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198 manejo clínico de Pacientes com obesidade grave tratados com cirurgia bariátrica maria de Fátima de maGalhães GonzaGa* artigo EspEcial bsbm brasíliamédica resumo A obesidade grave é uma doença de causa multifatorial, resultante da interação entre fatores genéticos complexos e o ambiente propício ao desenvolvimento da obesidade, tais como alimentação inadequada e sedentarismo. Neste artigo, faz-se uma breve revisão sobre a avaliação inicial, tratamento e acompanhamento clínico de pacientes com obesidade grave, submetidos à cirurgia bariátrica. Palavras-chave. Obesidade grave; cirurgia bariátrica; tratamento. abstract clinical ManaGeMent of Patients with severe obesity treated by bariatric surGery The severe obesity is a disease with multifactorial etiology, resulting of the interaction between complex genetic factors and the favorable environment to obesity development, such as inappropriate nutrition and sedentarism. In this paper, a concise review is made about initial evaluation, treatment and clinical monitoring of patients with severe obesity submitted to the bariatric surgery. Key words. Severe obesity; bariatric surgery; treatment. * Médica endocrinologista. Serviço de Endocrinologia, Hospital Universitário de Brasília. Clínica de Endocrinologia e Neurologia (CLINEN). Correspondência: SCN, quadra 1, bloco F, Edifício América Office Tower, sala 1105, CEP 70711-905, Brasília, DF. Internet: ftimagonzaga@yahoo.com.br Recebido em 10-8-2008. Aceito em 30-8-2008 introdução A obesidade atinge proporções epidêmicas. Sua prevalência vem aumentando, assim como a gravidade da doença, tanto em adultos quanto em crianças. Em todo o mundo, aproximadamente um bilhão de pessoas está acima do padrão de peso, considerando-se indivíduos com índice de massa corporal (IMC) acima de 25. Nos Estados Unidos, nos anos 2003 e 2004, o National Health and Nutrition Examination Sur- vey (NHANES) mostrou que 66% dos americanos com 20 anos ou mais de idade se encontravam em faixa de sobrepeso ou de obesidade.1 Além disso, dados referentes à população americana mostram que 7% das mulheres e 3% dos homens estão com o índice igual ou superior a 40 e que 4% dos adolescentes são extremamente obesos, com IMC no percentil 99 ou acima desse.2 No Brasil, dados de 2003, da Pesquisa de Orçamento Familiar revelam que o excesso de peso afeta 41% dos homens e 40% das mulheres. Desses, a obesidade atinge 8,9% dos homens e 13,1% das mulheres adultas.3 Um estudo em que se analisou a prevalência da obesidade grave no Brasil revelou-se crescimento de 255%, de 1974 a 2003, 0,18% em 1974 e 1975, 0,33% em 1989 e 0,64% em 2002 e 2003. Esse tipo de obesidade foi mais frequente no sul do País nas primeiras duas pesquisas, mas seu número subiu de modo acele- rado no sudeste, alcançou prevalência de 0,77% em 2002 e 2003, que superou a Região Sul.4 Brasília Med 2008;45(3):198-207 199 etiologia, fisioPatologia e conseQuências A obesidade é doença crônica, progressiva, de causa multifatorial, resultante da interação de fatores genéticos complexos e ambiente favo- rável ao seu desenvolvimento, representado por ingestão excessiva de calorias em relação ao gasto energético. Além disso, outras variáveis, como crescimento intra-uterino, secreção de hormônio de crescimento, gonadotrofinas e o retrocontrole existente entre o metabolismo energético perifé- rico e o sistema nervoso central, são fatores que, associados às leis da termodinâmica, regulam a composição corporal.5 Os efeitos do excesso de peso sobre a morbi- dade e a mortalidade são conhecidos há mais de dois mil anos. Hipócrates referiu que “a morte súbita é mais comum naqueles que são natural- mente obesos comparados aos magros.”2 A hi- pertrofia ou hiperplasia do adipócito constitui a lesão patológica da obesidade. A célula gordurosa aumentada secreta peptídeos e ácidos graxos livres que serão responsáveis por numerosas disfunções, entre elas o diabetes mellitus, resistência à insu- lina, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, esteatose hepática gordurosa não alcoólica, certas formas de neoplasias malignas de