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1 Relações de Gênero e Flexibilidade no Trabalho de Profissionais de Tecnologia da Informação de Porto Alegre: um Estudo Multi-Caso Autoria: Cláudia Sirangelo Eccel, Leonardo Flach, Andréa Poleto Oltramari Resumo O objetivo deste trabalho é analisar a inserção das mulheres no mercado de tecnologia da informação (TI) na região metropolitana de Porto Alegre (RS), dentro do novo paradigma do trabalho flexível, traçando um paralelo com estudos de Casaca (2006; 2005) realizados em Portugal e sobre o mesmo setor. O estudo foi realizado através de entrevistas semi- estruturadas com profissionais de recursos humanos e/ou área administrativa de quatro empresas privadas e uma Cooperativa da região. Os entrevistados foram questionados sobre o percentual de homens e mulheres na organização, a existência ou não de diferenças em seus postos de trabalho, remuneração e formas de contratação, qualificações e perfis buscados nos trabalhadores, gênero dos candidatos participantes nos processos seletivos, bem como a situação do quadro de direção das companhias. Os achados corroboram em parte os de Casaca (2006; 2005), especialmente sobre o setor permanecer como um reduto masculino. Introdução A entrada das mulheres no mercado de trabalho como fenômeno decorrente das mudanças sociais da década de 1960 e sua crescente independência é constantemente referida por constatações empíricas e superficiais. Em publicações de todos os tipos, sejam jornais ou revistas, encontra-se a referência à ascensão das mulheres no mercado de trabalho e reconhecimento por suas capacidades de lidar com pessoas e de atuar de forma diferente dos homens. Porém, faz-se necessário analisar com maior cuidado tais afirmações e, especialmente, observar, na atual situação das relações de trabalho, o que é uma informação sem fundamentação e o que realmente acontece no cotidiano das empresas. Quando se fala em relações de trabalho, aborda-se um grande conjunto de arranjos institucionais formais e informais que modelam e transformam as relações sociais de produção nos locais de trabalho (CATTANI e HOLZMANN, 2006). As mudanças na esfera do trabalho que ocorrem há algumas décadas revelam tendência à perda das garantias estabelecidas, ficando os trabalhadores abandonados à própria sorte, tanto na busca pelas qualificações, como na responsabilidade por darem conta de suas vidas profissionais (ABRAMIDES e CABRAL, 2003). Postos de trabalho de baixa qualidade (em termos de renda, qualificação e estabilidade no emprego) são, também, aqueles de mais fácil acesso sob o ponto de vista da força de trabalho. Ou seja, têm menores barreiras à entrada e estão disponíveis de forma mais regular, justamente devido à alta rotatividade a eles associada (POCHMANN, 2001). Frente a estas mudanças de maior espectro, é importante compreender como ocorrem atualmente as relações de gênero no âmbito do trabalho. A partir da pesquisa realizada por Casaca (2006; 2005), em Portugal, acerca das relações de gênero nos setores das tecnologias da informação e comunicação (TICs), o presente estudo objetiva analisar a inserção das mulheres no mercado de tecnologia da informação na região metropolitana de Porto Alegre (RS). O presente artigo apresenta uma discussão teórica sobre as mudanças recentes no mundo do trabalho, e, mais especificamente, do trabalho feminino. Em seguida, abordam-se os procedimentos metodológicos e, após, contextualizam-se as empresas pesquisadas para, na seqüência, analisar conjuntamente os dados encontrados. Ressalta-se que serão omitidos os nomes das empresas e entrevistados para manter o anonimato dos mesmos. 2 O novo mundo do trabalho As transformações econômicas e sociais ocorridas nos anos 1980 contribuíram para afirmar e moldar um novo processo de acumulação do tipo flexível. Este tipo de acumulação caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção e serviços inteiramente novos, e de altas taxas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível pode tornar-se para o capital tanto uma forma de maior exploração, quanto de aumento de produtividade, eficiência e qualidade, com novas formas de gestão e tecnologias, efetivando- se por intermédio de precarização e desestruturação das relações clássicas de produção, de gerenciamento e de envolvimento da força de trabalho (ABRAMIDES e CABRAL, 2003). O rearranjo do capital internacional tem provocado alterações no trabalho, no mercado, nas organizações de trabalhadores e nas condições de vida da população, trazendo novas exigências de qualificação profissional e de desempenho institucional, gerando, assim, outras necessidades e expectativas, sobretudo em relação a novos postos de trabalho (IANNI, 1995). O capital, na busca de alternativas para retornar aos níveis de acumulação anteriores às crises da década de 1970, vem se valendo de novas formas de gestão e controle do processo de produção e do trabalhador, por meio da ampliação da exploração tanto da mais valia relativa (inovação) quanto da mais-valia absoluta (aumento do ritmo de trabalho) (ABRAMIDES e CABRAL, 2003). Segundo Kovács (2002), há um discurso liberal na gestão que traz idéias de racionalização flexível das relações de trabalho, capaz de resistir às críticas. A autora explica que esta manutenção da ordem gerencial dominante se dá em função da dominação dos meios de comunicação e mesmo da academia, que em muitos casos somente faz coro aos que propalam as idéias da gestão. O resultado disto é a liberalização e a flexibilização dos direitos. Os funcionários se vêm na situação de ter que negociar individualmente com a empresa, num claro de desequilíbrio de forças e poder. Por fim, o indivíduo passa a ser visto como um prestador de serviços, alguém que comercializa sua força de trabalho, sua vontade de aprender e sua capacidade de adaptação, entre outras coisas, para que o capital faça bom uso. Como proprietário de um “capital humano”, é individualmente responsável por eventuais fracassos, prejuízos, entre outros. A mundialização das economias realiza-se nos diversos países por meio de políticas neoliberais, que desregulamentam o mercado de trabalho e flexibilizam os contratos, conformando um quadro geral de “fogo cruzado contra o trabalho”, na expressão de Pochmann (2002). A situação resultante das transformações no padrão de uso e remuneração da força de trabalho advém, principalmente, de alterações no processo privado de acumulação do capital, da desaceleração da expansão dos gastos públicos e do processo de reestruturação produtiva, desencadeado tanto por inovações tecnológicas quanto pela adoção de novas formas de gestão do trabalho. As mudanças que afetam o mundo do trabalho, seja quanto à produção, natureza, conteúdo