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CURSO PSICOPEDAGOGIA PRÉ PROJETO DE PESQUISA A Relação entre Afetividade e o Desenvolvimento Humano FÁBIO RODRIGUES CAMPOS 43629822 CRISTINA JUSTINO DO NASCIMENTO 1634466100 MARIA DULCIMÁRIA BEZERRA DA SILVA GONÇALVES 1636955159 2025 A RELAÇÃO ENTRE AFETIVIDADE E O DESENVOLVIMENTO HUMANO Pré-projeto de Pesquisa apresentado à Disciplina “Trabalho de Conclusão de Curso em Psicopedagogia”como requisito parcial para a Conclusão do Curso Psicopedagogia da Cruzeiro do Sul Educacional PROFESSOR RESPONSÁVEL Prof. Ana Karolina Fonseca de Paula Sales 1 A Relação entre Afetividade e o Desenvolvimento Humano. Pré-projeto de Pesquisa. Curso de Psicopedagogia. Cruzeiro do Sul Educacional, 2025 RESUMO As consequências geradas pela pandemia impactaram na forma do ser humano interagir e se relacionar, mas também no uso de instrumentos e nas condições mediadoras das atividades laborais e de estudo. Considerando dentro dos pressupostos teóricos- metodológicos da psicologia histórico-cultural, as relações sociais são a essência do desenvolvimento humano e que a realidade concreta tem apresentado diversos efeitos nesse contexto histórico, que intensificaram as dificuldades presentes na escola em relação à saúde mental e física dos estudantes. Portanto, essa pesquisa procura compreender utilizando o método do materialismo histórico dialético : como as condições afetivas podem impactar no desenvolvimento humano dentro de uma sociedade capitalista, em um período pós pandêmico, que produz o individualismo, a qual a lógica e a intencionalidade da atividade produz opressão, alienação e fragmentação das relações sociais e da atividade. Palavras-chave: Educação; COVID; Desenvolvimento Humano; Psicopedagogia 2 SUMÁRIO RESUMO 02 1 INTRODUÇÃO 04 1.2 Justificativa 05 1.3 Objetivos 07 1.3.1 Objetivos Gerais 07 1.3.2 Objetivos Específicos 07 2 METODOLOGIA 3 CONCEPÇÃO DE AFETIVIDADE E SUA RELAÇÃO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO DENTRO DA PERSPECTIVA HISTÓRICA MATERIALISTA 11 3.1 A afetividade sob a ótica de Aristóteles 11 3.2 A afetividade sob a ótica de Spinoza 16 3.3 A afetividade sob a ótica de Vygotsky 20 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 24 5 REFERÊNCIAS 27 3 1. INTRODUÇÃO A COVID 19 trouxe consequências significativas para a humanidade como um todo, sendo uma delas o impacto no desenvolvimento de milhares de crianças. Considerando o tempo de isolamento, as aulas on-line e a mudança das relações sociais resultaram em atraso de desenvolvimento, enfrentando problemas de aprendizagem, entre outras. Todavia, não há uma pesquisa que consiga mensurar o impacto da COVID em relação ao desenvolvimento humano e à educação formal. Porém, conforme Vygotsky (1930), as relações sociais são a essência do desenvolvimento humano, sendo que ele defende que as condições mediadoras psíquicas estão integradas em uma unidade conectando o afetivo-cognitivo. Assim como a conexão do físico com o psíquico, como mente-corpo formando a totalidade. Sobretudo, historicamente a perspectiva cognitivista é uma das teorias que ainda está enraizada e presente na educação. A qual apresenta em sua essência, uma teoria idealista, fragmentada, biologizante que está presente na psicologia tradicional. A qual deixa o afetivo para segundo plano ou até mesmo, nem o considera na sistematização e planejamento das atividades de ensino, impactando no desenvolvimento dos sujeitos. Dentro desse contexto, percebe-se que há a necessidade da compreensão mais afundo de como a afetividade impacta no desenvolvimento humano, de forma a contribuir melhor para as práticas pedagógicas e de superar os limites que a sociedade como um todo apresenta na mediação cultural produzida coletivamente. Portanto, essa pesquisa procura compreender: como as condições afetivas podem impactar no desenvolvimento humano dentro de uma sociedade capitalista, em um período pós pandêmico, que produz o individualismo, a qual a lógica e a intencionalidade da atividade produz opressão, alienação e fragmentação das relações sociais e da atividade? 4 1.2 Justificativa A pandemia do coronavírus SARS-Cov-2 que impactou todo o mundo, acabou resultando em reorganização da atividade de trabalho e de estudo. Exigiu-se uma reelaboração das ações nas operações tanto laborais quanto educacionais, as quais passaram a utilizar outros instrumentos devido a política de distanciamento social, impactando nas relações sociais. Segundo a psicologia concreta, que possui os pressupostos teóricos e metodológicos de raiz materialista, histórica e dialética (DEBORD, 2003; VIGOTSKI, 1996), compreende que o desenvolvimento e as transformações do sujeito e da sociedade se dá pela mediação da cultura a partir das relações sociais, tanto pelas condições cotidianas informais quanto pela educação formal escolar, visando o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Segundo Marx e Engels (2009), a educação é a atividade humana geral necessária para a humanização dos sujeitos. Durante a pandemia, houve mudanças sociais como o isolamento social e a forma de interação, sendo que esta passa a ser de pessoal para virtual. Considerando que condições culturais mediadoras se transformaram e impactaram no processo de internalização da unidade afetiva-cognitiva, e no desenvolvimento humano consequentemente. Dentro da perspectiva do enfoque histórico cultural se compreende que, segundo Vygotsky (1996;2001) o psiquismo humano é uma totalidade indivisível, não como uma soma de partes, fragmentação e complementares, mas uma unidade interfuncional. Sendo que esta ao produzir e ser constituída pela cultura, se transforma na sua integralidade do psiquismo humano, consequentemente os seus diversos aspectos: pensamento, linguagem, memória, percepção, abstração, emoção, razão, entre outros, que estão interconectados de forma complexa. Entretanto, da mesma maneira que ocorre a transformação das funções psíquicas superiores, de forma conectada há as mudanças das funções elementares ou primárias (BERNARDES, BARBOSA; LOPES 2021), que podem ser encontradas nos demais animais. As funções superiores não se desenvolvem de forma natural em decorrência dos processos de maturação orgânica, como defendem as teorias de raiz biologizante e naturalista. Porém, elas são resultado da transformação da unidade interfuncional mediada pela cultura constituída historicamente por meio das relações sociais. 