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FEEVALE Disciplina: Direito das Coisas Texto 5 Prof. Luis Augusto Stumpf Luz DIREITO DE PROPRIEDADE I - Conceitos fundamentais relativos à propriedade e seus atributos: A propriedade é o direito que a pessoa possui em relação a um bem determinado. Trata- se de um direito individual e fundamental, protegido no art. 5º, XXII da CF, mas que deve sempre atender a uma função social, em prol da coletividade. O direito de propriedade é preenchido a partir dos atributos previstos no Código Civil de 2002 (art. 1.228), sem deixar de contemplar outros direitos, sobretudo aqueles com substrato constitucional. O direito de propriedade é, atualmente, um direito complexo, que demanda uma visão transdisciplinar. O tema não interessa apenas ao direito privado, mas também à economia, à ciência política, à sociologia, bem como aos diversos ramos do Direito (Tributário, Ambiental, Consumidor, Autoral, etc.). Ao estudá-lo, percebe-se que a evolução do instituto implica uma relativa limitação ao exercício desse direito, pois são crescentes as limitações impostas limitações ao proprietário no exercício do seu direito de propriedade. Etimologicamente, a palavra domínio provém do vocábulo dominium, que significa ‘senhor’. Indica, portanto, a ideia de um poder ou senhorio. Tradicionalmente, desde o direito romano, propriedade e domínio são utilizados como sinônimos. O Art. 1.228 do CC prevê que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavê-la do poder de quem que a injustamente a possua ou detenha”. Assim, sob o prisma didático, a propriedade é o instituto em que o proprietário tem os atributos de gozar, reivindicar, usar e dispor a coisa, a saber: a) faculdade de gozar ou fruir da coisa (jus fruendi): faculdade de retirar os frutos da coisa (frutos naturais, civis ou industriais), cabendo ao proprietário, por exemplo, alugar e receber os frutos da coisa da qual é proprietário; b) faculdade de reivindicar a coisa (jus vindicandi) contra quem injustamente a possua ou a detenha: esse direito será exercido por meio de ação petitória, fundada na propriedade, cabendo ao agente requerer a propriedade da qual tem o direito. Reivindicar a coisa é a possibilidade que o proprietário tem de se utilizar das vias judiciais para reaver a coisa, em razão do direito de sequela. c) faculdade de usar a coisa (jus utendi): esse atributo implica ao proprietário usar a coisa da qual é proprietário como bem entender, mas encontra limites na CF/88, no CC/2002 e em leis especiais, caso do Estatuto da Cidade, a seguir estudados. d) faculdade de dispor da coisa (jus disponendi): a disposição da coisa da qual é proprietário pode ser disposta por atos inter vivos (vender, doar) ou causa mortis (transmitir por herança, mesmo em testamento). Para lembrar: GRUD = GOZAR, REAVER, USAR e DISPOR. II – Espécies de Propriedade: a) Propriedade plena ou alodial: o proprietário tem consigo os atributos de gozar, reaver, usar e dispor da coisa. Esses caracteres estão em suas mãos de forma unitária, ou seja, plena, sem limites do exercício dos quatro atributos. b) Propriedade limitada ou restrita: recai sobre a propriedade algum ônus, caso da hipoteca, da servidão ou usufruto, entre outros exemplos. Nesse caso, o direito de propriedade é composto de duas partes destacáveis, a seguir exposto. No exemplo do usufruto, o usufrutuário tem o direito de usar e fruir (gozar, perceber os frutos) enquanto que o proprietário deixa de tê-los. Então, o proprietário terá apenas os atributos de reaver e dispor, mas não os de usar e fruir. Assim, o usufrutuário pode locar o imóvel que recebeu em usufruto e o proprietário não é o credor dos alugueres, pois não tem o direito de fruir. A saber: o proprietário tem apenas a nua-propriedade, que corresponde à titularidade do domínio, ao fato de ser proprietário e de ter o bem em seu nome. A nua-propriedade é aquela despida dos atributos de uso e fruição. Na hipótese de hipoteca, o proprietário pode ser usar, fruir e reivindicar, mas tem limitações em dispor a coisa que está em garantia ao seu credor. E, quando da servidão, o proprietário deverá suportar que um terceiro utilize a coisa da qual aquele é o proprietário. Observa-se que os institutos do usufruto, hipoteca e servidão serão estudados em aulas a posteriori. III - Principais características do direito de propriedade: a) Direito absoluto: em regra, é absoluto, mas deve ser relativizado em algumas situações. A considerar o seu caráter erga omnes, ou seja, contra todos, é comum afirmar que a propriedade é um direito absoluto. Nesse sentido, o proprietário pode desfrutar da coisa como bem entender. No entanto, existem claras limitações dispostas no interesse coletivo, caso da função social e socioambiental da propriedade (art. 1.228, §1º do CC). Por isso é que se pode dizer