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AS RESISTÊNCIAS À PSICANÁLISE (Vol XIX)

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Vol XIX
AS RESISTÊNCIAS À PSICANÁLISE
 Uma criança nos braços de sua babá voltará o rosto, gritando, à vista de um rosto estranho; um homem piedoso começará a nova estação com uma prece e também saudará os primeiros frutos do ano com a bênção; um camponês se recusará a comprar uma foice a menos que ela porte a marca registrada que foi familiar a seus pais. A distinção entre essas situações é óbvia e pareceria justificar buscarmos um motivo diferente para cada uma delas. 
Não obstante, seria equívoco deixar de enxergar o que elas têm em comum. Em cada um dos casos estamos lidando com um desprazer da mesma espécie. A criança o expressa de maneira elementar, o homem piedoso o aplaca mediante um artifício, ao passo que o camponês o utiliza como motivo para uma decisão. A fonte desse desprazer é a exigência feita à mente por algo que é novo, o dispêndio psíquico que ela exige, a incerteza alçada até à ansiosa expectativa que ela traz consigo. Seria interessante dedicar um estudo completo às reações mentais à novidade, uma vez que sob certas condições, não mais primárias, podemos observar um comportamento do tipo contrário - uma sede de estimulação que se arremete sobre tudo aquilo que é novo, simplesmente porque é novo. 
Em assuntos científicos não deveria haver lugar para recuar-se ante a novidade. A ciência, em sua perpétua falta de compleição e insuficiência, é impelida a esperar sua salvação em novas descobertas e novas maneiras de olhar para as coisas. A fim de não ser enganada, ela procede bem em armar-se de ceticismo e não aceitar nada novo, a menos que tenha sofrido o mais estrito exame. Às vezes, porém, esse ceticismo apresenta dois aspectos inesperados; ele pode dirigir-se nitidamente contra o que é novo, enquanto poupa o que é familiar e aceito, e pode contentar-se com rejeitar as coisas antes de tê-las examinado. Comportando-se assim, ele, contudo, se revela como um prolongamento da reação primitiva contra o que é novo e como um disfarce para a retenção dessa reação. É do conhecimento comum com quanta freqüência na história da pesquisa científica aconteceu que inovações tenham defrontado com resistência intensa e obstinada, ao passo que eventos subseqüentes demonstraram que a resistência era injustificada, e a novidade, valiosa e importante. O que provocou a resistência foram, via de regra, certos fatores no assunto geral da novidade, ao mesmo tempo que, por outro lado, diversos fatores devem ter-se combinado para tornar possível a irrupção da reação primitiva.Uma recepção particularmente desfavorável foi concedida à psicanálise, que o presente autor começou a desenvolver aproximadamente há trinta anos atrás a partir das descobertas de Josef Breuer (de Viena) sobre a origem dos sintomas neuróticos. Não se pode discutir que ela possuía a qualidade de novidade, embora fizesse uso de muito material bem conhecido de outras fontes (inteiramente à parte das descobertas de Breuer), tais como as lições oriundas dos ensinamentos de Charcot, o grande neuropatologista, e impressões derivadas da esfera dos fenômenos hipnóticos. Sua significação original foi puramente terapêutica: visava a criar um método novo e eficiente para tratar doenças neuróticas. Vinculações que não podiam ser previstas no começo fizeram, porém, com que a psicanálise se ampliasse para muito além de seu objetivo original. Ela terminou por reivindicar ter estabelecido nossa completa visão da vida mental sobre nova base e, portanto, ser de importância para todo o campo do conhecimento que se funde na psicologia. Após uma década de completa negligência, ela de repente se tornou tema de interesse geral - e desencadeou uma tempestade de oposição indignada.
 As formas pelas quais a resistência à psicanálise encontrou expressão não necessitam ser consideradas agora. Basta dizer que a luta sobre essa inovação de modo algum está no fim, embora já seja possível perceber a direção que assumirá. Seus oponentes não conseguiram suprimir o movimento. A psicanálise, da qual há vinte anos atrás eu era o único porta-voz, atraiu desde então o apoio de numerosos assistentes valiosos e ativos, tanto médicos como não médicos, que a utilizam como um procedimento para o tratamento das doenças nervosas, como um método de pesquisa psicológica e como um instrumento auxiliar para o trabalho científico nos mais variados setores da vida intelectual. Nas páginas seguintes, nosso interesse será orientado apenas para os motivos da resistência à psicanálise, dando ênfase específica ao caráter composto dessa resistência e na variada soma de valor aportada por seus componentes. 
