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INTERAÇÕES ESPACIAIS Roberto Lobato Corrêa Professor do Departamento de Geografia da UFRJ As interações espaciais constituem um amplo e complexo conjunto de deslocamentos de pessoas, mercadorias, capital e informação sobre o espaço geográfico. Podem apresentar maior ou menor intensidade, variar segundo a frequência de ocorrência e, conforme a distância e direção, caracterizar-se por diversos propósitos e se realizar através de diversos meios e velocidades. As migrações em suas diversas formas (definitivas, sazonais, pendulares etc.), as exportações e importações entre países, a circulação de mercadorias entre fábricas e lojas, o deslocamento de consumidores aos centros de compras, a visita a parentes e amigos, a ida ao culto religioso, à praia ou cinema, o fluir de informações destinadas ao consumo de massa ou entre unidades de uma mesma empresa são, entre tantos outros, exemplos correntes de interações espaciais em que, de uma forma ou de outra, estamos todos envolvidos. O presente estudo está dividido em duas partes. Na primeira procura-se estabelecer as relações entre interações espaciais e capitalismo, enquanto na segunda são discutidos os padrões espaciais das interações. Interações espaciais e capitalismo As interações espaciais devem observadas como parte integrante da existência (e reprodução) do processo de transformação social e não como puros e simples deslocamentos de pessoas, mercadorias, capital e informação no espaço. No que se refere à existência e a reprodução social, as interações espaciais refletem as diferenças de lugares face às necessidades historicamente identificas. No que concerne às transfor- mações, as interações espaciais caracterizam-se, preponderantemente, por uma assimetria, isto é, por relações que tendem a favorecer um lugar em detrimento de outro, ampliando as diferenças já existentes, isto é, transformando os lugares. Consulte-se CHEPTULIN (1982), que fornece elementos para uma análise materialista das interações espaciais. Ancoradas na sociedade e em seu movimento de transformação, as interações espaciais e sua dinâmica somente são inteligíveis quando consideradas como parte da história do homem e de sua mutável geografia. Não cabe aqui apresentar e discutir as relações entre interações espaciais e dinâmica social. A bibliografia sobre essas relações é ampla, remetendo aos diversos tipos de organização social, como se exemplifica com os estudos de CHILDE (1950), PIRENNE (1964), PRED (1962), BELSHAW (1968) e HARVEY (1980). Consideraremos brevemente as interações espaciais no capitalismo, tendo como ponto de partida os impactos resultantes da Revolução Industrial, impactos que alteraram profundamente essas interações, estabelecendo a matriz com que hoje elas se realizam: neste sentido, o estudo de PRED (1962) é de fundamental importância. Segue-se uma breve descrição da espacialidade do ciclo de reprodução do capital. As transformações nas interações espaciais A Revolução Industrial transformou profundamente as interações espaciais. Em resumo, essas alterações podem ser descritas pela ampliação: i - da massa de mercadorias, pessoas, recursos financeiros e informações em circulação; ii - da frequência com que as interações passaram a se verificar; ili - dos meios de circulação e comunicação; iv - dos propósitos com que são realizadas; v - da velocidade, através da qual se verifica a progressiva superação do espaço pelo tempo; vi - dos horizontes espaciais, rompendo limitadas distâncias e, adicional-mente, tomando-as multidirecionadas; vii - das redes geográficas, que se tomaram progressivamente mais complexas e abrangentes, envolvendo um número crescente de nós, vias e fluxos, assim como dos mais diversos agentes sociais; e viii - de sua importância na vida econômica, social, cultural e política. As complexas transformações nas interações-espaciais resultaram, do plano imediato, das poderosas inovações tecnológicas geradas no âmbito dessa complexa teia de intercasualidades que foi a Revolução Industrial. O navio a vapor, a ferrovia e o telégrafo foram as principais dessas inovações correlatas às transformações também cruciais na agricultura, na indústria, nas atividades terciárias, na organização social e política, na urbanização e nos modos de vida como, entre outros, apontam PRED (1962), DOBB (1977) e HOBSBAWM (1977). Intensificam-se e ampliam-se as interações espaciais que, adicionalmente, tomaram-se mais rápidas e mais complexas. Rompem-se as amarras de horizontes espaciais limitados e fortemente fechados, submetidos a uma economia preponderantemente autárquica. Estabelece-se uma crescente divisão territorial do trabalho que leva a uma necessária articulação entre áreas e cidades através de uma rede urbana cada vez mais importante e fortemente articulada. PRED (1980) argumenta, em relação aos Estados Unidos do período 1840- 1860, que as mudanças nas funções urbanas, a industrialização, o processo de urbanização, a melhoria dos transportes, especialmente o ferroviário, e a difusão do telégrafo, geraram um duplo e complementar processo, o de especialização e o de integração, alterando a natureza, a intensidade e os padrões espaciais de interações. As interações entre cidades tomaram-se mais complexas e intensas, deixando de ser realizadas sobretudo a curta distância e entre um limitado número de centros, como se verificava anteriormente em 1840 (PRED, 1973). Complexos padrões de interações entre centros urbanos emergiram ou ganharam força, definindo uma