levando à ponderação de que não existe uma defini- ção certa, a mais reconhecida, a mais atual, pois ao decidir-se por uma delas, está-se definindo por uma determinada concepção, que inclui compromissos so- ciais e políticos. Ao analisar as definições da literatura corrente, pode-se classificá-las e entendê-las, seguindo o mo- delo de Pedra (1992, p. 3). São vistas desta forma: a) ora como resultados esperados - Ex: “Currí- culo é uma série estruturada de resultados buscados na aprendizagem”; b) ora como conjunto de experiências sob o comando da escola - Ex: “Currículo são todas as ex- periências que os estudantes desenvolvem sob a tutela da escola”; c) ora como princípios essenciais de uma pro- posta educativa - Ex: “O currículo é um intento de co- municar os princípios essenciais de uma proposta educativa de tal forma que fique aberta ao exame críti- co e possa ser traduzida efetivamente para a prática”. Considerando o sentido etimológico da palavra currículo, termo latino (curriculum) que expressa mo- vimento progressivo, o andamento de uma corrida de bigas, uma estrada a ser percorrida, pode-se dizer que não houve alteração profunda até hoje, mas não se pode deixar de assinalar as importantes variações que surgiram no vocábulo, no uso e na apropriação do mesmo pelo vocabulário pedagógico. Em assuntos de educação escolar, ao reconstituir as origens de emprego do termo currículo, vincula-se seu surgimentoao contexto da reforma protestante no final do século XVI, Possivelmente teria sido empregado já em 1582, nas escriturações da Universidade de Leiden, Holanda (fundada, aliás, na segunda metade do século XVI, com claros propósitos de ‘formar predicadores protestantes’). Mas segundo o Oxford English Dictionary, o primeiro registro que dele se constata é o de um atestado de gra- duação outorgado, em 1663, a um mestre da Uni- versidade de Glasgow, Escócia (reorganizada na mesma época, com idênticos propósitos). (SAVIANI, 1995, p. 16) Desde a apropriação deste termo ao vocabulá- rio pedagógico, os sentidos mais usuais da palavra cur- rículo se referem a planos e programas, a objetivos educacionais, a conteúdos, ao conhecimento escolar e à experiência de aprendizagem. No século XXI, na Sociedade do Conhecimen- to, considera-se que o conhecimento é a matéria pri- ma do currículo, portanto currículo é o conjunto de experiências de conhecimento que a escola oferece aos estudantes (Silva, 1996). O currículo é o canal pelo qual a macroestrutura social penetra na microestrutura escolar; é a corpo- rificação dos interesses sociais e da luta cultural que se processa na sociedade (CASTANHO, 1995); é um instrumento de ação política; é uma ação coletiva que se fundamenta numa concepção de mundo – homem - educação; é uma prática político-pedagógica; portan- to, ele é muito mais que um rol de disciplinas, ele é uma questão político-cultural pelo fato de trazer intenções que portam atitudes frente às relações sociais; poden- do-se perceber o quanto o tema é complexo. O conceito de currículo, inicialmente utilizado na Europa e nas Colônias Americanas, inclusive no Brasil colonial, se referia ao sentido estrito e com ênfase na matéria até o final do século XIX e progressivamente, a definição vai se enriquecendo na procura de um sen- tido mais amplo. Segundo Ragan apud Saviani (1995), em 1896, John Dewey, ao criar a escola - laboratório na Univer- sidade de Chicago, sob o princípio de que as crianças aprendem melhor através de experiências significati- vas, prepara caminho para o currículo por experiên- cias, com ampla aceitação na década de 30 no Brasil, referindo-se ao currículo como algo dado para o pro- fessor: os conteúdos devem mostrar ao mestre quais são os caminhos abertos à criança. Em 1902, John Dewey publicou um pequeno ensaio “The Child and The Curriculum”, criticando os currículos utilizados nas escolas de sua época..., estava sendo esboçada uma teoria para a construção dos currículos renovados, amplamente divulgada e acei- Publ. UEPG Humanit. Sci., Appl. Soc. Sci., Linguist., Lett. Arts, Ponta Grossa, 11 (1) 59-69, jun. 2003 62 ta no Brasil - aparece aí um currículo que valorizava os interesses do aluno, ao que chamamos de escola- novismo. No entanto, com a publicação do livro “The Curriculum”, em 1918, (1º livro sobre