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Filosofia e conceitos básicos

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SEMIPRESENCIAL
Prof. Antonio Carlos Banzato
Filosofia
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 CONCEITOS BÁSICOS 5 
1.1 A CONSCIÊNCIA MÍTICA 5 
1.2 O NASCIMENTO DA CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA: OS PRÉ-SO-
CRÁTICOS 
 
7 
1.3 A FILOSOFIA DE VIDA E O RIGOR DO PENSAMENTO FILOSÓ-
FICO 
 
12 
1.4 DOGMATISMO, SENSO COMUM E PENSAMENTO IDEOLÓGICO 
 
15 
2 FILOSOFIA ANTIGA E MEDIEVAL 18 
2.1 A RETÓRICA DOS SOFISTAS E AS PERGUNTAS DE SÓCRATES 18 
2.2 PLATÃO E O MUNDO DAS IDÉIAS 22 
2.3 A FILOSOFIA MEDIEVAL DE AGOSTINHO E TOMÁS DE AQUI-
NO 
 
27 
3 FILOSOFIA MODEERNA E CONTEMPORÂNEA 32 
3.1 O QUE SIGNIFICA MODERNIDADE? 32 
3.2 RACIONALISMO E EMPIRISMO 33 
3.3 O CRITICISMO DE KANT 39 
3.4 O CONTRATUALISMO DE HOBBLES, LOCKE E 
ROUSSEAU 
 
43 
3.5 O POSITIVISMO DE COMTE 48 
3.6 O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO DE 
MARX 
 
50 
3.7 NIETZSCHE: A TRANSVALORIZAÇÃO DOS VALORES 55 
 
3.8 PIERRE LÉVY: COMUNICAÇÃO EM REVOLUÇÃO 57 
 REFERÊNCIAS 64 
 
 
APRESENTAÇÃO 
 
Caro aluno do EaD, 
 
Bem-vindo a essa nova modalidade de aprendizado. 
A Filosofia possui uma quantidade enorme de pensadores, incessantemente questionando, 
problematizando e confrontando idéias, destruindo e reconstruindo sistemas de pensamento. 
Atendendo ao caráter introdutório do curso, o objetivo é fornecer o panorama do 
pensamento filosófico desde o seu surgimento até os nossos dias. 
Estudaremos o nascimento da filosofia na Grécia Antiga e veremos, logo no início, a 
importância do pensamento filosófico no nosso cotidiano. Em seguida, passaremos a estudar as 
idéias de alguns dos mais significativos filósofos da Grécia Antiga, da Idade Média, da Era 
Moderna e, finalmente, identificaremos importantes filósofos contemporâneos. 
 Nosso ponto de chegada? Esqueça. Filosofar, como já dizia o filósofo alemão 
Karl Jaspers, é estar sempre a caminho. 
A nossa disciplina tem os objetivos seguintes: 
a- diferenciar a consciência mítica da consciência filosófica e identificar a importância 
do pensamento filosófico em nosso cotidiano; 
b- identificar os principais pensadores da filosofia antiga e medieval, destacando 
aspectos de suas teorias sobre política e conhecimento; 
c- identificar alguns filósofos do início da modernidade e contemporâneos, destacando 
aspectos de suas teorias sobre conhecimento e política. 
Antonio Carlos Banzato A. Santos 
 