crescente interdependência entre cidades e áreas, expressa por interações: i - entre grandes cidades localizadas na mesma região ou em regiões distintas; ii - entre uma grande cidade e centros menores localizados tanto na hinterlândia como fora dela; e iii - entre cidades pequenas localizadas na mesma região ou em regiões diferentes. Interações espaciais a curta e a longa distâncias, entre centros de magnitude semelhante ou distinta, envolvendo uma gama cada vez mais complexa de mercadorias, pessoas, capital e informação, são o resultado das transformações advindas com o capitalismo industrial. Ainda que desigualmente, as transformações, em realidade, verificaram-se em toda parte, gerando uma economia crescentemente integrada em escala mundial, constituída por nós e áreas articulados entre si por poderosas ligações. Nas palavras de HOBSBAWM (1977, p. 69) em relação ao período 1848-1875, a "rede que unia as várias regiões do mundo visivelmente apertava". A partir da segunda metade do século XIX as interações espaciais entram na modernidade, anunciando o presente. A superação do espaço pelo tempo, que progressivamente se torna mais crucial à medida que o capitalismo se firma, demandando a aceleração do ciclo de reprodução do capital, alcança novos e sucessivos patamares que rapidamente são ultrapassados a partir de novos e mais eficientes meios de circulação e comunicação. A instantaneidade e a simultaneidade que hoje se conhece no âmbito da circulação de informações, mas não no que se refere às mercadorias e pessoas, é o resultado desse progresso técnico motivado pela demanda de comunicação das grandes corporações multifuncionais e multilocalizadas. A internacionalização do capital produtivo foi responsável, entre outros aspectos, pela formação de poderosas redes constituídas de dezenas, senão centenas de unidades – sede social, centro de P & D, minas, fazendas, fábricas, depósitos, escritórios administrativos e de vendas, portos de uso privativo, lojas, "company-towns" etc. - localizadas em numerosos lugares distribuídos mundialmente. A economia torna-se globalizada, constituída de partes interdependentes e na qual parcela crescente do comércio internacional passa a ser feitaentre unidades – filiais e 'subsidiárias – da mesma corporação. Trata-se de uma nova divisão internacional do trabalho (COHEN, 1981), responsável por complexas redes de produção e circulação de capitais, pessoas, matérias primas, informações e produtos industrializados. A espacialização do ciclo de reprodução do capital O ciclo de reprodução do capital explicitado por MARX (1984) constitui-se no processo fundamental que, no capitalismo, origina, direta ou indiretamente, grande parte das interações espaciais. Em sua fórmula, o ciclo de reprodução do capital assume, em aparência, uma característica a-espacial. Sua fórmula é: A espacialidade do ciclo de reprodução do capital, entretanto, é notável, conforme HARVEY (1982), entre outros. Implica múltiplas localizações e suas necessárias articulações, em virtude dos processos produtivo e do consumo, apresentarem ampla escala, envolvendo diferentes lugares. O ciclo de reprodução do capital rompe com horizontes espaciais limitados que caracterizava predominantemente a vida econômica na fase pré- industrial. O ciclo de reprodução do capital torna-se, no bojo do processo de concentração e centralização do capital, cada vez mais complexo. O mesmo se dá com a sua espacialidade. Ambas as complexidades são potencializadas com a constituição de poderosas corporações multifuncionais e multilocalizadas, envolvendo ampla gama de produtos e serviços e inúmeras localizações. Consideremos uma hipotética corporação constituída por unidades localizadas em nove centros urbanos. A Figura 1a indica tais centros nomeados de A a I: trata-se de localizações que contêm a sede da corporação (A), três fábricas-filiais (B, C e D), três centros com filiais de coleta e beneficiamento de produtos rurais (E, F e G) e, finalmente, de dois centros onde estão unidades-filiais de mineração. A Figura 1a indica também outros centros (J, K, L, M, N, O, P, Q e R), que, no plano imediato, não se vinculam à rede de centros da hipotética corporação. A Figura 1a refere-se ao momento inicial do ciclo de reprodução do capital, no qual, através de decisões tomadas na sede social da corporação, verificam-se investimentos de capital-dinheiro nas oito unidades-filiais espacialmente dispersas. Neste momento, as interações espaciais são viabilizadas através de fluxos de informações e recursos financeiros via telefonia, fax, contatos face a face e através da telemática. A rede bancária, associada ou não à corporação, cumpre, neste momento papel crucial. A figura 1a reflete, em realidade, o momento D - M. FIGURA 1: CICLO DE REPRODUÇÃO DO CAPITAL E ESPAÇO (a) CIRCULAÇÃO DE INVESTIMENTOS A Figura 1b, por sua vez, refere-se ao momento M FT/MP, que apresenta uma espacialidade mais complexa, reportando-se à circulação da força de trabalho e dos meios de produção e envolvendo outros centros que até então não participavam das interações espaciais da corporação. b) CIRCULAÇÃO DE FORÇA DE TRABALHO E MEIOS DE PRODUÇÃO Das hinterlândias agrícolas dos centros E, F e G fluem, através destes, matérias-primas para a fábrica-filial localizada no centro B, enquanto das unidades de mineração localizadas em H e I fluem matérias-primas para os centros B, C e D onde estão fábricas-filiais da corporação. A participação de outros centros agora se efetiva. A indústria localizada em J, indústria pertencente a