currículo), nos Estados Unidos, é atribuído a Franklin John Bobbitt o mérito de ter iniciado as teorizações sobre currículo, dizendo que currículo é aquele conjunto ou série de coisas que as crianças e os jovens devem fazer e ex- perimentar a fim de desenvolver habilidades que os capacitem a decidir assuntos da vida adulta: referindo- se a um currículo que desenvolvesse os aspectos da personalidade adulta então considerados desejáveis, plantando assim, a semente do tecnicismo. Pode-se dizer que as duas (posições), em seus movimentos iniciais, representaram diferentes res- postas às transformações sociais, políticas e eco- nômicas por que passava o país e que, ainda que de formas diversas, procuraram adaptar a escola e o currículo à ordem capitalista que se consoli- dava. As duas tendências, juntamente com vestí- gios e revalorizações de uma perspectiva mais tradicional de escola e de currículo, dominaram o pensamento curricular dos anos vinte ao final da década de sessenta e início da década seguinte. (MOREIRA e SILVA, 1995, p.11) Warde (1995) apresenta outro elemento impor- tante na constituição do currículo como campo de es- tudo: a publicação em 1929 do XXVI Anuário da Sociedade Nacional de Estudo da Educação, tam- bém norte-americana, que procurava revisar os estu- dos produzidos até então. Uma obra marcante no campo de currículo foi o livro “Princípios básicos de currículo e ensino”, publi- cado por Ralph Tyler em 1949, pelo fato de tornar-se uma referência bastante racional para quem trabalha com currículo, respondendo a quatro questões bási- cas: como selecionar objetivos, como selecionar as experiências de aprendizagem, como organizar essas experiências e como avaliar sua eficácia. Sua influên- cia foi marcante no Brasil, pois, os projetos de currí- culos desenvolvidos aqui, com raras exceções, sem- pre se ajustaram e ainda se ajustam ao seu modelo técnico - linear. As idéias de Tyler juntam-se às de Jerome Bruner que, com seu livro “O processo da educação” assume papel de destaque, enfatizando a necessidade de um currículo baseado na estrutura das disciplinas, recomendando que os currículos escolares e os méto- dos didáticos devem estar articulados para o ensino das idéias fundamentais, em todas as matérias que es- tejam sendo ensinadas. Conclui-se, portanto, que os processos de sele- ção e organização do conteúdo e das atividades de aprendizagem são questões centrais no campo de currículo. Até os anos 60, as diferentes pro- postas enfrentavam tais questões partindo das orientações dominantes que privilegiavam elemen- tos como a eficiência e a racionalidade técnica e científica em nome da minimização de custos e maximização de resultados. Predominava a idéia de que um planejamento rigoroso, baseado em teorias científicas sobre o processo ensino - apren- dizagem, era a forma de lidar com os problemas da área. (SANTOS e MOREIRA, 1995, p.49) Em 1957, com o lançamento do Sputnik pelos soviéticos e frente à Guerra Fria, estudiosos america- nos – matemáticos, psicólogos e sociólogos – formam grupos de trabalho, como o de Woods Hole, com o objetivo de voltar suas vistas e estudos aos conteúdos curriculares, que formarão os líderes e cientistas ame- ricanos; surgindo uma nova preocupação com o senti- do da matéria. Isso motivou o surgimento de grande número de definições de currículo, a tal ponto que estudiosos como Schwab (1969) e Huebner (1985 - mais radical), de- cretaram a morte do currículo enquanto campo de es- tudo. Compreende-se a preocupação da época, com as palavras de Schwab (1970, p.287), mostrando que “O campo de currículo está moribundo. Ele está inca- paz, por sua presente metodologia e princípios, de continuar seu trabalho e contribuir significativamente para os avanços da educação. Ele exige novos princí- pios... uma nova visão... de seus problemas... (e) no- vos métodos apropriados aos... problemas”; este é um exemplo das críticas feitas na época, que impulsio- naram as mudanças que viriam a seguir. Na década de 70 surge o movimento re- conceptualista e se expande nas décadas seguintes, tendo o livro de William F. Pinar, “Curriculum theorizing: Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 11 (1) 59-69, jun. 2003 63 the reconceptualists” (1975) como representativo da época. Warde (1995) apresenta