Do ponto de vista clínico as neuroses devem necessariamente ser situadas ao lado das intoxicações e de distúrbios tais como a doença de Graves. Trata-se de estados oriundos de um excesso ou falta relativa de certas substâncias altamente ativas, quer produzidas no interior do corpo quer nele introduzidas de fora; em suma, são distúrbios da química do corpo, estados tóxicos. Se alguém conseguisse isolar e demonstrar a substância ou as substâncias hipotéticas relacionadas às neuroses, não teria necessidade de se preocupar com oposição por parte da profissão médica. Presentemente, porém, não está aberta uma semelhante via de abordagem ao problema. No momento só podemos partir dos sintomas apresentados por uma neurose, sintomas que no caso da histeria, por exemplo, consistem em uma combinação de distúrbios somáticos e mentais. Ora, tanto os experimentos de Charcot quanto as observações clínicas de Breuer nos ensinaram que os sintomas somáticos da histeria também são psicogênicos - isto é, que são precipitados de processos mentais que percorreram seu curso. Colocando-se um indivíduo em estado de hipnose, foi possível produzir artificialmente, à vontade, os sintomas somáticos da histeria. 
A psicanálise apoderou-se dessa nova compreensão e começou a considerar o problema da natureza dos processos psíquicos que conduziam a essas conseqüências inusitadas. A direção assumida por essa investigação não encontrou, porém, a simpatia da geração contemporânea de médicos. Eles haviam sido ensinados a respeitar apenas fatores anatômicos, físicos e químicos. Não estavam preparados para levar fatores psíquicos em consideração e, portanto, enfrentaramnos com indiferença ou antipatia. Obviamente tinham dúvidas de que eventos psíquicos permitissem algum tratamento científico exato, qualquer que fosse esse tratamento. Como uma reação excessiva contra uma fase anterior durante a qual a medicina fora dominada pelo que foi conhecido por ‘filosofia da Natureza’, encaravam abstrações como aquelas com que a psicologia está obrigada a trabalhar, como nebulosas, fantásticas e místicas, ao passo que simplesmente se recusavam a acreditar em fenômenos notáveis que poderiam ter sido o ponto de partida de pesquisas. Os sintomas das neuroses histéricas eram encarados como imposturas e os fenômenos do hipnotismo como embuste. Os próprios psiquiatras, cuja atenção estava sendo constantemente compelida para os mais inusitados e espantosos fenômenos mentais, não mostravam inclinação para examinar seus pormenores ou investigar suas vinculações. Contentavam-se com classificar o variegado conjunto de sintomas e remetê-los, até onde podiam, a distúrbios etiológicos somáticos, anatômicos ou químicos. Durante esse período materialista, ou melhor, mecanicista, a medicina realizou avanços formidáveis, embora também mostrasse uma compreensão míope dos mais importantes e difíceis problemas da vida. 
É fácil compreender por que os médicos, com uma atitude desse tipo para com a mente, não teriam simpatia pela psicanálise e levantariam dúvidas quanto a sua exigência de aprender muitas coisas novamente e vê-las a uma luz diferente. Em compensação, poder-se-ia supor que a nova teoria teria muito mais probabilidade de encontrar a boa acolhida dos filósofos, de vezque estes estavam habituados a situar conceitos abstratos (ou, como diriam as línguas malévolas, palavras nebulosas) no primeiro plano de suas explicações do universo, e seria impossívelque objetassem à extensão da esfera da psicologia, para a qual a psicanálise havia preparado o caminho. No entanto aqui se ergueu um novo obstáculo. A idéia de filósofos sobre aquilo que é mental não era a da psicanálise. A maioria esmagadora deles vê como mental apenas os fenômenos da consciência. Para eles, o mundo da consciência coincide com a esfera do que é mental. Tudo o mais que possa se realizar na ‘mente’ - entidade tão difícil de apreender -, é por eles relegado aos determinantes orgânicos de processos mentais ou a processos paralelos aos mentais. Ou, falando com mais rigor, a mente não possui outros conteúdos senão os fenômenos da consciência, e conseqüentemente a psicologia, a ciência da mente, não tem outro tema geral. Ademais, a esse respeito a opinião do leigo é a mesma. 