outra corporação, fornece, por exemplo, máquinas às unidades localizadas em B, C e D. Semelhantemente no centro A outras indústrias, também não vinculadas à corporação hipotética em tela, expedem bens intermediários ao centro D. O centro N, assim como o centro L, por se situarem em áreas de evasão demográfica, são, neste momento, etapas migratórias com destino aos três centros industriais B, C e D. Migrações diretas da zona rural para os referidos centros também ocorrem. A rede de centros envolvidos nesse momento do ciclo de reprodução do capital amplia-se. As interações envolvem, além de ordens de compra e venda de matérias-primas, maquinário e bens intermediários, contratos com a força de trabalho. Envolve, de maneira expressiva, fluxos de merca-dorias via diversos meios de transporte, caminhão, trem e dutos. O processo produtivo stricto sensu está pronto para se realizar. Sua efetivação pressupõe novas interações espa-ciais. Estas se realizam, em parte, na escala intra-urbana, envolvendo o deslocamento cotidiano entre residência e local de trabalho dos operários, assim como, para outros momentos do ciclo, de comerciários, bancários, técnicos e executivos do capital, entre outros. Envolve também deslocamentos associados à formação, existência e reprodução daqueles envolvidos, direta e indiretamente, no processo produtivo. As interações se fazem sobremaneira com base na utilização de ônibus, trens suburbanos e veículos individuais, assim como através do telefone e de outros meios de comunicação. Se fazem também a pé. Este é o momento P do ciclo de reprodução do capital, não representado grafi-camente neste estudo. A Figura 1c descreve o momento M' - D', que envolve a distribuição e o consumo dos produtos industrializados. Da sede social da corporação campanhas publicitárias divulgam os produtos industrializados, atingindo, através do rádio, televisão e outdoors, lugares que, até então, não participavam da rede de interações da corporação, como os centros K, M e O, conforme indicado na Figura 1c. (c) CIRCULAÇÃO DE PUBLICIDADE E PRODUTOS INDUSTRIAIS Através de vendas atacadistas, via filiais de venda, representantes comerciais ou atacadistas tradicionais ou modernos, a partir dos centros B, C e D, a produção flui para os centros varejistas que fazem a distribuição aos consumidores finais. Todos os centros indicados, de A a R, participam da distribuição varejista, incluindo aqueles até então ausentes, centros P e Q. Forma-se uma rede de localidades centrais caracterizada por uma hierarquia de lugares, atacadistas e varejistas, por exemplo, que dispõem de áreas de mercado definidas pelos mecanismos de alcance espacial máximo e mínimo. As interações espaciais envolvem agora o deslocamento aos centros intra- urbanos de compras (núcleo central de negócios, centros de bairro, shopping centers etc.) e localidades centrais na hinterlândia das metrópoles. A circulação de ônibus urbanos ou entre cidades, assim como de veículos individuais, está em parte associada a estas interações. Com o consumo a mais-valia efetivamente se realiza. Os lucros obtidos ao final do processo produtivo devem ser remetidos à sede da corporação localizada no centro A. É através das agências bancárias localizadas nos centros varejistas que se dá a transferência para as agências do centro A, onde está a sede da corporação. As interações processam-se via informática, caracterizando-se pela instantaneidade das operações. Este é o momento D' - D, isto é, o momento final e que viabiliza o reinício do ciclo de reprodução do capital (Figura 1d). (d) CIRCULAÇÃO DE LUCROS A mais-valia concentrada na sede da corporação não apenas permite o reinício do ciclo como também o investi-mento e aplicação em outros setores, como o financeiro e o imobiliário, e no consumo pessoal daqueles que controlam o processo produtivo. Isto engendra novas localizações e novas interações espaciais. Algumas observações encerram este capítulo: (a) A espacialidade do ciclo de reprodução do capital é muito mais complexa do que a que foi aqui apresentada. (b) Os momentos do ciclo de reprodução do capital são teóricos pois, em realidade, há uma tendência à sincro-nia de cada uma das partes em que o ciclo, analiticamente decomposto, se realiza. Os lugares e áreas, contudo, são concretos e separados entre si. A espacialidade tem, assim, uma concretudemais evidente que a temporalidade. (c) Cada lugar participa diferentemente no ciclo de reprodução do capital de uma dada corporação. Assim, à guisa de exemplo, o centro B participa de diversos momentos, através de uma fábrica-filial, das distribuições atacadista e varejista, e da função bancária. O centro G, por sua vez, participa através da coleta e beneficiamento de produtos agrícolas e como centro varejista e bancário. Já o centro J está associado ao ciclo de reprodução do capital de outra corporação, integrando-se no ciclo de reprodução da corporação em tela a partir de um determi-nado momento. Os centros K, M e Q também integram-se à rede da corporação em questão apenas a partir de determinado momento. (d) Há, assim, uma divisão territorial do trabalho no âmbito da corporação sob consideração. O centro A é o centro de gestão do território, isto é, centro de concepção, planejamento e controle do ciclo de reprodução do capital ou, em outros termos, é um centro de acumulação capitalista. Alguns são centros industriais e lugares centrais, enquanto outros são centros de comercialização e beneficiamento da produção agrícola e lugares centrais. Outros são apenas lugares