Pinar, dizendo que até a década de 70, a dominância é da tendência tradicio- nalista com as seguintes características: estilo tecnicista de Bobbitt, Tyler e Taba, com a preocupação em pres- tar serviço aos professores e às escolas e à racio- nalidade burocrática e tecnológica; enquanto que a ten- dência reconceitualista, (desde o final dos anos 70 até agora vem passando por revisões significativas e des- dobramentos) – se caracteriza pelo seguinte: toda ati- vidade intelectual implica uma dimensão política, o abandono consciente da mentalidade técnica onde não há prescrições de modelos tradicionais; o que é ne- cessário é uma reconceitualização do que é currículo, de como funciona e de como pode funcionar... O currículo participa de um processo social muito amplo e apesar da limitação das dimensões, era trata- do muito maiscomo objeto da Psicologia do que da Sociologia, por isso, ficou profundamente marcado pela sua influência, delimitando inclusive, a extensão de suas definições. A palavra “experiência” de corte psicológico está presente em vários conceitos e não se pode negar as contribuições de Herbart, Claparède, Piaget, Ausubel e Vygotski, entre outros, nas mudanças de eixo das bases curriculares, por ex: dos aspectos lógicos para os psicológicos, do ensino para a aprendizagem, etc. O currículo até aqui não foi objeto das análises sociológicas, motivado pelo seu caráter técnico e bu- rocrático, mas (...) a crítica a essas abordagens e a abertura de novas perspectivas na área surgem com a consti- tuição de uma corrente, no campo da Sociologia da Educação, voltada para o estudo de currículo. Essa tendência denominada Nova Sociologia da Educação (NSE), desenvolve-se na Inglaterra nos primeiros anos da década de 70, tendo como mar- co o livro Knowledge and Control: new direction for the Sociology of Education, edi- tado por Michael YOUNG. Opondo-se à orienta- ção funcionalista que dominava os estudos da Sociologia da Educação, fundamentando-se na fenomenologia e no neomarxismo e em conso- nância com o discurso contestador que se difun- dia na Inglaterra e em outros países da Europa nesse período (FORQUIN, 1993), a NSE levanta questões relevantes sobre a constituição do co- nhecimento escolar. (SANTOS e MOREIRA, 1995, p. 49) Também nos anos 70, nos Estados Unidos, es- tudiosos como Henry Giroux e Michael Apple, influ- enciados pela teoria social européia, pela psicanálise, por Paulo Freire e pela Nova Sociologia da Educação inglesa, mostram-se insatisfeitos com as tendências no campo de currículo, criticam a abordagem técnica e dão ênfase ao caráter político dos processos de pen- sar e fazer currículos, sendo considerados pioneiros da tendência curricular crítica, e voltando seus olhos para o conhecimento escolar, realizam (...) uma análise de forte cunho sociológico, pro- curam mostrar como as formas de seleção, orga- nização e distribuição do conhecimento escolar favorecem a opressão da classe e grupos subor- dinados. (...) Mais recentemente, esses autores têm enfatizado as contradições, resistências e lu- tas que ocorrem no processo escolar e também procurado discutir alternativas que permitam sua organização a favor da emancipação individual e coletiva. (SANTOS e MOREIRA, 1995, p. 50) O desenvolvimento da teoria educacional na década de 80 levou a novas formas de se entender as conexões entre currículo e as relações de poder na sociedade mais ampla. Da década de 90 em diante, novas categorias estão sendo usadas para se compreender as formas de produção do conhecimento nas instituições sociais, assim como uma nova preocupação com o conteúdo e a natureza do conhecimento veiculado por essas insti- tuições, isto porque “nas escolas não se aprendem apenas conteúdos sobre o mundo natural e social; ad- quirem-se também consciência, disposições e sensibi- lidades que comandam relações e comportamentos sociais do sujeito e estruturam sua personali- dade”.(SANTOS e MOREIRA, 1995, p. 50) O pensamento pós-moderno tem marcado gran- de parte da produção recente no campo de currículo, destacamos Giroux (1983 e 1987), Sacristán (1998), McLaren (1997), Cherryholmes (1993), Hall (1998), Silva (1992, 1996 e 1999). Especificamente sobre a seleção e organização do conhecimento escolar, des- tacamos Willians (1984), Forquin (1993), Hernández Publ. UEPG Humanit. Sci., Appl. Soc. Sci., Linguist., Lett. Arts, Ponta Grossa, 11 (1) 59-69, jun. 2003 64 e Ventura (1998), Coll (1999), Kress (1993) e Santomé (1998). 