que a propriedade é um direito absoluto, mas que pode e deve ser relativizado em muitas situações, tais como pela função social da propriedade rural e urbana – Art. 182 e 186 da CF, Estatuto das Cidades, entre outros, que serão estudados a seguir. b) Direito exclusivo: determinada coisa não pode pertencer a mais de uma pessoa, salvo nos casos de condomínio ou copropriedade (condomínio voluntário, que será estudado nas aulas seguintes), hipótese que também não retira o seu caráter de exclusividade. Art. 1.231, CC: a propriedade presume-se plena e exclusiva, salvo prova ou previsão em contrário. Outros titulares podem exercer diferentes direitos reais sobre a mesma coisa da qual o agente é o proprietário (ou proprietários em caso de condomínio), mas a propriedade é um direito exclusivo dos proprietários. Assim, por exemplo, o imóvel pode ser locado a “A”, que subloca para “B”, ou seja, diferentes pessoas podem ser locatários, mas apenas o proprietário detém a propriedade, da qual tem a exclusividade. c) Direito perpétuo: o direito de propriedade permanece independentemente do seu exercício, enquanto não houver causa modificativa ou extintiva, sejam de origem legal ou convencional (deixa de ter a propriedade em razão da venda, doação, dívida em processo de execução ou falência), isto é, de característica perpétua, salvo por imposição da supremacia da ordem pública como é o resultante do instituto da desapropriação. d) Direito elástico: a propriedade pode ser distendida ou contraída quanto ao exercício, conforme sejam adicionados ou retirados os atributos que são destacáveis (G.R.U.D.). Assim, na propriedade plena, o direito se encontra no seu grau máximo de elasticidade, havendo uma redução nos direitos reais de gozo ou fruição e nos direitos reais de garantia. Porém, se o proprietário deixa de ter o atributo de usar e/ou gozar ou dispor da coisa, o seu direito pleno (propriedade plena) passa a ser limitada. E quando o proprietário volta a ter o direito de usar, gozar e ou dispor, retoma a propriedade plena. Ex.: o proprietário tem a propriedade plena e confere o direito de usufruto (usar e fruir) ao usufrutuário. Então, passa a ter a propriedade limitada e, quando encerrar o usufruto, retoma a propriedade plena. Nesse sentido, a característica da elasticidade. e) Direito complexo: diante dos quatro atributos constantes do caput do art. 1.228 do CCB, ou seja, gozar, reivindicar, usar e dispor, anteriormente explicados. f) Direito fundamental: pelo que consta do art. 5º, XXII e XXIII da CF, o direito de ser proprietário está no elenco dos Direitos Fundamentais. Porém, esse caráter faz com que a proteção do direito de propriedade e a correspondente função social sejam aplicadas de forma imediata nas relações entre particulares, pelo que consta do Art. 5º, §1º e 225 da CF. g) Da função social e socioambiental da propriedade: O conteúdo positivo do direito de propriedade é previsto do caput do Art. 1.228, conforme já analisado, ou seja, cabe ao proprietáriogozar, reivindicar, usar e dispor da coisa. Já o conteúdo negativo desse direito é encontrado nas hipóteses dos parágrafos do Art. 1.228, 1.229 e 1.230 que são limitações ao direito de propriedade, a saber: - Art. 1.228, §1º do CCB: “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas” (trata-se da função social como princípio orientador da propriedade, além de representar a principal limitação a esse direito). No sentido, em tratando-se da propriedade urbana, em consonância com a CF, há a necessidade de observância dos planos diretores dos municípios com mais de 20.000 habitantes, conforme previsto no Estatuto das Cidades (Estudo de Impacto Ambiental EIA/RIMA e Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV/RIVI), conforme previsão do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01). O art. 186 da CF/88 traz parâmetros para o atendimento dessa função social. Assim por exemplo, os requisitos servem à propriedade rural ou agrária, a saber: aproveitamento racional e adequado da propriedade; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores, entre outros. O CCB/2002, além de tratar da função social, consagra a função socioambiental da propriedade. Como exemplo de aplicação da função socioambiental da propriedade, o STJ tem entendido que o novo proprietário de um imóvel é obrigado a fazer a sua recuperação ambiental, mesmo não sendo o causador dos danos (obrigação proptem rem). Nesse sentido, o STJ: Ag. Rg. no R. Esp. 471.864/SP: “(...) o adquirente do imóvel tem responsabilidade sobre o desmatamento, mesmo que o dano ambiental tenha sido provocado pelo antigo proprietário” - Art. 1.228, §2º do CCB: “são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem” (vedação do exercício irregular do direito de propriedade, do abuso de propriedade ou do ato emulativo civil). Em leitura