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História economica - Receitas e despesas de um império: contribuição para a historia fiscas de Portugal e o ultramar

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1 
 
 
 
 
 
 
 
Receitas e despesas de um império: 
contribuição para a história fiscal 
de Portugal e o ultramar, 1401-1761 
 
 
< texto não revisado – solicita-se não citar > 
 
 
 
 
 
 
Angelo Alves Carrara 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Juiz de Fora 
2014 
 
 2 
 
 
 
Apresentação 
 
Este volume constitui o resultado final de um conjunto de pesquisas que iniciei 
há uma década no campo da fiscalidade. A preocupação original – a estrutura das receitas 
e despesas da capitania de Minas Gerais – logo incorporou uma área e um período mais 
amplos (o Estado do Brasil). À medida que a pesquisa respondia às questões de início 
formuladas, novos problemas iam se apresentando, o mais importante dos quais, na 
minha avaliação, consistia na determinação do lugar do Brasil na fiscalidade portuguesa. 
A solução deste problema, porém, requeria antes disto caracterizar a fiscalidade 
portuguesa propriamente dita.1 
A história que aqui se conta parte de uma perspectiva algo diferente da utilizada 
nos estudos sobre sistemas fiscais europeus, focados principalmente na construção 
gradual de uma administração tributária nacional, e que reconhece a impossibilidade de 
se analisar o Portugal da era moderna sem o devido escrutínio dos fluxos fiscais entres as 
diferentes porções que constituíam o império. Para as nações ibéricas, o adjetivo 
“imperial” deveria, portanto, estar implícito na expressão “fiscal military state”, já que, 
desde o século XV para ambas o ultramar é um elemento estrutural inescapável. Portugal 
e suas conquistas corresponderiam, portanto, a um “Estado fiscal imperial”. 
Já para os estados imperiais, como Portugal e Espanha, há algum tempo a 
historiografia iberoamericana vem adotando uma perspectiva transatlântica, com atenção 
no sistema de múltiplas interrelações e condicionamentos recíprocos entre o centro e a 
periferia. No Brasil, um dos primeiros exemplos dessa abordagem assinalava 
explicitamente o objetivo de estudar “temas fragmentados” tais como mulheres e gênero, 
comércio e comerciantes, revoltas e motins, conjurações e a crise do Império, nas 
diferentes regiões do império, “procurando ligar a história do Brasil e a de Minas ..., na 
perspectiva do Império Ultramarino Português”.2 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
1 Os projetos iniciados em 2003 sobre a fiscalidade do Estado do Brasil nos séculos XVII e XVIII, e que 
receberam o apoio sempre indispensável do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e 
Tecnológico/CNPq, Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e Fundação de Amparo à Pesquisa 
de Minas Gerais resultaram nos seguintes trabalhos: CARRARA, Angelo Alves. Receitas e despesas do Estado 
do Brasil; século XVII. Juiz de Fora: Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora, 2009; CARRARA, 
Angelo Alves. Receitas e despesas do Estado do Brasil: Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, século XVIII. Juiz de 
Fora: Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora, 2009. Para uma análise mais abrangente sobre a 
passagem do século XVIII ao XIX: CARRARA, Angelo Alves. A reconfigurac ̧a ̃o da tributação brasileira 
no contexto das Guerras Napoleônicas. Jahrbuch für Geschichte Lateinamerikas, v. 
2 FURTADO, Júnia Ferreira (org.). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história 
do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: Editora da niversidade Federal de Minas Gerais, 2001; 
 3 
Assim é com este trabalho, cujo objetivo fundamental é investigar três itens 
considerados essenciais para a compreensão da fiscalidade do império português: seus 
elementos estruturais, os impactos fiscais das conjunturas econômicas e a participação 
dos territórios ultramarinos. O período escolhido tem como balizas os fins do século 
XIV e a implantação do Erário Régio, em 1761. A data inicial corresponde à 
transformação de Portugal num Estado fiscal como resultado das gerras fernandinas e de 
Independência (1369-1411), 
já a colocação em prática a partir de 1762 das novas rotinas contabilísticas 
determinadas pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, inaugurou um aparato totalmente 
novo de registro das receitas e despesas começou a ser operado, exigindo um tratamento 
igualmente diferente do que aqui foi adotado. Isto não me impediu, contudo, de avançar 
no estudo da escrituração contábil e sua relação com os conceitos que aqui busco 
apresentar. 
O movimento geral das receitas não constitui novidade: já há muito foi 
apresentado por Vitorino Magalhães Godinho – um século XVI que assiste à expansão 
contínua das fontes de receitas do ultramar consolidadas nas duas primeiras décadas do 
século XVII; nos primeiros anos da década de 1620 seguiu-se uma fortíssima retração 
das rendas ultramarinas conjugada com a participação crescente de novas fontes internas 
de receitas, como os subsídios, fintas, estancos e a décima; e a partir dos primeiros anos 
do século XVIII, a retomada da expansão das fontes externas provocada pela produção 
aurífera no Brasil. As despesas, por seu turno, até pela parcimônia das fontes, não têm 
merecido a mesma atenção. De qualquer modo, como no caso das receitas, é no Reino 
que as despesas se realizam em máximo volume: Casa Real, tenças e juros, gastos 
administrativos, despesas militares e armadas da Índia consomem quase todos os 
dispêndios da Fazenda Real. Nas áreas conquistadas, vale igualmente para Portugal a 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
ÁLVAREZ DE TOLEDO, Cayetana. Politics and reform in Spain and Viceregal Mexico: the life and thought of 
Juan de Palafox, 1600-1659. Oxford: Clarendon Press, 2004; MONTEIRO, Nuno Gonçalo; CARDIM, 
Pedro; CUNHA, Mafalda Soares da (orgs). Optima Pars: elites ibero-americanas do Antigo Regime. Lisboa: 
Imprensa de Ciências Sociais, 2005. BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral (orgs.). 
Modos de governar: ideias e práticas políticas no império português; séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 
2005; GARCÍA HERNÁN, Enrique. Consejero de ambos mundos: vida y obra de Juan de Solórzano Pereira 
(1575-1655), Madri: Fundación Mapfre, 2007; ARANDA PÉREZ, Francisco José; RODRIGUES, José 
Damião Rodrigues (coords.). De Re Publica Hispaniae: una vindicación de la cultura política en los reinos 
ibéricos en la primera Modernidad. Madri: Silex, 2008. DÍAZ BLANCO, José Manuel Razón de estado y buen 
gobierno; la guerra defensiva y el imperialismo español en tiempos de Felipe III. Sevilha: Universidad de 
Sevilla, 2010; AMADORI, Arrigo. Negociando la obediencia; gestión y reforma de los virreinatos americanos 
en tiempos del conde-duque de Olivares (1621-1643). Sevilha: Universidad de Sevilla, 2012. 
 4 
estrutura de gastos apresentada por Herbert Klein e John TePaske.3 A estrutura geral 
sintetizada por TePaske equivalea uma fórmula simples: após o pagamento de todas as 
despesas com o aparato administrativo, militar e religioso das conquistas pelos próprios 
colonos, o eventual excedente fiscal era enviado à metrópole para fazer frente às 
despesas no Reino ou para outros territórios ultramarinos. 
O que se busca aqui é antes de tudo refinar alguns elementos de análise, em 
particular as dimensões territoriais e demográficas do império e a lógica das receitas e 
despesas imperiais. Deve ser destacado, ademais, o material de natureza fiscal publicado 
em anexo. 
Ao lado das atividades específicas da investigação, beneficiei-me fortemente de 
um intenso debate travado com colegas como eu dedicados a esse campo de estudos. O 
contato com a produção historiográfica ibero-americana sobre o tema persuadiu-me a 
considerar que, mais do que inevitáveis e indispensáveis discussões em torno de 
perspectivas teóricas, metodologias, natureza e qualidade das fontes, a história dos 
impérios mercantis da era moderna só poderia ser contada por inteiro se se adotasse uma 
perspectiva comparada. Comparação não apenas da extensão territorial, população ou 
dos montantes arrecadados e despendidos em cada um deles, mas principalmente do 
modo como geriam os recursos de que dispunham. Em particular, seus recursos fiscais. 
Registro desde logo minha gratidão a Joaquim Romero Magalhães, Laura de 
Mello e Souza, Caio Boschi e Max Menz, que muito generosamente leram o rascunho e 
apresentaram críticas e sugestões sempre indispensáveis. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
3 TEPASKE, John Jay. The costs of empire: spending patterns and priorities in colonial Peru, 1587-1820. 
Colonial Latin American History Review, v. 2, n. 1, p. 1-33, 1993. Nas palavras de TePaske sobre as diretrizes 
gerais da política fiscal imperial espanhola no Peru colonial, “these policies were calculated primarily to 
serve the interests of the mother country; after meeting colonial necessities, any surplus revenues went 
home to Spain” (p. 28). E o autor acrescenta: “analysis of spending patters in the viceroyalty of Peru also 
reflects the truly pre-modern character of the Spanish colonial fiscal system. Individuals and institutions 
depending upon these outlays lived on sufferance” (p. 29). A lógica fiscal nas conquistas resumir-se-ia 
numa fórmula simples (p. 9): “income generated by the royal treasuries of Peru determined both the level 
of expenditures and the amount of surplus tax funds available for remission to Spain”. KLEIN, Herbert S. 
The American finances of the Spanish empire; royal income and expenditures in colonial Mexico, Peru and 
Bolivia, 1680-1809. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1998. 
 5 
 
