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Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 165.582 - SP (2010/0046546-0) RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA IMPETRANTE : LUIS FERNANDO PEREIRA IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : LUIS FERNANDO PEREIRA (PRESO) RELATÓRIO MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA(Relatora): Trata-se de habeas corpus , sem pedido liminar, impetrado em favor de LUIS FERNANDO PEREIRA, apontando como autoridade coatora a 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo/SP (Apelação Criminal nº 990.08.139016-7). O impetrante/paciente foi condenado em 1.º grau à pena de 60 (sessenta) anos de reclusão, em regime inicial fechado, como incurso no art. 157, § 3.º, parte final, por duas vezes, c/c o art. 70, caput , segunda parte, ambos do Código Penal. Irresignados, recorreram ambas as partes. A acusação requereu o reconhecimento de quatro latrocínios em concurso formal imperfeito, enquanto que a defesa requereu a nulidade dos interrogatórios judiciais, sob a alegação de que não teriam sido respeitadas as formalidades do art. 187 do Código de Processo Penal e a ampla defesa, bem como por não ter sido permitido ao ora impetrante/paciente a realização do referido ato em outra Comarca, que não a de Bragança, onde havia uma grande comoção social devido ao crime em questão. Pleiteou, ainda, a desclassificação dos delitos para o de roubo qualificado, com o benefício do art. 29, § 2.º, do Código Penal. A Corte estadual negou provimento ao recurso da defesa e deu provimento ao recurso da acusação para, reconhecendo a existência de concurso formal imperfeito/impróprio, elevar a pena imposta ao impetrante/paciente a 120 (cento e vinte) anos de reclusão, em regime inicial fechado, por ter incorrido no art. 157, § 3.º, segunda parte, por quatro vezes, c/c o art. 70, segunda parte, ambos do Código Penal. Daí o presente mandamus , no qual alega o impetrante/paciente que o caso em questão se enquadra na hipótese de crime único, salientando que o latrocínio não se altera em razão do número de vítimas fatais. Outrossim, argumenta que não foram devidamente obedecidos os critérios estipulados no art. 59 do Código Penal para a fixação da pena. Requer, assim, seja reconhecida a nulidade do acórdão que reformou a sentença condenatória, pleiteando o reconhecimento da existência de um único crime de latrocínio e a aplicação da pena em seu mínimo legal. Sem pedido de medida liminar, foram prestadas as informações às fls. Documento: 29038539 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 de 9 Superior Tribunal de Justiça 84/149. Com vista dos autos, manifestou-se o Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Subprocuradora-Geral da República Lindôra Maria Araujo, pela denegação da ordem (fls. 152/161). É o relatório. Documento: 29038539 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 2 de 9 Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 165.582 - SP (2010/0046546-0) EMENTA HABEAS CORPUS . PROCESSUAL E PENAL. (1) CONDENAÇÃO REFORMADA EM GRAU DE APELAÇÃO. VIA INDEVIDAMENTE UTILIZADA EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. NÃO CONHECIMENTO. (2) LATROCÍNIO. CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. ARTIGO 70, 2ª PARTE, DO CÓDIGO PENAL. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. PACIENTE QUE, MEDIANTE UMA SÓ AÇÃO E COM PROPÓSITOS DIVERSOS, PRATICOU QUATRO CRIMES, ATINGINDO QUATRO RESULTADOS. PENAS CUMULATIVAMENTE APLICADAS. ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. (3) WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Mostra-se inadequado e descabido o manejo de habeas corpus em substituição ao recurso especial cabível. É imperiosa a necessidade de racionalização do writ, a bem de se prestigiar a lógica do sistema recursal, devendo ser observada sua função constitucional, de sanar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em coação ou ameaça à liberdade de locomoção. O que não se verifica na espécie. 2. Tipifica-se a conduta do agente que, mediante uma só ação, dolosamente e com desígnios autônomos, pratica dois ou mais crimes, obtendo dois ou mais resultados, no art. 70, 2ª parte, do Código Penal - concurso formal impróprio, aplicando-se as penas cumulativamente. Na compreensão do Superior Tribunal de Justiça, no caso de latrocínio (artigo 157, parágrafo 3º, parte final, do Código Penal), uma única subtração patrimonial, com quatro resultados morte, caracteriza concurso formal impróprio. Precedentes. 