centrais. Especializações funcionais e hierarquização caracterizam os centros da rede de centros associada à corporação em questão. As áreas agrícolas, sob a ação da corporação, também diferenciam-se entre si. (e) Como cada centro, a exemplo do centro J, participa da rede de várias corporações, a diferenciação de centros e áreas torna-se mais complexa, implicando enorme complexidade das interações espaciais. Isto nos leva a considerar falaciosa a tese da homogeneização espacial engendrada pelo capitalismo. Os padrões espaciais As interações espaciais contextualizadas e tornadas inteligíveis na sociedade capitalista a partir do desvendamento da dimensão espacial do ciclo de reprodução do capital, apresentam padrões distintos no espaço e no tempo. Em outras palavras, os diferentes fluxos que articulam os fixos socialmente criados são caracterizados por lógicas que lhes conferem regularidades espaço-temporais que se reportam à organização social e a seu desigual movimento de transformação. Vejamos, primeiramente, a variabilidade espaço-temporal dos padrões de interações e, a seguir, as redes geográficas que, em última análise, são as formas com que as interações espaciais se verificam. Ressalte-se que os diversos tipos de interações e de redes geográficas não são mutuamente excludentes entre si. Em outras palavras, um dado centro nodal pode ser o foco de interações espaciais distintamente variáveis em termos espaciais e temporais, assim como o foco de redes distintas, revelando a enorme complexidade dos padrões es-paciais de interações. A variabilidade espaço-temporal A Figura 2 descreve os principais padrões de interações com base na variabilidade no espaço e no tempo. Para simplificar as interações estão focalizadas em um único centro nodal, a partir do qual e para o qual fluem as matérias-primas, alimentos in natura, pessoas, produtos industrializados, renda fundiária, investimentos, lucros diversos, informações etc. Os padrões em questão devem ser considerados como referências para situações reais e não como modelos ideais e normativos. Por outro lado, não são mutuamente exclu-dentes entre si, pois em uma situação caracterizada por interações fortemente regionais (Figura 2a) podem ser verificadas influências direcionais (Figura 2c) e, simultaneamente, descontinuidades no tempo (Figura 2d). Em outros termos, os padrões em tela podem combinar-se entre si e frequentemente o fazem. FIGURA 2: PADRÕES DE INTERAÇÕES ESPACIAIS E SUA VARIABILIDADE ESPAÇO-TEMPORAL Os diferentes padrões de interações espaciais derivam de um amplo conjunto de razões nas quais uma delas tende a ter maior peso. Assim, a natureza social e econômica da hinterlândia, expressa em termos de estrutura fundiária, relações sociais de produção, desenvolvimento tecnológico das atividades produtivas, sua diversificação, natureza e finalidade, é decisiva, influenciando a densidade demográfica e a renda de seus habitantes. Soma-se a isto a variação dos padrões culturais da população. Emergem então ofertas e demandas de produtos e serviços que são variáveis em volume e no tempo, assim como susceptíveis de gerarem interações a curta e/ou longa distâncias e ainda direcionalmente variáveis. As diversas soluções encontradas pela elite econômica do centro nodal, visando a sua própria reprodução através da criação de atividades capazes de (re)inserirem o mais eficientemente possível centro e hinterlândia na vida econômica, é outra razão que suscita padrões variáveis de interações. Os papéis atribuídos aos centros nos quais uma corporação multilocalizada tem unidades produtivas, por outro lado, constituem outra razão que gera diferenciais de interações espaciais entre as diversas cidades da rede de centros organizada pela corporação. Em resumo, as interações espaciais variáveis derivam da diferenciação de áreas conforme aponta ULLMAN (1974), constituindo, por outro lado, uma condição de reprodução das diferenças. A Figura 2a reporta-se às interações espaciais fortemente regionais. Associavam-se no passado a áreas relativamente integradas internamente e muito pouco articuladas externamente, revelando forte grau de autonomia regional e limitada participação em uma pouco desenvolvida divisão territorial do trabalho. Muitas cidades pré-industriais europeias constituem exemplos significativos de centros nodais em tomo dos quais estabeleciam-se interações fortemente regionais (LAMPARD, 1955). As interações em tela, contudo, tendem a caracterizar parcela importante das interações espaciais atuais. Caracterizam, por exemplo, interações dos lugares centrais, pontos focais da vida econômica, social, cultural e política de áreas próximas, as suas hinterlândias, com as quais diversos tipos de interações espaciais são realizados. As interações espaciais fortemente regionais se devem também à força de inércia das localizações estabelecidas no passado, em um momento em que a distância desempenhava, mais que atualmente, papel mais determinante nas interações espaciais. Implicava isto localizações próximas entre si, a exemplo das diversas concentrações espaciais da atividade industrial e da urbanização, que originaram aquilo que se denomina de "core area", onde os centros urbanos aí localizados tendem a manter relações mais intensas entre si do que com centros externos. As ligações telefônicas entre cidades, que são indicadores da intensidade agregada de múltiplos tipos de interações, fornecem evidências para o que foi acima afirmado. Assim, as ligações telefônicas no âmbito da região urbano-industrial paulista (região