O que, então, um filósofo pode dizer perante uma teoria que, como a psicanálise, assevera que, contrariamente, aquilo que é mental é em si próprio inconsciente, e que ser consciente constitui apenas uma qualidade, capaz ou não de advir a um ato mental específico e cuja retirada talvez possa não alterar esse ato sob nenhum outro aspecto? Ele naturalmente dirá que algo tanto inconsciente como mental seria uma impossibilidade, um contradictio in adjecto, e deixará de observar que, efetuando esse julgamento, está meramente repetindo sua própria definição do que é mental, definição que talvez possa ser restrita demais. Para os filósofos é fácil sentir essa certeza, visto não possuírem familiaridade com o material cuja investigação induziu os analistas a acreditar em atos mentais inconscientes. Os filósofos jamais levaram em consideração a hipnose, nem se preocuparam com a interpretação de sonhos; ao contrário, como o fazem os médicos, encaram os sonhos como produtos inexpressivos da atividade mental reduzida durante o sono. Mal se apercebem de que existem coisas como obsessões e delírios, e eles se veriam em situação muito embaraçosa caso lhes pedissem para explicá-las com base em suas próprias premissas filosóficas. Também os analistas se recusam a dizer o que é o inconsciente, contudo podem indicar o domínio de fenômenos cuja observação os obrigou a presumir sua existência. Os filósofos, que ignoram outro tipo de observação que não seja a auto-observação, não podem acompanhá-los nesse domínio. Sucede, então, que a psicanálise nada deriva, senão desvantagens, de sua posição intermediária entre a medicina e a filosofia. Os médicos a vêem como um sistema especulativo e recusam-se a acreditar que, como toda outra existência natural, ela se fundamenta numa paciente e incansável elaboração de fatos oriundos do mundo da percepção; os filósofos, medindo-a pelo padrão de seus próprios sistemas artificialmente construídos, julgam que ela provém de premissas impossíveis e censuram-na porque seus conceitos mais gerais (que só agora estão em processo de evolução) carecem de clareza e precisão. 
Esse estado de coisas é suficiente para explicar a recepção relutante e hesitante da análise nos campos científicos. Ele contudo não explica as explosões de indignação, derrisão e escárnio que, com desprezo de todo padrão de lógica e bom gosto, caracterizaram os métodos controversos de seus oponentes. Uma reação desse tipo sugere que outras resistências além das puramente intelectuais foram excitadas, e despertadas poderosas forças emocionais. E deveras muitas coisas podem ser encontradas na teoria da psicanálise, calculadas para produzir um efeito desse tipo sobre as paixões dos homens de toda espécie e não somente dos cientistas. Sobretudo existe aquele lugar muito importante na vida mental dos seres humanos que a psicanálise atribui ao que é conhecido por instintos sexuais. A teoria psicanalítica sustentou que os sintomas das neuroses constituem satisfações substitutivas deformadas de forças instintuais sexuais, das quais a satisfação direta foi frustrada por resistências internas. Posteriormente a análise, ao se estender além de seu campo original de trabalho e ao começar a aplicar-se à vida mental normal, procurou demonstrar que esses mesmos componentes sexuais, possíveis de ser desviados de seus objetos imediatos e de ser dirigidos para outras coisas, efetuavam as contribuições mais importantes às realizações culturais do indivíduo e da sociedade. Esses pontos de vista não eram inteiramente novos. A significação incomparável da vida sexual havia sido proclamada pelo filósofo Schopenhauer em uma passagem intensamente marcante. Ademais, aquilo que a psicanálise chamou de sexualidade não era em absoluto idêntico à impulsão no sentido de uma união dos dois sexos ou no sentido de produzir uma sensação prazerosa dos órgãos genitais; tinha muito mais semelhança com o Eros, que tudo inclui e tudo preserva, do Banquete de Platão.Os opositores da psicanálise esqueceram, contudo, seus ilustres precursores; caíram sobre ela como se houvesse cometido uma agressão à dignidade da raça humana. Acusaram-na de ‘pansexualismo’, embora a teoria psicanalítica dos instintos tivesse sido sempre estritamente dualista e em tempo algum deixasse de reconhecer, juntamente com os instintos sexuais, outros a que realmente atribui força suficiente para suprimir os instintos sexuais. (Essas forças mutuamente opostas foram inicialmente descritas como os instintos sexuais e os instintos do ego. Um desenvolvimento teórico posterior transformou-as em Eros e o instinto de morte ou destruição.) A sugestão de que a arte, a religião e a ordem social em parte se originavam de uma contribuição dos instintos sexuais foi representada pelos oponentes da análise como uma degradação dos mais elevados valores culturais. Enfaticamente declararam que o homem possui outros interesses ao lado desse eterno interesse do sexo, desprezando em seu zelo o fato de que também os animais têm outros interesses - na verdade, estão sujeitos à sexualidade não de modo permanente, como os homens, mas apenas mediante turnos que ocorrem em períodos específicos -, desprezando também o fato de que a existência desses outros interesses no homem jamais foi discutida e que nada pode ser alterado no valor de uma realização cultural por demonstrar-se que ela derivou de fontes instintuais elementares e animais.