e significado do trabalho, seja nas relações e no mercado de trabalho, chamam a atenção para os requisitos de qualificação e de contratação do trabalhador, a redução do emprego estável com contratos por tempo indeterminado, o menor número de empregos ofertados, o aumento do desemprego e subemprego, o surgimento de inúmeras e atípicas ocupações, a individualização do salário e sua associação às metas de produção e vendas, enfim, ao desempenho das empresas, que detêm a primazia no processo. Envolvidas no olho do furacão da atual crise de acumulação capitalista, as empresas não só vêm se reestruturando, como tendem a constituir: “... uma estratégia de flexibilização qualitativa, interna à empresa e funcional à automação integrada flexível e aos novos parâmetros produtivos e tecnológicos difundidos pela terceira revolução industrial. E, diante da forma desregulada de concorrência, as empresas também intensificaram a flexibilidade numérica ou externa, cujos efeitos sobre o mercado de trabalho 3 manifestaram-se de maneira desastrosa, sendo o desemprego apenas umdos fenômenos que mais atingem as sociedades contemporâneas” (Pochmann, 2002, p. 35). Estas mudanças no mundo do trabalho conduziram à desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas, reduzindo quantitativamente o operariado fabril e incrementando a terceirização e estimulando o trabalho precário e parcial. Com o toyotismo e o just in time, a ligação da mercadoria à demanda determinada favorecem estas práticas. Com este modelo se alcança também subjetivamente a classe operária, por meio da propagação da ideologia da cooperação dos trabalhadores. Na nova lógica organizacional, o trabalhador passa a ser o controlador de si mesmo. Um exemplo disto é o lema da Toyota: “Proteger a nossa empresa para defender a vida” (ABRAMIDES e CABRAL, 2003). Pochmann (2002, p.153) argumenta que as relações laborais flexíveis enfraquecem a organização dos empregados por local de trabalho e, diante do excedente de mão-de-obra, da ausência de regras de contratação favorável aos trabalhadores, terminam inviabilizando a construção de um padrão de emprego que possibilite com condições e relações de trabalho democráticas. Essa situação conforma uma crescente precarização dos rendimentos assalariados, onde a: “pressão pela redução do custo do trabalho, travestida por contratos atípicos e pela flexibilização dos direitos social e trabalhista, tende à precarização das relações e das condições de trabalho. Em outras palavras, estimula o aumento da heterogeneidade do mercado de trabalho, que tende a funcionar por meio de mecanismos raros e enfraquecidos de proteção trabalhista e maior expansão dos segmentos ocupacionais no setor não-organizado da economia”. (POCHMANN, 2002, p. 154). Percebe-se também uma precarização das condições de trabalho, que para Mattoso (1999) se soma à ampliação do trabalho assalariado sem carteira assinada e do trabalho independente (por conta própria). Esta precarização pode ser identificada pelo aumento do trabalho por tempo determinado, sem renda fixa, em tempo parcial, enfim, pelo que se costuma chamar de “bico”. Em geral, a precarização é identificada com a ausência de contribuição à Previdência Social e, portanto, sem direito à aposentadoria. O processo de deterioração das relações de trabalho, com a ampliação da desregulamentação dos contratos temporários, de falsas cooperativas de trabalho, de contratos por empresa ou mesmo unilaterais (MATTOSO, 1999, p.8). Neste sentido Kovács (2001) refere que a classe trabalhadora atualmente divide-se em três grupos: uma elite assalariada que trabalha em empresas por meio de contratos formais, que incluem benefícios; uma parcela de profissionais extremamente qualificados e que se adaptam e mesmo se favorecem com as relações flexíveis de emprego, podendo negociar valores e horas de trabalho, ainda que sem contarem com benefícios sociais; e, por fim, um extenso grupo de excluídos que acaba por ocupar quaisquer funções disponíveis. Terceirização e precarização das relações de trabalho A precarização das relações do trabalho refere-se ao trabalho mal remunerado, pouco reconhecido, e que provoca um sentimento de inutilidade no trabalhador. Refere-se ainda à instabilidade do emprego, à ameaça do desemprego, à restrição dos direitos sociais e à falta de perspectivas de crescimento profissional, manifestada tanto em relação ao setor informal, quanto para a classe trabalhadora em geral (MATTOSO, 1999). Segundo Piccinini (2004), a difusão das formas precárias está ligada à flexibilidade quantitativa, à redução de custos pelo recurso a vínculos contratuais instáveis e à substituição de contratos de trabalho por contratos comerciais. Ela cita como tipos de flexibilidade quantitativa: a terceirização e subcontratação, trabalho em domicílio, rede de empresas, cooperativas de trabalho, trabalho temporário, trabalho em tempo parcial, trabalho em tempo compartilhado, suspensão temporária do contrato de trabalho e estágios. Segundo Antunes 4 (1995), essa precarização do trabalho está em plena sintonia com o modo de produção capitalista. A maioria dos estudos sobre a terceirização tem evidenciado que a adoção desta prática amplifica um processo de precarização das condições de trabalho. As empresas buscam reduzir custos e, assim, transferem as responsabilidades trabalhistas para as contratadas. Este processo cria uma cisão estrutural no interior da classe trabalhadora, que pode ser caracterizada pela acentuada e acelerada informalização das condições do emprego industrial, como, por exemplo, a intensa rotatividade da força de trabalho, salários decrescentes, redução e flexibilização de direitos trabalhistas (DRUCK, 1996). Atualmente um contingente cada vez maior de autores (SENNETT, 1999; CASTELS, 1998; HOBSBAWN, 1995; BIHR, 1998) vêm estudando a “incerteza” e demais conseqüências desta crescente precarização das condições de trabalho. Esses autores identificam processos de “vulnerabilidades de massa” e “desfiliação” (CASTELS, 1998) num período “pós-proteções”, ou seja, depois da sociedade ocidental ter conhecido uma fase áurea de desenvolvimento sócio-econômico (a era do Welfare State). Neste contexto de precarização, a terceirização é uma estratégia adotada pelas empresas para a transferência de mão de obra e de custos trabalhistas às prestadoras de serviço. É uma das principais características do processo de reestruturação e de flexibilização do trabalho em curso, e tem uma forte implicação social e política sobre as relações entre trabalho e capital. De acordo com Martins (1994), na década de 80, as áreas terceirizadas eram as chamadas áreas de apoio, não centrais à realização da atividade fim da empresa, como a limpeza, vigilância, alimentação, entre