metropolitana de São Paulo, Baixada Santista, Vale do Paraíba e os eixos São Paulo – Sorocaba e São Paulo – Campinas, São Carlos – Ribeirão Preto) são mais intensas internamente do que extra-regionalmente. Em razão do maior desenvolvimento econômico-social e do forte controle exercido pela metrópole paulista sobre as atividades regionais, são mais intensas as ligações telefônicas de São Paulo com São José dos Campos, Bauru, Ourinhos e Marília do que, respectivamente, com Recife, Belém, São Luís e Natal (NACIF, 1993). E ressalte-se que em cada par de cidades considerado aquelas do interior de São Paulo são menores que as suas contrapartes extra-regionais. A Figura 2b descreve as interações fortemente extra-regionais que.via de regra, se fazem a longa distância, envolvendo fluxos associados a especializações funcionais, sejam do setor produtivo, sejam dos serviços. Centros eminentemente industriais, especialmente aqueles pouco diversificados, centros portuários, universitários,de veraneio, mineração e de peregrinação religiosa constituem típicos focos de interações fortemente extra-regionais. Possuem eles uma relativamente limitada centralidade, pequena face ao tamanho demográfico que apresentam, inserindo-se na rede urbana como centros especializados e, secundariamente, como lugares centrais. Associado a este padrão está uma mais significativa divisão territorial do trabalho e uma posição geográfica distinta daquela dos lugares centrais e que assume, em muitos casos, características singulares. A posição pode ser excêntrica, como no caso das cidades portuárias, ou vincular-se à ocorrência singular de um recurso mineral ou de uma decisão ou evento não repetitivo. Aparentemente, as específicas localizações de tais centros assemelham-se às distribuições espaciais aleatórias, mas uma análise mais acurada levará à descoberta de determinadas lógicas locacionais. Entre os numerosos exemplos de centros com interações espaciais fortemente extra-regionais estão as cidades portuárias de Rio Grande, Itajaí e Paranaguá e os centros de peregrinação de Lourdes e Meca, que atraem, respectivamente, católicos de toda a Europa e muçulmanos. Entre os centros industriais mencionam-se Telêmaco Borba, no Paraná, e João Monlevade, em Minas Gerais, que produzem, respectivamente, papel e aço para o mercado nacional. Guarapari, por sua vez, no litoral capixaba, exemplifica o centro de veraneio para uma clientela predominantemente extra-regional, constituída em grande parte por mineiros. As interações espaciais são, em graus distintos, influenciadas pela distância: à medida que se verifica o aumento da distância implicando a ampliação dos custos de transferência, de tempo e de esforço físico verifica-se a diminuição da intensidade das interações espaciais- Trata-se daquilo que os economistas-espaciais e os geógrafos denominam de "distance decay” isto é, o efeito declinante da distância sobre as interações espaciais e o uso da terra que delas deriva (HOOVER, l948 e lSARD, 1956). O papel da distância foi enfatizado na geografia teorético-quantitativa, a ponto de WATSON (1955) referir-se à geografia como uma "disciplina da distância". Os modelos de von Thünen, Weber e Christaller, assim como os modelos gravitacional e potencial, que envolvem interações espaciais, estão fortemente calcados no papel da distância na explicação do uso agrícola da terra, da localização industrial, da hierarquia urbana e da atratividade de um centro nodal sobre outros. Semelhantemente, o preço da terra e as densidades demográficas intra- urbanas também são fortemente influenciadas pela distância ao núcleo central da cidade, aos sub centros comerciais intra-urbanos, às vias de tráfego e às amenidades. Toda a concepção centro-periferia, em realidade qualquer que seja a escala espacial, está fortemente assentada no efeito declinante da distância (ALONSO, 1964, Cox, 1972 e HURST, 1972). A despeito do efeito da distância ser considerado co-mo parte integrante da racionalidade econômica geral, a sua importância deve ser relativizada. Assim, padrões culturais específicos podem dar origem a interações espaciais reguladas por visões particulares da distância, associadas a valores religiosos, etnolinguísticos, laços de parentesco e a modos de vida não-capitalistas ( GALLAIS, 1977 e CORREA, 1995). E mesmo entre os pobres e ricos da sociedade capitalista o papel da distância nas interações espaciais é diferenciado, estabelecendo-se graus distintos de mobilidade espacial. O avanço tecnológico também minimiza o papel da distância nas interações espaciais. É isto que, sistematicamente, tem ocorrido de modo crescente a partir da Revolução Industrial, viabilizando interações mais rápidas e mais eficientes, envolvendo cada vez mais maiores volumes de mercadorias a distâncias maiores e em menor tempo e custo. O desenvolvimento das telecomunicações, por outro lado, viabiliza a superação da distância pela possibilidade de transmissão de informações instantâneas simultaneamente para vários lugares. O rádio, a televisão e a telemática tornaram possível articular toda a superfície terrestre de modo mais efetivo. Esta efetividade, contudo, pressupõe a existência de complementaridade funcional entre áreas e centros urbanos, que, cada vez mais, se verifica no âmbito de grandes corporações multilocalizadas e atuando globalmente (KELLERMAN, 1993). As interações espaciais podem também variar direcionalmente. No exemplo da Figura 2c interações espaciais são mais intensas na direção oriental da hinterlândia do centro nodal, refletindo