cólon, mama, esôfago, útero, ovário, rins e pâncreas, litíase biliar, apnéia do sono, osteoartrites e doenças cardiovasculares.2,6 Além disso, o excesso de peso é estigmatizante e expõe os indivíduos portadores a risco de disfunção psicossocial, especialmente nas mulheres, por sofrerem maior pressão social para que sejam magras.2 aValiação clínica do Paciente com obesidade graVe A avaliação de indivíduo obeso deve incluir a história de ganho de peso, o peso máximo atingido, uso de medicamentos que possam ter contribuído para o aumento de peso, como corticosteróides, tiazolinedionas e agentes antipsicóticos, por exemplo, abordagens prévias para redução de peso, padrão de ingesta alimentar (incluindo-se binge eating), prática de atividade física e como está a sua motivação para perder peso. A ausên- cia de motivação, entretanto, não deve impedir a comunicação entre o profissional de assistência e o paciente sobre a importância da redução de peso.6 Todos os obesos deverão ser avaliados quanto à presença de condições associadas à obesidade, utilizando-se a história clínica e o exame físico. A maioria dos pacientes com índice igual ou superior a 30, e muitos com 25 a 30, têm comorbidades associadas. O índice de massa corpórea igual ou superior a 30 está associado com risco de morte aumentado por todas as causas, mas principalmen- te por doenças cardiovasculares. A circunferência abdominal, por outro lado, é um preditor indepen- dente de risco e deve ser medida rotineiramente. Nos portadores de obesidade menos grave, a diminuição de 5% a 10% do peso corporal pode ser suficiente para modificar favoravelmente a circunferência abdominal, a pressão arterial, as citocinas circulantes e os níveis de glicose, trigli- cerídeos e HDL-colesterol.6 mecanismos enVolVidos na regulação do Peso corPoral Existem fatores envolvidos na regulação do peso corporal que dificultam aos portadores de obesidade perderem peso em longo prazo com tratamento clínico. Com a diminuição de peso, haverá aumento da sensibilidade à insulina, o que resulta em maior captação de glicose no músculo, no tecido adiposo e maior atividade da lipase lipoproteica no adipócito, mas diminuição da atividade dessa enzima na musculatura esque- lética. Esses mecanismos protegem a massa de tecido adiposo e favorecem muito mais o estoque de gordura comparado à oxidação desta na mus- culatura esquelética.6 Além disso, outros fatores estão envolvidos na regulação neuroendócrina do peso corporal. Dentro do intestino, células ente- roendócrinas especializadas sintetizam e secretam peptídeos (GLP-1 e PYY) em resposta à ingestão de nutrientes. Esses, com a leptina secretada pelo adipócito e a insulina secretada pelo pâncreas, levarão informações ao hipotálamo, constituindo, portanto, sinais de saciedade capazes de promo- Brasília Med 2008;45(3):198-207 paCientes Com obesidade Grave 200 ver o término da refeição. Exceção notável é a grelina, potente hormônio orexígeno secretado pelas células oxínticas do fundo gástrico, que tem seus níveis aumentados no jejum e diminuem no período pós-prandial.7 O que ocorre com indivíduos obesos que emagrecem com tratamento clínico? Ocorrem aumento da grelina, hormônio que ativa o apetite e diminui o gasto energético, e diminuição da leptina, hormônio que faz diminuir a ingestão de alimentos e aumenta o gasto energético. Isso corresponde à ativação dos mecanismos de home- ostase energética na tentativa de recuperar o peso perdido.7 Por que pacientes submetidos à cirurgia da obesidade perdem peso? Existe a hipótese de que a eficácia da cirurgia seria por alterarhor- mônios intestinais que sabidamente influenciam o controle neuroendócrino do apetite. Após esse procedimento, não há aumento compensatório da grelina como ocorre nas perdas de peso induzidas pela dieta. Além disso, hormônios anorexígenos (GLP-1, PYY e oxintomodulinas) aumentam de forma exagerada e precoce em resposta à ingestão de nutrientes.7 tratamento da obesidade graVe: indicação, aValiação e PreParo Pré-oPeratório Embora a medicação antiobesidade associada à mudança no estilo de vida, resulte em maior perda de peso, comparada à medicação isolada ou apenas mudanças no