3. Currículo no Brasil O Brasil com suas peculiaridades e marcas de pensamento transplantado, teve a trajetória do termo currículo da mesma forma que nos Estados Unidos e a produção científica sobre o tema é recente e eferves- cente. De acordo com Moreira (1990), as questões curriculares vêm sendo discutidas desde as décadas de 20-30, quando os pioneiros da Escola Nova reali- zaram as primeiras reformas curriculares isoladas: Bahia, Minas Gerais e Distrito Federal, e quando aconteceu a 1ª tentativa de reforma educacional brasileira, pelo ministro (1º) Francisco Campos, após a criação do Ministério de Educação e Saúde, em 1930; sob a in- fluência das teorias pedagógicas de Dewey, Decroly e Kilpatrick. Na reforma organizada por Francisco Campos e Mário Casassanta, em Minas Gerais, o pensamen- to da Escola Nova aparece sistematizado com clareza. Essa reforma, que procurou reorganizar os ensinos elementar e normal, é considerada por Nagle (1974) como o primeiro momento de uma abordagem técnica de questões educacionais no Brasil. É nela também que percebemos, pela pri- meira vez, a utilização de princípios definidos de elaboração de currículos e programas. (MOREIRA, 1990, p. 89) A pedagogia escolanovista constituiu-se numa reação ao currículo clássico da pedagogia tradicional, sendo que os eixos curriculares e pedagógicos deslo- caram-se do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do pro- fessor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não-diretivismo; da quantidade para a qua- lidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedago- gia de inspiração experimental baseada principal- mente nas contribuições da biologia e da psicolo- gia. (SAVIANI, 1993, p.20) Nas primeiras décadas dos anos novecentos, o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu- cacionais e o PABAEE - Programa de Assistência Brasileiro - Americana de Educação Elementar, se destacam com inúmeras ações de grande importância: promovem cursos, experiências e pesquisas, o INEP organiza classes e escolas experimentais (mais tarde extintas com o golpe de 64) e são considerados os melhores veículos de divulgação na área, formando os primeiros especialistas em currículo. A influência americana aumentou muito nos anos 50 - 60 e 70, com a assinatura de vários acordos de cooperação e assistência técnica (MEC/USAID), a educação brasileira é marcadamente tecnicista ameri- cana. Apesar da 1ª edição do livro de Tyler (1949) em português, ter acontecido só em 1974, (em 1984 já estava na 9ª edição), as suas idéias penetraram com muita força no Brasil, também através de sua discípula argentina, Hilda Taba, e os dois, foram fontes intelec- tuais para Dalila C. Sperb1 , Marina Couto2 e Lady Lina Traldi3 , brasileiras pioneiras na área. Ralph Tyler e Hilda Taba influenciam decisiva- mente e multiplicam-se as medidas tomadas por espe- cialistas e técnicos em educação para orientar e super- visionar a implementação de guias curriculares, crian- do-se a habilitação “Supervisão” no curso de Pedago- gia e os cursos de pós-graduação em Supervisão e Currículo. Com isso, houve grande parcelamento do tra- balho pedagógico, com a especialização de funções, e com nova forma de se organizar o trabalho escolar, 1 SPERB, Dalilla C. Problemas gerais do currículo. Porto Alegre, Brasil: Ed. Globo, 1966. (1º manual de currículo escrito no Brasil) 2 COUTO, Marina. Como elaborar um currículo. Rio de Janeiro, Brasil: Ao Livro Técnico, 1966. (2º manual de currículo brasileiro) 3 TRALDI, Lady Lina. (1977) Série estudos de currículo. São Paulo, Brasil: Atlas. Vol. 1, 2 e 3. (3º manual de currículo brasileiro) Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 11 (1) 59-69, jun. 2003 65 conforme esclarece Saviani, Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor que era, ao mesmo tempo, o sujeito do processo, o elemento decisivo e decisório; se na pedagogia nova a iniciativa desloca-se para o alu- no, situando-se o nervo da ação educativa na re- lação professor-aluno, portanto, relação inter- pessoal, intersubjetiva – na pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando professor e aluno