o fato de que este setor caracteriza-se por um maior potencial de interação do que o setor ocidental. O diferencial de natureza e intensidade das interações espaciais está associado, tradicionalmente, àqueles centros que têm uma posição geográfica no contato de regiões distintas em termos de densidades demográficas, características sócio-econômicas e padrões culturais, resultantes de diferenças na natureza e nos processos de ocupação territorial ou de ambos. Cidades no contato entre planície e planalto, junto à confluência de rios, e no contato entre áreas de vegetação florestal e campestre, por exemplo, são numerosas, assim como aquelas conhecidas temporariamente como "ponta de trilho" e "boca de sertão". Localizada no contato Agreste-Sertão, Campina Grande é a capital do Sertão (CARDOSO, 1963). A cidade de Jequié, por sua vez, constitui-se em outro exemplo. Situa-se no contato entre a zona cacaueira, úmida, a leste, e o planalto semiárido, a oeste, domínio da criação de gado (SANTOS, 1956): suas interações são espacialmente diferenciadas. As cidades de Marília e São José do Rio Preto, no Oeste Paulista, por sua vez, já foram "pontas de trilhos", enquanto Londrina, no norte do Paraná, "boca de sertão" (MONBEIG, 1952). Os exemplos são numerosos, incluindo-se aí as cidades localizadas em fronteiras internacionais. As interações espaciais direcionalmente variáveis derivam também de especializações produtivas criadas por capitais locais, bem como por uma corporação multifuncional e multilocalizada, que atribui a um dado centro uma função específica no âmbito de sua própria divisão territorial do trabalho, expressa por uma rede de centros diferenciados. Nos dois casos, por se tratar da produção de matérias-primas, bens intermediários e componentes para outro centro que se encarrega de concluir a produção, as interações espaciais são direcionadas para este centro de transformação final. A Figura 2d, finalmente, descreve interações espaciais descontínuas no tempo. No primeiro momento (t1) há um dado padrão no qual os fluxos i e k são os mais intensos. No segundo momento (t2) o padrão foi alterado. Os fluxos j, k, l, m e n desapareceram, enquanto o fluxo i teve a sua intensidade diminuída; por outro lado, dois novos fluxos emergiram, p e q, este último de expressiva intensidade. A variabilidade temporal das interações espaciais pode envolver diversas escalas de tempo. Pode variar em um período de alguns séculos ou de 30- 50 anos, entre duas estações chuvosas, entre duas datas em anos subsequentes ou entre determinado dia a cada semana, ou ainda no intervalo de algumas horas. No limite estão aquelas interações que se realizaram apenas durante um dado momento do tempo e depois cessaram: o processo de difusão espacial de um produto ou ideia é, a este respeito, um exemplo contundente. A visibilidade temporal das interações espaciais resulta, de um lado, das transformações que alteraram substancialmente a organização espacial como aquelas introduzidas a partir da Revolução Industrial, extinguindo algumas interações e criando outras. De outra, deriva do caráter cíclico de determinadas ofertas e demandas, assim como de eventos culturais. A expansão ferroviáriada segunda metade do século XIX modificou a posição geográfica de numerosos centros, alterando os seus padrões de interações espaciais, conforme assinala SANTOS (1960) para a zona cacaueira da Bahia e TAAFFE, MORRILL e GOULD (1963) para o conjunto dos países subdesenvolvidos. A safra de café, por outro lado, cria uma variação sazonal na vida econômica de suas áreas produtoras, suscitando maior intensidade nas interações espaciais neste período do que na entressafra. Ressalte-se que o efeito da sazonabilidade é tanto maior quanto mais dependente for a economia da área a um único produto. Semelhantemente, mas a intervalo diferente, varia o número de peregrinos que se dirige aos centros de peregrinação. No tempo sagrado, dias de festa religiosa, o afluxo de peregrinos pode alcançar dezenas de milhares de pessoas, enquanto nos dias comuns o afluxo se reduz muito ou é mesmo inexistente (ROSENDAHL, 1996). Finalmente, exemplifica-se com a variabilidade das interações espaciais marcadas por uma periodicidade mais frequente, como aquela das feiras nordestinas que, via de regra, realizam-se a cada sete dias. Razões de ordem econômica como os baixos níveis de oferta e demanda, assim como as de ordem cultural, levam a uma periodicidade dos mercados. A obra de SKINNER (1964) é, a este respeito, clássica. STINE (1962), por sua vez, fornece argumentos econômicos associados à extinção dos mercados periódicos, enquanto BROMLEY, SYMANSKY e GOOD (1975) argumentos culturais a favor da persistência desses mercados e de suas interações espaciais variáveis no tempo. Interações espaciais: as redes geográficas É através de redes geográfica, isto é, localizações articuladas entre si por vias e fluxos, como aponta KANSKY (1963), que as interações espaciais efetivam a partir dos atributos das localizações e das possibilidades reais de se articularem entre si. Construções sociais, as redes geográficas são_historicamente contabiliza- das, constituindo-se em parte integrante do_longo e cada vez mais complexo processo de organização espacial_socialmente_engendrado. Pois as localizações, vias e fluxos são elementos essenciais e insubstituíveis da própria_existência e reprodução sociais. As trilhas dos povos nômades que articulavam poços de água e pastagens, as estradas romanas que levavam parte significativa da Europa, as redes