estilo de vida, essas intervenções não são efetivas nos portadores de obesidade grave, e a cirurgia da obesidade é reconhecida como abordagem mais eficaz para esses casos.7,8 De acordo com o protocolo da Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos, da So- ciedade de Obesidade e da Sociedade Americana de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, a cirurgia da obesidade está indicada nas situações listadas na tabela 1.9 Ainda de acordo com essa orientação, os dados atualmente disponíveis são insuficientes para re- comendar a operação bariátrica em pacientes com índice de massa corpórea inferior a 35.9 O Consenso Brasileiro Multissocietário em Cirurgia da Obesidade de 2006 indica também a realização de cirurgia bariátrica em pacientes com IMC de 30 a 35 na presença de comorbidades que tenham obrigatoriamente a classificação de grave por médico especialista na respectiva área da doença.10 Também é obrigatória a constatação da denominada intratabilidade clínica da obesidade, por um endocrinologista. A equipe cirúrgica e a instituição hospitalar envolvidas devem manter registro de indicação especial por comorbidade grave nesses casos e anexar documento emitido por especialista na área respectiva da doença, uma cópia ficará no prontuário do paciente e outra, com o cirurgião.10 Tabela 1. Indicações e contraindicações da cirurgia para correção de obesidade em adultos Fontes: American Association of Clinical Endocrinologists e The Obesity Society and American Society for Metabolic & Bariatric Surgery9 Indicações IMC ≥ 40 sem comorbidades IMC ≥ 35 associado às comorbidades desencadeadas ou agravadas pela obesidade Insuficiência das condutas não cirúrgicas para redução de peso, incluindo-se vigilantes do peso, Inc. Compromisso do paciente em aderir aos cuidados pós-operatórios, comparecer periodicamente às consultas médicas e às consultas aos demais membros da equipe multiprofissional. Contraindicações Doença endócrina ou outra doença reversível como causa da obesidade Uso atual de álcool ou de drogas ilícitas Doença psiquiátrica grave não controlada Falta de compreensão relativa a riscos, benefícios, resultados esperados, e necessidades de mudanças no estilo de vida após o procedimento. maria de Fátima de maGalhães GonzaGabsbm b r a s í l i a m é d i c a Brasília Med 2008;45(3):198-207 201 A escolha do tipo de procedimento bariátrico deverá se basear na experiência do cirurgião, nos recursos disponíveis da instituição onde o proce- dimento será realizado, na preferência do doente, na estratificação de risco e em outros fatores idios- sincrásicos com os quais os médicos deverão estar familiarizados. Os médicos deverão ter cautela ao indicar derivação biliopancreática e derivação biliopancreática com ligação ao duodeno por causa dos riscos associados.9 A perda de peso pré-operatória deverá ser considerada nos indivíduos em que a redução do volume hepático possa melhorar os aspectos téc- nicos da cirurgia.9 A avaliação pré-operatória deve incluir história clínica detalhada, exame físico e testes laboratoriais apropriados. No Ambulatório de Obesidade Grave do Hospital Universitário de Brasília, o paciente é atendido inicialmente pelo endocrinologista, quando são solicitados exa- mes complementares, como hemograma, cálcio, fósforo, PTH, sódio, potássio, uréia, creatinina, TGO, TGP, fosfatase alcalina, gama GT, glicemia, lipidograma, ácido úrico, albumina, ferritina, so- rologia para hepatite B e C, HIV, TSH e T4 livre. Ecografia de abdome, endoscopia digestiva alta, polissonografia, exame radiológico de tórax e ga- sometria arterial também fazem parte dos exames pré-operatórios, além de avaliações por outras especialidades médicas de acordo com cada caso. Mensalmente, a equipe multiprofissional (endo- crinologista, nutricionista, psicólogo e cirurgião) se reúne para discutir a respeito da conduta sobre o paciente. Oportunamente este é encaminhado para realização da cirurgia da obesidade. Após a operação, o doente retorna ao acompanhamento com endocrinologista, nutricionista e psicólogo. Diante de alguma complicação cirúrgica, é reen- caminhado ao cirurgião. Quanto à indicação de cirurgia