Um campo de estudos 
 
Nomenclaturas 
Fiscalidade é termo relativamente noviço na historiografia. Nos dicionários das 
línguas neolatinas é comumente definido como o conjunto de normas relativas aos 
tributos. Mas em sua presumível primeira ocorrência, numa carta do marquês de 
Argenson, ministro dos negócios estrangeiros de Luís XV, datada de 28 de outubro de 
1749, o sentido desta palavra aproximava-se mais do de “carga tributária”, que no texto é 
associada diretamente a uma dissipação dos recursos fiscais. Assim ocorria também com 
o próprio adjetivo ‘fiscal’, com o sentido de ‘rigoroso [na cobrança] com o fisco’, 
aplicado ao “contrôleur général”.4 
Essa carga semântica encontrou as condições ideais para associar-se à palavra na 
descrição da ação da Coroa portuguesa em Minas Gerais ao longo do século XVIII por 
Xavier da Veiga ou Felício dos Santos. Em ambos o adjetivo – fiscal – parece 
subentender um substantivo – opressão. Fiscalidade, nesse contexto, poderia ser 
empregada exatamente como o fizera Argenson. Essa noção ecoa na definição 
apresentada por Luis Salas, segundo quem, em seu sentido mais amplo, a fiscalidade seria 
“el ejercicio de una extracción de recursos aplicado a un territorio determinado”. Este 
também parece ser seu sentido nas ocorrências contemporâneas e menos comuns em 
inglês, que prefere outras, como “taxation” ou “tax system”.5 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
4 ARGENSON, René-Louis de Voyer, marquis d' [1694-1757]. Memoires du Marquis d'Argenson. Paris: J. M. 
Gallanar, 1857, v. 3 [295-297]. Em suas palavras: “voilà le roi bien riche en revenus. (…) Certes voilà un 
contrôleur général bien fiscal, et tel qu'il n'y en a jamais eu, car cette fiscalité éteint chez lui tout désir de 
soulager le peuple. (…) Car il ne faut pas s'y tromper, tout ce qui se passe est d'un grand scandale. On ne 
voit que fiscalité, augmentation de revenus, impôts de guerre continués pendant la paix, mêmes revenus en 
paix comme en guerre, troupes retranchées de plus de moitié, et cependant les dépenses augmentées à la 
cour, la maîtresse, les favoris et favorites enrichis, bâtimens, voyages, abus, dissipations, luxe récompensé, 
le mérite absent, tout cela prend mal et très-mal dans le public” (“Eis o rei bem rico em rendas. (...) 
Certamente, aí está um controlador geral bem ‘fiscal’ [i. e., rigoroso em matéria fiscal], e tal como nunca 
havia sido, pois esta fiscalidade [pressão fiscal] estingue nele todo o desejo de aliviar o povo. (...) Pois não 
se vá enganar, tudo o que acontece é um grande escândalo. Vemos apenas a fiscalidade, o aumento das 
rendas, impostos de guerra durante a paz, mesmos rendimentos em paz como em guerra, tropas reduzidas 
a mais da metade, e contudo as despesas aumentadas na corte, a senhora, os favoritos e favoritas 
enriquecidos, construções, viagens, abusos, dissipações, luxo recompensado, o mérito ausente, tudo isto cai 
mal e muito mal no público”). Este sentido de pressão fiscal mantém-se no francês moderno e no italiano: 
“disposition à exagérer les droits du fisc” (Littré); “atto, comportamento intransigente e vessatorio”. Para o 
alemão, o termo foi transposto já em 1780 apenas com o sentido de “direitos fiscais” (no caso, os do 
monarca): “... in der königl[ichen] Fiskalität ...” (instruções para os funcionários e trabalhados da mineração 
em Felsőbánya, de 1o de dezembro de 1780, in: SCHMIDT, Franz Anton. Chronologisch-systematische 
Sammlung der Berggesetze der österreichischen Monarchie. Viena: 1836, 2a Seção, p. 192. 
5 SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do Distrito Diamantino [1861-2]. 5. ed., Petrópolis: Vozes, 1978; 
VEIGA, José Pedro Xavier da. Efemérides mineiras. Ouro Preto: Imprensa Oficial, 1897; SALAS, Luis. La 
 6 
Mas o uso que dele se faz especialmente na historiografia latino-americana é mais 
abrangente e tende a traduzir “história fiscal ou das finanças públicas”. Corresponde a 
um conjunto de itens que reúne não apenas o ordenamento jurídico de natureza fiscal, 
mas fundamentalmente sua efetiva manifestação nas sociedades, as rubricas de receita e 
despesa, os sistemas de arrecadação, montantes arrecadados e despendidos, a eficiência 
fiscal, e, claro, a pressão fiscal sobre a sociedade, motivo da preocupação de Argenson 
nos meados do século XVIII. 
 
Fiscalidade e formação dos Estados 
Das análises indissoluvelmente alicerçadas em metodologias quantitativas decorre 
seu vínculo original com a História Econômica, de modo geral, e com a História 
Financeira, de modo particular. Mas desde a introdução da expressão “Estado fiscal” nos 
fins do século XIX por Albert Schäfflee adotada na abordagem sociológica das finanças 
públicas (“Finanzsoziologie”), primeiramente por Rudolf Goldscheid, e logo em seguida 
por Schumpeter, responsável de fato pela sua notoriedade, a fiscalidade passou a 
constituir um terreno fundamental em investigações sobre o processo de formação dos 
Estados modernos.6 A despeito das discordâncias quanto à sua natureza – se mínimo ou 
de bem-estar social, há relativo consenso quanto ao momento em que começou a se 
consolidar (após as guerras napoleônicas), bem como os elementos essenciais que o 
definiriam, assinalados por Weber, em especial: 
1. o monopólio da força física legítima num dado território; 
2. uma burocracia profissional, e 
3. um sistema fiscal interno unificado.7 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
fiscalidad, el estado moderno y la historiografia nobiliaria: estados fiscales y nobleza castellana (siglos XVI 
y XVII). Tiempos modernos, n. 8, mai.-set. 2003; YUN-CASALLILLA, Bartolomé; O’BRIEN, Patrick (eds.). 
The rise of the fiscal state. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 4/26. A presumível primeira 
ocorrência da palavra em inglês reveste-se do sentido muito geral de “finanças”: BALDWIN, Joseph G. 
The flush times of Alabama and Mississippi: a series of sketches. Nova York: D. Appleton and Company, 1854, 
p. 97/322. 
6 SCHEER, Christian. Die deutsche Finanzwissenschaft 1918-1933; ein Überblick, in: RIETER, Heinz (ed.) 
Studien zur Entwicklung der ökonomischen Theorie XIII: deutsche Finanzwissenschaft 1918-1939. Berlin: 
Duncker & Humblot, 1994, pp. 11-141 (Schriften des Vereins fu ̈r Socialpolitik, Gesellschaft fur 
Wirtschafts- und Sozialwissenschaften, Neue Folge, vol. 115/XIII), Berlin: Duncker & Humblot, 1994, pp. 
11-141, p. 14; PETERSEN, E. L.. From domain state to tax state; synthesis and interpretation. Scandinavian 
Economic History Review, v. 23, 1975, pp. 116–48 
7 Patrick O’Brien, por exemplo, define os estados modernos como “sovereign authorities governing 
successful economies that provide high, stable, and rising standards of welfare for their citizens” 
(O’BRIEN, Patrick Karl. The nature and historical evolution of an exceptional fiscal state an its possible 
significance for the precocious commercialization and industrialization of the British economy from 
Cromwell to Nelson. Economic History Review, v. 64, n. 2, p. 408-446, p. 408); WEBER, Max. Politik als Beruf. 
Munique-Leipzig: Duncker & Humblot, 1919, p. 4: "Staat ist diejenige menschliche Gemeinschaft, welche 
innerhalb eines bestimmten Gebietes … das Monopol legitimer physischer Gewaltsamkeit für sich (mit 
 7 
Para Schumpeter, a formação do estado moderno consistiu nam processo cujo 
estágio inicial correspondeu à transição do “Estado senhorial” (Domänenstaat; domain 
state) ao “Estado fiscal” (Steuerstaat; tax state), decorrente da incapacidade dos senhorios 
régios fazerem frente às necessidades crescentes do Estado, principalmente com as 
guerras. Do estágio original em que os recursos fiscais provinham dos domínios régios, 
chega-se a outro, no qual todo o reino é chamado a prover fundos aos príncipes: um 
estado fiscal (“tax state”). Seguindo essa perspectiva, Kersten Krüger empreendeu seu 
estudo sobre o Hesse.8 
O aprofundamento e ampliação do foco, nomeadamente as análises comparativas 
da história fiscal para o período medieval e moderno tornou-se possível a partir dos anos 
1980 e 1990 como resultado da construção de longas séries de dados fiscais por um 
conjunto abrangente de historiadores direta ou indiretamente vinculados ao programa de 
pesquisa intitulado “The origins of the modern state in Europe”, financiado pela 
European Science Foundation, e cujos resultados foram publicados sob a organização de 
Richard Bonney na segunda metade dos anos 1990. Richard Bonney e Mark Ormorod 
alargaram os estágios na história fiscal para quatro tipos preponderantes: os Estados 
tributário (tribute), senhorial, taxador (tax state) e o último estágio, o Estado fiscal. Os 
autores observam, porém, que na prática os Estados combinam elementos de diferentes 
estágios em várias “constituições fiscais”, mas as características associadas a cada estágio 
particular são tomadas como dominantes, permitindo assim classificar os Estados no 
interior das estruturas desse modelo. Além disto, ambos enfatizam que não há qualquer 
evolução linear. Ao contrário, os regimes fiscais podem mudar repentinamente, e 
distinguem as crises (que provocam a mudança num determinado sistema fiscal); 
revoluções (com transições de um tipo de sistema fiscal para outro) e o crescimento 
autossustentado, limitado ao moderno Estado fiscal. Os casos de Portugal e seus 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
Erfolg) beansprucht"; WEBER, Max. Economy and society. Berkeley: University of California Press, 1978, 
p. 229. 
8 SCHUMPETER, Joseph Alois. The crisis of the tax state. In: SWEDBERG, Richard (ed.). Joseph A 
Schumpeter: the Economis and Sociology of capitalism. Princeton: Princeton University Press, 1991, p. 99-
140. Versão aumentada de uma conferência proferida por Schumpeter na Wiener Soziologische 
Gesellschaft, originalmente publicado em 1918 sob o título “die Krise der Steuertaates” no número 4 da 
Zeitfragen aus dem Gebiete der Soziologie. Outra tradução para o inglês foi preparada por Wolfgang F. Stolper e 
Richard A. Musgrave foi publicada em International Economic Papers, n. 4, 1954; KRÜGER, Kersten. 
Finanzstaat Hessen 1500-1567; Staatsbildung im Übergang vom Domänenstaat zum Steuerstaat. Marburg 
Elwert, 1980; KRÜGER, Kersten. Public Finance and modernisation: the change from the domain state to 
tax state in hesse in the sixteenth and seventeenth centuries. in Witt (ed.). Wealth and taxation in central 
Europe: the history and sociology of public finance. Nova York: Berg, 1987, p. 49-62. 
 8 
territórios ultramarinos só mais recentemente foram objeto de estudos alicerçados em 
bases quantitativas mais amplas.9 
 