telegráfica e ferroviária do século XIX e as modernas redes telemáticas foram e são, a cada momento, cruciais para a existência, reprodução e transformação social. A temática em questão é rica em controvérsias e, nes-te sentido, sugere-se a consulta, entre outros, de HAGGETI e CHORLEY (1969), DUPUY (1988), KELLERMAN (1993) e DIAS (1995a e 1995b). As redes geográficas, por outro lado, têm sido analisadas, em grande parte, com base na Teoria dos Grafos com suas medidas estruturais que permitem mensurar o grau de sua conectividade e através de sua representação matricial e aplicação das proposições operacionais de NYSTUEN e DACEY (1975), que possibilitam identificar a hierarquia dos nós da rede, o grau de complementaridade entre eles e suas áreas de influência (GARRISON, 1974 e NACIF, 1993). A Figura 3 reporta-se aos principais padrões espaciais em rede. Cada um deles pode incorporar diversas variabilidades espaço-temporais anteriormente abordadas, assim como cada padrão pode ser focalizado segundo a natureza organizacional, temporal e alguns outros aspectos eminentemente espaciais ( CORREA, 1997). Deve ser ressaltado que a tipologia de redes geográficas apresentada nas Figuras 3a a 3f não abarca todas as possibilidades, conforme evidenciado, entre outros, por BRUNET (1990) e HEPWORTH (1990). A Figura 3a refere-se a uma rede solar. Caracteriza-se pela localização central de um relativamente poderoso nó, ponto focal de vias e fluxos vinculados a nós muito menores. Trata-se de rede fortemente centralizada, com ausência de ligações entre os pequenos nós subordinados. Exemplifica-se, de um lado, com a rede constituída por uma cidade-estado ou cidade cerimonial e suas aldeias tributárias do modo de produção asiático. De outro, com uma organização simples, constituída pela sede de empresa localizada em uma grande cidade e um conjunto subordinado de unidades fabris ou lojas varejistas localizados, via de regra, em cidades menores. Um terceiro exemplo é o da rede de circulação de ônibus urbanos em uma cidade monocêntrica: todas as linhas de ônibus convergem para o núcleo central de negócios da cidade. A Figura 3b reporta-se a uma rede dendrítica caracterizada pela localização excêntrica do centro nodal mais importante e por vias e fluxos que se distribuem segundo um padrão análogo ao de uma rede fluvial. A excentricidade do centro mais importante, ponto final (e inicial) dos fluxos, gera interações espaciais direcionalmente orientadas. FIGURA 3: PADRÕES DE INTERAÇÕES ESPACIAIS EM REDE A hierarquia dos centros, por outro lado, é mais desenvolvida que na rede solar, associando-se nitidamente à acessibilidade, de modo que à medida que a distância ao centro principal aumenta, o nível hierárquico dos demais centros progressivamente diminui. Semelhantemente à rede solar não há ligações laterais entre nós ou centros de mesmo nível hierárquico, evidenciando a função da rede dendrítica de drenagem de recursos em geral da hinterlândia por parte do principal centro nodal. Há, assim, uma nítida relação entre função e forma espacial. A rede urbana dos países de origem colonial foi em suas origens caracterizada pelo padrão dendritico. A criação de uma cidade junto a um estuário ou a uma baía foi o ponto de partida para o desenvolvimento deste tipo de rede, exemplificado, no passado, pelas redes controladas por Salvador, São Luís e Belém (CORRÊA, 1988). A rede christalleriana constitui-se em um tipo de rede geográfica consagrado entre os geógrafos. A existência objetiva dessas redes é antiga e deve-se a CHRISTALLER (1966), com a sua clássica obra sobre os lugares centrais publicada em 1933, a sistematização sobre as características desse tipo de rede (Figura 3c). Trata-se de rede hierarquizada na qual o centro nodal de maior nível hierárquico tem uma localização central. Circundando-o estão centros de níveis hierárquicos infe-riores dispostos sistematicamente e controlando, cada um, inúmeros centros de hierarquia ainda menor. As interações espaciais, vinculadas na formulação christalleriana à distribuição varejista de bens e serviços, obedecem à hierarquia dos lugares centrais, havendo muito pouca ou nenhuma interação entre centros de mesmo nível hierárquico. Em realidade, a rede de lugares centrais combina características das redes solar e dendrítica, sendo, entretanto, mais complexa. Consulte-se BERRY (1967) sobre alguns desdobramentos a respeito da formulação clássica de Christaller. Inúmeras são as redes geográficas organizadas segundo o padrão em pauta. No Oeste paulista a rede de lugares centrais em tomo de Bauru constitui-se em exemplo. Circundando a capital regional, Bauru, estão centros sub- regionais – Botucatu, Avaré, Jaú e Lins – cada um controlando alguns centros de zona. As redes de administração pública também estão organizadas de acordo com um padrão christalleriano, como se verifica com as redes das secretarias estaduais de saúde e educação, nas quais a sede encontra-se na capital, as delegacias regionais em centros regionais e os postos de saúde ou distritos escolares em centros de hierarquia menor. Nas complexas corporações multilocalizadas estabelece-se também uma hierarquia no que diz respeito à administração interna. Na sede, via de regra em uma grande cidade, localizam-se as atividades de gestão de nível superior, encarregadas de fixarem os objetivos e estratégias a longo prazo. Constituem atividades denível I, conforme aponta HYMER (1978) com base no esquema de Chandler e Redlich. Há, hierarquia abaixo, um conjunto de centros nos quais localizam-se