 Uma semelhante mostra de injustiça e falta de lógica clama por explicação. Sua origem não é difícil de encontrar. A civilização humana repousa em dois pilares, dos quais um é o controle das forças naturais e o outro, a restrição de nossos instintos. O trono do governante repousa sobre escravos agrilhoados. Entre os componentes instintuais que são assim colocados a seu serviço, os instintos sexuais, no sentido mais estrito da palavra, são conspícuos por sua força e selvageria. Que desgraça, se eles se libertassem! O trono seria derrubado e o governante, calcado sob pés. A sociedade está ciente disso - e não permitirá que o assunto seja mencionado. 
Mas por que não? Que prejuízo a discussão pode causar? A psicanálise jamais disse palavra em favor dos instintos desagrilhoantes que danificariam nossa comunidade; pelo contrário, emitiu uma advertência e uma exortação para que corrigíssemos nossos modos. A sociedade, porém, se recusa a consentir em ventilar a questão, porque tem uma má consciência sob mais deum aspecto. Em primeiro lugar, ela estabeleceu um elevado ideal de moralidade - sendo essa restrição dos instintos - e insiste em que todos os seus membros preencham esse ideal, sem preocupar-se com a possibilidade de que a obediência possa pesar onerosamente sobre o indivíduo. Ela sequer é suficientemente opulenta ou bem organizada para poder compensar o indivíduo pela quantidade de sua renúncia instintual. Conseqüentemente, resta ao indivíduo decidir como pode obter, pelo sacrifício que fez, uma compensação, suficiente para capacitá-lo a preservar seu equilíbrio mental. Em geral, ele no entanto é obrigado a viver psicologicamente além de seus recursos, ao passo que as reivindicações insatisfeitas de seus instintos o fazem sentir as exigências da civilização como uma pressão constante sobre ele.Assim, a sociedade sustenta uma condição de hipocrisia cultural, fadada a ser acompanhada de um sentimento de insegurança e de uma necessidade de preservar aquilo que é uma situação inegavelmente precária com proibir a crítica e a discussão. Essa linha de pensamento aplica-se a todos os impulsos instintuais, incluindo portanto os egoístas. A questão sobre ela aplicar-se ou não a todas as formas possíveis de civilização, e não meramente àquelas que evolveram até agora, não pode ser debatida aqui. Com referência aos instintos sexuais no sentido mais estrito, há ainda o ponto de que, na maioria das pessoas, eles são insuficientemente domados, e isso de uma forma psicologicamente errada; estão portanto mais aptos a desencadear-se do que os demais. 
A psicanálise revelou as fragilidades desse sistema e recomendou que ele fosse alterado. Propôs uma redução no rigor com que os instintos são reprimidos, e que correspondentemente se desse mais desempenho à veracidade. Uma quantidade maior de satisfação deveria ser facultada a certos impulsos instintuais em cuja supressão a sociedade excedeu um tanto; no caso de alguns outros, o método ineficiente de suprimi-los mediante a repressão deveria ser substituído por algum procedimento melhor e mais seguro. Em resultado dessas críticas a psicanálise é encarada como ‘inamistosa à cultura’ e foi colocada sob um anátema como ‘perigo social’. Essa resistência não pode durar para sempre. Nenhuma instituição humana pode, a longo prazo, escapar à influência da crítica legítima, contudo a atitude dos homens para com a psicanálise ainda é dominada por esse temor, que dá livre curso às suas paixões e diminui seu poder de argumento lógico. 