posiçãosecundária, relegados que são à condi- ção de executores de um processo cuja concep- ção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. A organização do processo converte-se na garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do pro- fessor e maximizando os efeitos de sua interven- ção. (1993, p. 24) Desta maneira, pode-se entender a face con- servadora da escola brasileira nessa época e tecer co- mentários sobre seus pressupostos, que conforme Veiga (1989), estão ligados à doutrina liberal, tendo como preocupação básica o cultivo individual, preparando o homem para o desempenho de papéis sociais, facili- tando a divisão técnica e social do trabalho e reforçan- do as desigualdades sociais porque se propõe a igua- lar indivíduos desiguais; quer dizer, a escola conserva- dora é completamente divorciada da realidade históri- co-social da qual é parte. A organização escolar é racionalizada e faz par- te da lógica do capital, onde o controle da minoria so- bre a maioria gera conflitos intensos, pois “quanto mais racionalizada for a organização escolar, mais o profes- sor perderá o controle de seu próprio trabalho e mais se transformará em um simples executor”. (SANTOS, 1996, p.410). A prática pedagógica dessa escola ocorre de uma forma acrítica, não-criativa, mecanizada, onde os instrumentos utilizados levam a uma dicotomia entre o pensar e o fazer, entre a concepção e a execução, vi- sando à racionalidade, à eficácia e à produtividade, deixando de lado as questões referentes aos funda- mentos do currículo. No modelo técnico-linear o especialista domina o processo com a intenção de garantir o controle e maximizar o rendimento. Moreira afirma que “a preocupação de Tyler com as necessidades e os interesses dos alunos, uma das suas fontes de seleção de objetivos, sugere uma identificação com idéias progressivistas e, conseqüen- temente, um interesse em compreensão”. (1990, p.61). A ideologia reinante era a da eficiência e da racionalidade, e no campo de currículo a ênfase é dada ao tecnicismo e ao planejamento; as discussões filosó- ficas e de princípios foram substituídas pelo “como fa- zer”; a educação ficou caracterizada pela separação entre a teoria e a prática; há uma supervalorização das especializações - Taylorismo na educação; a disciplina Currículos e Programas foi introduzida nas Faculda- des de Educação (Lei 5540/68); ensinava-se o como fazer, sem reflexão sobre o porquê fazer; não havia relação entre educação e sociedade, entre currículo e sociedade. São as Teorias Tradicionais de Currículo que estão dominando o ideário pedagógico brasileiro nes- se momento histórico. Na década de 80, com a crítica ao tecnicismo, verifica-se que o pensamento pedagógico brasileiro desenvolveu-se e alcançou acentuada autonomia, a in- fluência de Marx e Gramsci aumentou consideravel- mente e verifica-se a expressão de uma política edu- cacional alternativa, intensificando-se a tendência críti- ca com educadores identificados com a concepção de Educação Popular e da Pedagogia Histórico-crítica – alguns até ocupam espaços na política tentando im- plantar suas idéias, neutralizar posições e orientações conservadoras e lutar pela questão do ensino básico universal de boa qualidade. Com uma abordagem completamente nova e diferente das obras sobre currículo, conhecidas no Brasil, Antonio Flávio Barbosa Moreira publica sua tese de doutoramento “Currículos e programas no Bra- sil” (1990), defendida no Instituto de Educação da Universidade de Londres, sob a orientação de Michael Young e Robert Cowen; oferecendo uma perspectiva crítica sobre o desenvolvimento teórico do campo curricular no Brasil, dando início a um sem número de trabalhos na área. Enfim, nos anos 80 e 90 multiplicam-se os estu- dos no campo de currículo pautados pela Teoria Críti- ca de Currículo, e inúmeros educadores têm seus tra- balhos divulgados pela ANPED, ANDE, FDE e ou- tras entidades e em revistas e periódicos da área edu- Publ. UEPG Humanit. Sci., Appl. Soc. Sci., Linguist., Lett. Arts, Ponta Grossa, 11 (1) 59-69, jun. 2003 66 cacional brasileira. Com relação às teorias, Silva comenta que tan- to as teorias educacionais quanto as teorias de currí- culo apresentam afirmações de como as coisas deve- riam ser, e que é importante adotarmos uma noção de teoria a partir da noção de “discurso”, quer dizer: uma definição não nos revela o que é, essencial- mente, o currículo: uma definição nos revela o que uma determinada teoria pensa o que o currículo é. (...) a questão central que serve de pano de fundo para qualquer teoria do currículo é a de saber qual conhecimento deve ser ensinado.