5 Para Vygotsky, o ser humano é um ser complexo que se constitui pelo biológico, social, cultural, histórico e psíquico de forma conectada. Por isso, o autor defende a superação da perspectiva biologizante na formação do psiquismo humano, que foi profundamente criticada por VIGOTSKI (1996) à psicologia tradicional. A temática da emoção/ afeto também foi problematizada pelo autor no início do século XX, o qual não foi possível aprofundar-se na sistematizaçãodevido a sua morte. Na concepção vigotskiana, o afeto-cognição é constituído como unidade dialética nas vivências ao longo da vida. Compreendendo vivência como resultado do biológico-social, afeto- cognição, social-pessoal, externo-interno sendo que as unidades são conectadas de forma dialética e se inter-relacionam entre si ( CALEJON; LEÓN, 2017) Ao relacionar o conceito de vivências com a realidade concreta da atualidade, em um período pós-pandêmico. O qual apresenta um contexto que trouxe uma crise social, sanitária e humanitária, que impactaram nas formas de se relacionar, de interagir e até mesmo no modo e tipos de instrumentos, que ainda repercutem e tem os seus impactos no período atual. Segundo Bernardes, Barbosa e Lopes (2021), para Vygotsky, as situações de crise são promotoras de desenvolvimento em diferentes idades a partir das situações sociais emergentes. “ Trata-se de situações sociais de desenvolvimento que nos afetam nas esferas da cognição e da afetividade, assim como no modo como realizamos as atividades de forma consciente, a partir das necessidades emergenciais no campo da socialidade.” Em Paulo Freire a afetividade se expressa na história da sua própria educação, quando ele relata a sua própria vivência como estudante e escreve Cartas para a sua professora. Assim como na sua teoria, em que ele diz que “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem (FREIRE, 1967, p.97). Ele defende que a prática educativa deve proporcionar vivências que promovam afetividade e alegria, respeito e ética, que prescinda da formação científica séria, domínio técnico que esteja a serviço da mudança. A luta pela humanização dos seres humanos, para o trabalho livre, desalienação, para que possam ter autonomia e serem “seres de si”, é negada pela opressão, injustiça e violência que são resultados da lógica do sistema capitalista. Paulo Freire defende da importância da dedicação e do amor atribuído na relação entre aluno e professor, assim 6 como do professor com os coordenadores, sendo como elemento fundante nas relações para o processo de humanização. Sobretudo, as contradições presentes no período pós pandêmico em que as relações são impactadas, resultando isolamento, diversos problemas com a saúde mental e física, impactaram na educação e nas relações laborais, resultando no processo de humanização. Por isso, a importância este estudo teórico para que se possa compreender a relação da afetividade no desenvolvimento humano na realidade atua em um contexto pós-pandêmico. 1.3 Objetivos O objetivo geral dessa pesquisa é compreender a relação da unidade afeto-cognição no desenvolvimento do psiquismo e consequentemente no desenvolvimento humano em uma realidade pós pandêmica. Objetivos secundários são: 1. Explorar por meio de levantamento dos estudos teóricos sobre a afetividade ao longo da história da humanidade 2. Explicar o processo da unidade afetivo-cognitivo no desenvolvimento psíquico dos sujeitos 3. Analisar como a afetividade pode impactar no desenvolvimento humano e social de uma realidade produzida pela lógica capitalista em um contexto pós pandêmico. 7 2. METODOLOGIA A metodologia utilizada para esta pesquisa será por meio do método do materialismo histórico dialético. Este será um estudo teórico, analisando como a afetividade vem sendo estudada ao longo da história da humanidade de forma conectada com o processo de desenvolvimento humano, sendo a ontogênese conectada com a filogênese. Ou seja, como a história do sujeito singular está relacionada de forma dialética a história da humanidade. O estudo é uma pesquisa bibliográfica, que irá analisar o conceito de afetividade. O método tem os pressupostos teóricos metodológicos no enfoque histórico cultural: buscando compreender a origem dos estudos da afetividade e o seu desenvolvimento ao longo do tempo, e os seus nexos dinâmicos-causais, através das suas contradições e quais são os seus impactos no desenvolvimento humano. A revisão teórica será embasada na lógica dos principais autores que iniciaram o estudo pela perspectiva materialista e da afetividade, sendo os principais: Aristóteles, Spinoza e Vigotski. O motivo para a escolha desses autores está na relevância das seus estudos dentro da perspectiva materialista, sendo os primeiros a desenvolver os conceitos essenciais para a compreensão da afetividade. A coleta de dados será realizada por meio da busca das obras desses autores que tratam sobre a afetividade e o desenvolvimento humano. Sobretudo, haverá uma uma busca utilizando as palavras chaves para buscar artigos científicos sobre o tema, sendo as bases de dados pesquisadas, tais como Scielo, Google Acadêmico, entre outras. A técnica utilizada ao longo da pesquisa será feita pela análise do texto do autor em relação ao período histórico e cultural em que foi escrito e ao autor estudado. Os pressupostos teóricos e metodológicos dos autores permitem que se possa fazer análise das ideias e como elas explicam a realidade concreta ao longo da história, por meio de suas conexões e contradições. A pesquisa será de cunho qualitativo, identificando as ideias intrínsecas dos autores que estejam ligadas à afetividade. E por meio de uma análise crítica de como elas podem explicar o desenvolvimento dos sujeitos em, identificando seus nexos internos, fusão e contradições presentes. Compreendendo a relação da unidade afeto-cognição no desenvolvimento do psiquismo e consequentemente no 8 desenvolvimento humano por meio das ideias e suas contradições presentes na revisão de literatura desses autores, será a essência e base para fazer a análise e buscar uma explicação de como impactaria uma realidade pós pandêmica, por meio do método vigotskiano. Para Vigotsky, o procedimento metodológico não é a soma entre as partes, mas como as partes impactam uma na outra de forma dialética, criando uma forma de amálgama. A melhor analogia que o autor utiliza é o exemplo da molécula da água, que o hidrogênio e o oxigênio são gases inflamáveis que podem causar fogo, mas quando