Guerra e fiscalidade 
De todo modo, a relação que Schumpeter estabeleceu entre campanhas militares 
e fisco tornou-se ponto nevrálgico da abordagem consolidada a partir dos anos 1980, e 
sintetizada no conceito de “Estado fiscal militar”, cunhado por John Brewer. A despeito 
de sua reconhecida confusão e imprecisão, esta expressão tem se mostrado interessante 
por assinalar as duas funçõesprincipais do Estado da Era Moderna: arrecadar tributos e 
travar a guerra. Dito de outro modo: o Estado cujo principal objetivo era sustentar a 
máquina de guerra por meio da mobilização de recursos financeiros. Ademais, essa 
abordagem vinha acompanhada de uma nova percepção da natureza do poder real, ao 
enfatizar um elemento novo: em lugar de monarquias absolutistas, o Estado moderno se 
caracterizaria pela busca de cooperação e colaboração das partes interessadas em termos 
políticos, sociais e econômicos; repousaria na negociação, mais do que na coação de cima 
para baixo ou na autoridade intimidadora. Os poderes locais e suas elites teriam 
desempenhado um papel central na mobilização de recursos para a guerra, inclusive 
apoio sentimental e ideológico. Nas palavras de Rafael Torres, “Estado fiscal militar” 
constitui-se num “stopgap term for filling the holes left by the term absolutism”.10 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
9 BONNEY, Richard (ed.). Economic systems and state finance. Oxford: Oxford University Press/The 
European Science Foundation, 1995; BONNEY, Richard. The rise of the fiscal state in Europe, c. 1200-1815. 
Nova York: Oxford University Press, 1999; ORMROD, William Mark; BONNEY, Margaret; BONNEY, 
Richard (eds.). Crises, revolutions and self-sustained growth: essays in European fiscal history, 1130-1830. 
Stamford: Shaun Tyas, 1999, p. 10/16; MIRANDA, Susana Münch. A administração da Fazenda Real no 
Estado da Índia (1517-1640). Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2007 (tese de doutoramento); 
HENRIQUES, Antônio Maria Braga de Macedo de Castro. State finance, war and redistribution in Portugal 
(1249-1527). York: University of York, 2008 (tese de doutorado); CARRARA, Angelo Alves. Receitas e 
despesas da Real Fazenda no Brasil; século XVII. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2009; CARRARA, Angelo 
Alves. Receitas e despesas do Estado do Brasil: Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, século XVIII. Juiz de Fora: 
Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora, 2009. 
10 BREWER, John. The sinews of power; war, money and the English state, 1688-1783. Nova York: Alfred A. 
Knopf, 1989. De seu contexto original – a Grã-Bretanha setecentista – a expressão foi adotada para 
descrever outros estados europeus dos séculos XVI-XVII, à China de 771-220 a.C, ou então à Etiópia e os 
Estados Unidos dos séculos XVIII-XIX. De especial interesse para uma resenha crítica do conceito de 
absolutismo, que apresenta a encruzilhada a que chegou o termo, dada a escassa concordância dos autores 
quanto a sua natureza, bem como os possíveis meios de fazer avançar o estudo do tema, é o texto de 
BONNEY, Richard. Absolutism: what’s in a name? French History (1987) v. 1, n. 1, p. 93-117 (note-se que 
Bonney, neste texto de 1987, propõe que, para a superação das dificuldades, seria necessária uma nova 
abordagem; dois anos depois aparecia o texto de John Brewer). Um exemplo dessa superação: 
HENSHALL, Nicholas. The myth of Absolutism: change and continuity in Early Modern European 
monarchy. Londres: Longman, 1992. Cf. dois abrangentes balanços historiográficos a respeito: TORRES 
SÁNCHEZ, Rafael (ed.). War, state and development; fiscal-military states in the Eighteenth century. 
Pamplona: EUNSA, 2007, p. 13-44; O’BRIEN, Patrick Karl. The nature and historical evolution of an 
exceptional fiscal state an its possible significance for the precocious commercialization and 
 9 
Esta última característica dos Estados fiscais militares mereceu maior atenção 
exatamente em virtude das suas implicações para a eficiência de cada um. Estados mais 
eficientes seriam os que conseguiam envolver mais agentes no esforço pela mobilização 
de recursos do que os que dispunham de mais autoridade ou eram mais centralizados; 
que fossem mais capazes de suscitar consenso e aprovação em suas sociedades e de nelas 
atrair apoios ou superar resistências: mais importante do que a autoridade seria a 
legitimidade da ação dos monarcas. Ou, dito de outro modo, a autoridade proviria de um 
amplo consenso social e político. Nesse quadro, a Inglaterra apresenta-se como o 
modelo, ou, noutra perspectiva, o caso excepcional.11 
Em síntese, a eficiência dos Estados se manifestava em 
“centralized and viable fiscal and financial regimes, capable of providing 
sovereign states in formation with the resources required to sustain their security, 
stability, and suppor for territorial and economic expansion, as the best way to 
model their survival and success in a mercantilist international order that 
persisted for centuries before and some decades after the Treaty of Vienna”.12 
 