outras. Já nos anos 1990, a terceirização tem atingido também as atividades-fim, como produção, operação e manutenção. Foram inclusive buscadas novas formas para oferecer trabalhadores para as demandas de trabalhos terceirizados. E este foi o caso das cooperativas, que, embora tenham surgido com outro propósito, em dado momento passaram a trabalhar como terceirizadoras de mão-de-obra. As cooperativas de trabalhadores foram formadas a partir do movimento de trabalhadores para manutenção do emprego em fábricas em situação falimentar, apoiadas por sindicatos, ONGs e instituições da sociedade civil, ou mesmo resultantes de programas governamentais de geração de renda para populações pobres, e que tem seus objetivos enquadrados de acordo na proposta de “economia solidária”, respeitando os princípios da autogestão dos trabalhadores, combate ao desemprego e desenvolvimento sustentável. No entanto, é polêmica a questão sobre as possibilidades efetivas das cooperativas se constituírem em avanço no sentido de uma maior democratização do trabalho, pela autogestão e posse coletiva dos meios de produção, superando assim a subordinação ao capital. As cooperativas são percebidas também como uma forma alternativa à empresa capitalista, que utiliza o trabalho “autogestionário” pela flexibilidade que possibilita no uso da força de trabalho, permitindo a redução de custos e aumentando a competitividade das empresas. Além disso, com a reestruturação produtiva e a formação das redes empresariais, embora não necessariamente se transformem em empresas comuns, as cooperativas podem terminar integrando essas redes como parceiras terceirizadas, oferecendo força de trabalho a baixo custo, apenas quando necessário. Dito de outro modo, este debate reacende questões colocadas no século XX sobre a existência de cooperativas falsas – como linha auxiliar do capital - e verdadeiras, que assumem o caráter autogestionário e solidário na perspectiva de emancipação dos trabalhadores. Com relação ao setor de tecnologias da informação, Prado e Takaoka (2006) e Costa e Macedo-Soares (2003) referem que a terceirização tambématinge esta área no mundo todo, em parte, sob a justificativa das contínuas mudanças no ambiente de tecnologia. Entretanto, a terceirização traz alguns desafios às empresas que a praticam, como a possibilidade de perda 5 de controle destas funções para fornecedores externos, e, conseqüentemente, uma fragilização da estrutura das organizações (BHATTACHARYA et al, 2003 apud PRADO e TAKAOKA, 2006). Prado e Takaoka (2006) referem ainda que algumas das razões para proceder com a terceirização são os cortes de custos, além do domínio das novas e constantemente atualizadas tecnologias. Um olhar atento sobre novas práticas de trabalho desvenda as relações entre o processo reestruturação do capital e a emergência internacional de uma “nova figura salarial feminina”, como chama Hirata (1998), que se manifesta no aumento do trabalho a tempo parcial do trabalho feminino, permanecendo ainda as desigualdades sociais ligadas ao gênero. Sobre o trabalho feminino A presença de mulheres no mercado de trabalho, embora seja tido muitas vezes como um fenômeno recente, não é de fato uma novidade, uma vez que, desde a Revolução Industrial as mulheres ocuparam postos de trabalho, lado a lado com homens e crianças. Há, entretanto, que se fazer um recorte de classes quando se fala em trabalho feminino: as mulheres de camadas mais populares, de uma forma geral, não podiam dar-se o luxo de não trabalhar e sempre atuaram em funções pouco qualificadas, com pouco ou nenhum reconhecimento social, tal como agricultoras, empregadas domésticas, cuidadoras, etc... (FONSECA, 1997). Já para aquelas de classe média o cenário mostrou mais mudanças. Se antigamente eram preparadas desde cedo para o casamento, há algumas décadas – mais fortemente a partir dos anos 1960 – começaram a inserir-se no mercado de trabalho. Feita brevemente esta distinção, é necessário entender o trabalho feminino no contexto mais geral das relações laborais. Conforme foi abordado, as mudanças no mundo do trabalho têm acarretado uma crescente flexibilização das relações e, em muitos casos, também de precarização. Onde entra o trabalho feminino? É preciso retomar alguns pontos do espaço social ocupado pelas mulheres para se entender a questão. Os papéis ocupados pelos indivíduos nas sociedades são fortemente marcados pela diferença sexual entre homens e mulheres. Assim estabelecem-se tarefas, responsabilidades e mesmo condutas apropriadas para homens e mulheres nas diversas culturas, e, embora entre estas se possam apresentar diferenças substanciais, a divisão é marcada pela distinção de sexo (MARCONDES et al., 2003). Assim constituem-se os papéis de gênero, que são construções sociais sobre lugares ocupados por homens e mulheres, em contraponto ao sexo, que é um dado biológico. No mundo do trabalho, a mão de obra feminina conta com um espaço social diferente da masculina, o que se traduz em suas perspectivas de crescimento e carreira, e tem conseqüências sociais de segregação feminina. Na Revolução Industrial, que foi caracterizada pelo modo de produção taylorista, a divisão de tarefas permitia o emprego de operários menos qualificados, e marcou a entrada das mulheres no mercado de trabalho, que se deveu ora à falta de mão-de-obra masculina disponível em função das guerras, ora devido à necessidade de baratear a produção, uma vez que, por serem menos fortes e qualificadas, as mulheres recebiam salários mais baixos. Assim, a presença das mulheres na fábrica serviu não para inseri-las em pé de igualdade com os homens, mas teve como objetivo o corte de custos ou o suprimento de necessidades específicas da força de trabalho. Tomando como base a sociedade ocidental capitalista em que vivemos, à mulher são delegadas responsabilidades referentes ao lar e à família, incluindo os cuidados com as pessoas e com a casa. A mulher, em nossa realidade, é fortemente associada à esfera privada enquanto o homem o é à pública (MARCONDES et al., 2003). Trata-se da divisão sexual do trabalho, que, segundo Cattani e Holzmann (2006) se refere à “separação e distribuição das atividades de produção e reprodução sociais de acordo com o sexo dos indivíduos”. Segundo estes autores, as mulheres tradicionalmente ficaram 6 com o trabalho reprodutivo, restrito ao mundo doméstico privado, gerando valores de uso para o consumo familiar, e cuidado das crianças, dos velhos e incapazes. Já aos homens estariam atribuídas atividades ligadas a produção, como a direção da sociedade e trabalhos desempenhados em espaço público (CATTANI e HOLZMANN, 2006). Inicialmente as justificativas para esta divisão baseavam-se nos aspectos biológicos