atividades de gestão do nível II, encarregadas do controle das atividades de diversas unidades dispersas em numerosos centros. Nestes estão as atividades de gestão do nível III, encarregadas do controle das operações diárias. Esta estrutura hierárquica visa, segundo HYMER (1978, p. 110) " ... controlar o fluxo de informação. Conta com sólidas ligações verticais, de modo que a informação sobe e as ordens descem com fluidez, e conta em seu vértice com uma considerável comunicação horizontal, a fim de lograr uma ação unificada. Na base, a comunica-ção horizontal está cortada ... " A hierarquia dos nós da rede tem, no caso, entre outras, uma função de controle do fluxo de informação. Mas a rede christalleriana pode desempenhar também a função de viabilizar a distribuição de bens e serviços, atendendo a demandas sociais. Pode também conformar a estrutura espacial de organizações como cooperativas, sindicatos, partidos políticos, enfim, de organizações voltadas para a solidariedade e não para a acumulação capitalista. A Figura 3d, por sua vez, descreve uma rede axial. Caracteriza-se pela disposição linear dos nós, associada, via de regra, à existência de uma única via de tráfego linear-mente disposta. A hierarquia dos centros nodais obedece a uma regularidade espacial, fruto e condição de interações que se realizam em duas direções. As interações perpendiculares ao eixo de tráfego são muito pouco significativas. É possível verificarem-se curto- circuitos, isto é, determinados fluxos ultrapassarem centros pequenos ou mesmo intermediários, dirigindo-se para um centro de hierarquia mais elevada (SANTOS, 1988). O número de centros neste tipo de rede, por sua vez, tende a ser maior que nas redes descritas anteriormente, isto se devendo ao crescente custo de transferência à medida que a distância a um dado cen-tro aumenta (CHRISTALLER, 1966). O Planalto Ocidental paulista fornece-nos magníficos exemplos de redes axiais, as quais foram objeto de estudos por MONBEIG (1952). Assim, nos interflúvios dos afluentes da margem esquerda do Paraná, Paranapanema -Peixe, Peixe – Aguapeí e Aguapeí-Tietê, entre outros, o povoamento ao longo dos eixos ferroviários gerou, no passado e em cada interflúvio, uma típica rede axial que, ainda hoje, marca notavelmente as redes urbanas regionais. A rede circular está descrita através da Figura 3e. Trata-se de rede na qual há um único circuito que abarca todos os nós, os quais estão dispostos de modo circular. Neste tipo de rede não há um centro nodal nitidamente dominante, ainda que os nós possam diferenciar-se entre si. Os fluxos, por outro lado, podem assumir a direção dos ponteiros de relógio ou a direção contrária. Exemplos de redes circulares encontram-se nos circuitos dos mercados periódicos, em circuitos de espetáculos teatrais ou circenses e, ao nível intra-urbano, no circuito dos ônibus "circulares": há neste caso, com frequência, dois trajetos em direções opostas. A Figura 3f, finalmente, descreve uma rede de múltiplos circuitos, na qual existem várias ligações possíveis entre um mesmo par de nós. Difere assim dos demais padrões que se caracterizam por ligações que, entre os nós de um mesmo par, somente se realizam através de uma única via. É, assim, uma rede mais complexa, na qual, adicionalmente, as ligações podem se cruzar sem a mediação de um nó. As redes em questão podem tanto apresentar uma hierarquia entre os seus nós como complementaridade entre eles. Um mapa com rotas aéreas descreve uma rede do tipo em tela, assim como o mapa com as ligações telefônicas entre cidades de uma região economicamente complexa. Os fluxos de matérias-primas, bens intermediários e produtos finais no âmbito de uma complexa e multilocalizada corporação tendem a originar redes com múltiplos circuitos, refletindo padrões distintos e complexos de localização das diversas unidades da corporação, assim como a natureza, em parte complementar, das funções que cada unidade desempenha. Nas regiões de economia urbano-industrial, a exemplo da região com epicentro na metrópole paulista, a rede urbana – a síntese das redes geográficas – caracteriza-se pela complexidade das interações espaciais, resultante do fato de cada centro desempenhar múltiplas funções, cada uma originando um específico padrão de interações espaciais. Isto significa que cada centro participa de várias redes geográficas distintas entre si no que se refere à natu-reza dos fluxos, intensidade, frequência, agentes sociais e outros atributos organizacionais, temporais e espaciais. Os centros urbanos da rede diferenciam-se entre si tanto como lugares centrais, como também, e em muitos casos de modo predominante, enquanto centros especializados, revelando uma forte divisão territorial do trabalho entre eles. Considerações finais As interações espaciais constituem parte integrante e tradicional do temário geográfico. A continuidade desta tradição, em um mundo que rapidamente tem suas interações espaciais complexificadas, constitui uma tarefa que os geógrafos devem assumir, visando contribuir para, através de sua visão particular da realidade, tomá-la desmistificada e inteligível. O presente texto procurou contribuir para a continui-dade dessa tarefa, apresentando aspectos fundamentais so-bre a natureza e os padrões espaciais das interações. Novas reflexões teóricas são necessárias, mas a demanda por estudos empíricos parece-nos, no momento, dotada de uma importância maior. Bibliografia ALONSO, William (1964). Location anel Lmul Use. 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