literal, o art. 1.228, §2º estaria a exigir o dolo para a caracterização do ato emulativo no exercício da propriedade, o que conduziria à responsabilidade subjetiva. Por outro lado, conforme entendimento majoritário da doutrina, o art. 187 do CC consolida a responsabilidade objetiva. Com o fim de sanar essa contrariedade, foi aprovado o Enunciado 49, pelo qual “a regra do art. 1.228, §2º do CC interpreta-se restritivamente, em harmonia com o princípio da função social da propriedade e com o disposto no art. 187 do CC.” Portanto, deve prevalecer a regra do art. 187 do CC. - Art. 1.228, §3º: trata da desapropriação por necessidade ou utilidade pública e da desapropriação por interesse social; e também do ato de requisição, em caso de perigo público iminente, fatos que, por suas naturezas, implicam a função social da propriedade. Art. 1.229, CCB: “a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las”. O art. 1.230 CCB dispõe que a propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais. O interesse social justifica o art. 176 da CF, pelo qual as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. De acordo com o art. 1.230, parágrafo único do CCB, o proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos à transformação industrial, obedecido o disposto em lei especial. Ex. o proprietário de um imóvel pode vender a areia que está em sua propriedade, para que ela seja empregada na construção civil. IV - Propriedade resolúvel (e propriedade fiduciária): A propriedade resolúvel constitui aquela que pode ser extinta quer pelo advento de condição (evento futuro e incerto quanto à ocorrência, há a dúvida se o evento ocorrerá) quer pelo advento de termo (evento futuro e certo quanto à ocorrência, há a certeza que o evento ocorrerá), ou ainda pela superveniência de uma causa capaz de destruir a relação jurídica. Exemplos: a) Compra e venda com cláusula de retrovenda, em que o vendedor tem a possibilidade de reaver a coisa no prazo máximo de três anos (Art. 505 CCB). Até esse prazo a propriedade do comprador é meramente resolúvel, pois o vendedor, em razão de cláusula contratual, poderá exercer o direito resultante da retrovenda e deposita (devolve) os valores recebidos na venda para o comprador, em valores corrigidos pela correção monetária, e o comprador, então proprietário, deixa de sê-lo ao devolver o imóvel ao vendedor. Se o vendedor não exercer a cláusula e devolver os valores, o comprador continua a exercer a propriedade. b) Propriedade resolúvel com cláusula especial de venda com reserva de domínio, prevista no Art. 521 CCB. Por esse instituto, na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago. Assim, o vendedor é o proprietário até que o preço da venda se integralize pelo comprador, momento em que aquele transfere a propriedade a este. Se o comprador não integralizar o pagamento, o vendedor deixa de transferir a propriedade. Situação análoga ocorre com os contratos de promessa de compra e venda de imóvel em que o atual proprietário (promitente vendedor) deixará de ser proprietário se o promitente comprador integralizar o valor da promessa de compra. Porém, se o promitente comprador deixar de integralizar o preço da compra, o promitente vendedor (ainda proprietário) não perderá a propriedade. No caso, há um contrato preliminar (Art. 462 CCB) que é o da promessa de compra e venda e, se o promitente comprador integralizar o valor da compra ao proprietário, este deixará de sê-lo ao assinar o contrato definitivo de compra e venda. c) Propriedade resolúvel do donatário na doação com cláusula de reversão, prevista no Art. 547 CCB. No caso, o donatário é o proprietário da coisa em razão da doação. Porém, se o contrato de doação prevê a cláusula de reversão e o donatário falecer antes do doador, a propriedade retorna (reverte) a este e deixará de ser dos herdeiros do donatário, falecido antes do doador. Se o doador falecer antes, a propriedade continua com o donatário, de forma plena. O Art. 1.359 do CCB preconiza que resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência. Em complemento, o proprietário (no caso, o novo proprietário, como seria o caso do comprador), em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou a detenha (no caso, do vendedor ou de terceiros que tenham a posse ou detenção do bem comprado). Na propriedade fiduciária há propriedade resolúvel. O art. 1.361 do CCB considera fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível (coisa móvel e insubstituível por outra) que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor, ou seja, opera-se, juridicamente nos moldes da compra e venda com reserva de domínio, não obstante as especificidades legais, previstas nos artigos seguintes ao 1.361 CCB. E, somente para registrar,há a alienação fiduciária em garantia relativa a bens IMÓVEIS, prevista pela L. 9.514/97.