Com sua teoria dos instintos a psicanálise ofendeu os sentimentos dos indivíduos, na medida em que se consideravam como membros da comunidade social; outro ramo de sua teoria estava destinado a ferir toda pessoa individualmente no ponto mais sensível de seu próprio desenvolvimento psíquico. A psicanálise livrou-se de uma vez por todas do conto de fadas de uma infância assexual. Demonstrou o fato de que interesses e atividades sexuais ocorrem em crianças pequenas desde o início de suas vidas. Mostrou por que transformações essas atividades passam, como, pela idade de cinco anos, eles sucumbem à inibição e como, da puberdade em diante, entram a serviço da função reprodutiva. Reconheceu que a primeira vida sexual infantil atinge seu ápice naquilo que se conhece como complexo de Édipo (uma ligação emocional da criança ao genitor do sexo oposto, acompanhada por uma atitude de rivalidade para com o do mesmo sexo) e que, nesse período da vida, tal impulso se amplia, desinibido, para um desejo sexual direto. A confirmação disso é tão facilmente possível, que somente esforços supremos poderiam conseguir desprezá-lo. Com efeito, todo indivíduo passou por essa fase; posteriormente, porém, reprimiu energicamente seu teor e conseguiu esquecê-la. Dessa época pré-histórica da existência do indivíduo restou um horror ao incesto e um sentimento enorme de culpa. É possível que algo muito semelhante ocorresse na época pré-histórica da espécie humana como um todo e que os primórdios da moralidade, da religião e da ordem social estejam intimamente vinculados à superação dessa era primeva. Para os adultos, sua pré-história parece tão ingloriosa que recusam permitir-se que os façam lembrar-se dela: ficaram furiosos quando a psicanálise tentou levantar o véu de amnésia de seus anos de infância. Havia apenas uma saída: o que a psicanálise asseverava tinha de ser falso e aquilo com pretensões de nova ciência havia que ser um tecido de fantasias e deformações. 
Assim, as resistências mais fortes à psicanálise não foram de tipo intelectual, mas surgiram de fontes emocionais. Isso explicava tanto seu caráter apaixonado quanto sua escassez de lógica. A situação obedecia a uma fórmula simples: os homens na massa se comportavam para com a psicanálise exatamente do mesmo modo que os neuróticos em particular, em tratamento perante seus distúrbios. No entanto, através do trabalho paciente é possível convencer esses últimos indivíduos de que tudo aconteceu como sustentamos: nós próprios não o inventamos, chegamos a isso a partir de um estudo de outros neuróticos abrangendo um período de vinte ou trinta anos. A posição era ao mesmo tempo alarmante e consoladora; alarmante porque não era pouca coisa ter por paciente toda a raça humana, e consoladora porque, no fim das contas, tudo estava se realizando como hipóteses da psicanálise declaravam estar fadado a acontecer. 
Se novamente voltamos os olhos para as diversas resistências à psicanálise antes enumeradas, evidencia-se que apenas uma sua minoria pertence ao tipo que habitualmente surge contra a maior parte de inovações científicas de qualquer importância considerável. A maioria delas sedeve ao fato de que poderosos sentimentos humanos são feridos pelo tema geral da teoria. A teoria darwiniana de descendência defrontou-se com a mesma sorte, de vez que pôs abaixo a barreira arrogantemente erguida entre os homens e os animais. Chamei a atenção para essa analogia em um trabalho anterior, no qual demonstrava como a visão psicanalítica da relação do ego consciente com um inconsciente irresistível constituía um golpe severo para o amor-próprio humano. Descrevi-o como sendo o golpe psicológico ao narcisismo dos homens, e o comparei com o golpe biológico desfechado pela teoria da descendência e o golpe cosmológico, mais antigo, a ele dirigido pela descoberta de Copérnico. 
Dificuldades puramente externas também contribuíram para fortalecer a resistência à psicanálise. Não é fácil obter um juízo independente sobre questões envolvidas com a análise sem a termos experimentado ou praticado em outrem. Também pouco se pode realizar esse último sem ter adquirido uma técnica específica e decididamente delicada, de vez que até recentemente não havia meios facilmente acessíveis de aprender a psicanálise e sua técnica. Essa situação foi agora melhorada com a fundação (em 1920) da Clínica e Instituto de Formação Psicanalítica de Berlim, e, pouco depois, em 1922, de um instituto exatamente similar em Viena.
 Finalmente, com toda reserva, pode-se levantar a questão de não ter sido possível que a personalidade do presente autor como um judeu, que jamais procurou disfarçar o fato de ser judeu, concorresse em provocar a antipatia de seu meio ambiente para com a psicanálise. Um argumento dessa espécie amiúde não se enuncia em voz alta; infelizmente, tornamo-nos tão desconfiados que não podemos deixar de pensar que esse fator pode não ter estado inteiramente sem defeito. Talvez sequer seja inteiramente um item do acaso que o primeiro advogado da psicanálise fosse um judeu. Professar crença nessa nova teoria exigia determinado grau de aptidão a aceitar uma situação de oposição solitária - situação com a qual ninguém está mais familiarizado do que um judeu.

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