5 
1 CONCEITOS BÁSICOS 
 
1.1 A CONSCIÊNCIA MÍTICA 
 
Quem nunca se perguntou se o mundo foi criado por uma mente superior ou se surgiu ao 
acaso? Estamos sós no universo? De onde viemos? Por que existimos? 
Quem nunca se espantou diante dos mistérios do mundo? A vida e a morte, os fenômenos 
da natureza ― às vezes belos, às vezes terríveis ― as estações do ano, a contínua alternância 
entre o dia e a noite, a infinitude do universo, a finitude dos seres vivos etc. É extensa a lista do 
espetáculo cotidiano que a natureza oferece aos nossos olhos, produzindo os mais variados 
sentimentos: medo, resignação, perplexidade, encantamento, incompreensão e outros. 
É bem verdade que o espantoso desenvolvimento do conhecimento científico nos últimos 
quatro séculos respondeu a diversas perguntas que pareceriam impossíveis de serem respondidas 
aos olhos dos antigos. Seria árduo e imenso o trabalho enumerar todas as magníficas descobertas 
científicas ocorridas desde a comprovação, no século XVII, de que a Terra gira em torno do Sol 
até as atuais e impressionantes descobertas da engenharia genética e da revolução informática. 
A ciência, porém, não responde a tudo. Diversas perguntas permanecem abertas, 
resguardando insondável mistério. E tudo aquilo que a ciência não consegue explicar 
racionalmente os seres humanos acabam por explicar miticamente. 
Se assim é com a nossa civilização ocidental, imagine agora os povos que nunca tiveram 
acesso àquilo que chamamos de conhecimento científico. 
Os habitantes da Grécia Antiga, do século XX ao século VIII antes de Cristo, assim como 
as tribos indígenas de todo o continente americano ― principalmente antes da chegada dos 
europeus ― são exemplos de culturas que têm na consciência mítica a forma de conhecimento 
predominante. 
6 
Sem acesso à medicina e à previsão meteorológica, por exemplo, qualquer doença ou 
qualquer fenômeno da natureza como enchentes, eclipses, falta de chuvas etc. são atribuídos aos 
deuses. 
E mesmo os rudimentares conhecimentos que, geralmente, esses povos têm sobre 
astrologia e sobre o poder de cura de certas ervas medicinais, são sempre marcados por rituais 
míticos. 
Os mitos, assim, expressam os temores e os desejos dos seres humanos em face do medo 
que as forças hostis da natureza lhes inspiram. Trata-se de uma forma de compreender a realidade 
e de conquistar, pelo menos provisoriamente, tranqüilidade e acomodação em um mundo 
assustador. 
O pensamento mítico, portanto, é a forma pela qual uma cultura passa e explicar aspectos 
essenciais da realidade. As perguntas sobre o funcionamento da natureza (que se mostra 
ameaçadora), a origem do mundo, a importância dos valores que modelam o comportamento do 
grupo etc. ganham uma resposta mítica, ou seja, uma resposta que apela ao sobrenatural, ao 
sagrado, à magia. Tudo aquilo que acontece aos homens é visto como fruto de uma vontade 
divina, exterior e superior ao mundo humano, e que apenas os magos ou sacerdotes são capazes 
de interpretar. 
 Podemos dizer, por isso, que o pensamento mítico tem algo de paradoxal, pois ao mesmo 
tempo em que fornece explicações e respostas a perguntas angustiantes, recorre nessas 
explicações ao misterioso e sobrenatural, ou seja, àquilo que permanece além da compreensão 
humana, esbarrando desse modo na impossibilidade do desenvolvimento do conhecimento 
racional. 
Outro traço importante das narrativas míticas é que elas não são "inventadas" por 
ninguém. Não possuem um autor assim como não têm uma origem cronológica precisa. Antes 
disso, são o resultado da tradição cultural de um povo que, na maior parte das vezes, é transmitida 
7 
oralmente. Trata-se, ainda, de uma consciência comunitária, compartilhada por todo o grupo que 
aceita a "verdade" do mito sem discussões ou comprovações racionais. 
É por isso, também, que o mito não pode ser reduzido a uma "mentira". Ou o indivíduo 
faz parte de uma determinada cultura e aceita seus mitos como visão de mundo ― e, portanto 
como "verdade" – ou o indivíduo não pertence ao grupo e o mito perde seu sentido. 
A discussão ou o questionamento dos mitos só é possível com o distanciamento do 
indivíduo em relação à visão de mundo que o mito representa e consagra. Mas para que isso 
aconteça é necessária a transformação da própria sociedade. Foi exatamente o que começou a 
acontecer num determinado período da Grécia Antiga, como veremos a seguir. 
 