(...) que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, en- volvido naquilo que somos, naquilo que nos torna- mos: na nossa identidade, na nossa subjetividade. (2001, p. 14 -15) Vários teóricos classificaram as posturas curri- culares mais freqüentes na prática dos professores, agrupando-as desde as mais tradicionais até às mais progressistas, em busca de teorização em currículo, de forma a simplificar e dar significado a este novo campo de estudo em educação. Encontramos na literatura, várias classificações de paradigmas curriculares, entre elas, a de McNeil (1973), que descreve os paradigmas: humanístico, aca- dêmico, tecnológico e de reconstrução social e a de Eisner e Vallance (1974) que identificaram os seguin- tes paradigmas curriculares: racionalismo acadêmico, processo cognitivo, tecnologia do ensino, experiência consumatória e reconstrução social. No Brasil, José Luiz Domingues (1986), reali- zou uma classificação baseada nos interesses cognitivos de Jürgen Habermas, elaborada originalmente por James B. MacDonald (1975) e por ele divulgada e aplicada para a realidade brasileira. Domingues apresenta o esboço do esquema conceitual que serviu de alicerce para sua reflexão, da seguinte maneira: James B. Macdonald assume duas premissas bá- sicas no campo de currículo: a) o interesse huma- no: técnico, de consenso e emancipador, é a raiz de todo o pensamento curricular; b) as diferenças básicas no pensamento curricular surgem dos di- ferentes enfoques de pesquisa usados na sua cons- trução: empírico-analítico, histórico-hermenêutico e praxiológico. De posse dessas premissas, James B. Macdonald considera serem três os paradigmas de desenvolvimento de currículo, cada um ligado a um dos interesses humanos. O interesse técni- co comanda o paradigma técnico-linear, cuja fon- te é o pensamento de Ralph Tyler (1949); o inte- resse no consenso orienta o paradigma circular- consensual, bem caracterizado nos artigos de Maxine Greene (1975) e de William F. Pinar (1975); e, finalmente, o paradigma dinâmico- dialógico, assim chamado por emergir do proces- so dialógico, com o interesse de emancipação, tem em Michael Apple (1975) e Henry Giroux (1983) dois dos seus mais proeminentes porta-vozes. (1986, p. 48-49) Recentemente, Tomaz Tadeu da Silva (2001, p. 17), agrupa as teorias curriculares em grandes catego- rias de teoria de acordo com os conceitos que elas, respectivamente, enfatizam, são as Teorias TRADI- CIONAIS, CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS, confor- me quadros a seguir, que aprofundaremos em outra oportunidade. TEORIAS TRADICIONAIS ensino aprendizagem avaliação metodologia didática organização planejamento eficiência objetivos TEORIAS CRÍTICAS ideologia reprodução cultural e social / poder classe social capitalismo relações sociais de produção conscientização emancipação e libertação currículo oculto resistência TEORIAS PÓS- CRÍTICAS identidade, alteridade, diferença subjetividade significação e discurso saber-poder representação cultura gênero, raça, etnia, sexualidade multiculturalismo Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 11 (1) 59-69, jun. 2003 67 Silva (2001) traça um panorama de currículo desde sua gênese, nos anos vinte até agora, perpas- sando pelasteorias tradicionais e críticas até chegar às teorias pós-críticas. Aponta o poder como ponto de separação entre as teorias tradicionais e as críticas e pós-críticas, pois considera que na perspectiva pós- estruturalista, o currículo é uma questão de poder, pois selecionar, privilegiar um conhecimento, destacar uma identidade ou subjetividade, são operações de poder. Enquanto as teorias tradicionais consideram-se neutras, científicas e desinteressadas, as críticas e pós- críticas, contrariamente, argumentam que não existem teorias neutras, científicas e desinteressadas, e sim implicadas em relações de poder. As teorias pós-críticas apresentam-se no Brasil, de forma tênue e sem muita