para justificar que a mulher, por ser quem gesta os filhos, carrega instintos de cuidar da prole; enquanto o homem, por contar com maior força física é mais apto a outras tarefas fora do lar. As teorias feministas, entretanto, vieram rebater estes argumentos e passaram a abordar as diferenças de gênero entre homens e mulheres com base em construções sociais e não mais em aspectos fisiológicos. Embora não neguem que existam diferenças sexuais, algumas autoras questionam que se parta daí para justificar e naturalizar o papel da mulher na família, e, conseqüentemente, na sociedade (COLLIER, ROSALDO, e YANAGISAKO, 1992). Rosaldo (1995) expõe que, para além do biológico, aspectos culturais e contextuais ganham peso e forjam os espaços do masculino e do feminino: “Parece-me agora que o lugar da mulher na vida social humana não é, diretamente, o produto daquilo que ela faz (e menos ainda função do que, biologicamente, ela é), mas sim do sentido que suas atividades adquirem por meio da interação social concreta. E as significações que as mulheres atribuem para as atividades de suas vidas são coisas que nós somente podemos compreender por meio de uma análise das relações que as mulheres forjam, dos contextos sociais que elas, junto com os homens, criam e dentro dos quais elas são definidas. Gênero, em todos os grupos humanos, deve então ser entendido em termos políticos e sociais com referência não a limitações biológicas, mas sim às formas locais e específicas de relações sociais e particularmente de desigualdade social (ROSALDO, 1995, p. 22)”. Analogamente, Marcondes et al. (2003) afirmam que a divisão sexual do trabalho é social, uma vez que se baseia em hierarquias e valores, frutos de relações sociais que constroem e compartilham significados. Esta divisão não é, então, determinista, como defenderiam teorias biologizantes que foram rebatidas pelo feminismo. Esta hierarquização de valores do trabalho feminino e masculino leva ao não reconhecimento e até desvalorização dos serviços domésticos. Estes não são considerados trabalhos de fato, pois tratam da manutenção do lar e não são pagos. Trata-se de um trabalho reprodutivo, em contraponto ao produtivo, realizado na esfera pública e remunerado, considerado, este sim, o verdadeiro trabalho, e a comparação confere poder a quem realiza o trabalho produtivo. Mesmo com a entrada de mulheres nos “setores produtivos”, estas seguem sendo associadas sempre ao trabalho doméstico. Marcondes et al. (2003) afirmam que, mesmo quando uma mulher possui um emprego, é quase sempre responsável por acumular as tarefas domésticas do seu núcleo familiar. Entretanto, Kergoat (1987: 89 apud Marcondes et al., 2003) refere a indissociabilidade dos trabalhos produtivo e reprodutivo, fábrica e casa, que acaba levando a esta dicotomia homens no trabalho assalariado e mulheres em casa. Nas pesquisas empíricas destes estudiosos (MARCONDES et al., 2003; CASACA, 2006; 2005), encontramos relatos de que as mulheres têm habilidades específicas, tais como paciência, docilidade, comunicação, trato interpessoal, motricidade fina, etc. Entretanto, segundo estes mesmos autores, estas habilidades não garantem uma inserção profissionalvalorizada no mercado de trabalho. Ao contrário, as tarefas de menor prestígio e complexidade é que são delegadas às mulheres. Para Marcondes et al. (2003), as chefias das organizações acabam fazendo uso destes diferentes atributos de gênero na busca por maior desempenho. Marcondes et al. (2003), estudando o trabalho noturno, perceberam que a hierarquização do trabalho feminino e masculino na fábrica se dava a partir da consideração do trabalho como “leve” ou “pesado”. Leves eram as tarefas consideradas fáceis, detalhistas, em contraponto às pesadas, que exigem força física, são difíceis e muitas vezes envolviam riscos. Os atributos masculinos aparecem, então, como classificadores de processos 7 produtivos na fábrica: trabalho de homem ou de mulher, sendo o primeiro mais valorizado e melhor remunerado. Posthuma e Lombardi (1997) observam que nas últimas décadas ocorreu um aumento significativo da participação feminina na população economicamente ativa em quase todos os países no mundo, principalmente em virtude das transformações na oferta do trabalho. Apesar dessas alterações, as autoras defendem que a atividade econômica feminina continua sendo caracterizada por segregação ocupacional em setores de baixo status, com remuneração menor que os homens, mesmo quando elas exercem a mesma atividade, com mesma carga horária e têm níveis equivalentes de escolaridade. Similarmente, Casaca (2006; 2005) demonstra em estudos realizado em Portugal que este país conta com média mais alta do que os demais países da União Européia de mulheres no mercado de trabalho, e que estas se concentram majoritariamente no setor de serviços, onde são valorizados os “atributos femininos” referidos acima. Entretanto, percebe um crescimento da participação de mulheres em trabalhos pouco qualificados, tais como atendimento em call centers e caixas de supermercados, enquanto o número destas em cargos de alta gerência direção é reduzido. As análises da autora mostram que mesmo em setores novos e complexos da economia como o das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) persiste a segregação sexual na organização do trabalho. No que tange as relações de gênero no setor de TICs em Portugal, a autora conclui que este segue sendo um reduto masculino, onde, na divisão de tarefas, as mulheres ficam com aquelas menos complexas. Já os homens assumem funções mais valorizadas e recompensadas financeiramente (CASACA, 2006; 2005). Além disso, a autora percebeu diferenças nos tipos de vínculos trabalhistas de mulheres e homens neste setor, sendo que elas são mais contratadas como temporárias e atuam em tempo parcial em comparação com os homens. Em cargos superiores não chega a haver esta diferença em termos de contratos, mas sim de salários (CASACA, 2006; 2005). Analisando teoricamente as questões de acesso às novas tecnologias e as relações de gênero, a autora refuta vertentes teóricas que considera ingênuas, quais sejam, o Feminismo Radical e Ecofeminismoi, além daquelas que percebe como muito racionais e que desconsideram questões de poder na família, mercado de trabalho e organizações, como o Feminismo Liberalii e Teorias do Capital Humanoiii (CASACA, 2005). A autora baseia-se na teoria sócio-construtivista que concebe a tecnologia como artefato sociocultural, portanto não neutro e marcado pelos espaços construídos para cada um dos sexos. O modo como homens e mulheres se relacionam com as tecnologias deve, desta forma, ser apreendido à luz da simbologia associada às tecnologias, e das ideologias construídas em torno dos