1.2 O NASCIMENTO DA CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA: OS PRÉ-SOCRÁTICOS 
 
 A civilização micênica ― que se estendeu do século XX ao século XII a.C. ― era 
constituída por povos guerreiros que viviam do comércio e das pilhagens de guerras. Sua 
organização social era fortemente hierarquizada em torno da família real e da aristocracia 
palaciana, o que se refletia na hierarquia de suas divindades. Uma escrita chegou a ser 
desenvolvida nesse período, muito embora seu uso tenha se restringido aos escribas a serviço da 
família real. 
 Por volta do século XII a.C., como resultado das guerras desse período, a civilização 
micênica foi destruída e houve uma retração social: o comércio cedeu lugar à economia rural, o 
sistema escravista recrudesceu, a escrita desaparece. A vida reorganiza-se no isolamento de clãs 
e de pequenas aldeias tribais. O poder político passa a ser exercido por uma aristocracia 
proprietária de terras. 
 Contudo, a antiga unidade social, anteriormente encarnada pelo rei, se desfaz e a 
sociedade se torna lugar de desordem e de conflitos entre as diversas famílias aristocráticas e 
8 
entre a aristocracia e as camadas mais pobres da população.Muito da tradição mítica da civilização micênica se perde nesse período. Somente por 
volta do século IX ou VIII a.C. a escrita reaparece, resguardando porém um caráter sagrado. A 
Ilíada e a Odisséia, atribuídas a Homero, e a Teogonia, de Hesíodo (escrita no século VIII a.C.), 
são as maiores fontes do nosso conhecimento sobre os mitos gregos. Isso, como vimos acima, não 
significa que Homero ou Hesíodo tenham inventados os mitos. Na verdade, eles recolheram as 
narrativas míticas dos diversos povos que sucessivamente habitaram a Grécia desde a civilização 
micênica e as registraram em versos. 
 Lentamente, algumas transformações decisivas foram se impondo. A partir do século VIII 
a.C. já se nota o renascimento do comércio, que ganha maior impulso com a invenção da moeda. 
A escrita finalmente deixa de ser privilégio daqueles que detêm poder político ou religioso e, uma 
vez dessacralizada, isto é, desligada das questões míticas, cheias de fórmulas mágicas e 
inacessíveis ao não-iniciados, transforma-se em instrumento de divulgação de idéias, expandindo 
o debate social e político. As antigas aldeias se unem, obrigando as diferentes 
tribos e clãs a conviverem no mesmo espaço. Assim nasce a organização social, que é uma 
característica da pólis, a cidade-estado grega. 
 Se antes a estabilidade da vida social gravitava em torno da figura do "rei divino", que 
encarnava a vontade dos deuses, a vida na pólis adquire nova e decisiva característica, pois o 
centro da vida social passa a ser a ágora, isto é, a praça pública onde são realizadas as 
assembléias e onde, após ampla discussão e votação, são tomadas as decisões políticas sobre a 
vida da cidade. 
 Não há mais um rei e a aristocracia não manda sozinha. O acesso ao poder é estendido a 
todos aqueles que são considerados cidadãos, ou seja, os homens adultos que não são nem 
estrangeiros nem escravos. Ainda que em Atenas, considerada o modelo da antiga democracia, 
apenas cerca de 10% da população fosse de cidadãos, é inegável a novidade política nascente: a 
9 
aristocracia hereditária, os comerciantes, as camadas mais pobres da população se vêem 
indistintamente com direito de participar de discussões públicas e de votar, decidindo 
politicamente sobre o futuro da cidade. 
 Em suma, junto com a pólis está nascendo a democracia, que se constrói no frágil 
equilíbrio entre as várias camadas sociais que habitam a mesma sociedade. E mais importante 
ainda: a política e o governo aparecem pela primeira vez na história como criação da vontade 