estão juntos, produzem a água que é um líquido que apaga o fogo. Um elemento junto com o outro não necessariamente produzirá a sua soma, mas sim um produto completamente diferente. Segundo Bernardes: Vigotski faz o uso da analogia da molécula da água em sua complexidade para justificar a necessidade da não com posição da mesma em elementos químicos que isoladamente não podem expressar todas as propriedades da água; assim também se justifica, segundo o autor, a impossibilidade de se decomporem as funções psicológicas superiores como parte de um todo. Neste sentido, para entender as propriedades da água, não é possível compreendê-la a partir das propriedades de seus elementos (hidrogênio e oxigênio), assim como não é possível compreender o psiquismo humano por meio de um estudo fragmentado das funções, sejam elas elementares ou superiores. (BERNARDES, 2010, p.306) A psicologia concreta, conhecida também como histórico-cultural, se fundamenta no método materialismo histórico dialético (VIGOTSKI, 1996), cujo os pressupostos teóricos metodológicos fundamentam esta pesquisa, considera que as transformações no âmbito pessoal e social ocorrem pela mediação da cultura, por meio das relações sociais. Por isso a importância de compreender os conceitos em relação ao período histórico e a sua relação com a realidade concreta, impactando na formação humana. Neste caso, a análise será feita a partir da conexão das ideias dos autores ( Aristóteles, Spinoza e Vigotski), em relação à realidade concreta e ao desenvolvimento dos sujeitos. Identificando as ideias em comum e as disparidades, as suas conexões e contradições, e comoforam feitas as superações e progresso para a compreensão da complexidade da afetividade ao longo da história.. Sobretudo como essas ideias impactam na formação dos seres humanos e consequentemente na sua conduta na realidade. Todavia no movimento de análise, será considerado os princípios essenciais para a formação e desenvolvimento humano, enfatizando a unidade afeto-cognição ( VIGOTSKI, 2004) que emergem das relações interpessoais em todos os âmbitos da vida, principalmente nos processos educativos, visando o desenvolvimento das funções 9 psíquicas superiores. Sobretudo como essa unidade na dimensão interpessoal na formação humana em uma realidade após a Pandemia da COVID, em 2020. 10 3 CONCEPÇÃO DE AFETIVIDADE E SUA RELAÇÃO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO DENTRO DA PERSPECTIVA HISTÓRICA MATERIALISTA Dentro de uma concepção desenvolvimentista do ser humano, o estudo da afetividade se torna fundamental, pois se compreende que sua formação não é dada de forma espontânea, natural ou inata. Porém, é na interação com os outros homens e com a realidade, corpos e objetos afetam e são afetados de forma dialética ao longo do tempo. Por isso, neste sentido, que este estudo busca compreender a concepção da perspectiva materialista ao longo da história, principalmente por três principais autores do assunto: Aristóteles, Spinoza e Vigotsky. Os capítulos estão organizados de forma a compreender os principais conceitos e como eles se relacionam entre si de forma como a afetividade pode impactar no ser humano, na sua forma de agir, pensar, interagir com outras pessoas e as consequências na sua vida. 3.1 A afetividade sob a ótica de Aristóteles O que compreendemos como emoções aparecem nos textos de Aristóteles como paixões, conforme: “Por paixões quero significar os apetites, a cólera, o medo, a audácia, a inveja, a alegria, a amizade, o ódio, o desejo, a emulação, a compaixão, e de um modo geral os sentimentos que são acompanhados de prazer ou sofrimento” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, Livro 11, 5, 1105b19-1106a6) As paixões estão associadas à ideia de emoções como raiva,medo, inveja, alegria, compaixão, e o autor relaciona com “a forma geral os sentimentos“ que resultam em uma unidade opostos, sendo o prazer ou sofrimento. Segundo Lebrun, as paixões na ótica aristotélica são “como respostas afetivas normais que damos nas circunstâncias que nos chegam”. Condições puramente humanas, as paixões nos dão a possibilidade de nos governarmos. Segundo Aristóteles, a paixão “depende do encontro fortuito ou casual do nosso corpo com os objetos de prazer ou dor”, ou seja, não é inata, é o resultado de um processo externo que impacta internamente o sujeito por meio de uma unidade de opostos, neste caso, prazer ou dor. Não sendo um ou outro, dependendo da condição 11 interna do sujeito, ressaltado em “ segundo, porque dependendo do estado de nosso corpo e alma, o mesmo objeto pode causar prazer ou dor. Segundo Chaui: “ A paixão é um acidente ou um predicado que tem a peculiaridade de ser sempre contingente. Em primeiro lugar, porque, como diz a própria definição de contin-gência, depende do encontro fortuito ou casual de nosso corpo com os objetos de prazer e dor; em segundo, porque, dependendo do estado de nosso corpo e de nossa alma, um mesmo objeto tanto pode causar prazer como dor (...)” (CHAUÍ, 2011, p. 444) Aristóteles já fazia uma análise da afetividade de maneira dialética, apontando as unidades de opostos e a relação de movimento do externo para o interno, assim como a transformação ao longo do tempo. Sobretudo, ele defendia uma educação com intencionalidade para a paixão, de forma que orientasse a atividade do sujeito por meio da virtude: “A educação … deve levar os “homens bem nascidos” a dominar suas paixões, isto é, a torná-los aptos a utilizá-las adequadamente. No homem bem-educado, o páthos não é uma força que colocará permanentemente obstáculos à alma razoável: ele está a serviço do logos e em consonância com ele. A boa educação faz de mim um ser tão perfeitamente “condicionado” que as paixões estão permanentemente à minha disposição” (LEBRUN, 1987, p. 21. Grifos do autor) Sendo que a paixão de forma conectada com a ação, como o aspecto volitivo para colocar o sujeito em atividade..Emoção ( paixão) como sendo a questão afetiva no início e também no fim da ação humana. Começando pela paixão e objetivando a felicidade como fim. Ao alcançar a felicidade, pode haver transformações que podem gerar outras emoções ou aspectos volitivos que coloque o sujeito em movimento. Além de trazer uma óptica materialista, Aristóteles também já considerava a transformação dos sujeitos e das ações humanas ao longo do tempo. Quando ele diz “as ações humanas em direção à felicidade, como fim da ética, não são operações , que