papéis de gênero, tendo como tela de fundo a moldagem exercida pelo contexto histórico, sociocultural e temporal (CASACA, 2005). Na presente realidade, em que imperam relações de trabalho flexíveis, quando não precarizadas, as mulheres encontram-se em situações mais desfavorecidas do que os homens (MARCONDES et al., 2003; CASACA, 2006; 2005). A comparação de que as mulheres, nos últimos anos, estão entrando em maior número no mercado de trabalho, pode ser observada em estatísticas nacionais do DIEESE, que demonstram que, em 1995, as mulheres eram 37% dos assalariados, passando para 47,5% em 2003 (CAPPELLE et al., 2006). Mas, de todo modo, as mesmas autoras corroboram Casaca (2006; 2005) afirmando que as mulheres ainda recebem menores salários, realizam dupla jornada e sofrem mais com o desemprego (CAPPELLE et al., 2006). Assim, mesmo as mulheres ocupantes de cargos gerenciais passam por desafios específicos, como a necessidade de se mostrarem mais qualificadas e competentes do que os homens para manterem-se nas suas funções, o que acarreta uma produção de pesquisas acadêmicas sobre as relações de gênero no espaço de trabalho (CAPPELLE et al., 2006). 8 A seguir serão esclarecidos os delineamentos metodológicos da pesquisa realizada, para, posteriormente, apresentar os dados encontrados. Procedimentos metodológicos Para a realização do presente estudo, foi empreendida uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa, por meio de um estudo multi-caso em empresas do setor de TI da região metropolitana de Porto Alegre. Para tanto, foram entrevistados profissionais de quatro empresas e uma cooperativa. A coleta de dados aconteceu no mês de novembro e dezembro de 2006 por meio de entrevistas semi-estruturadas, que ocorreram nas empresas e cooperativa e contaram com a participação de responsáveis pelos gestores de Recursos Humanos (no caso das empresas I e II), da responsável por alocação de profissionais (empresa IV), do diretor geral (na cooperativa). Apenas na empresa III o diretor financeiro optou por responder a entrevista da pesquisa por e-mail. As questões que nortearam as entrevistas abordaram as relações de trabalho presentes, focando mais especificamente a inserção de mulheres neste setor e as possíveis diferenças entre a inclusão destas e dos homens. Neste sentido, os entrevistados foram questionados sobre o percentual de homens e mulheres na organização, a existência ou não de diferenças em seus postos de trabalho, remuneração e formas de contratação, qualificações e perfis buscados nos trabalhadores, gênero dos candidatos participantes nos processos seletivos. De uma forma geral, no intuito de perceber as oportunidades para homens e mulheres, realizaram-se perguntas acerca do perfil dos diretores destas organizações. As entrevistas foram analisadas em seu conjunto, buscando pontos de convergência e diferenças entre as realidades pesquisadas. O material foi discutido e trabalhado pelos autores à luz do referencial teórico estudado, especialmente o de Casaca (2006; 2005), aspirando um melhor entendimento dos fenômenos encontrados. Análise dos dados Neste momento será realizada uma breve caracterização das empresas pesquisadas, sendo em seguida apresentada uma discussão dos dados encontrados. Sobre as empresas pesquisadas Empresa I A empresa I existe há quatro anos e hoje conta com 30 colaboradores. Atua na área de consultoria e sistemas em Tecnologia de Informação (TI). Desta maneira, fornece serviços de consultoria em tecnologias diversas, além de disponibilizar profissionais para exercerem serviços de TI no regime de terceirização e conta também com uma fábrica de software, onde pesquisa e desenvolve soluções tecnológicas. Com relação à estrutura da organização, esta se divide entre o setor administrativo, que conta com a parte financeira e administrativa, e as recém criadas áreas de recursos humanos e marketing, e o setor de consultoria, onde atuam os técnicos, que se dividem de acordo com a tecnologia que dominam. A empresa é constituída por quatro diretores, que foram os fundadores. Todos eram profissionais de TI e abriram a empresa e passaram de empregados a empresários. Empresa II A empresa II existe há quatro anos, em Porto Alegre, eatua oferecendo os seguintes serviços em tecnologia da informação: gerência de projetos, desenvolvimento de sistemas, fábrica de software, serviços de automação bancária e comercial, desenvolvimento de projetos de infra-estrutura e redes, além de recrutamento, seleção e acompanhamento de técnicos 9 especializados na área. A empresa atende a diversos clientes de grande porte do setor de TI, para os quais fornece mão-de-obra especializada, quarteirizando a contratação tanto de técnicos, como também de gerentes de projetos e auditores de qualidade de software. No momento da entrevista, a empresa contava com 10 empregados que trabalhavam na área administrativa (incluindo o diretor proprietário) e 60 que trabalhavam na área de serviços, num total de com 70 empregados. Empresa IIIiv A empresa III existe desde 1995 e atualmente é uma das maiores empresas brasileiras de hospedagem de sites e servidores, atuando em parceria com empresas de desenvolvimento e integração de softwares. Oferecem serviços como hospedagem de sites, servidores, streaming, entre outros serviços de Internet Data Center. Em Porto Alegre, a empresa possui 80 funcionários. É composta por cinco diretores: presidente, diretor executivo, diretor técnico, diretor comercial e diretor administrativo- financeiro; um gerente de atendimento, e cinco supervisores: supervisor de atendimento, supervisor de cobrança, supervisor de programação e dois supervisores de operações. A equipe de gestão administra todas as filiais no Brasil, enquanto o contingente de técnicos atua diretamente nas filiais que são suas bases. Atua nas seguintes capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Salvador, sendo que sua matriz se encontra em Porto Alegre (RS). Empresa IVv A empresa IV é filial de uma multinacional americana fundada em 1939, que chegou ao Brasil em 1967 com escritório de vendas. A atuação da empresa vai desde a produção de vasta gama de produtos de tecnologia, até prestação de serviços técnicos e de consultoria na implantação de sistemas. A empresa conta hoje no Brasil com cerca de 8.000 colaboradores diretos e indiretos, escritórios e fábricas distribuídas pelo país, além de uma área de pesquisa e desenvolvimento. No Brasil, produz servidores, computadores pessoais, notebooks, impressoras a jato de tinta e a laser. A área de serviços na empresa é composta por mais de 2.000 pessoas, as quais implementam e operam a infra-estrutura de tecnologia da informação dos clientes. Este setor divide-se em: Serviços de Tecnologia, Consultoria & Integração, Serviços Gerenciados (outsourcing) e Serviços de Impressão. Nossa pesquisa se realizou na área de pesquisa e desenvolvimento da empresa, responsável pela geração de novos produtos e pesquisa avançada e que atua com tecnologias de ponta. A unidade gaúcha trabalha em conjunto com outros laboratórios de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa em outras partes do mundo, além de ter parcerias com várias universidades federais e particulares do país. A área de P&D conta com 200 colaboradores e a estrutura é composta pelos setores de desenvolvimento, testes e, finalmente, gerencias de projetos, que empregam 60%, 30% e 10%, respectivamente, dos trabalhadores. Cooperativa A cooperativa de TI de Porto Alegre representa uma cooperativa maior originária de São Paulo, que se expandiu para algumas outras capitais há cerca de cinco anos. A mesma surgiu como fonte alternativa de contratação de profissionais com conhecimentos técnicos em informática, especialmente linguagens de programação. Sua função é ser um facilitador para profissionais se inserirem no mercado de trabalho, alocando os associados em projetos dentro de empresas parceiras, que são prestadoras de serviços em desenvolvimento de softwares de automação comercial e industrial. Nos últimos anos a cooperativa tem aberto espaço também para profissionais da área de telecomunicações, especialmente no ramo de call center. 10 A organização conta hoje com mais de 400 associados, dentre os quais apenas cerca de 70 pessoas estão produzindo. Em outros momentos a cooperativa teve um número mais representativo de profissionais trabalhando. Este declínio deve-se, segundo o responsável pelo escritório regional, a mudanças nas leis federais. Atualmente elas não têm mais isenção de impostos, o que faz com que, neste ramo, o cooperativismo venha perdendo vantagens, e, conseqüentemente, participação. Segundo nosso entrevistado, como os projetos de TI têm início e fim, torna-se inviável a contratação dos recursos via CLT, pois isto gera muitos custos e trâmites burocráticos, de forma que os profissionais e empresas buscam alternativas para tais relações de trabalho. Hoje em dia, a opção mais utilizada pelos profissionais tem sido a abertura de uma empresa limitada para a prestação de serviços. Como vantagens aos associados, o entrevistado refere que a cooperativa oferece convênios com planos de saúde, odontológico e seguro profissional, que são oferecidos a custos mais baixos aos sócios. Dados encontrados Após uma breve caracterização das organizações, serão, neste momento, apresentados os dados encontrados na pesquisa. Os principais tópicos observados foram: perfil dos profissionais e suas qualificações, homens e mulheres na empresa, média salarial dos homens versus média salarial das mulheres, formas de contratação praticadas pela empresa, quantidade de homens e mulheres nos processos seletivos, perfil do quadro de gerentes ou coordenadores da empresa. Perfil dos profissionais e suas qualificações Todos os entrevistados declararam que o perfil dos profissionais é essencialmente técnico, isto é, que domínio da tecnologia e linguagens de programação importantes para o trabalho, uma vez que a maior parte dos colaboradores destas empresas atua na área fim. Estes profissionais, quase em sua totalidade, possuem curso superior completo ou em andamento, sendo que alguns possuem pós-graduação e, freqüentemente, certificações em linguagens de programação. Normalmente são profissionais jovens, na faixa dos 18 aos 30 anos. Além disso, têm disponibilidade para viajar e atender projetos em diversas partes do país, conforme observado nas empresas I e II. Apenas o responsável pela cooperativa referiu que o nível de formação de seus associados operantes decaiu nos últimos três anos, dada a mudança na lei de isenção de impostos, que afastou profissionais mais qualificados. Anteriormente contavam com profissionais de curso superior e com altos valores de pró-labore. Porém, atualmente, a maior parte possui segundo grau e atua em funções menos complexas, como retaguarda e call center, ou são profissionais novos que ficam na cooperativa apenas pelo tempo necessário para regularizarem a abertura de sua própria empresa. Além de formação adequada, procura-se também por um perfil de profissional que esteja sempre com vontade de aprender e de forma autodidata, pronto para um aprendizado constante, uma vez que as tecnologias mudam freqüentemente, com atualizações e novas versões dos softwares. Algumas empresas, tais como a I e a IV, afirmam que começam a buscar também competências comportamentais, mas, mesmo assim, o conhecimento técnico é preponderante. Já a entrevistada da empresa IV refere que, por atuar na área de Pesquisa e Desenvolvimento, busca, acima de tudo, alta qualificação em nível de pós-graduação, e costuma buscar novos candidatos nas universidades com que a empresa possui convênios. Homens e mulheres na empresa Em todas as entrevistas realizadas, nossos entrevistados afirmaram não haver quaisquer restrições à entrada de mulheres. Entretanto, em todos os casos, elas são minoria dentre os trabalhadores nestas organizações. 11 Na empresa I a entrevistada comentou que existem apenas quatro mulheres dentre os 30colaboradores (13%) e todas elas se situam na área administrativa e eles, na técnica. A mesma situação se repetiu na empresa II, onde a psicóloga e a funcionária administrativa entrevistadas informaram não perceber empecilhos para a contratação de mulheres e referiram que possuem várias colegas do sexo feminino. No entanto, o número exato de mulheres e homens na empresa não era uma informação que as entrevistadas tivessem disponível, e a resposta precisou ser buscada em registros, mostrando que mulheres são 25% do total de colaboradores, sendo que se concentram majoritariamente na área administrativa (80% do setor), em face de apenas 16% da mão de obra técnica. Este dado pareceu chamar a atenção das entrevistadas, e uma delas referiu: “vendo o número é que a gente se dá conta da diferença”; ao que a outra completou: “acabamos influenciadas pela realidade de um cliente nosso, onde tem mais mulheres gerentes, quase todas são mulheres”. Da mesma forma, na empresa III, há uma proporção de 25% de mulheres e 75% de homens, sendo que as mulheres também se concentram na área administrativo-financeira. Na empresa IV, apesar de o percentual de mulheres e homens ser o mesmo (25% e 75% respectivamente), a entrevistada afirmou que ainda que sejam minoria, há mulheres em quase todos os setores (exceto área de suporte e configuração, onde há escassez de mulheres) e níveis hierárquicos da organização. A situação encontrada na cooperativa mostra que nos últimos anos, com a já referida