de obesidade em crianças e adolescentes,11-14 são defendidos critérios de seleção mais conservadores. Esses pacientes deverão ser conduzidos por equipe multidiscipli- nar, formada por especialistas na área de pediatria. Embora ainda seja motivo de muita discussão, o protocolo da Associação Americana de Cirurgia Pediátrica recomenda procedimento cirúrgico em pacientes com índice de massa corpórea igual a 40 ou maior e comorbidades consideradas mais sérias, como diabetes mellitus, síndrome da apnéia obstrutiva do sono e pseudotumor cerebral, ou com índice 50 ou maior, com comorbidades mais sérias ou não.11 Esse protocolo baseado no IMC pode eventualmente ser substituído pelo percentil acima de 99 do índice em crianças, pois este poderá ser um ponto de corte mais preciso na identificação de adolescentes extremamente obesos com maior risco cardiovascular e metabólico, assim como a persistência da obesidade grave na vida adulta.12,13 As duas opções cirúrgicas mais indicadas nessa faixa etária são a derivação gástrica em Y de Roux, e a banda gástrica ajustável por laparoscopia. A gastrectomia vertical ou em manga (sleeve) vem despertando interesse por promover perda de peso satisfatória com baixos riscos de complicações nutricionais.11,14 Quanto à realização de cirurgia bariátrica em pessoas com infecção por HIV, essa é uma área de muitas controvérsias. Com o surgimento de anti- retrovirais altamente eficazes, houve acentuada redução na progressão HIV/Aids, e esses indiví- duos estão expostos a obesidade e comorbidades relacionadas a obesidade da mesma forma que a população em geral. Na opinião de alguns autores, a derivação gástrica em Y de Roux, pode ser se- guramente realizado em indivíduos infectados por HIV, e os resultados iniciais parecem ser similares aos controles não infectados; portanto, infecção por HIV bem controlada não parece ser contra- indicação absoluta à cirurgia bariátrica.15 Em pacientes infectados pelo vírus da hepatite B, a segurança e a eficácia da cirurgia ainda não estão claras. Em um estudo realizado em Taiwan, área endêmica de vírus B, 111 pacientes com obesidade grave e antígeno HbsAg-positivo foram submetidos à cirurgia bariátrica. Desses, dois de- senvolveram hepatite fulminante e um teve óbito. Seus autores sugerem que a cirurgia bariátrica em pacientes com hepatite B exige monitorização he- pática vigorosa e recomendam considerar terapia antiviral se houver necessidade.16 paCientes Com obesidade Grave Brasília Med 2008;45(3):198-207 202 Quanto à segurança e à eficácia da cirurgia bariátrica em pacientes com programação de trans- plante hepático, renal e pulmonar, a experiência acumulada é pequena. Foi descrito transplante de pulmão com sucesso em paciente submetido à cirurgia bariátrica previamente.17 Em indivíduos que utilizam terapia com es- trógeno, essa deverá ser descontinuada antes da operação bariátrica por um ciclo de anticoncep- cional oral na mulher em pré-menopausa ou trêssemanas de reposição hormonal na mulher em pós-menopausa, para reduzir os riscos de eventos tromboembólicos.9 tratamento da obesidade graVe: seguimento Pós-oPeratório Um dos maiores desafios no tratamento da obesidade é adesão ao seguimento em longo prazo. Ao se indicar procedimento bariátrico, os doentes deverão ser orientados quanto a riscos, benefícios e necessidade de acompanhamento multiprofissio- nal em longo prazo. O sucesso do tratamento com as melhores taxas de redução de peso dependerá da coope- ração do paciente e da capacidade da equipe em estimular a adesão a hábitos alimentares saudáveis e programas de atividade física.18 No ambulatório de obesidade grave do Hos- pital Universitário de Brasília, os pacientes são estimulados a fazer acompanhamento clínico regular com endocrinologistas, nutricionistas e psicólogos. Periodicamente, os pacientes que perderam seus seguimentos são contatados pelo pessoal da Unidade de Endocrinologia para que retornem ao serviço. É importante lembrar que os doentes não adequadamente manejados correrão o risco de mudar da obesidade crônica para desnutrição crônica.18 Estudo prospectivo e não-randomizado de longa duração, como o Swedish Obese