Comércio internacional e fisco 
Ao lado da guerra, a outra força conformadora dos Estados na Era Moderna 
destacada por essa historiografia é o comércio internacional. Como consequência, o 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
industrialization of the British economy from Cromwell to Nelson. Economic History Review, v. 64, n. 2, p. 
408-446. 
11 HOFFMAN, Philip T.; NORBERG, Kathryn (eds.). Fiscal crises, liberty and representative government, 
1450–1789. Stanford: Stanford University Press, 1994; COOKSON, John E. The British armed nation, 1793-
1815. Oxford: Oxford University Press, 1997; BRADDICK, Michael J. State formation in early modern 
England, c. 1550-1700. Cambridge: Cambridge University Press, 2000; CONWAY, Stephen. War, state, and 
society in mid-eighteenth-century Britain and Ireland. Oxford: Oxford University Press, 2006, cap. 2; versão 
alterada sob o título “Public and private contributions to the mobilisation of manpower and resources for 
war in mid-eighteenth-century Britain and Ireland”. In: BOWEN, H. V.; GONZÁLEZ ENCISO, A. 
(eds.). Mobilising resources for war: Britain and Spain at work during the Early Modern Period. Pamplona: 
EUNSA, 2006, p. 37-58. Conway é enfático ao afirmar que “partnership [between the state and private and 
local interests] was the key to Britain’s ultimate success in mobilising such impressive quantitties of 
manpower, material and money” (p. 39). Para Richard Bonney, mais importante que o grau de 
centralização política seria o controle governamental sobre a administração ou do nível de informação 
(BONNEY, R.. Absolutism: what’s in a name? French History, 1, 1987, p. 93-117, p. 93-94). Para um 
exemplo da produção recente na Espanha que caminha sob esta perspectiva, consulte-se TORRES 
SÁNCHEZ, Rafael. El precio de la guerra; el Estado fiscal-militar de Carlos III (1779-1783). Madrid: Marcial 
Pons, 2013. Sob um viés jurídico, esta perspectiva está igualmente presente na historiografia portuguesa 
recente: HESPANHA, Antonio Manuel. Vísperas del Leviathan: instituciones y poder político (Portugal, 
siglo XVI). Madri: Taurus Ediciones, 1989; CARDIM, Pedro. “Administração” e “governo”: uma reflexão 
sobre o vocabulário do Antigo Regime. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral 
(orgs.).Modos de governar: ideias e práticas políticas no império português; séculos XVI-XIX. São Paulo: 
Alameda, 2005, p. 45-68. 
12 O’BRIEN, Patrick Karl. The nature and historical evolution of an exceptional fiscal state an its possible 
significance for the precocious commercialization and industrialization of the British economy from 
Cromwell to Nelson. Economic History Review, v. 64, n. 2, p. 408-446, p. 409. 
 10 
debate sobre o papel do mercantilismo torna-se inevitável. No entanto, outra perspectiva 
de análise, começa a se apresentar, e enfatiza elementos diferentes: 
“Britons in the eighteenth century did develop a robust and remarkably effective 
state. But it was not a narrowly fiscal-military state. At the same time that the 
Britons paid and paid dearly for the creation of massive armies and navies 
capable of defeating their greatest European rivals, Britons also devoted a 
relatively smaller proportion of their revenues to narrowly fiscal-military matters. 
In this period they created an interventionist state that did much to improve 
infrastructure and extend social provisioning. And, it turns out, the British 
government spent most heavily on civil development not in England, but in 
Scotland, Ireland, and in the plantations. Britain diverged from the European and 
historical pattern because the Whigs, in large part, believed that unlimited 
economic growth was possible. (...) The Revolution of 1688-1689 made it 
possible for Britain to precociously develop the interventionist state..” 
Pincus e Robinson destacam que a Grã-Bretanha começou a gastar relativamente 
mais as suas receitas com itens não militares, em especial com iniciativas de natureza 
social ou econômica. O Estado britânico setecentista ter-se-ia dedicado tanto à expansão 
militar quanto ao crescimento econômico ilimitado, investindo em educação, 
infraestrutura (esgotamento sanitária, estradas e portos) ou descobertas científicas, por 
exemplo. Além disto, o gasto fiscal britânico com rubricas militares era menor quando 
comparado com o de outros Estados. A explicação que os autores propõem para esse 
distanciamento pelo Estado britânico do padrão histórico europeu de gastos fiscais – isto 
é, gastos relativamente maiores em outros tipos de atividades que não militares – é que a 
Revolução de 1688-1689 marcou uma ruptura na natureza do estado Britânico. 
 
Estados fiscais imperiais e mercantilismo 
Pincus e Robinson questionam ainda a aceitação da noção mercantilista de que o 
comércio era um jogo de soma zero segundo o qual o desenvolvimento econômico só 
seeria alcançado por meio do apoderamento da riqueza de um Estado competidor, os 
Whigs teriam subscrito uma visão de que o trabalho criaria a riqueza e, portanto, os 
governos deviam promover o crescimento econômico apoiando as manufaturas tanto na 
Grã-Bretanha como em suas colônias.13 
O debate está aberto, e a análise do papel da fiscalidade na trama da formação 
dos Estados modernos, porém, segue como um empreendimento inescapável. A ótica 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
13 PINCUS, Steve; ROBINSON, James. Wars and state‐making reconsidered: the rise of the interventionist state. 
Harvard University, 2013; BREWER, John. The sinews of power; war, money and the English state, 1688-
1783. Nova York: Alfred A. Knopf, 1989, p. 40; INNES, Inferior politics; social problems and social policies 
in Eighteenth-Century Britain. Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 74; PINCUS, Steve. Rethinking 
mercantilism. William and Mary Quaterly, 3rd. series, 69, n. 1 (jan. 2012 p. 3-70). 
 11 
adotada na América Latina filia-se a uma matriz historicamente distinta – “by looking 
from the colony toward the metropolis”, nas palavras de Carlos Marichal. Isto obriga 
necessariamente a uma mudança importante de perspectiva: a análise dos Estados fiscais 
imperiais, como ele os denomina, exige necessariamente não apenas o escrutínio dos 
fluxos financeiros, mas também das transações mercantis entre a metrópole e suas 
colônias, de um lado, e os fluxos comerciais entre a metrópole e as demais nações, nos 
quais a reexportação de gêneros coloniais tem notável importância. A investigação nesse 
campo permitiria avaliar os impactos estritamente fiscais das estruturas imperiais, bem 
como suas consequências econômicas, demográficas e de conjunto de tudo isto nos 
processos de construção do Estado e de desenvolvimento econômico. Neste debate há 
de se separar evidentemente o montante financeiro - de natureza fiscal ou não - obtido 
pela metrópole com o fluxo de mercadorias coloniais, do impacto propriamente dito 
destes fluxos sobre o desenvolvimento econômico tanto do centro como da periferia. Há 
duas décadas John Brewer notou o desequilíbrio entre a maior atenção conferida à 
influência do centro sobre a periferia, em comparação à menor preocupação com os 
efeitos do império sobre a metrópole. No que respeita aos fluxos estritamente fiscais, um 
bom exemplo das posições em jogo a respeito do império espanhol é o debate 
protagonizado por Carlos Marichal e William Summerhill a partir do texto de Alejandra 
Irigoin e Regina Grafe.14 
Patrick O’Brien denominou de “imperialismo fiscal” as tentativas dos Estados 
para ampliar os parâmetros de seus sistemas fiscais por meio da incorporação de 
territórios, bens e populações para além das suas fronteiras medievais e de políticas 
mercantilistas postas em execução no sentido de concentrar os tributos incidentes sobre 
o comércio internacional nos portos sob sua jurisdição. Contudo, avalia que, se Portugal 
e (em menor grau) Espanha aumentaram os fluxos fiscais diretamente acessíveis a ambas 
as monarquias na forma de prata e ouro a partir do século XV, nenhum outro Estado 
imperial até o século XVIII teria conseguido extrair e transferir para a metrópole 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
14 MARICHAL, Carlos. Bankruptcy of empire: Mexican silver and the wars between Spain, Britain and France, 
1760-1810. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 5/50; SUMMERHILL, William (2008): 
“Fiscal Bargains, Political Institutions, and Economic Performance”, Hispanic American Historical 
Review, 88 (2), pp. 219-233; IRIGOIN, Alejandra & GRAFE, Regina (2008): Bargaining for Absolutism: a 
Spanish path to Nation-State and Empire building, Hispanic American Historical Review, 88(2), pp. 173-
209; MARICHAL, Carlos. Rethinking negotiation and coercion in an imperial State”, Hispanic Ameri-can 
Historical Review, 88 (2), pp. 211-218; a expressão “imperial fiscal logic” é citada na p. 215; O’BRIEN, P. 
K.; PRADOS DE LA ESCOSURA, L. (eds.). The costs and benefits of European imperialism from the conquest of 
Ceuta, 1415, to the treaty of Lusaka, 1974. Madrid: 1998; BREWER, John. The eighteenth-century British 
state: contexts and issues. In: STONE, Lawrence. An imperial state at war; Britain from 1689-1815. Londres: 
Routledge, 1994, p. 52-71, p. 69. 
 12 
rendimentos fiscais significativos e contínuos com a empresa comercial ultramarina. 
Logo, sua importância na construção de sistemas fiscais viáveis e produtivos para o 
crescimento a longo prazo das economias metropolitanas teria sido insignificante. No 
entanto, o recurso a dados quantitativos mais consistentes, porém, tem permitido alguma 
revisão destes argumentos. Bowen pôs-se a “considerare se possível quantificar as 
diferentes formas pelas quais a aquisição de um império indiano pela East India 
Company a partir dos meados do século XVIII teria influenciado o desenvolvimento 
doméstico do Estado britânico e capacitado a travar a guerra em escala mundial. Sua 
avaliação da importância dos recursos ultramarinos é de que .15 
O caso português é sem dúvida curioso: pioneiro na expansão comercial 
marítima europeia, é inegável o volume dos fluxos fiscais diretos ou indiretos com ela 
obtidos pelo Estado. Jorge Pedreira considera que a avaliação das consequências 
econômicas dos impérios a partir do século XV levanta um conjunto de problemas 
incontornáveis, dos quais, os mais desafiadores seriam o “interminável debate ideológico 
sobre o desenvolvimento das nações” e a falta de dados estatísticos apropriados que 
assegurariam um julgamento preciso. Uma dificuldade fundamental decorre da virtual 
impossibilidade de se distinguir e, como consequência, “determinar as consequências 
econômicas dos impérios e avaliar o contributo da periferia para o crescimento 
econômico da Europa ocidental”.16 
Todos estes senões haviam sido também destacados por Patrick O’Brien, que 
acrescentou um problema heurístico de base: 
“a correct perspective on international trade is difficult to achieve – not merely 
because statistics are scarce and shaky but because, unlike other sectors of the 
economy, oceanic trade has left an abundance of records which have seduced 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
15 O’BRIEN, Patrick Karl. The nature and historical evolution of an exceptional fiscal state an its possible 
significance for the precocious commercialization and industrialization of the British economy from 
Cromwell to Nelson. Economic History Review, v. 64, n. 2, p. 408-446, p. 415; BOWEN, H. V.. Mobilising 
resources for global warfare: the British state and the East India Company, 1756-1815. In: BOWEN, H. 
V.; GONZÁLEZ ENCISO, A. (eds.). Mobilising resources for war: Britain and Spain at work during the Early 
Modern Period. Pamplona: EUNSA, 2006, p. 81-110. 
16 PEDREIRA, Jorge M.. To have and to have not; the economic consequences of empire: Portugal 
(1415–1822). Revista de Historia Económica/Journal of Iberian and Latin American Economic History (Second 
Series), 16, pp 93-122 (versão em português: PEDREIRA, Jorge M. As consequências econômicas do 
império: Portugal (1415-1822). Análise social, v. 32, n. 2-3, 1998, p. 433-461). A tarefa mantém-se de pé: 
“Unfortunately a statistical base containing secure, conceptually refined, and properly calibrated data for 
revenues made available to central governments for a large and representative sample of major European 
polities has not been constructed. This remains as an urgent and necessary task for research into fiscal 
history on a comprehensive basis” (O’BRIEN, Patrick Karl. The nature and historical evolution of an 
exceptional fiscal state an its possible significance for the precocious commercialization and 
industrialization of the British economy from Cromwell to Nelson. Economic History Review, v. 64, n. 2, p. 
408-446, p. 413). 
 13 
generations of historians eager to reconstruct the fascinating story of exploration, 
conquest, and rivalry among European states for the spois of discovery.17 
 