seguem um curso imutável, necessário e válido para todos em todo tempo e lugar”, considera-se um processo que as suas operações tem um direcionamento, uma intencionalidade e não é fixo, se modificam ao longo do tempo, que está conectado com aos aspectos volitivos, apontados como “escolha voluntária”, que podem trazer efeitos variáveis e múltiplos. Na concepção de vida ética aristotélica, as paixões são elementos essenciais para a edificação do sujeito virtuoso, cabendo a nós, homens, nos responsabilizarmos pela educação dessas tendências que estão implantadas em nossa natureza, isto é, somos responsáveis pelo mau uso que delas podemos fazer. “O virtuoso, [ao invés de refrear as 12 paixões],age corretamente, mas em harmonia com suas paixões, porque ele as dominou de uma vez por todas. Não só aprendeu a agir de modo conveniente, mas a sentir o páthos adequado” (LEBRUN, 1987, p. 20). A educação não está relacionada a repressão dos desejos infinito do homem, porém deve considerar o páthos em consonância com o lógos ( conceito responsável por prover a conexão entre o discurso racional e a estrutura racional do mundo), com a ideia usar a razão com os princípios de páthos para escolher os fins e por meio de um planejamento, buscar operações para alcançar o objetivo. Sendo a virtude, o resultado do exercício da razão no homem. . O páthos, na lógica aristotélica, pode se compreender neste sentido como humanismo, na busca da essência humana. Segundo Meyer, “ (...) O páthos é, em suma, o momento contingente e problemático que busca reencontrar a natureza das coisas, sua finalidade própria, determinada pela essência. Preserva a identidade do sujeito graças à diferença daquilo que não é ele, mas que, mesmo assim é. (MEYER, 2000, p. XXXIII-XXXIV). Ou seja, sobre a potencialidade do sujeito de se tornar o que ele ainda não é, mas que pode vir a ser, por ser parte da condição da espécie humana. Nesse sentido, se faz muito importante as emoções ( paixões) para uma constituição de uma vida ética. O que antes, a razão se destacava, aqui ele ressalta as emoções como oportunidade e expressão da totalidade humana, para que seja possível a liberdade humana em direção a virtude, no movimento em favor do essencial, a busca do bem. Para Aristóteles, o páthos age de forma provisória, por isso a atualização se torna fundamental para que o sujeito tome conhecimento da sua essência. Aristóteles, defende que é necessário um aprendizado de forma que vivemos de acordo com o logos, porém não se deve desconectar com as emoções, pois essa é a essência da conduta. Como os homens são seres passionais, se também for apenas considerar as emoções, a sua conduta se torna razoável. Defendendo que paixão e razão são inseparáveis, assim como a matéria é inseparável da obra e o mármore da estátua (LEBRUN, 1987, p. 22).Segundo Meyer (2000), por uma ótica aristotélica, as paixões representam, assim, o outro que há em nós ou, se preferir, o outro lado da mesma moeda, e que sem ele perderíamos algo de nós mesmos. Considerá-las apenas como algo irracional, que deve 13 ser eliminado e extirpado, reduzindo-se ao caráter apodítico do lógos, é extrair a nossa própria humanidade. A paixão é a alternativa, sede da ordem daquilo do que é primeiro para nós,dissociada essa ordem do que é em si e irredutível a este. Ela é, por isso mesmo,o lugar do Outro, da possibilidade diferente do que somos afinal; o individual [contingente] por oposição ao universal [necessário] indiferenciado. A paixão é, portanto, relação com o outro e representação interiorizada da diferença entre nós e esse outro. A paixão é a própria alteridade, a alternativa que não se fará passar por tal, a relação humana que põe em dificuldade o homem e, eventualmente, o oporá a si mesmo. Compreende-se, nessas condições, que a paixão remete às soluções opostas, aos conflitos, à diferença entre os homens. A oponibilidade que une e desune os homens e precisamente o passional, a contingência que os libera ao mesmo tempo que pode entregá-los ao que destrói e ao que os subjuga. Dessa maneira, uma vida ética que pressupõe a existência das paixões precisa aprender a considerar o prazer e o sofrimento, aquilo que é flutuante e que muitas vezes nos desestabiliza e que nem sempre temos controle. Como estado da alma, as paixões são ou provocam confusões, mas que, se bem educadas, podem ser contrariadas, invertidas e como representação do Outro, nos colocar no exercício pleno de uma liberdade responsável. Visto que não é possível viver sem elas, como querem algumas concepções éticas, o que nos compete é trabalharmos para conviver e nos governar com ou a partir delas. Para o filósofo, a finalidade da ação humana é a felicidade, porém que tenha uma perspectiva da ética e que não é fixo, pode variar de acordo com as circunstâncias. Segundo Chaui: “A presença da paixão como um elemento essencial da ação moral faz com que a tarefa da seja educar nosso desejo para que não se torne vício e colabore com a ação feita por meio da virtude. Em outras palavras, Aristóteles não expulsa a afetividade, mas busca os meios pelos quais o desejo passional se torne desejo virtuoso (CHAUÍ, 2011, p. 444).” A ética está relacionada a um saber da ação humana, que consequentemente, o filósofo a conecta com a política. Considerando, que toda ação humana impacta diretamente na transformação da realidade, está se torna um ato político. Portanto, considerar a ética é um saber fundamental para a práxis humana. 14 A política é uma ciência que tem como objeto a felicidade, com o fim da ética- de forma individual dos sujeitos mas também de forma coletiva que é a polis. Neste sentido, tanto o governo como as instituições objetivam garantir a felicidade dos cidadãos No que diz respeito às paixões, o pensamento aristotélico, todavia, não as considera como algo revestido de um caráter terrível, mas, sim, como respostas afetivas normais que damos nas circunstâncias que nos chegam. Fenômenos puramente humanos, as paixões nos dão a possibilidade de nos governarmos. Sobre paixões, sob a ótica aristotélica no Trecho da Ética a Nicômacos (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, Livro 11, 5, 1105b19-1106a6): (…) na alma se encontram três espécies de coisas — paixões, faculdades e disposições (…). Por paixões quero significar os apetites, a cólera, o medo, a audácia, a inveja, aalegria, a amizade, o ódio, o desejo, a emulação, a compaixão, e de um modo geral os sentimentos que são