Sub- jects – SOS, em que um grupo de pacientes foi submetido a banda gástrica e o outro grupo a gastroplastia vertical e outro a bypass gástrico, mostrou que o tratamento cirúrgico da obesidade grave foi associado à perda de peso e, em longo prazo, a redução global da mortalidade, quando comparado aos obesos submetidos ao tratamento convencional.19 Além do estudo SOS, o estudo de Utah avaliou pacientes submetidos exclusivamente ao bypass gástrico em tempo médio de seguimento de 7,1 anos. A mortalidade em longo prazo por todas as causas diminuiu em 40% no grupo cirúrgico quan- do comparado ao grupo-controle. Considerando-se a mortalidade por causas específicas, no grupo cirúrgico a taxa diminuiu em 56% por doença coronariana, em 92% por diabetes e em 60% por câncer. Entretanto, taxas de morte não causadas por doenças, tais como acidentes e suicídio foram 58% mais altas no grupo cirúrgico comparado ao grupo-controle.20 Quanto à gestação, essa tem se mostrado se- gura após cirurgia da obesidade, com diminuição das complicações em comparação a gestação em mulheres obesas. Ainda não há evidências con- clusivas a respeito do tempo de pós-operatório que a mulher deva aguardar para engravidar, e a recomendação do Colégio Americano de Obste- tras e Ginecologistas é que mulheres devem ser liberadas para gestação após 12 a 18 meses do procedimento cirúrgico.14,21 Em relação à suplementação alimentar nos casos de obesidade grave é importante considerar que as deficiências de micronutrientes são comuns mesmo antes da cirurgia bariátrica, a despeito da ingestão de alimentos hipercalóricos, mas de baixo valor nutricional. Além disso, a cirurgia altera a fisiologia e a anatomia gastrointestinal. Daí, a importância da suplementação adequada de vitaminas e minerais ao longo da vida. Algumas das recomendações de suplementa- ções citadas a seguir são baseadas em evidências (graus A, B e C) e outras baseadas na opinião de especialistas (grau D) da Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos, da Sociedade de Obesidade e Sociedade Americana de Cirurgia Bariátrica e Metabólica por falta de dados clínicos conclusivos.9 A suplementação mínima inclui um a dois suplementos com minerais e multivitamínicos maria de Fátima de maGalhães GonzaGabsbm b r a s í l i a m é d i c a Brasília Med 2008;45(3):198-207 203 com ferro, vitaminas do complexo B, citrato de cálcio (1.200 a 2.000 mg/dia) e vitamina D (400 a 50.000 UI ao dia). Em casos mais graves de deficiência de vitamina D, pode ser necessária a administração de calcitriol-1,25-diidroxivitamina D (grau B). Essa suplementação tem como obje- tivo minimizar o hiperparatiroidismo secundário, sem induzir hipercalciúria franca (grau C). Os fluidos devem ser consumidos lentamente e em quantidades suficientes para hidratação adequa- da, ou seja, acima de 1,5 litros ao dia (grau D). A nutrição parenteral deverá ser considerada em doentes com quadros de alto risco, tais como os criticamente enfermos e que não tolerem nutrição enteral suficiente por mais de cinco a sete dias, ou aqueles não criticamente enfermos que não tole- rem nutrição enteral suficiente por mais de sete a dez dias (grau D).9 A ingesta proteica deve variar de 80 a 120 g/dia para pacientes que fizeram derivação biliopancre- ática ou derivação biliopancreaticoduodenal e 60 g/dia ou mais para os que tiveram bypass gástrico em Y de Roux (grau D).9 Doses adicionais de vitamina A e K poderão ser utilizadas se necessário após a derivação bi- liopancreática (grau C).9 A rotina do ambulatório de Obesidade Grave do Hospital Universitário de Brasília consiste na administração de polivitamínico. Exemplos: Centrum®, All 26®, Materna®, Supradyn® ou Clu- sivol®. Citrato de cálcio e vitamina D também são administrados rotineiramente, e suas doses são ajustadas de acordo com os níveis de cálcio, vitamina D e PTH. A associação vitamina B12, B1 e B6 (Citoneurim® ou Vitatonus®) é administrada por via intramuscular cada três meses e tem a vantagem adicional de ser de baixo custo. Ainda não se dispõe no Brasil da vitamina B12 oral ou sublingual. Acrescenta-se ferro às mulheres que menstruam e em casos de anemias carenciais. Se