Contudo, apesar de mostrar-se algo pessimista quanto à superação destes desafios 
– “a controvérsia prosseguirá sempre, não só em volta da interpretação dos efeitos do 
imperialismo, mas acerca dos próprios fatos e números” em razão de que “talvez nunca 
possamos construir uma matriz de custos-benefícios plausível ou uma estimativa 
aceitável do significado relativo dos empreendimentos imperiais” – Pedreira considera 
que “não há razões para que os cientistas sociais não sejam ousados na resposta a estas 
questões, se tiverem presentes as dificuldades que enfrentarão na sua pesquisa e desde 
que estejam preparados para se contentarem com respostas eventualmente mais 
modestas do que imaginavam no início da sua indagação.18 
 
Estados imperiais e desenvolvimento econômico 
Um item adicional encontrado nessa discussão refere-se ao impacto da estrutura 
fiscal imperial sobre o desenvolvimento econômico. Rafael Torres propôs ainda estender 
a análise, buscando-se estabelecer a relação entre Estado, guerra e desenvolvimento 
econômico ao longo do século XVIII, considerado a autêntica Idade de Ouro do estado 
fiscal militar. Sua perspectiva é particularmente interessante para o presente estudo, tanto 
por permitir manejar o conceito de “estado fiscal imperial”, como pela atenção por ele 
conferida ao papel do mercantilismo.19 
Na avaliação de Wilma Costa, por exemplo, a lógica dos fluxos fiscais do império 
teria exercido um efeito negativo sobre o desenvolvimento econômico de Portugal. De 
fato, a literatura sobre as consequências econômicas para a metrópole dos impérios 
ultramarinos estabelecidos pelos europeus desde o século XVI tem produzido uma 
considerável base estatística. Não obstante, tem tido um êxito limitado no 
estabelecimento de algum consenso relativo à verdadeira natureza da relação entre o 
centro e a periferia: “even in termos of the scale and direction of this effect, conclusions 
range widely, from negative to positive, and from small, or insignificant, to large and 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
17 O'BRIEN, Patrick Karl. The Foundations of European Industrialization: From the Perspective of the 
World. Journal of Historical Sociology, v. 4, 1991, p. 288–316; O'BRIEN, Patrick K. European economic 
develoment: the contribution of the periphery. The Economic History Review, v. 35, n. 1, 1982, p. 18. 
18 PEDREIRA, Jorge M.. To have and to have not; the economic consequences of empire: Portugal 
(1415–1822). Revista de Historia Económica/Journal of Iberian and Latin American Economic History (Second 
Series), 16, pp 93-122 (versão em português: PEDREIRA, Jorge M. As consequências econômicas do 
império: Portugal (1415-1822). Análise social, v. 32, n. 2-3, 1998, p. 433-461). 
19 TORRES SÁNCHEZ, Rafael (ed.). War, state and development; fiscal-military states in the Eighteenth 
century. Pamplona: EUNSA, 2007, p. 13-44. 
 14 
even critical to the economic performance of the colonizing nations”. Leonor Costa, 
Nuno Palma e Jaime Reis concluíram que, apesar de o império ter ajudado a economia 
doméstica portuguesa, não foi suficiente para anular a tendência de declínio em relação 
ao núcleo avançado da Europa em marcha a partir do século XVII.20 
A este conjunto de elementos referentes às consequências estritamente 
econômicas, podem ser também acrescentados os efeitos políticos. Boxer, por exemplo, 
argumentou que pelo menos após a Restauração em 1640 foi o império que teria 
assegurado grandemente a sobrevivência de Portugal como um Estado independente.21 
 
Fiscalidade e extrafiscalidade 
Certamente algumas questões devem merecer melhor escrutínio numa análise 
futura. Uma delas refere-se ao próprio emprego da palavra “fiscal”. A ótica jurídica 
considera fiscal o uso do tributo com fins meramente arrecadatórios, isto é, instrumento 
de abastecimento dos cofres públicos, e extrafiscal seu uso para outros objetivos, em 
particular no que interfira no meio econômico e social. Ora, não há tributo que atenda 
este critériode modo puro.22 Nesse sentido, o estritamente fiscal corresponderia ao que é 
tão somente objeto de arrecadação tributária (subentendido igualmente o arrecadado 
como punição ao não cumprimento da norma tributária, como são os casos dos 
confiscos e multas pelo atraso do pagamento de algum imposto). Assim, em decorrência 
deste pressuposto, a contabilidade de natureza estritamente fiscal corresponderia à 
fórmula “receitas menos despesas”, e não admitiria nunca que as despesas superassem as 
receitas. Sempre haveria alguma sobra, que retornaria incorporada à receita. No caso de a 
despesa superar a receita, simplesmente alguém não seria pago. Aqui têm então lugar na 
equação as variáveis (a) receitas arrecadadas ou (b) por arrecadar, e (c) despesas pagas ou 
(d) por pagar. A fórmula constituída por estes termos contém, portanto, metal sonante (o 
que está de fato nos cofres) e a moeda escritural (no caso das variáveis (b) e (d). Nos 
casos em que a (a) + (b) não são suficientes para cobrir as despesas haveria duas 
alternativas possíveis: 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
20 COSTA, Wilma Peres. Do Domínio à Nação, impasses da fiscalidade no processo de Independência. In: 
JANCSÓ, István (org.). A formação do Estado e da nação brasileira. São Paulo: Hucitec, 2003, p. 143-194; 
COSTA, Leonor Freire; PALMA, Nuno; REIS, Jaime. The great escape? The contribution of the empire to 
Portugal’s economic growth, 1500-1800. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid, 2003 (Working Papers 
in Economic History, 13-07, novembro de 2013). 
21 BOXER, Charles Ralph. Four centuries of Portuguese expansion 1415-1825: a succinct survey. Johannesburg: 
Witwatersrand University Press, 1961, p. 90. 
22 Numa análise abrangente sobre a matéria, isto é o que também assinala CARAVELLI, Flávia Renata 
Vilela. Fiscalidade e extrafiscalidade: em busca de uma distinção adequada ao contexto da Constituição de 
1988. Belo Horizonte: PUC-MG, 2010 (dissertação de mestrado). 
 15 
1. não pagar alguns gastos ou 
2. recorrer a um artifício fiscal, isto é, à extrafiscalidade, como os empréstimos, 
que são originalmente uma operação financeira, e só secundariamente, recurso fiscal. Mas 
há outros recursos de fato extrafiscais mas que aparecem como fiscais, como a permuta 
do ouro em pó de faisqueira, a partir de 1809 em Minas Gerais. Outro exemplo é o 
recurso às sucessivas desvalorizações da moeda, como as levadas a efeito por D. 
Fernando [regnavit 1367-1383]. Há, portanto, de se verificar o que de fato constitui 
matéria fiscal e o que é artifício arrecadatório.23 
 