acompanhados de prazer ou sofrimento; por faculdades quero significar aquelas coisas em razão das quais dizemos que somos capazes de sentir as paixões — a saber a faculdade de nos encolerizar se, magoar-nos ou compadecer- nos —; por disposições, as coisas em razão das quais nossa posição em relação às paixões é boa ou má. Por exemplo, em relação à cólera, nossa posição é má se a sentimos de modo violento ou de modo muito fraco, e boa se a sentimos moderadamente; e da mesma maneira no que se relaciona com as outras paixões. Ora, nem as virtudes nem as deficiências morais são paixões, pois não somos chamados bons ou maus por causa de nossas paixões e sim por causa das nossas virtudes ou vícios; e não somos louvados ou censurados por causa de nossas paixões (um homem não é louvado por sentir medo ou cólera, nem é censurado por simplesmente estar encolerizado, mas sim por estar encolerizado de certa maneira);mas somos louvados ou censurados por nossas virtudes ou vícios. Além disso, sentimos cólera e medo sem nenhuma escolha de nossa parte, mas as virtudes são certos modos de escolha ou envolvem escolha. E mais, com respeito às paixões se diz que somos movidos, mas com relação às virtudes e aos vícios não se diz que somos movidos, e sim que temos esta ou aquela disposição. Neste sentido, compreende-se que as paixões na ótica aristotélicas são essenciais para a compreensão da essência humana. O autor, vai fazer uma relação das paixões com a ética e a virtude, considerando a paixão como aspecto volitivo com uma finalidade e intencionalidade. O que traz a compreensão que apesar do ser humano não ter controle daquilo que ele pode ser afetado, o que pode ser bom ou ruim, existe a possibilidade desse sujeito que é ativo agir em favor da virtude à uma vida ética. 15 3.2 A afetividade sob a ótica de Spinoza Para compreender teoria dos afetos spinoziana, é necessário conhecer os seus conceitos essenciais: conatus, afeto, desejo, potência e paixão.Todos esses conceitos estar inter-relacionados entre si, que apesar, de terem suas especificações, as suas conexões se fazem essenciais para compreender a complexidade da afetividade humana. Ao estudar mais afundo a afetividade, Spinoza busca entender a natureza das forças das afecções para ampliar e superar sua compreensão. Pode se dizer que afecção ( Espinosa, 1983) está diretamente conectada ao desejo do sujeito, que o traz uma força para a possibilidade de ação para a sua própria existência. De acordo com Sawaia: “Em sua singularidade, o ser humano é constituído pelas afecções, que se dão pela via do apetite e do desejo, incutidos em sua natureza como potencialidade de ação e de existência do Ser, a mercê das forças e pressões de causas externas, assim como, das causas internas, por onde também ele se constitui, como apropriação de sua natureza e como instalação de sua sociabilidade e política (SAWAIA, 1998, p. 123). Portanto, as afecções são afetações, que são forças externas que impactam no interno, assim como o interno modificado pode afetar o externo de forma dialética. Tais forças impactam o corpo do sujeito na sua totalidade, que resulta na sua conduta e percepção sobre a realidade. Neste caso, podemos entender o afeto como resultado da afecção realizada, por meio de emoções e sentimentos, que podem fazer com que a potência de agir pode ser aumentada ou diminuída.Segundo Brandão:“Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as idéias dessas afecções”. Espinosa considera a dimensão afetiva do ser humano como constituinte deste ser e não como vícios ou coisas que estejam fora da Natureza. Na época, havia uma concepção muito racionalista da realidade, considerando mente (alma) e corpo como tomados separadamente- o que reforçou que o único meio pelo qual se poderia conhecer uma verdade seria pela razão, porém ele considerava a afetividade humana como parte deste, de forma conectada, que deveria ser digna de estudo e conhecimento: “Nada acontece na natureza que possa ser atribuído a um vício desta; a Naturezacom efeito, é sempre a mesma; a sua virtude e a sua potência de agir são unas e por toda parte as mesmas ... a via reta para conhecer a natureza de todas as coisas, quaisquer que elas sejam. Portanto, as afecções...,consideradas em si mesmas, resultam da necessidade e da mesma força da Natureza que as outras coisas singulares ..., têm propriedades 16 determinadas tão dignas do nosso conhecimento como as propriedades de todas as outras coisas ... “(ESPINOSA, 1983, Ética III, p. 175). Ao contrário das afecções, os afetos não podem ser representados. Podemos apenas intuí-los como a variação da potência de agir (conatus) entre dois estados, antes e depois de uma afecção sofrida pelo modo finito. Neste sentido, para Espinoza, os afetos podem ser mobilizadores para colocar o sujeito em ação, sendo que estes podem impactar na potência de agir. Considerando que ele não considera o afeto de forma que seja isolada da razão, para o filósofo, ambos estão conectados. Neste sentido, os afetos antecedem e são essenciais como aspectos volitivos para a atividade humana. Chaui vai fazer uma análise, fazendo a conexão entre afecções, afeto e desejo: “Ora, o que se passa em nosso corpo – as afecções – é experimentado por nós sob a forma de afetos (alegria, tristeza, amor, ódio, medo, esperança, cólera, indignação, ciúme, glória) e por isso não há imagem alguma nem ideia alguma que não possua conteúdo afetivo e não seja uma forma de desejo. São esses afetos, ou a dimensão afetivo-desejante das imagens e das ideias, que aumentam ou diminuem a intensidade do conatus. Isto significa que somente uma mudança na qualidade do afeto pode nos levar ao conhecimento verdadeiro, e não o contrário, e é por isso que um afeto só é vencido por outro mais forte e contrário. (CHAUÍ, 2002, p. 10). Para Espinoza(2015), o afeto está conectado ao cognitivo, isso se torna claro quando ele diz “não há imagem alguma ou nem uma ideia que não possua um conteúdo afetivo”. Ele ainda considera que há afetos primitivos e os que se desenvolvem a partir destes, sendo a alegria, tristeza e o desejo. Todos os outros são desencadeados a partir destes. A alegria pode aumentar a potência de agir do sujeito no mundo; e a tristeza gera sofrimento, perde a autonomia do sujeito e o deixa em condição passiva, dominado; e o desejo é a força propulsora deste ser em direção ao mundo. De acordo com Espinoza: “O desejo é a própria essência do homem e enquanto é concebida determinada a fazer (agir) algo por uma dada afecção sua qualquer” (SPINOZA, 2015, p.339). A unidade entre afeto-desejo que estão atreladas a imagens ou ideias que vão influenciar o conatus ( potência de agir). Sobretudo, sob a ótica spinoziana, de acordo com Chauí(2002) o afeto e suas especificidades podem impactar a potência de agir do sujeito. Os afetos fracos ( entende-se aqueles decorrentes da tristeza- paixões tristes, passividade e submissão às forças externas) são aqueles que promovem o enfraquecimento da existência e do agir. Em contradição, os fortes são aqueles que surgem da alegria- paixões alegres, sentimentos que fortalecem o conatus. 