necessário, adita-se vitamina C para otimizar absorção de ferro oral. Se for preciso, o ferro pa- renteral deve ser administrado. Quanto ao ácido fólico, a maioria dos multivitamínicos contém 400 µg, concentração preconizada para adminis- tração diária. Sua dosagem no sangue pode ser utilizada como parâmetro de administração regular do multivitamínico. As pacientes que planejam gestação necessitam da administração de 5 mg de ácido fólico por dia, com início três meses antes da concepção para prevenir má-formação do tubo neural.9 comPlicações clínicas da cirurgia da obesidade É papel do clínico reconhecer e repor todos os micronutrientes necessários e suas doses ade- quadas para prevenir uma série de complicações, entre elas a encefalopatia de Wernick, compli- cação neural grave, decorrente da deficiência de vitamina B1, neuropatias periféricas e doenças osteometabólicas. Como esta é uma área de muitas incertezas, é imprescindível julgamento médico individualizado de cada caso.9 Quanto à encefalopatia de Wernick, é uma síndrome neuropsiquiátrica aguda ocasionada por deficiência de vitamina B1 e, sobre bases genéticas, alguns indivíduos parecem estar mais predispostos. A tríade da encefalopatia de Wernick é nistagmo, ataxia e confusão mental, mas nem sempre está presente em todos os casos. Com o crescente número de procedimentos bariátricos, seus relatos são cada vez mais freqüentes, prin- cipalmente nas mulheres jovens e com vômitos, talvez por representarem cerca de 80% dos pacientes submetidos a cirurgia da obesidade. Usualmente ocorre dentro de quatro a doze se- manas pós-operatórias, embora haja relatos em pacientes com duas semanas ou até vinte anos de cirurgia bariátrica. O diagnóstico é clínico porque os exames laboratoriais e de imagem podem estar sem anormalidades. A prevenção é feita com ad- ministração de polivitamínicos que contenham vi- tamina B1. Estudos prospectivos para determinar sua prevalência, e protocolos para suplementação preventiva de tiamina necessitam ser avaliados. Diante da suspeita clínica, o tratamento será prontamente iniciado para evitar dano neural per- manente ou cursar para a síndrome de Korsakoff. Um dos esquemas de tratamento preconizado con- paCientes Com obesidade Grave Brasília Med 2008;45(3):198-207 204 siste na administração intravenosade 500 mg de tiamina, diluída em 100 ml de soro glicosado ou fisiológico durante trinta minutos três vezes por dia por dois a três dias. Se não houver resposta, descontinuá-la. Se houver resposta, administrar tiamina por via intravenosa ou intramuscular na dose de 250 mg/dia por três a cinco dias ou até melhora clínica. Posteriormente, o paciente de- verá ser mantido com tiamina por administração oral, 30 mg duas vezes por dia, por alguns meses. Outras manifestações de deficiência de vitamina B1 são a insuficiência cardíaca e as neuropatias periféricas, embora achados neurológicos atípicos possam estar presentes.22,23 Em relação às doenças osteometabólicas, como hiperparatiroidismo secundário, osteomalácia e osteoporose, são complicações potenciais da cirurgia bariátrica, e existem relatos na literatura desde 1970. A despeito desses relatos, essas con- dições são frequentemente subdiagnosticada ou falsamente diagnosticadas.24 Deve-se considerar que, antes mesmo do procedimento cirúrgico, os indivíduos obesos já apresentam anormalidades na tríade cálcio, vitamina D e PTH, comparados aos magros. Possíveis explicações para esse fato são a baixa exposição à radiação solar ultraviole- ta, a biodisponibilidade diminuída das vitaminas lipossolúveis secundária à captação e à depuração aumentadas pelo tecido adiposo, e controle do retrocontrole negativo sobre a síntese hepática da 25(OH) vitamina D.25 Além disso, o alto turnover ósseo que pode ser parcialmente devido aos efeitos da perda de peso nesses pacientes, à má absorção de cálcio e vitamina D, além da intolerância aos alimentos ricos em cálcio, como o leite, podem contribuir para formar alterações no metabolismo do cálcio e da vitamina D, que se iniciam logo após a cirurgia da obesidade.26 Em pacientes que se submeteram a bypass gás- trico em Y de Roux, derivação biliopancreática