3. Writ não conhecido. VOTO MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA(Relatora): Preliminarmente, cumpre registrar a compreensão firmada nesta Corte, sintonizada com o entendimento do Pretório Excelso, de que se deve racionalizar o emprego do habeas corpus , valorizando a lógica do sistema recursal. Nesse sentido: HABEAS CORPUS – JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR – IMPUGNAÇÃO. A teor do disposto no artigo 102, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, contra decisão, proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus. PROCESSO-CRIME – DILIGÊNCIAS – INADEQUAÇÃO. Uma vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução do processo, indeferi-las. Documento: 29038539 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 3 de 9 Superior Tribunal de Justiça (HC 109956, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 07/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-178 DIVULG 10-09-2012 PUBLIC 11-09-2012) É inadmissível que se apresente como mera escolha a interposição de recurso ordinário, do recurso especial/agravo de inadmissão do Resp ou a impetração do habeas corpus . É imperioso promover-se a racionalização do emprego do mandamus , sob pena de sua hipertrofia representar verdadeiro índice de ineficácia da intervenção dos Tribunais Superiores. Inexistente clara ilegalidade, não é de se conhecer da impetração. Passa-se, então, à verificação da ocorrência de patente ilegalidade. Cinge-se a impetração a verificação se o delito cometido no caso concreto se amolda a crime único ou concurso formal impróprio, como decidiu a Corte a quo. Vejamos o que foi prolatado pelo Juízo de primeiro grau, no que interessa: (...) Narra a denúncia que aos 10 de dezembro de 2006, por volta das 22:00 horas, na residência situada na Rua João Marques Prado, n.º 30, Jardim São Cristóvão, nesta cidade, os acusados agindo em concurso e com total unidade de desígnios, mediante violência e grave ameaça, exercida com emprego de armas de fogo e branca contra Eliana Faria da Silva, Leandro Donizete de Oliveira e a criança Vinícius Faria de Oliveira, com cinco anos de idade, mantendo-os sob seus poderes e restringindo suas liberdades, subtraíram para si o veículo Fiat/Palio, cor azul, de placas BVQ-8728/Bragança Paulista-SP, pertencente a Leandro Donizete de Oliveira. Narra ainda a inicial, que os acusados no dia 11 de dezembro de 2006, por volta da 1:00 hora, na Estrada Municipal n° 2, Bairro do Tanque, nesta cidade, agindo em concurso e unidade de ideais, mediante violência e grave ameaça, exercidas com emprego de meio cruel e armas de fogo e branca contra Eliana Faria da Silva, Leandro Donizete de Oliveira, Luciana Michele de Oliveira Dorta e a criança Vinícius Faria de Oliveira, mantendo-as sob seus poderes e restringindo suas liberdades, subtraíram para si a quantia aproximada de R$ 18.341,90, pertencente ao estabelecimento comercial "Sinhá Moça", representado por Roberto Luiz Ferrete, resultando, da violência exercida, as mortes das vítimas Eliana, Leandro, Luciana e Vinícius. (fls. 16/17) (...) Prosseguindo, os crimes cometidos ocorreram em concurso formal. Reconhece-se o, concurso formal e não o material, ou ainda o crime continuado, se asinfrações foram empreendidas num único contexto de ações, não obstante a diversidade de atividades físicas dos envolvidos, e tais subtrações vulneram o patrimônio de duas pessoas. Isto porque sendo a posse ou a propriedade o bem jurídico imediatamente tutelado pelo roubo, há pluralidade de violação da norma penal quando, mesmo contexto de ação, o agente subtrai bens de vários proprietários, cada qual exercendo sua posse individual, o que carateriza o concurso formal de delitos. A complexidade do delito de roubo proporciona uma unidade de conduta, que pode ser desdobrada em vários atos e/ou atitudes, quando Documento: 29038539 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 4 de 9 Superior Tribunal de Justiça então o agente, lesionando mais de um patrimônio na Cadeia de atos, agirá em concurso formal de delitos. (fls. 45/46) (...) Saliente-se que, muito embora se pudesse sustentar concurso material de latrocínios, não seria tecnicamente a solução correta em virtude da seqüência de ações promovidas na espécie. Ao passo que os roubos pudessem ter seqüência lógica e, de certa forma, também pudessem ter consideradas suas condutas distintas, seus resultados finais (mortes das vítimas), estão interligados e as