Os empréstimos 
Os empréstimos vinculam-se a outro item de uma agenda de investigação: o da 
eficiência fiscal, por expressar a saúde financeira das instituições fazendárias. A eficiência 
pode igualmente ser mensurada pelo peso das despesas operacionais ou administrativas, 
isto é, aquelas realizadas no processo de arrecadação dos tributos, e que incluem os 
dispêncios com o pessoal encarregado estritamente da cobrança e arrecadação, com 
material de consumo, ajudas de custo no caso de cobranças em lugares distantes, por 
exemplo, bem como as despesas que hoje consideraríamos de capital (no caso da 
construção de prédios ou de qualquer infraestrutura relativa ao processo de cobrança e 
arrecadação). Se, no final, o saldo for positivo, o sistema funciona adequadamente; se 
negativo, não, isto é, se tem-se de recorrer à extrafiscalidade, que é o mesmo que dizer 
“empréstimos”. Quanto menores as despesas operacionais e menor a necessidade de 
recurso a qualquer artifício extrafiscal mais eficiente o sistema.24 
O tema da eficiência fiscal mereceria também uma incursão pelos sistemas de 
cobrança e arrecadação durante a Era Modera: se por administração da Real Fazenda ou 
pelo sistema de arrendamentos. Portugal só começa a abandonar este último nos fins do 
século XVIII, e nunca contou com corporações de mercadores, ao contrário do que 
ocorreu com Espanha, que com o fim dos contratos de arrendamento assistiu à 
ampliação da administração fiscal (como é caso das intendências) e a consequente 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
23 Um estudo pormenorizado a respeito desse tributo pode ser consultado em CARRARA, Angelo Alves. 
A Real Fazenda de Minas Gerais; guia de fontes da Coleção Casa dos Contos de Ouro Preto. Ouro Preto: 
Editora da UFOP, 2005; HENRIQUES, Antônio Maria Braga de Macedo de Castro. State finance, war and 
redistribution in Portugal (1249-1527). York: University of York, 2008 (tese de doutorado). 
24 Algumas variáveis a levar-se em conta: “size, territorial dispersion and institutional diversity, relative 
position in global and international networks, capability to import fiscal techniques and financial advances, 
and the different degrees of independence in regard to movements of international capital are ... relevant 
factors in the efficiency of fiscal systems and in their final transition to the fiscal state” (YUN-
CASALLILLA, Bartolomé; O’BRIEN, Patrick (eds.). The rise of the fiscal state. Cambridge: Cambridge 
University Press, 2012, p. 24). 
 16 
multiplicação dos agentes corporativos (consulados, “tribunal de minería”, etc.). Qual a 
eficiência fiscal num e noutro modelo? E ainda relacionado ao mesmo tema, valeria a 
pena avaliar o impacto sobre o sistema da adoção do sistema de partida dobrada a partir 
dos meados do século XVIII. 
 