17 A teoria espinosana defende que as paixões não podem ser consideradas como boas ou más, portanto podem afetar de diferentes formas o sujeito em relação aquilo que o afeta. Assim, vários afetos ao mesmo tempo podem trazer positividade ou negatividade, que de acordo com Sawaia( 1998, p.126) “… fenômeno este que abre um convite a práxis psicológica em relação a dinâmica da afetividade humana, sua gênese e seus desdobramentos”Ao falar de como podemos ter a força de potência aumentada ou diminuída, Espinosa, destaca a importância dos bons e maus encontros, “constituídos historicamente nas relações entre os corpos” (SAWAIA, 1998, p. 126), através dos quais, ocorrem as afecções que sofremos. Como vimos, o corpo consta de uma força maior ou menos para existir, para afetar outros corpos e ser afetado por eles, assim como, a mente que consta de uma força maior ou menos para pensar. Dizemos, por exemplo, que a potência diminui a capacidade de pensar e existir com a alegria e o amor. “[…] O espírito [mente] prova afecções puramente ativas de alegria todas as vezes que, ao afirmar ideias adequadas, se conhece a si mesmo adequadamente como causa de tais ideias. (RIZK, 2006, p.2002) Portanto, sob a ótica espinoziana , existe a potência de existir e pensar, que o sujeito por meio de experienciar o mundo, pode ser que ele seja impactado por afecções passivas ou ativas. A potência que existe neste sujeito singular, irá se constituir tanto por meio das afecções passivas quanto as ativas, impactando tando o corpo e a mente na sua potência de agir ou pensar. O filósofo considera o corpo como meio material, que possibilita o sujeito a experienciar e aprender sobre as coisas do mundo, e neste processo possa elaborar conhecimento. De acordo com Brandão (2008), Espinosa defende uma realidade que não é estática, mas que está em constante movimento, assim como a natureza e os seres humanos. Ele tem uma ideia dialética, considerando que todas as coisas são dotadas de uma potência para a vida, sendo “ […] o conatus é, por assim dizer, uma força ou esforço positivo, intrínseco em todos os seres …“ (BRANDÃO, 2008, p. 81). A concepção de conatus está relacionado a conservação da própria natureza do homem, ora como afirmação ou expansão da sua potência, o aumento de seu grau de perfeição de sua natureza. De forma relacionada a sua essência enquanto sujeito singular é a sua ação de superar-se e perserverá nessa essência. Segundo Sawaia: 18 Tal força, para Espinosa, é intrínseca a todo indivíduo, a todo ser humano, uma força que o move,de gênese positiva, o lança adiante e ativo em busca de sua própria conservação, sua manutenção enquanto Ser na vida, é o ímpeto para a existência. Entretanto, essa força e movimento não se dão somente em função da conservação da vida orgânica, mas sim como a expansão do corpo e da mente, em um movimento de perseverar pela própria existência, na busca pela liberdade e pela felicidade, fatores elementares para a constituição do Ser (SAWAIA, 2009). Outro termo importante na obra de Espinosa é Ética, que não está ligado à ideia de deveres ou obrigações, mas está mais ligada a ideia de humanismo, traduzindo a manifestação do próprio ser humano, assim como ele é, em sua maneira de ser, como um todo em funcionamento, uma totalidade. Conforme Chauí (1983, p. 14): Para o senso comum Ética e Moral são uma só e mesma coisa: doutrina dos deveres do homem. A primeira coisa que espanta o leitor de Espinosa é que este separe Ética e Moral, colocando esta última junto a Religião e definindo ambas, Moral e Religião, como sistemas que impõem certos deveres ao homem. A Ética nada tem a ver com os deveres ... . A Ética é a definição (ou apresentação) do ser do homem tal como ele é, e demonstrando por que o homem é tal como é. ... Espinosa recupera o sentido grego de ethos: modo ou maneira de ser. O entendimento de ética se torna importante na teoria da afetividade, pois está relacionada ao direcionamento que o homem pode colocar na sua potência de agir, que é colocar esse sujeito em movimento a favor de sua essência para a busca da liberdade e felicidade. Segundo Sawaia (1998, p. 122-123), salienta a acepção de Ética em Espinosa, “sua ética é ontológica e é histórica, refere-se ao movimento de constituição do homem como potência de liberação .... Também, é epistemologia, porque é ideia correta das afecções do corpo e, por ser afecção do corpo, é emoção, desejo e relação”. Sendo que para que esse sujeito possa agir em favor dessa concepção da ética, a força propulsora é mobilizadora da vida está conectada aos afetos. Como nos aponta Sawaia(2009, p. 366), Espinosa escreveu “um verdadeiro tratado das emoções..., no qual demonstra de forma geométrica que a vida ética começa no interior dos afetos, e não contra eles”. 19 Portanto, se pode concluir, que a teoria de Espinosa é fundamental para pensar o ser humano, o seu processo de formação, desenvolvimento e construção de sua existência e ação no mundo. A contribuição de suas ideias impacta os estudos da área da Psicologia até hoje para a compreensão complexa do ser humano na sua totalidade, que se constitui, transforma e tem o poder de transformação por meio dos encontros e das experiências com outros seres, com a realidade, impactando vidas. 