ênfase, ainda, pois os cur- rículos abordam poucas questões que as representam através dos Temas Transversais (Ética, Saúde, Orien- tação Sexual, Meio Ambiente, Trabalho e Consumo e Pluralidade Cultural), propostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais. (BRASIL, 1998) Embora este conceitual referente às Teorias Curriculares se apresente de forma pura, como mode- los educacionais, ele tem por objetivo esclarecer os enfoques de cada posição oferecendo ao educador um referencial para a análise de suas posições curriculares, sendo importante esclarecer que ... da mesma forma que existe um ‘continuum’4 entre as orientações filosóficas em educação, este estará subjacente nas orientações curriculares, na medida em que estas são fundamentadas naque- las. O confronto, portanto, das descrições de cada posição em sua forma pura poderá revelar uma distância maior do que na realidade existe, princi- palmente na medida em que essas formas ideais não são encontradas na prática educacional. (YAMAMOTO e ROMEU, 1983, p.111) 4. Finalizando com considerações sobre o paradigma crítico O paradigma crítico, no Brasil, teve seus pri- meiros sinais com a tradução dos livros de Apple 5 e Giroux 6 , que podem ser consideradas obras clássicas na literatura sobre currículo, principalmente com as contribuições significativas oferecidas pelo paradigma dinâmico-dialógico na construção do pensamento curricular: currículo oculto e conflito no currículo. Em sua análise crítica, Moreira (1990) tenta mos- trar que Domingues “não nos possibilita uma visão mais integrada das teorias dos dois especialistas. [...] limita- se aos primeiros estágios de seus pensamentos”, mas concorda com Domingues apontando duas falhas observáveis quanto ao discurso crítico em geral e aos trabalhos de Apple e Giroux em particular, diz que apresentam” (...) argumentos muito complexos e falta de reco- mendações práticas. Se os professores e espe- cialistas em currículo não entenderem o que os autores críticos propõem e não receberem orien- tações mais precisas que os ajudem a lidar com as situações concretas de suas práticas, será difí- cil que a tendência crítica venha a ser aplicada nas escolas.(ibid, p.76) Comprovou-se essa preocupação, também no que se refere ao embasamento filosófico da pedagogia histórico-crítica ou pedagogia dos conteúdos e sua aplicação na prática, pois as questões centrais dos pro- fessores eram: Como trabalhar em sala de aula, a par- tir da experiência concreta do aluno, trazida de seu meio social? Quais são as ações pedagógicas concre- tas para que se efetue a mediação entre o saber esco- lar e as condições reais e sociais de existência dos alu- nos? 4 “Existe um ‘continuum’ quando cada uma das filosofias toma algo emprestado às outras, mas cada uma delas incorpora à sua unidade orgânica aquilo que tomou à outra”. (BRAMELD, 1967, p.41) 5 APPLE, Michael W. Ideologia e currículo. São Paulo, Brasil: Brasiliense, 1982 APPLE, Michael W. Educação e poder. Porto Alegre, RS, Brasil: Artes Médicas, 1989 6 GIROUX, Henry. Pedagogia radical: subsídios. São Paulo, Brasil: Cortez: Autores Associados, 1983 Publ. UEPG Humanit. Sci., Appl. Soc. Sci., Linguist., Lett. Arts, Ponta Grossa, 11 (1) 59-69, jun. 2003 68 Que conteúdos devem ser selecionados? Como se garante a apropriação crítica desses conteú- dos? Como resolver a questão transmissão/assi- milação ativa? Como interligar conteúdos e con- dições sociais concretas de vida, sem ficar na pura transmissão ou na simples constatação da experi- ência vivida? (LIBÂNEO, 1990, p.121) Surgem duas linhas críticas no Brasil, a primeira acredita que o currículo deve se preocupar com a trans- formação social; deve levar os alunos à reflexão crítica e à conseqüente desmistificação dos conteúdos curriculares; à libertação das classes populares da opressão sofrida, através da vivência das premissas pelo currículo. A recuperação da escola pública é vista como nuclear nessa posição, podendo ser instrumento de transformação do social, devendo distribuir o conhecimento dentro de um projeto emancipador, assegurando o acesso ao conjunto da cultura dos homens na sua trajetória histórica. Deve ser exi- gente para instruir e flexível nos seus métodos. (CASTANHO, 1995, p.12) A segunda tendência acredita que o currículo não pode corrigir