Ordenamento jurídico e constituição fiscal 
O conceito de constituição fiscal é de fato extremamente inspirador para o 
presente estudo. Originalmente proposto por Kenneth Dam na análise restrita aos 
Estados Unidos, foi logo em seguida difundido por Brennan e Buchanan, que estavam a 
escrever seu livro quando ocorreu a revolta dos contribuintes da Califórnia de 1978 que 
resultou na “Proposição 13”, ou a Iniciativa Popular de Limitação da Tributação sobre a 
Propriedade, votada por meio de referendo de iniciativa popular na Califórnia em 1978 e 
que limitou os impostos fundiários a serem arrecadados pelo Estado. A despeito de sua 
aplicação num momento histórico específico, penso que o conceito é fundamental para o 
entendimento das transformações na fiscalidade em outros períodos, como o que aqui se 
estuda. Para Dam, a constituição fiscal consistia na “soma das disposições 
constitucionais com efeitos sobre a tributação e a despesa, incluindo tanto as normas 
definidoras da competência fiscal do governo federal como as regras de distribuição dos 
poderes de tributação e dispêndio entre o governo federal e os estados”. Brennan e 
Buchanan partem do pressuposto segundo o qual o governo aufere seus poderes do 
consentimento final dos que são governados. Logo, está implícito neste modelo que o 
agente autorizado da coerção, o governo, pode ser limitado em seu raio de ação. Ou seja, 
as constituições podem restringir as atividades da entidade política.25 Ora, se se considera 
que os Estados da Era Moderna igualmente são construídos a partir da negociação entre 
os diferentes agentes da sociedade, obviamente dispomos dos elementos para se falar, 
não propriamente de uma “constituição” fiscal, mas, sem dúvida, de um arcabouço 
jurídico fiscal, definido pelo conjunto de normas fundamentais, formais ou mesmo 
informais, que regem a política fiscal. Isto ultrapassa o simples ordenamento jurídico queestabelece a estrutura burocrática responsável pela arrecadação das receitas e pagamento 
das despesas, ou o regime fiscal, mas fundamentalmente os limites legítimos da 
tributação e do dispêndio. Em termos claros: de quem e como cobrar tributos e com 
quem ou com quê gastar os montantes arrecadados. 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
25 DAM, Kenneth W.The American Fiscal Constitution. University of Chicago Law Review, v. 44. n. 2, 1977, p. 
271-320, p. 272; BRENNAN, Geofrey; BUCHANAN; James M.. The power to tax: analytical foundations of a 
fiscal constitution. Indianapolis: Liberty Fund, 1980, p. 
 17 
A partir dos primeiros anos da dinastia de Avis começaram a ser estabelecidos 
diferentes órgãos, regimentos e ordenações visando a conferir maior sistematização às 
funções fazendárias. Mas seu papel de fato residia no controle das contas dos agentes 
responsáveis pela arrecadação das receitas e pagamento das despesas. Observado numa 
perspectiva de mais longo prazo, o movimento parece ter início com o Regimento dos 
Contos em 1389. O que se vê em seguida parece ser um processo de aprofundamento na 
sistematização das normas contabilísticas, de refinamento nas rotinas e concentração 
dessas funções em uma única entidade, que culmina em 1761 com a criação do Erário 
Régio.26 Contudo, a função fundamental de cada uma das entidades que se foram criando 
e reformando até o século XVIII era a verificação das contas de todas as repartições 
fazendárias, e não a de produzir uma escrituração contábil unificada a partir dos dados 
fornecidos por todos os almoxarifados, alfândegas e provedorias. 
O período inicial deste estudo – as guerras fernandinas e de Independência entre 
1369 e 1411 – marca o estabelecimento de uma nova “constituição fiscal”, e refletiu-se 
no conjunto de normas que regulamentaram essas transformações. O regimento dos 
Contos, de 5 de julho de 1389 é em geral considerado o primeiro regulamento da 
repartição fazendária responsável pelo controle da gestão das receitas e despesas do 
Reino: os Contos de Lisboa. Pouco depois, 28 de novembro de 1419, instituiu-se o 
regimento dos contadores da cidade de Lisboa, com o objetivo de regulamentar a 
distribuição das contas pelos contadores e escrivães, dos vários tesoureiros e recebedores 
da cidade de Lisboa e seu termo, bem como os respectivos prazos de tomada de conta. 
Por este regimento, todas as rendas arrecadadas na cidade de Lisboa e seu termo, tanto 
direitos como sisas, deviam ser guardadas no Tesouro e conferidas pelos contadores e 
escrivães. O ordenamento jurídico seguinte, regimento do contador-mor dos Contos da 
Cidade de Lisboa, de 22 de março de 1434, que regulamentou os procedimentos da 
tomada de conta e encarregava o contador-mor de controlar e evitar a negligência dos 
funcionários parece relacionar-se diretamente ao conjunto de reformas levadas a cabo 
por D. Duarte I [1433-1438], como a do sistema monetário. 
No século XIV o tesouro central perdeu imporância para um sistema de 
tesourarias locais, os almoxarifados. Estas novas “células fiscais” como as denomina 
Castro Henriques, marcariam o início de uma constituição fiscal, na qual as sisas 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
26 Para uma detalhada exposição sobre o tema, cf. PAIXÃO, Judite Cavaleiro; LOURENÇO, Maria 
Alexandra. Tomar em linha de conta o controlo das contas e a sua regulamentação. Jornal de Contabilidade, v. 
264, p. 76-78; v. 265, p. 114-115; v. 266, p. 155-157; v. 267, p. 191-193; 268, p. 231-234; v. 269, p. 263-266, 
1999; PAIXÃO, Judite Cavaleiro; LOURENÇO, Maria Alexandra. Contos do Reino e Casa. Revista do 
Tribunal de Contas. Lisboa: Tribunal de Contas, n. 21-22, p. 401-457, jan.-dez. 1994; n. 23, jan.-set. 1995. 
 18 
passaram a desempenhar o papel essencial. A característica dessa nova constituição fiscal 
correspondia à transformação de um sistema orientado para a acumulação, para outro em 
que a redistribuição e a guerra ofensiva estavam intrinsecamente conectados. Isto 
representava uma mudança decisiva operada nas finanças estatais portuguesas: a 
passagem de um Estado senhorial a um Estado fiscal. Para a nobreza, a guerra era um 
meio de assegurar lucro, seja por meio da pura pilhagem ou do patrocínio régio, ao passo 
que a contribuição dos não nobres para as campanhas militares seriam mínimas e 
limitadas à defesa do Reino. A atividade guerreira seria a melhor forma de aumentar o 
prestígio, a honra e o proveito pelos nobres, o que explica sua intensa participação nas 
várias frentes da expansão dos séculos XV e XVI.27 
Como bem salienta Castro Henriques, estas mudanças não correspondem apenas 
a um mero crescimento quantitativo das receitas, mas uma relação inteiramente nova 
entre os monarcas da dinastia de Avis e a vida econômica do Reino. Ao instituir as sisas 
como o esteio das finanças régias, o Estado fiscal português passou a depender do 
mercado. Daí o papel verdadeiramente revolucionário das sisas.28 
As despesas militares entre 1415 e 1471 não foram pequenas: Ceuta teria custado 
280.000 dobras, mais do que a receita total do Reino em 1401, orçada em 204.000; o 
desastre militar de Tânger, avaliado em 57.000 dobras, igualmente superava a renda total 
de 1743, de 47.000 dobras; e a expedição de Arzila e Tânger em 1471, com um custo em 
torno de 104.000 e 112.000 dobras era mais da metade dos rendimentos em 1472, de 
180.000 dobras. A solução adotada, servir-se de recursos extraordinários pagos pelos 
povos, tinha limites. Em vista da relutância das cortes em financiar outros conflitos além 
dos que tinham lugar nas fronteiras do Reino, a monarquia teve de recorrer a rendas 
ordinárias para lançar a campanha no norte da África, o que logrou fazê-lo a partir dos 
fins da década de 1460. A proporção dos gastos com a campanha de 1471 demonstra-o 
claramente. Embora um desastre para a Coroa, Ceuta podia ser lucrativa para os nobres 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
27 COSTA, João Paulo Oliveira e. A nobreza e a expansão; particularidades de um fenómeno complexo. In: 
COSTA, João Paulo Oliveira e (dir.). A nobreza e a expansão; estudos biográficos. Cascais; Patrimonia, 2000, 
pp. 11-51; COSTA, João Paulo Oliveira e. A nobreza e a fundação do Estado Português da Índia. in: In: 
MAGALHÃES, Joaquim Romero; FLORES, Jorge Manuel. Vasco da Gama; homens, viagens e culturas 
(actas do Congresso Internacional. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos 
Descobrimentos Portugueses, 2001, pp. 39-73; HENRIQUES, Antônio Maria Braga de Macedo de Castro. 
State finance, war and redistribution in Portugal (1249-1527). York: University of York, 2008 (tese de doutorado), 
p. 36-37/264-273; PELÚCIA, Alexandra Maria Pinheiro. Martim Afonso de Sousa e a sua linhagem: a elite 
dirigente do império português nos reinados de D. João III e D. Sebastião. Lisboa: Universidade Nova de 
Lisboa, 2007, p. 142-143; VASCONCELOS, Antônio Maria Falcão Pestana de. Nobreza e ordens 
militares; relações sociais e de poder (séculos XIV a XVI). Porto: Universidade do Porto, 2008, p. 207-220. 
28 HENRIQUES, Antônio Maria Bragade Macedo de Castro. State finance, war and redistribution in Portugal 
(1249-1527). York: University of York, 2008 (tese de doutorado), p. 148-163. 
 19 
que se apresentavam voluntariamente para ali servir. Nobres que foram para a África 
podiam ganhar a vida como corsários e saquear o interior do Marrocos como meio de 
alcançar fama e lucro. Além disto, constituía uma oportunidade de ascensão social, com a 
criação de novos títulos, raros até então. Em síntese: um amálgama entre os interesses da 
Coroa e os da nobreza. A permanência das sisas foi motivada por uma concepção das 
finanças reais em que as riquezas arrecadadas pela Coroa deviam ser redistribuídas, e não 
entesouradas. Este foi o passo determinante no sentido de uma monarquia redistributiva, 
materializada no aumento do número de membros da Casa Real entre 1402 e 1473.29 
No que respeita às ordens militares, a cristalização desse modelo redistributivo 
parece operar-se com D. Sebastião (1557-1578), que impôs “a obrigatoriedade de servir 
militarmente no Norte de África, nas armadas da costa e do oceano como meio para 
alcançar o simples hábito ou uma comenda”. A partir de Filipe II de Espanha, contudo, 
estes requisitos teriam sido relaxados, e nos primeiros anos após as Cortes de Tomar, 
ocorreu “uma grande inflação de hábitos”. Nas palavras de Olival, “o novo monarca 
pagou fidelidades com estas insígnias, independentemente da natureza dos serviços”. A 
necessidade de reforma das ordens militares que se seguiu dessa inflação de comendas só 
veio a surtir algum efeito prático, contudo, tardiamente. Filipe II e Filipe IV 
“tentou usá-las o mais que pode para pagar serviços ... cada um à sua maneira. 
Sobretudo na década de 1630, Filipe IV tentou disciplinar os seus servidores e a 
nobreza em geral, ao atribuir hábitos e comendas mediante obrigações que 
deviam ser, quase sempre, previamente satisfeitas e que não correspondiam aos 
tópicos que impusera D. Sebastião. (...) Iniciava-se claramente outra fase na vida 
das Ordens Militares Portuguesas. A partir daí, a força dos seus seus numerosos 
membros não seria já suficiente para travar o poder do rei-mestre. Nesse sentido, 
as mudanças sob os Austrias foram decisivas: quase esgotaram a capacidade 
reivindicativa dos cavaleiros. Filipe III foi dos poucos monarcas que 
condescendeu em ouvi-los, ao permitir que fizessem parte de juntas sobre as 
Ordens e ao autorizar capítulos gerais, mas a experiência não voltaria a repetir-
se.30 
De algum modo, este relaxamento deve ter produzido algum efeito nas 
mentalidades, que a conjuntura aberta com a crise de 1620 terminou por consolidar. 
Na década de 1450 foram estabelecidos outros instrumentos jurídicos voltados 
para a melhor sistematização da contabilidade na década de 1450: o alvará de 9 de junho 
de 1450, que estabeleceu a forma como se devia registrar as receitas e despesas da cidade 
de Lisboa pelos oficiais fazendários, bem como as mercadorias sujeitas ao pagamento da 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
29 HENRIQUES, Antônio Maria Braga de Macedo de Castro. State finance, war and redistribution in Portugal 
(1249-1527). York: University of York, 2008 (tese de doutorado), p. 259-285. 
30 OLIVAL, Fernanda. Os Áustrias e as reformas das ordens militares portuguesas. Hispania, v. 44, n. 216, 
2004, p. 95-116, p. 96-98/116. 
 20 
sisa; e o alvará de 20 de julho de 1455, determinando a entrega ao porteiro dos Contos de 
Lisboa dos livros de registro a cargo dos escrivães das rendas e direitos reais de Lisboa, 
seis meses após o fim do arrendamento. Já para os fins do século XV, um regimento de 
1480 instituiu as regras a seguir nos serviços de Tesouraria Régia.31 
Todas essas medidas experimentaram uma ampla revisão com vistas à atualização 
e sistematização, de que as Ordenações Manuelinas são inseparáveis. Aliás, as próprias 
mudanças nas Ordenações refletem esse caráter de atualização: em 15 de março de 1521 
D. Manuel ordenou a destruição de todos os exemplares da “impressão velha” dos cinco 
livros das Ordenações, que até então tinham estado em vigor. Mandava que se julgasse 
pelas novas, reformadas, cuja impressão acabara a 11 de março, desse ano de 1521. Essa 
destruição era entendida como necessária para evitar que se avogasse com base numa 
Ordenação diferente da que passava a vigorar. Em 1514 os Contos d’El Rei 
transformaram-se nos Contos do Reino e Casa, e pouco depois o Regimento e 
Ordenações da Fazenda, de 17 de outubro de 1516, sistematizaram as normas 
contabilísticas e determinaram que as diversas repartições fazendárias (Contos do Reino, 
Contos de Lisboa, Contos das Comarcas, Contos das Ilhas e Lugares d’Além) fossem 
centralizadas e seus procedimentos de tomada de contas coordenados pelo vedor da 
Fazenda. Esse espírito de “correção e emenda” é claramente explicitado no prólogo do 
Regimento de 1516: 
“pelos reis passados nossos antecessores foram feitas algumas ordenações, 
determinações e dado regimento aos vedores de sua Fazenda, provedores, 
contadores, almoxarifes, recebedores e outros oficiais dela, da maneira que 
haviam de ter em servir seus ofícios, prover e arrecadar suas rendas e direitos e 
fazer outras coisas que a eles e a bem do povo cumpria, tocantes à dita sua 
Fazenda, segundo largamente era conteúdo em um livro dos regimentos que 
disso foi feito, que andava na dita Fazenda. E ora consi[de]rando nós como por a 
longura do tempo e por alguns outros respeitos algumas das ditas ordenações, 
determinações e regimentos se não usava já delas, e outras não eram tão claras 
como cumpriam para os vedores e oficiais de nossa Fazenda para eles a haverem 
de reger e governar e poderem bem determinar as dúvidas e coisas que a eles 
viessem, nos pareceu coisa mui conveniente e necessária a nosso serviço e a bem 
das partes prover isso e as corrigir e emendar e declarar e fazer outras de novo 
onde cumprisse e o caso requeresse” 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
31 RAU, Virgínia. A Casa dos Contos. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1951; PORTUGAL. TRIBUNAL 
DE CONTAS. Os três mais antigos regimentos dos Contos: 1389, 1419 e 1434. Lisboa: Tribunal de Contas, 1959; 
FRANCO, Antônio de Sousa; PAIXÃO, Judite Cavaleiro. Magistrados, dirigentes e contadores do Tribunal de 
Contas e das instituições que o precederam: finais do séc. XIII. Lisboa: Tribunal de Contas, 1995; GOMES, 
Delfina Rocha. A evolução dos registos contabilísticos e a aplicação da partida dobrada em Portugal. Braga: 
Universidade do Minho, 2000 (dissertação de mestrado); HENRIQUES, Antônio Maria Braga de Macedo 
de Castro. State finance, war and redistribution in Portugal (1249-1527). York: University of York, 2008 (tese de 
doutorado), p. 184-185. 
 21 
 