violências aconteceram num idêntico momento, selando a conduta dos dois crimes ao mesmo tempo. Por tal motivo, concluiu o Juízo que a seqüência de atos até a consumação final, se deu numa única conduta, com os requisitos do concurso formal. Fica afastada, ainda que não argumentada pela defesa, a tese do crime continuado. A melhor doutrina aponta para que, no caso de roubo onde, diversas são as vítimas, tem-se a figura do concurso formal. Não há que se falar em delito continuado já que se pressupõe, pelo menos, um hiato de tempo entre as ações delituosas. Ao depois, o crime continuado reclama pluralidade técnica de ações ou condutas, algo que não aconteceu conforme já mencionado. Também é necessária a unidade de desígnios, ou seja, a existência de um nexo subjetivo entre os crimes, que foram praticados em desígnios autônomos. O Juízo, afastando de vez a hipótese entende que em caso de latrocínio não se admite a figura do crime continuado, em virtude da ofensa a bens personalíssimos como a vida das vítimas. A respeito Nelson Hungria concluiu: "Não é admissível a continuação em se tratando de crimes lesivos de interesses jurídicos inerentes à pessoa'' (Revista de Jurisprudência, Guanabara, 177/470). Por fim, muito embora tenham agido em concurso formal de crimes, produzindo dois roubos qualificados pelo resultado morte, entende o Juízo que os acusados agiram com desígnios autônomos, razão pela qual as penas serão somadas, em adoção à segunda parte do artigo 70, "caput" do Código Penal. (fls 47/48) (...) Os autores pretendiam praticar e tinham consciência disto, dois roubos. Da mesma forma, em especial, sabiam que estavam eliminando as vítimas que mantinham poder sobre objetos subtraídos de forma distinta, com a morte delas. Agiram no decorrer dos fatos com consciência e vontade na prática de cada um dos crimes, considerados de maneira isolada ante o planejamento prévio das ações, incidindo assim no concurso formal homogêneo impróprio. No dizer do Roberto Lyra, os crimes com desígnios autônomos existem na hipótese de "múltipla ideação e determinação de vontade, com diversas individualizações. Assim, os vários eventos não são um só perante a consciência e a vontade, embora o sejam externamente. O dolo, portanto, não é unitário, como no concurso formal homogênio". A complexidade do roubo permitiu que os crimes fossem cometidos numa única cena temporal, ou seja, a conduta externa constituída de vários atos de submissão das vítimas, com duas subtrações, quatro mortes, constituindo-se tecnicamente é uma só conduta. No entanto, perpetraram os crimes com a finalidade distinta de chegarem aos resultados finais. (fls. 48/49). Documento: 29038539 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 5 de 9 Superior Tribunal de Justiça (...) O legislador não quis privilegiar a unidade de conduta, nem sempre passível de menor censura, mas a unidade de resolução ou desígnio. Daí o tratamento diverso dado ao concurso formal próprio e ao impróprio, este sujeito à regra do cúmulo material das penas (artigo 70, 2.ª parte, do Código Penal). (fl. 50) (...) Ante o exposto, e o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a presente ação penal diante da comprovação dos fatos imputados, para o fim de CONDENAR JOABE SEVERINO RIBEIRO E LUIS FERNANDO PEREIRA, qualificados nos autos, como incursos nas sanções do art. 157, § 3.º, parte final, por duas vezes na forma do artigo 70, "caput", segunda parte, todos do Código penal Brasileira, à pena de 60 (sessenta) anos de reclusão, em regime FECHADO, e ao pagamento de 80 (oitenta) dias-multa, no valor, cada qual, de 1/30 do salário mínimo mensal vigente à data do fato, com correção monetária desde esta mesma data, face suas condições econômicas. (fl. 55) (...) O Tribunal de origem, por sua vez, reformou a condenação, para dar provimento ao recurso do Ministério Público, nestes termos: O recurso interposto pelo Ministério Público é de ser provido. Ao atear fogo no veículo Fiat/Pálio, os apelados Joabe e Luiz Fernando tinham a plena consciência de que, com tal atitude, causariam a morte das quatro vítimas, que permaneceram em poder deles desde o início da ação delituosa. Agiram, portanto, com desígnios autônomos em produzir, deliberadamente, a morte de cada uma delas. Estamos diante do concurso formal imperfeito ou impróprio, previsto no art. 70, segunda parte, do Código Penal, impondo-se a aplicação das penas, cumulativamente, em relação a cada uma das vítimas. Ensina Guilherme de Souza Nucci, ao comentar o