ou derivação biliopancreaticoduodenal, a densitome- tria óssea basal e após dois anos do procedimento deve ser indicada para monitorar a presença ou o desenvolvimento de osteoporose, grau D.9 Os bisfosfonados poderão ser considerados em pa- cientes bariátricos com osteoporose somente após suplementação adequada da insuficiência de cálcio e vitamina D. A avaliação deve incluir e confir- mar níveis de PTH normal, de 25OH vitamina D entre 30 a 60 ng/ml, cálcio e fósforo normais e excreção de cálcio urinário de 70 a 250 mg/24 horas. Se a terapia for indicada, poderá ser usado bisfosfonato intravenoso (ácido zoledrônico, 5 mg ao ano ou ibandronato, 3 mg cada três meses se houver dúvidas quanto à absorção oral ou receio de ulceração na anastomose gastrojejunal, com uso dos bisfosfonatos orais (grau C). As doses reco- mendadas dos bisfosfonatos orais são alendronato 70 mg por semana; risedronato 35 mg por semana; ou ibandronato 150 mg/mês.9 outras comPlicações aPós cirurgia da obesidade O paciente com obesidade grave antes e depois da cirurgia bariátrica apresenta condições que o predispõe a crises de gota.27 Quando isso acontece no período pós-operatório, a restrição imposta ao paciente acaba se tornando risco potencial de complicações cardiopulmonares, como os eventos tromboembólicos. Pacientes que recebem terapia hipouricemiante devem ser mantidos com essa medicação em quase todos os casos no período pós-operatório. Se o tratamento tiver sido des- continuado, deverá ser reiniciado com intervalo maior que um mês antes da cirurgia porque a fase inicial do tratamento com alopurinol pode precipi- tar crises de gota. Nos ataques de gota no período perioperatório, os hipouricemiantes não necessi- tam ser descontinuados se o doente estava em uso previamente. Os anti-inflamatórios não hormonais constituem o tratamento de escolha, mas devem ser associados a um inibidor da bomba de prótons para minimizar o potencial ulcerogênico dessas medicações. A colquicina também pode ser usada no tempo pós-operatório, sendo mais eficaz se for iniciada dentro das primeiras 24 horas. O uso de glicocorticóide intravenoso, oral ou intra-articular, também constituem opção de tratamento.27 O tratamento deverá ser individualizado, pois to- das essas possibilidades são passíveis de efeitos maria de Fátima de maGalhães GonzaGabsbm b r a s í l i a m é d i c a Brasília Med 2008;45(3):198-207 205 colaterais nocivos, especialmente nos indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica. A dosagem de ácido úrico desses assistidos deverá ser avaliada na fase pós-operatória, considerando-se que o Swedish Obese Subjects Study mostrou diminuição dos seus níveis nos pacientes que se submeteram à cirurgia bariátrica.27,28 Quanto à nefrolitíase após cirurgia bariátrica, em estudo da clínica Mayo, foram descritos sessenta operados que desenvolveram cálculo renal após cirurgia de bypass gástrico. A hiperoxalúria entéri- ca foi o fator prevalente, mesmo em doentes sem história de nefrolitíase e, usualmente, ocorreu seis meses depois do procedimento. Constitui fator de risco de formação de cálculos de oxalato de cálcio. A prevenção consiste em manter alto débito urinário, limitar ao máximo a ingestão de gorduras e ingerir cálcio na forma de citrado adequadamente. Existem trabalhos na literatura sobre o uso de agentes pro- bióticos (Oxalobacter formigenes), que objetivam diminuir a hiperoxalúria entérica e que podem ser usados. Entretanto, mais estudos são necessários para estabelecer o regime ideal de tratamento.9,29,30 Em relação aos transtornos alimentares, existe alta prevalência destes nos portadores de obesidade grave, mesmo antes da cirurgia bariátrica. Embora a melhora do comporta- mento alimentar possa ocorrer precocemente depois da cirurgia, há operados que retornam aos transtornos alimentares, com o conseqüen- te aumento rápido de peso, geralmente dois anos após o procedimento cirúrgico. Com o crescente uso das intervenções bariátricas no tratamento da obesidade, relatos de evolução pós-cirúrgica para anorexia nervosa e bulimia nervosa começam a ser descritos. A impor- tância disso é que não é possível prever todos