queda na qualificação dos profissionais associados, houve uma maior entrada de mulheres. Elas atuam basicamente nas áreas de retaguarda, em funções como secretária, recepcionista, atendentes e auxiliares em geral. O entrevistado refere que empresas de call center costumam preferir mulheres, mas, ainda assim, há casos de empresas parceiras onde todos os trabalhadores são homens. Média salarial dos homens x Média salarial das mulheres De acordo com a entrevistada da empresa I, existe grande diferença entre a média salarial de homens e mulheres em função dos cargos ocupados. “O mínimo que um técnico recebe, hoje, aqui dentro, é em torno de três mil reais. E mulher, se eu tivesse que fazer uma média, fica em torno de mil reais. E aí eu estou falando do mínimo dos técnicos e do máximo das mulheres”. Tal diferença, segundo ela, pode ser explicada pelo fato de os profissionais da área técnica estarem envolvidos diretamente com clientes e, desta forma, realizando horas de trabalho faturáveis para a empresa. O mesmo ocorre na empresa II, onde a área administrativa, considerada apenas como um suporte ao negócio da empresa, é menos remunerada, e onde se encontra o maior percentual de mulheres. Na empresa III, o entrevistado apenas referiu não haver distinção de salário entre mulheres e homens, mas não comentou se existem diferenças marcantes entre as áreas de atuação. A entrevistada da empresa IV também negou que existam diferenças, pois o salário reflete a qualificação dos profissionais, e, portanto, é equilibrado entre homens e mulheres das áreas técnicas. Referente à cooperativa, nosso entrevistado afirma que atualmente não existe uma diferença marcante entre salários de homens e mulheres, apenas indica que houve um importante decréscimo com a queda da qualificação – o que coincide com a entrada delas na associação. Formas de contratação praticadas pela empresavi Todas as empresas visitadas se utilizam, pelo menos na área técnica, de contratos de terceirização, considerando que os profissionais abrem empresas próprias, ou mesmo quarteirização, contratando empresas intermediárias que fornecem mão de obra terceirizada. Como ilustração, a empresa II e a cooperativa referem fornecer técnicos para a empresa IV. 12 Segundo as entrevistadas, na empresa I e na II, apenas os técnicos são terceiros, enquanto no setor administrativo todos os trabalhadores têm carteira assinada. Mais especificamente, na empresa II todos os técnicos têm contratos por tempo determinado, sendo que a maior parte é válida por um ano, ao cabo do qual há uma avaliação de desempenho e, se favorável, revisão dos valores acordados e renovação por mais um ano. Alguns contratos têm um tempo determinado mais curto, conforme prazo de projeto exigido pelo cliente. Já na empresa IV, 90% dos colaboradores é terceirizado ou quarteirizado, sejam técnicos ou de apoio. O vínculo trabalhista com carteira assinada não se restringe a áreas específicas, mas responde a critérios internos, que remetem à retenção de talentos. Quantidade de homens e mulheres nos processos seletivos A entrevistada da empresa I referiu que até sua recente entrada na empresa não havia um processo seletivo estruturado, e que a escolha dos profissionais se dava especialmente pela experiência e conhecimento técnicos, sendo que a formação acadêmica não era muito considerada. A entrevistada refere perceber predomínio masculino na área de TI, que atribui ao fato de os homens tenderem a se identificar com trabalhos mais concretos e objetivos. Na empresa II as entrevistadas afirmaram que encontram maioria masculina nos processos seletivos. A psicóloga responsável pelas contratações afirma que nas vagas de desenvolvimento contratam-se mais homens, pois a oferta é bem maior, mas que não existiria qualquer impedimento em contratar mulheres. Já para os cargos de gerência de projetos, afirma que as mulheres estavam se sobressaindo nas entrevistas por mostrarem competências de gestão mais desenvolvidas, que qualificou como liderança. O respondente da empresa III também percebe que mais homens candidatam-se, “pois há poucas mulheres trabalhando com informática”. Na empresa IV, a entrevistada afirma que a situação mudou a partir de 2006. Anteriormente havia uma quase totalidade de homens, mas atualmente já aparecem mulheres em quase todas as áreas e elas são contratadas quando consideradas aptas. A entrevistada atribui esta mudança ao fato de buscar candidatos nas universidades e cursos de pós- graduação, onde há um número mais alto de mulheres em relação ao de homens. Na cooperativa, qualquer pessoa pode se tornar um associado e, conforme referido acima, cresceu o percentual feminino ao mesmo tempo em que decresceu a qualificação. Quando encaminhados para as empresas parceiras, os associados passam por processos seletivos – dos quais não foram obtidos detalhes específicos – mas o entrevistado afirma que não há restrição para mulheres. Perfil do quadro de gerentes ou coordenadores da empresa. A empresa I é administrada pelos proprietários quatro homens jovens, que decidiram empreender na área onde já atuavam como profissionais. A empresa II, também é comandada diretamente pelos donos, sendo que o proprietário é responsável pelos serviços prestados e o cargo de gerente financeiro é ocupado por sua esposa e há, ainda, uma gerente administrativa profissional. Na empresa III encontram-se cinco diretores, todos eles homens, responsáveis por áreas diversas. A alta administração da empresa IV é composta por um gerente geral, homem, e sete coordenadores de área, responsáveis por setores específicos, dentre os quais três são mulheres. No nível intermediário, composto por gerentes de projetos, líderes de desenvolvimento e engenheiros de testes também se encontram mulheres, ainda que em menor número do que homens. A cooperativa é dirigida localmente por um homem, representante da mesma. 13 Quadro resumo Empresa I Empresa II Empresa III Empresa IV Cooperativa Número de trabalhadores 30 70 80 2.000vii 70 Qualificação dos trabalhadores Superior completo ou em andamento. Superior completo ou em andamento. Superior completo ou em andamento. Superior completo ou em andamento. Segundo grau completo. Percentual de mulheres naorganização 13% 25% 25% 25% - Média salarial homens X mulheres Média salarial dos homens considerada maior. Média salarial dos homens considerada maior. Não há diferença. Não há diferença. Não há diferença. Quantidade de homens e mulheres nos processos seletivos Predomínio de homens. Predomínio de homens. Predomínio de homens. Situação está se equiparando. Situação está se equiparando. Postos ocupados por mulheres Área administrativa, marketing e RH. Área administrativa, RH e técnica. Área administrativo- financeira. Há mulheres em todas as áreas. Retaguarda (secretária, recepcionista, atendentes e auxiliares em geral). Formas de contratação utilizadas Área de serviços via terceirização. Administrativo CLT. Área de serviços via terceirização. Administrativo CLT. - Maioria terceirizados e quarteirzizados. Poucos CLT. Todos são associados. Perfil dos gestores 4 diretores proprietários. 