3.3 A afetividade sob a ótica de Vigostky Vygotsky é um dos autores que vai compreender a dimensão complexa do ser humano. Atualmente sua teoria é denominada enfoque histórico cultural, compreendendo que apesar do ser humano ter a sua biologia como base material, que tem suas funções elementares que fazem parte do gênero humano. A pessoa é resultado das relações sociais elaboradas ao longo do tempo. Partindo da ideia que as propriedades específicas e leis não são naturais e sim históricas, dependendo das condições materiais e psíquicas que se transformam ao longo do tempo no qual o sujeito está inserido. De acordo com o autor “[...] mudanças históricas na sociedade e na vida material produzem mudanças na ‘natureza humana’ (consciência e comportamento)” (VYGOTSKY, 1998, p. 9). Vigotsky vai se debruçar na história da humanidade para elaborar a teoria das emoções. Sua tese da sua obra inacabada foi que as teorias sobre emoções até então existentes eram dualistas, uma vez que estavam relacionadas aos princípios da filosofia de Descartes, criando cisão entre corpo e mente. Que aliás era uma questão que afetava o estudo da Psicologia como um todo e não apenas das emoções, considerando que, segundo Arantes (2003) esta estava sendo fragmentada e que gerava uma cisão entre dois campos: as Ciências Naturais, que iria buscar estudar o comportamento humano e a Filosofia, que buscava compreender as motivações e volições humanas. Ao se debruçar nos estudos de Espinosa, a sua teoria vai ser influenciada considerando as relações entre mente e corpo, cognição e afeto levando-o a uma compreensão de um ser humano psicológico completo ( ARANTES, 2003). Para Vygotsky, só é possível compreender o pensamento humano quando se entende a sua base afetivo-volitiva. O afeto está diretamente relacionado ao pensamento, por isso, para que este seja compreendido, é de fundamental importância 20 uma análise dos motivos, necessidades, interesses, intencionalidade que gerem o movimento do pensamento em um ou outro sentido. Pois considerar o aspecto volitivo da vida psíquica como comportamento único e exclusivo de um sistema interno do sujeito, seria como transformar o pensamento em “…um apêndice inútil do comportamento, em uma sombra sua desnecessária e impotente” (VYGOTSKY, 1993) O afeto e a cognição, sob a ótica vigotskiana, se constituem em uma unidade dialética, sendo que um impacta o outro diretamente. As emoções estão conectadas a outros processos psicológicos, formando uma unidade interfuncional, e ao desenvolvimento da consciência de um modo geral. Considerando o ser humanos como é “[...] produto de processos físicos e mentais, cognitivos e afetivos, internos (constituídos na história anterior do sujeito) e externos (referentes às situações sociais de desenvolvimento em que o sujeito está envolvido) [...]”. De acordo com Vigotsky, há as emoções primitivas que são as funções elementares e tem as emoções superiores “complexas”. As primitivas são aquelas que são essencialmente biológicas, de origem instintiva e referem-se à alegria, medo e raiva; sendo as complexas vão se desenvolvendo ao longo do tempo. Estas se afastam da origem biológica e vão se constituindo por um processo histórico-cultural. A compreensão de desenvolvimento humano tem como essência a dimensão social, pois os pressupostos teóricos metodológicos da teoria histórico cultural, é que o ser humano se constitui na sua relação com o outro. Dentre a sua complexidade, a pessoa é formada por aspectos biológicos, sociais, culturais, históricos e psíquicos, tudo de forma conectada. As vivências realizadas pelos sujeitos variam em cada sociedade, período histórico, trazendo sensações que são mediadas pela afetividade no ambiente em que as relações acontecem. “[…] En el hombre, las funciones psíquicas naturales sufren un proceso de transformación como resultado de la apropiación de formas de conducta creadas en el curso del desarrollo histórico” (Hurtado apud Vygotsky, 2005, p.8) Vygotsky ao se debruçar sobre a relação das emoções e desenvolvimento humano, ele começa a analisar as mudanças qualitativas ao longo do tempo, que resulta na constituição do controle que ele passa a ter de suas emoções e de si mesmo, sendo essa capacidade atribuída a razão e ao intelecto que são desenvolvidos com o domínio de 21 instrumentos culturais, controlando seus impulsos e emoções mais primitivas. Segundo Arantes (2003): “[...] Vygotsky postula para o ser humano adulto a possibilidade de construir um universo emocional complexo e sofisticado (em comparação aos animais e às crianças) e não uma ausência de emoções, que teriam sido suprimidas pela razão. O ser humano por essência na interação com outros humanos, as quais ele aprende agir, pensar, falar e a sentir ( não somente como humano, que é o sua categoria universal enquanto espécie; mas como ocidental, sujeito moderno, que vive em uma sociedade industrializada, entre outras especificidades e condições singulares). Por isso, o aprendizado sobre as emoções se inicia desde o nascimento e se desenvolve por toda a sua existência. As emoções também podem estar divididas entre positivas e negativas. As positivas estão relacionadas a um sentimento positivo (força, satisfação, etc.) e outros que são negativos ( tristeza, sofrimento). Cada vivência promove sensações, aspectos afetivos e cognitivos, que na sua complexidade podem ter unidades de opostos, que impactam e servem como organizador interno das reações, estimulando ou inibindo-as. (VIGOTSKY, 2001). Por isso, há a compreensão da importância da escola considerar tanto as questões cognitivas quanto as emocionais, pois as crianças, os adolescentes e os adultos também, muitas vezes podem não ter o domínio de conduta em relação as emoções desenvolvido. Que carregam para a sala de aula as suas alegrias, as angústias, e os medos vivenciados no cotidiano que, dependendo da intensidade, poderão prejudicar o processo de aprendizagem, e consequentemente, no desenvolvimento integral dos estudantes. Se fazemos alguma coisa com alegria as reações emocionais de alegria não significam nada senão que vamos continuar tentando fazer a mesma coisa. Se fazemos algo com repulsa isso significa que no futuro procuraremos por todos os meios interromper essas ocupações. Por outras palavras, o novo momento que as emoções se inserem no comportamento consiste inteiramente na regulagem das reações pelo organismo. (VIGOTSKI, 2001, p. 139). Neste sentido, se torna importante pensar a organização e sistematização de um processo educativo que promova condições afetivas e emocionais positivas, considerando que o ser humano está em processo de formação por toda a sua existência, 22 impactando na constituição enquanto sujeito, mas também do corpo-mente de forma integral. As condições positivas geradas pelo processo de ensino-aprendizado podem fazer com que esse sujeito queira permanecer estudando, evoluindo e se desenvolvendo, impactando e desenvolvendo a realidade também de forma dialética