os defeitos de uma sociedade de classes, porque ele faz parte destes defeitos, as mudanças só podem acontecer fora da escola, mediante a ruptura social e política, o currículo deve oportunizar a alunos e professores o direito e a responsabilidade de engajamento político em partidos e sindicatos; o currí- culo é entendido como ato ou atividade global de toda a sociedade. O conhecimento não pode ser doado, trazido de fora para dentro; deve resultar de uma vivência, de uma prática de vida, de uma comunicação intersubjetiva. Ao professor compete ir junto, mas lhe é negado intervir: seja para estabelecer o pro- grama, seja para exigir conhecimentos. (DOMINGUES, 1986, p.59) Enfim, para discutir currículo de uma forma crí- tica, é necessário saber que essa discussão de currícu- lo precisa ser realizada num sentido amplo e abrangente, não se limitando a problemas técnicos como aconte- ceu em muitos momentos da história, mas sim, extrapolando esses problemas técnicos, entendendo- se que o campo específico de currículo está altamente influenciado por um conjunto de valores educacionais, a respeito dos quais é extremamente necessário que se defina, dentro de um quadro de referência teórica, his- tórica e política. Tomar decisões curriculares é essencialmente tomar decisões de valor, e decidir-se por uma defini- ção de currículo está em se definir por uma determina- da concepção, que inclui compromissos sociais e polí- ticos; uma vez tomadas essas decisões, a definição assume significado. Para discutir currículo é necessário conhecer e entender as diversas concepções curriculares existen- tes, pois elas implicam em visões filosóficas a respeito do mundo, do homem, da educação. “Toda concepção curricular implica sempre uma determinada proposta pedagógica (uma proposta so- bre o que e como se deve ensinar, aprender ou avaliar, o papel dos diferentes sujeitos em tudo isso, seus mo- dos de se relacionar etc.) e reflete uma determinada concepção, não só do educativo, mas do social, do político, do cultural etc.” (TORRES, 1995, p. 16) Se todo trabalho pedagógico fundamenta-se em pressupostos de natureza filosófica, ao desenvolver a sua prática, o educador torna evidente suas opções, que se concretizam no desenvolvimento do currículo: ora assumindo posturas mais conservadoras, ora de- monstrando atitudes mais renovadoras. Sendo assim, não existe a mais nova ou a me- lhor definição de currículo, porque uma vez que impli- ca uma posição de valor, tal definição vai ser melhor para um grupo que opta por determinados valores; o que pode ser a melhor definição para se trabalhar em um determinado grupo, porque ele fez opções, pode não ser válido para outro grupo, porque ele fez outras opções. Acreditando que a educação não prescinde de uma filosofia, adota-se a noção de currículo de Yamamoto e Romeu (1983, p. 117) “(...) como uma filosofia de vida em ação. (...) Nenhum trabalho peda- gógico está desprovido de um referencial de valores que, consciente ou não, em última análise, representa a visãoque o educador tem do mundo, das pessoas e de si mesmo”. A caminhada conceitual e histórica realizada re- vela que as conceituações de currículo são produções humanas que estão marcadas pelas opções valorativas Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, 11 (1) 59-69, jun. 2003 69 do homem, realizadas em cada tempo e lugar, cons- truindo a concepção curricular vigente, sempre com a idéia de que ela é a mais nova e a melhor para o con- texto vivido. REFERÊNCIAS 1 APPLE, M.W. Educação e poder. Porto Alegre, RS: Artes Médicas,1989. 2 BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 3 CASTANHO, M.E. Paradigmas de currículo diante da nova ordem mundial. In: Seminário sobre currículo. Série Idéias, n. 1. Campinas, SP: PUCCAMP, 1995. 4 DOMINGUES, J. L. Currículo como atividade intencional. In: CAPPELLETTI, I.; MASETTO, M. T. (Org.) Ensino superior: reflexões e experiências. São Paulo: PUC-SP-EDUC, 1986. 5 LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 9. ed. São Paulo: Loyola, 1990. 6 MOREIRA, A. F.B. Currículos e programas no Brasil. 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In: D’ ANTOL. (Org.) Supervisão e currículo: Rumo a uma visão humanista. São Paulo: Pioneira, 1983.
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