art. 70 do Código Penal, distinguindo, de maneira bastante clara e didática, o concurso formal perfeito do imperfeito, concluindo que: "Assim, em síntese; no concurso formal, pode-se sustentar: a) havendo dolo quanto ao crime desejado e culpa quanto ao(s) outro(s) resultado(s) da mesma ação, trata-se de concurso formal perfeito; b) havendo dolo quanto ao delito desejado e dolo eventual no tocante ao(s) outro(s) resultado(s) da mesma ação, há concurso formal perfeito: c) havendo dolo quanto ao delito desejado e também em relação aos efeitos colaterais, deve haver concurso formal imperfeito" ("Código Penal Comentado" - Ed. Revistas dos Tribunais - 4a Ed. - pág. 296). O crime dos autos enquadra-se perfeitamente na terceira hipótese, pois os apelados, tendo por objetivo principal a subtração do dinheiro, agiram com dolo em produzir a morte de todas as vítimas, caracterizando, portanto, o concurso formal imperfeito, com a aplicação da pena, cumulativamente, em relação a cada uma delas. Assim tem sido o entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal: "HÁBEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL LATROCÍNIO. DUAS VÍTIMAS. CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. HEDIONDEZ. PROGRESSÃO DE REGIME. DECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90, PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Documento: 29038539 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 6 de 9 Superior Tribunal de Justiça AFASTAMENTO DO ÓBICE LEGAL. I - Na esteira da já consolidada jurisprudência desta Corte Superior, no caso de latrocínio (art. 157, ° 3º, parte final, do Código Penal), uma única subtração patrimonial, com dois resultados morte, caracteriza concurso formal impróprio (art. 70, parte final do Código Penal) Precedentes. 2 -.... " (HC n° 56.961 - PR(2006/0069194-1) - Relatora Ministra Laurita Vaz, v. u. - j. 18.12.2007). Com a imposição cumulativa em relação a cada uma das quatro vítimas, pelo reconhecimento do concurso formal impróprio, as penas impostas aos apelantes,como arbitradas pela r. sentença de primeiro grau, não merecem reparo algum, pois fixadas com equilíbrio e justiça, considerando-se, com precisão, quando arbitradas as penas-bases: a reprovabilidade das condutas por eles praticadas; o grau de culpabilidade de cada um deles; a comoção social causada, com reflexos no país inteiro; os antecedentes criminais que possuem; os motivos dos crimes; suas circunstâncias, ameaçando e atemorizando quatro pessoas, além de terem-nas amordaçado e amarrado, colocando Leandro no porta-malas do veículo, fazendo com que ele sofresse exageradamente as violências praticadas contra sua família, sem qualquer poder de reação; e as graves conseqüências, com a destruição de toda uma família, causando reflexos irreparáveis aos demais familiares das vítimas Leandro, Eliana e Vinícius, e, com a morte de Luciana, seu marido e filhas ficaram desamparados, afetiva e psicologicamente, além de materialmente, pois contribuía ela para o sustento de sua família, com seu trabalho. As agravantes foram corretamente aplicadas e, quando o caso, compensadas com a atenuante da confissão espontânea. Foram, então, fixadas as penas em seu patamar máximo, que bem se adéquam às circunstâncias dos delitos e personalidade dos agentes. Assim e considerando ainda os primorosos fundamentos da respeitável sentença de primeiro grau, que bem demonstram a capacidade jurídica, bom senso e espírito de justiça do magistrado que a prolatou, Dr. Laércio José Mendes Ferreira Filho, os recursos interpostos pelos réus devem ser improvidos, provendo-se apenas o do Ministério Público. Desta forma, NÃO CONHEÇO do recurso interposto pelo Assistente da Acusação e NEGO PROVIMENTO aos demais recursos interpostos pelos apelantes Joabe Severino Ribeiro e Luiz Fernando Pereira e DOU PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Ministério Público, para elevar as penas impostas aos apelados a 120 (cento e vinte) anos de reclusão, em regime inicial fechado, como incursos no art. 157, § 3°, segunda parte, por quatro vezes, c/c art. 70, segunda parte, ambos do Código Penal, mantendo, no mais, a respeitável sentença de primeiro grau. (fls. 72/74). Preceitua o art. 70 do Código Penal: "Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até a metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código." Documento: 29038539 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 7 de 9 Superior Tribunal de Justiça Verifica-se que, de acordo com