os casos em que possam ocorrer transtornos alimentares ou transtornos psiquiátricos no período pós-operatório, mas a existência de tais disfunções pré-operatórias deve nos alertar sobre a necessidade de maior observação do doente após a operação.31 Outra possível complicação da cirurgia da obesidade é a síndrome de hipoglicemia hiperinsulinêmica endógena, que vem sendo reconhecida com freqüência crescente em todo o mundo desde sua publicação. Os doentes apresentam manifestações pós-prandiais de hi- poglicemia, alguns cursam com neuroglicopenia grave. Os exames laboratoriais são compatíveis com hipoglicemia hiperinsulinêmica endógena. Para esses casos, a pancreatectomia distal é a abordagem mais descrita na literatura. No en- tanto, em recente relato de caso, uma paciente com sintomas leves a moderados teve resposta satisfatória à associação de verapamil e acar- bose. Pelo menos, nesse período, não houve necessidade de procedimento mais agressivo.32 Esses autores levantaram duas hipóteses. A pri- meira seria a existência de graus diferentes dessa síndrome após cirurgia bariátrica. Enquanto alguns pacientes podem obter alívio completo dos sintomas com tratamento medicamentoso e, portanto, serem mantidos com tratamento clíni- co, outros necessitarão do tratamento cirúrgico. A segunda seria que pacientes responsivos ao tratamento farmacológico possam ter tido diag- nóstico em fase inicial da doença e venham a necessitar de cirurgia no futuro.32 Entretanto, se a hiperplasia de ilhotas ou o turnover aumentado de células beta não acometem esses pacientes, o tratamento clínico pode ser mais interessante, e mais opções de tratamento medicamentoso deverão ser investigadas.32-34 Essa é síndromede fisiopatologia complexa e incompletamente compreendida. Os mecanis- mos potenciais são apoptose reduzida das ilhotas após perda de peso e ou estímulo a expansão ou hiperfunção das ilhotas por incretinas ou outras alterações metabólicas induzidas pela cirurgia de bypass gástrico.35 Embora essa seja uma síndro- me rara, deverá ser considerada no diagnóstico diferencial de hipoglicemias pós-prandias. O diagnóstico diferencial é feito com a síndrome de dumping, complicação comum da cirurgia da obesidade. Entretanto, os sintomas geralmente se resolvem após ajuste na dieta.36 Certo reganho de peso após a cirurgia da obe- sidade geralmente ocorre de 24 a 60 meses depois paCientes Com obesidade Grave Brasília Med 2008;45(3):198-207 206 do procedimento cirúrgico. Os fatores que in- fluenciam a manutenção ou o reganho de peso em longo prazo são o índice da massa corpórea pré- cirúrgico, o tipo de cirurgia realizada, a presença de desordens alimentares e adesão ao seguimento posterior. A falha do tratamento cirúrgico com perda menor que 50% do excesso de peso ocorre em 5% a 7% dos pacientes de 5 a 7 anos após a cirurgia. Nos superobesos (IMC ≥ 50) em 20% a 33% dos pacientes operados.37 Nos estudos desses pacientes devem-se incluir endoscopia digestiva alta e radiografia de esôfago, estômago e duodeno para avaliar a integridade da bolsa gastrogástrica nos doentes que foram submetidos a gastroplas- tia e cirurgia com bypass gástrico. Se for banda gástrica, considerar o ajuste desta.9 mensagem final Conforme Segal e Fandiño,37 essa é uma fase inicial e algo pioneira da produção de conheci- mento na área específica estudada, dada a recente mudança do papel etiológico de aspectos psico- lógicos na obesidade. A ausência de consenso, apesar de desnorteadora, é positiva na medida que estimula novos estudos com delineamentos mais sofisticados e de conclusões e ilações mais interes- santes e confiáveis. No momento, recomenda-se abandonar preconceitos, pensamentos automá- ticos e outros cacoetes que, em última análise, impedem que parcela expressiva da população de obesos graves tenha acesso ao provavelmente mais eficaz tratamento disponível para a doença. Reforça-se, também, a necessidade de acompa- nhamento multiprofissional em todas as fases do tratamento, tanto para otimizar resultados quanto no sentido de serem pesquisados fatores preditivos mais confiáveis.37 referências 1. 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