1 diretor proprietário, esposa e gerente mulher. 5 diretores homens. Um gerente geral, homem, e sete coordenadores de área, dos quais três são mulheres. - O representante local é homem. Considerações finais Nosso estudo, guardadas suas especificidades, corroborou em parte os achados de Casaca (2006; 2005) em sua pesquisa sobre as relações de gênero nas TICs em Portugal. Os setores de tecnologia permanecem sendo redutos masculinos e a inserção das mulheres, em grande parte, restringe-se a funções de apoio, que exigem qualificações mais generalistas, como visto nas empresas I, II e III, ou funções menos qualificadas, como na cooperativa. Tal fato não pode ser considerado em casos individuais, mas, sim, como coloca Casaca (2005), analisados a partir dos espaços sociais construídos e ocupados por homens e mulheres, em um âmbito mais amplo, que remete a obrigações e tabus que, ainda que tenham sofrido algumas modificações, parecem congelados para ambos os sexos. A remuneração acompanha o status do trabalho, ou seja, trabalhadores do setor administrativo – na maioria, mulheres – são menos reconhecidos e, por isso, recebem uma quantia menor do que técnicos, mesmo ponderando-se as diferenças decorrentes da forma de contratação, visto que o pessoal de apoio, em geral, tem carteira assinada (e mais descontos de impostos), e os técnicos terceirizados recebem valor nominal mais alto, pois não pagam encargos sociais. Neste ponto, entretanto, na área técnica, a situação da empresa II não corresponde aos achados de Casaca (2006; 2005), que havia percebido diferenças no ganho de 14 mulheres e homens ocupantes dos mesmos cargos. Igualmente, a entrevistada da empresa IV afirma não haver diferenças de ganho entre profissionais homens e mulheres em uma mesma função. Eventualmente, caso fosse ampliado o campo de análise, incluindo mais empresas, poderiam ser encontradas diferenças percentuais neste ponto. As chefias e altas gerencias destas empresas são majoritariamente masculinas, remetendo ao fato de que, embora as mulheres estejam presentes na organização, estas ainda encontram-se subordinadas a homens e em funções menos valorizadas, o que possivelmente terá reflexos nas suas possibilidades de ascensão. Neste sentido, chamou nossa atenção que as entrevistadas da empresa II tenham-se surpreendido frente ao número exato de mulheres versus homens na organização. Percebe-se a situação como um efeito do discurso predominante de que as mulheres estão cada vez ocupando mais espaços profissionais antes restritos aos homens, enquanto a prática ainda não é tão igualitária para ambos os sexos. A empresa IV mostrou uma realidade diferenciada das demais, fato este que creditamos à suas especificidades, como o fato de ser uma multinacional e de atuar especificamente em planejamento e desenvolvimento de produtos. Nesta empresa, as mulheres, em virtude de sua escolaridade e especialização, têm galgado postos que antes foram dos homens. Observa-se ainda que, nesta empresa, elas ocupam cargos de direção em uma maior proporção do que nas demais organizações, indicando uma possível relação entre a possibilidade de ocuparem mais setores e suas oportunidades de crescimento. Vale também ressaltar que, sendo uma empresa multinacional americana, há de se fazer ressalvas quanto a aspectos culturais presentes em tal organização, que não foram contemplados neste estudo. A possibilidade de entrada das mulheres na empresa IV devido a sua qualificação, entretanto, pode ser lida de uma forma menos positiva. Ou seja, se elas tivessem o mesmo nível educacional e qualificação dos homens, seriam contratadas? Estatísticas trazidas por Casaca (2005) e Cappelle et al (2006) demonstram que, tanto na Europa quanto no Brasil, as mulheres tendem a estudar mais anos do que homens, mas isso não garante uma vida profissional mais estável ou bem remunerada. Ainda sobre os tipos de contratação utilizados pela empresa IV, em que o vínculo CLT aparece como forma de retenção de talentos, há um paralelo com Casaca (2005), que indica que em setores que exigem maior qualificação, há menos flexibilização dos contratos. Para finalizar, retomando Kovács (2001) que analisa a divisão da classe trabalhadora em três grupos, conclui-se que o setor de TI, dada sua alta exigência de conhecimentos técnicos e domínio de tecnologia, permite que os profissionais que possuem as competências essenciais se beneficiem de tal flexibilidade. Percebe-se, ainda, que neste caso, encontra-se uma maioria de homens, o que pode ser visto a partir do fato levantado por Casaca (2005 apud 2006) de que eles apresentam uma maior mobilidade e disponibilidade de trabalho em horários alternativos, já que tradicionalmente são dispensados dos trabalhos domésticos e cuidados com a família. i O Feminismo Radical e Ecofeminismo se baseiam em dados biológicos para afirmar uma superioridade psicológica e moral feminina, que as torna mais solidárias e afetivas; enquanto consideram os homens mais agressivos, competitivos e dominantes. Assim, as mulheres, como seres da natureza, estariam mais distantes do que os homens dos artefatos, como a tecnologia (CASACA, 2005). ii O Feminismo Liberal parte da idéia de que os artefatos culturais (neste caso a tecnologia da informação) são neutros, e que a desigualdade entre homens e mulheres advém de sua socialização. Em outras palavras, haveria mais homens trabalhando com TI, pois estes seriam mais socialmente estimulados a atuar na área (CASACA, 2005). iii As Teorias do Capital Humano apregoam que entre homens e mulheres há uma diferença em termos de capital humano, ou competências tecnológicas, que favorecem os primeiros (CASACA, 2005). iv Fonte: website da empresa. v Fonte: website da empresa e entrevista. vi Esta questão não foi feita na cooperativa, uma vez que todos são associados. E a empresa III não respondeu diretamente a questão, de forma que não foi considerada. 15 vii Considerando o número de trabalhadores vinculados a área de serviços da corporação. Referências Bibliográficas ABRAMIDES, Maria Beatriz Costa; CABRAL, Maria do Socorro Reis. Regime de Acumulação Flexível e Saúde do Trabalhador. In: São Paulo em Perspectiva. 2003. p. 3-10. BIHR, Alain. Da grande noite à alternativa: o movimento operário europeu em crise. Tradução de Wanda Brant. 2a.Ed. São Paulo: Boitempo, 1998. 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