o que restou consignado do acórdão a quo, o paciente, com uma única conduta, atingiu quatro resultados diferentes, tendo utilizado desígnios autônomos, ou seja, propósitos diversos, ao dirigir sua conduta com vontade (dolo) de atingir quatro resultados - ceifar a vida das quatro pessoas que estavam dentro do veículo que por ele foi incendiado - enquadrando-se, então, na 2ª parte do tipo penal em comento. A jurisprudência desta Corte, de ambas as Turmas Criminais, ampara o posicionamento esposado pelo Tribunal de origem. Confira-se: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. ROUBO QUALIFICADO PELO RESULTADO MORTE. DUAS VÍTIMAS. CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. 1. Na compreensão do Superior Tribunal de Justiça, no caso de latrocínio (artigo 157, parágrafo 3º, parte final, do Código Penal), uma única subtração patrimonial, com dois resultados morte, caracteriza concurso formal impróprio (artigo 70, parte final, do Código Penal). Precedente. 2. Ordem parcialmente concedida. (HC 33618/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 31/05/2005, DJ 06/02/2006, p. 333) HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA. CRIME DE AMEAÇA. INTIMIDAÇÃO DIRIGIDA A DETERMINADAS VÍTIMAS E NÃO AOS AGENTES PENITENCIÁRIOS COMO UM TODO. HIPÓTESE DE CONCURSO FORMAL IMPERFEITO. CUMULO MATERIAL. DECISÃO ACERTADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INOCORRENTE. 1. A distinção entre os dois tipos de concurso formal - próprio ou perfeito (art. 70, 1ª parte, do CP) e impróprio ou imperfeito (art. 70, 2ª parte, do CP) - varia de acordo com o elemento subjetivo que animou o agente ao iniciar a sua conduta. 2. Hipótese de concurso formal imperfeito de crimes, pois embora tenha sido única a conduta, atuou o agente com desígnios autônomos, ou seja, sua ação criminosa foi dirigida finalisticamente (dolosamente) à produção de todos os resultados, no caso, ameaça voltada individual e autonomamente contra cada vítima, e não contra os agentes penitenciários como um todo. 3. Caracterizado o concurso formal imperfeito de crimes, a regra será a do cúmulo material, de sorte que, embora o paciente tenha praticado uma única conduta, como os diversos resultados foram por ele queridos inicialmente, suas penas deverão ser cumuladas materialmente. (...). (HC 107.565/MS, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 29.3.2010) CRIMINAL. RESP. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO E CONSUMADO. RECURSO MINISTERIAL QUE PRETENDE A APLICAÇÃO DA REGRA DO CONCURSO FORMAL IMPERFEITO. ABERRATIO ICTUS. AUTONOMIA DE DESÍGNIOS CARACTERIZADA. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. I – O cometimento de uma só conduta, que acarreta em resultados diversos, um dirigido pelo dolo direto e outro pelo dolo eventual, configura a diversidade de desígnios. Precedente do STF. Documento: 29038539 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 8 de 9 Superior Tribunal de Justiça II - Hipótese em que se verifica o concurso formal imperfeito, que se caracteriza pela ocorrência de mais de um resultado, através de uma só ação, cometida com propósitos autônomos. III – Recurso Ministerial conhecido e provido, restabelecendo-se a sentença proferida em primeiro grau de jurisdição. (REsp 138.557/DF, Rel. Min. Gilson Dipp, QUINTA TURMA, DJ 10.6.2002) A doutrina entende dessa mesma forma: "O concurso formal será impróprio (imperfeito) quando o agente desejar a realização de mais de um crime, tiver consciência e vontade em relação a cada um deles (2ª parte do caput)." (Código Penal Comentado, Bitencourt, Cezar Roberto, 5ª ed., 2009, p. 205). "Assim, em síntese; no concurso formal, pode-se sustentar: a) havendo dolo quanto ao crime desejado e culpa quanto ao(s) outro(s) resultado(s) da mesma ação, trata-se de concurso formal perfeito; b) havendo dolo quanto ao delito desejado e dolo eventual no tocante ao(s) outro(s) resultado(s) da mesma ação, há concurso formal perfeito: c) havendo dolo quanto ao delito desejado e também em relação aos efeitos colaterais, deve haver concurso formal imperfeito " (Código Penal Comentado, Nucci, Guilherme de Souza - Ed. Revistas dos Tribunais - 4ª Ed. - p. 296). Portanto, o entendimento esposado pelo Tribunal a quo está em perfeita sintonia com a jurisprudência desta Corte. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus . É como voto. Documento: 29038539 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 9 de 9
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