Na segunda metade do século XV o alvará de 1 de abril de 1560 unificou a 
contabilidade dos Contos de Lisboa e dos Contos do Reino e Casa. A Casa dos Contos 
de Goa recebeu regimento em 19 de agosto de 1589. E o Regimento da Fazenda de 20 
de novembro de 1591 criou um único Tribunal da Fazenda, denominado Conselho da 
Fazenda, em substituição das Vedorias da Fazenda do Reino, Mestrado e Ilhas; Índia e 
conquistas; e África, Contos e Terças. 
Já no século XVII, o regimento dos Contos de 3 de setembro de 1627 centralizou 
nos Contos do Reino e Casa toda a contabilidade pública, tanto da Metrópole comodo 
Ultramar, e regulamentou os procedimentos da tomada de conta. O novo organismo de 
controle final das contas das repartições de todas as partes do império até 1761 – a Casa 
dos Contos do Reino – tinha por função primordial a liquidação e fiscalização das contas 
dos oficiais da Fazenda. Nas palavras de frei Nicolau de Oliveira, a Casa dos Contos era 
“um tribunal onde vão prestar contas todos aqueles que têm administrado os 
bens e rendas reais, tanto no Reino, como na Índia; ou mesmo em qualquer outro 
lugar das conquistas, ou porque arrendou, ou se por qualquer outra via as 
administrou. Se ficou a dever, aqui o fazem pagar”.32 
Em geral este regimento é tomado como tendo o propósito de “disciplinar e 
dominar a burocracia que aumentava em número e abuso. Por outro lado, para além da 
corrupção, o analfabetismo marcava uma grande parte dos funcionários da Contabilidade 
pública central”. Contudo, penso ser obrigatória a relação entre este regimento e o estado 
das contas do Reino e seus territórios no ultramar a partir do fim da trégua com os 
holandeses. O desabamento das receitas provenientes da Carreira da Índia sem dúvida 
fez soar o alarme quanto à necessidade de um controle o mais rígido possível sobre as 
despesas, mais do que sobre as receitas. É isto que talvez explique a ênfase dada à 
necessidade de comprovação legal das despesas por cada oficial da Real Fazenda, 
claramente definida no capítulo 27 do Regimento: “que os contadores, ao tomar das 
contas, peçam razão aos oficiais que as derem, de como cumpriram seus regimentos e 
assim examinem os contratos, folhas, desembargos, provisões e mandados”. O escrutínio 
era ainda mais específico: o capítulo 29 determinava que “havendo nas contas, vendas ou 
despesas de algumas coisas, ou compra de utras em preços excessivos, altos ou baixos, os 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
32 PAIXÃO, Judite Cavaleiro; LOURENÇO, Maria Alexandra. Contos do Reino e Casa. Revista do Tribunal 
de Contas. Lisboa: Tribunal de Contas, n. 21-22, p. 401-457, jan.-dez. 1994; n. 23, jan.-set. 1995; 
OLIVEIRA, Nicolau de (frei). Livro das grandezas de Lisboa. Lisboa: Impressão Régia, 1804 [1. ed.1620], 
p. 295. 
 22 
contadores o façam saber ao contador-mor, e assim das coisas que se acharem nas ditas 
contas que lhes fizerem dúvidas”. 
 
A gestão das receitas e despesas 
Um dos princípios basilares da fiscalidade portuguesa da era moderna consistia 
na autossuficiência financeira de cada repartição responsável pela cobrança e arrecadação 
das receitas e pagamento das despesas. É este princípio que explica a ausência de gestão 
unificada dos recursos e dispêndios fiscais até pelo menos a instituição do Erário Régio, 
em 1761. Em termos práticos, a cada uma das repartições fazendárias, como os 
almoxarifados e as alfândegas, no Reino, ou as provedorias, no ultramar, funcionava 
como agência arrecadadora dos tributos e pagadora das despesas cujas rubricas eram-lhe 
consignadas. 
Na nomenclatura contábil do século XVII, os rendimentos dos tributos 
arrecadados em cada estação fazendária estavam “consignados a” ou “aplicados para” 
alguma despesa. Ou, com idêntico significado ao encontrado na contabilidade espanhola, 
“situados” em determinadas rendas. Por exemplo: em 1607, doze contos de réis estavam 
“situados” a Manuel Gomes da Costa nos rendimentos do estanco das cartas de jogar, 
“para apresto da esquadra dos treze navios”. Podiam ainda ser “assentadas”. Algumas 
receitas foram com o tempo consolidando um padrão de despesa à qual estavam 
“consignadas”: assim as terças dos concelhos, estabelecidas para para as fortificações do 
Reino; a bula da Santa Cruzada, que mantinha, além de ordenados e as despesas 
operacionais da cobrança (impressão de bulas, ordenados dos oficiais da bula, &c.), os 
lugares d’África bem como a fábrica de São Pedro de Roma e a Inquisição (ordenados do 
inquisidor geral, inquisidores e demais oficiais). Na renda do consulado estava “situado” 
o pagamento dos oficiais, a fábrica da esquadra dos 13 navios e mantimentos de 2.500 
homens. Do mesmo modo os almoxarifados de pão e fábricas das lezírias e pauis, cujo 
“pão e dinheiro se despende nas férias dos valadores, ordenados dos oficiais e outras 
despesas necessárias à dita fábrica sem ficar sobejando coisa alguma”. Obviamente, 
rendas houve que nasceram para um fim particular, e desaparecem quando quitaram-se 
as despesas para as quais se as criaram, como o tributo cobrado no Brasil para 
pagamento da paz de Holanda e dote da rainha.33Toda essa atividade – ou, mais 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
33 FALCÃO, Luís de Figueiredo. Livro em que se contém toda a fazenda e real patrimônio dos reinos de Portugal, 
Índia e ilhas adjacentes [Madrid, 1607]. Lisboa: Imprensa Nacional, 1859, p. 19-31; BIBLIOTECA 
NACIONAL DO RIO DE JANEIRO/DIVISÃO DE MANUSCRITOS/Relação das rendas que a Fazenda de 
Sua Majestade tem em cada um ano neste reino [de Portugal] e nas partes de ultramar e dos ordenados, 
 23 
precisamente, as contas – dos oficiais da Fazenda responsáveis em cada repartição pela 
gestão dos recursos fiscais era submetida ao julgamento das instâncias superiores: a 
tomada de contas de sua administração.34 
A aplicação deste princípio, contudo, estava evidentemente limitada pela 
solvibilidade das repartições. Nas ocasiões em que as despesas consignadas a uma 
determinada repartição ultrapassavam o montante da receita nela disponível, o 
funcionário responsável devia solicitar a seus superiores hierárquicos a cobertura com 
fundos de outras repartições. 
Com a expansão ultramarina, este modelo administrativo foi transposto para os 
diferentes espaços do império, e o princípio estruturante da autossuficiência financeira 
dos órgãos de Fazenda transmutou-se em autossustentação financeira de cada 
porção conquistada, que Susana Miranda, ao estudar o funcionamento da Real Fazenda 
no Estado da Índia, alcunhou de “egoismo financeiro”: cada estação fiscal tendia a 
despender a receita arrecadada apenas na área de jurisdição da repartição. Isto não era 
uma exclusividade do império português. Valia igualmente para o império britânico e 
espanhol, por exemplo. Nas palavras de George Beer, “each colony should ultimately 
raise the funds for its own local expenses”. No entanto, numas conquistas as despesas 
podiam superar as receitas, enquanto que noutras ocorria o contrário. Algumas áreas, 
inclusive, representavam uma despesa estrutural para o império, ao passo que outras, a 
garantia de receita líquida elevada por décadas. Este fato obrigava a um constante 
remanejamento de saldos positivos em determinadas repartições para cobrir o déficit 
noutras. A folha de pagamentos sob responsabilidade da Provedoria da Fazenda da 
capitania do Rio de Janeiro, por exemplo, entre meados do século XVII até as duas 
primeiras décadas do século XVIII, foram saldadas com recursos provenientes da 
Provedoria-Mor do Estado do Brasil, na Bahia. Do mesmo modo, cabia à Provedoria da 
Fazenda da capitania de Minas Gerais arcar com todas as despesas da Real Extração dos 
Diamantes.35

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