ao longode sua vida. 23 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo histórico sobre a afetividade na perspectiva materialista tem a fundamental importância para se pensar as condições necessárias para a superação da lógica da sociedade capitalista, que parte dos princípios idealistas presentes no neoliberalismo e positivismo. Tais ideias que constituem a cultura e impacta diretamente na formação humana e na realidade na sua totalidade. As concepções que permeiam no neoliberalismo, é que o sujeito se desenvolve de forma natural e inata, com a ideia do biologicismo. Sobretudo, a lógica dualista cartesiana criando a cisão do corpo e da mente que impacta a educação até nos dias atuais, mas também a fragmentação da realidade (gerada pela cisão e especialidade do trabalho, surgiu na Revolução Industrial), que gerou a fragmentação da subjetividade e das áreas de conhecimento. Em contraposição, o materialismo essencialmente vai compreender que o corpo é a base material do homem, que vai sofrer impacto externamente, modificando-se e desenvolvendo. Nesta perspectiva traz uma visão mais complexa do sujeito. Então adicionando a dimensão social, cultural, histórica e psíquica, complexificando a ideia do ser humano. Sobretudo, com pesquisas atuais que trazem evidências que o desenvolvimento humano não se dá de forma natural, como o Projeto de Genoma Humano, pesquisa internacional envolvendo diversas áreas do conhecimento para fazer análise do DNA, chegaram à conclusão que 99.9 por cento dos genes humanos são idênticos, apenas 0.1% de diferença. Neste sentido, a essência idealista é do biologicismo,a que embasa o sistema capitalista já não se sustenta e não corresponde com esse fato. As contribuições de Aristóteles para o estudo da afetividade foram imensas, trazendo as concepções essenciais que permanecem até hoje para o entendimento do desenvolvimento humano. A primeira é que o corpo é a base material do humano, que através deste ele irá experienciar e aprender com o mundo. Sobretudo, os conceitos de , paixões, como podendo gerar prazer ou sofrimento; a dialética conectando paixão a desejo e a razão; a finalidade da ação humana; sendo todos fundamentais para compreender o impacto no homem, e as suas consequências em relação a outros corpos 24 e a realidade, por meio da ética, ciência e política busca da felicidade, não apenas individual mas coletiva. Espinosa que vai beber da fonte aristotélica, vai contribuir com os conceitos de afecções, afeto, conatus e potência. A dialética, a contradição e a historicidade também estão presentes nos conceitos. A ideia dos tipos de afetos, entre os fracos e fortes, estão relacionados a potência e como essa impacta no sujeito na forma de agir. Sobretudo, a relação entre os primitivos e os que se desenvolvem e se tornam complexos. Vigotsky se influencia por ambos os autores anteriores, e vai utilizar o método do materialismo histórico dialético para os seus estudos. Ele se debruça na história da humanidade para compreender as leis históricas que regem o desenvolvimento do sujeito, superando a lógica dualistas e cartesianas dos autores, visando uma explicação para a compreensão da complexidade e totalidade do homem. Essas concepções são fundamentais para a análise de uma realidade que está pautada sob a lógica do sistema capitalista em um contexto após COVID, o qual trouxe diversas consequências devido ao isolamento social, mudanças de rotina e transformações na forma de trabalho, estudo e nas interações humanas, sendo substituído pelo uso de tecnologia e encontros virtuais. Fato que afetou o processo de formação e desenvolvimento humano, aumentando exponencialmente a quantidade de pessoas com problemas de saúde mental e atrasos no desenvolvimento. Tal evento impactou de forma significativa as interações humanas até os dias de hoje, sendo que muita gente ainda prefere evitar multidões, o contato físico mínimo, uso de máscaras mais frequentes, entre outros. Neste sentido, a pandemia do COVID gerou uma vivência que nos faz um convite a rever e pensar mais a fundo a importância dos afetos, e a sua essência, na formação humana. Como o isolamento, ou as interações virtuais têm impactado de forma drástica o desenvolvimento humano, com efeitos reais em forma de diferentes tipos doenças, os atrasos de desenvolvimento, produzindo diferentes tipos de sintomas e sofrimento às pessoas. Considerando que a educação na sociedade capitalista historicamente tem falhado em cumprir o papel de promover condições promotoras de desenvolvimento para a formação de um sujeito integral. Buscando a sua finalidade de transmitir conhecimento, 25 de forma fragmentada das áreas do conhecimento, que dificultam o desenvolvimento de consciência dos sujeitos sobre si, sobre o coletivo e a realidade. A intencionalidade de permanecer essa lógica, perpetua que estes sujeitos sejam alienados dos seus próprios corpos, da sociedade e da realidade que vive, de forma intencional para que possa ser perpetuada a lógica de opressão, exploração e desigualdade. Condições que produzem sofrimento, corpos tristes ( para que não tenha a potência de agir e se manter dominado), doenças e atrasos de desenvolvimento. Portanto, o estudo da afetividade se faz essencial para a educação, ao ponto que o professor se torne consciente de sua importância e possa organizar e sistematizar ações pedagógicas com intencionalidade de afetividade positiva, para que gerem a superação das condições produzidas pela lógica do sistema capitalista, em favor da emancipação humana. Criando um ambiente de aprendizado alegre e potente ( criando aspectos volitivos de forma que esse sujeito queira aprender, se desenvolver e agir no mundo) em que na relação professor-aluno e professor-objeto, aluno-objeto e aluno-aluno seja saudável e harmonioso, de forma que eles possam aprender sobre seus próprios potenciais, que eles se ajudem e aprendam a reconhecer os potenciais do outro e que se fortaleçam enquanto coletivo, e que busquem juntos o seu desenvolvimento integral nas suas máximas possibilidades humanas. 26 5 REFERÊNCIAS ARANTES, V. A. . Afetividade, cognição e moralidade na perspectiva dos modelos organizadores do pensamento. Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas. Tradução . São Paulo: Summus, 2003. . . Acesso em: 05 jun. 2025. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1973, v.4. BERNARDES, Maria Eliza Mattosinho. 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