humana. O destino, que antes era traçado inexoravelmente pela vontade dos deuses, passa a ser 
responsabilidade dos cidadãos. Finalmente, as leis que regem o convívio social não são mais 
tabus, não é mais expressão da consciência mítica, mas sim o resultado impessoal de uma decisão 
coletiva, tomada abertamente após a discussão em praça pública. Todas essas mudanças 
contribuem de modo decisivo para o desenvolvimento do pensamento racional. A ágora é, por 
excelência, o espaço do logos, ou seja, da razão, do discurso, da palavra. A decisão sobre os 
assuntos públicos passa a depender, afinal, da capacidade de persuasão do orador e não da sua 
condição social ou econômica: vence quem sabe convencer melhor e, para tanto, é preciso 
valer-se de uma boa exposição de idéias. 
 Podemos dizer que a política finalmente torna-se laica, ou seja, assunto dos homens e não 
dos deuses. 
 É, pois, nesse ambiente de racionalidade que surgem os primeiros filósofos. 
 Diante das inevitáveis perguntas que o ser humano sempre se fez sobre a origem do 
universo, da natureza, da vida, os primeiros filósofos não se contentam com as explicações 
oferecidas pelo pensamento mítico. 
 A palavra grega physis, que é a origem etimológica de Física, é geralmente traduzida por 
natureza. Seu significado, porém, é mais amplo e refere-se ao processo de nascimento, 
crescimento e transformação da natureza. 
 Quem indaga sobre a physis, indaga sobre o princípio ou fundamento de todas as coisas, 
10 
que os gregos chamavam de arché: haverá um princípio único que ordene todas as coisas do 
mundo? 
 A resposta a essa pergunta, oferecida por Hesíodo em sua Teogonia, expressa, ainda, a 
consciência mítica: ele narra o nascimento do mundo e dos deuses; as forças da natureza são 
divinizadas e ganham contornos humanos: a Terra é Gaia; o Céu é Urano; o Tempo é Cronos etc. 
Esses seres nascem ora pela segregação, ora pela intervenção de Eros, responsável por aproximar 
os opostos. 
 Os primeiros filósofos, porém, insatisfeitos com as explicações míticas, foram buscar 
uma explicação natural ― e não sobrenatural ― para o princípio de todas as coisas. A chave 
para a compreensão da arché estaria, portanto, na própria natureza e não, em algo fora do mundo, 
preso a uma realidade misteriosa e inacessível. A realidade, dessa forma, se abre à possibilidade 
do conhecimento e de explicações racionais. Isso dá origem ao pensamento 
filosófico-científico. Os filósofos opõem a Cosmologia à Cosmogonia dos mitos, 
 Ainda que muito dos escritos pré-socráticos tenham se perdido, restando apenas 
fragmentos e citações de filósofos posteriores, sabemos que essa nova forma de pensar nasce por 
volta do século VI a.C., na Jônia, que era uma colônia fundada na costa asiática da Grécia, atual 
Turquia, mais especificamente na cidade de Mileto, que experimentava, então, grande 
florescimento comercial e cultural. Mileto havia se transformado em centro cosmopolita onde 
conviviam culturas distintas. É possível, assim, que as diversas e contrastantes tradições míticas 
tenham levado os primeiros filósofos à relativização dos mitos. 
 Tales, nascido em Mileto, é considerado o primeiro filósofo. Ao recusar a explicação 
mítica, ele afirma que o princípio da physis é a água. Todo o universo e toda a natureza teriam se 
originado desse elemento, sendo possível encontrá-la em tudo aquilo que está vivo. É relevante, 
também, o caráter crítico do pensamento de Tales: diz-se que ele não só admitia como estimulava 
seus discípulos a desenvolverem outros pontos de vista, adotando, se possível, outros princípios 
11 
explicativos. Seu discípulo Anaximandro e, depois, Anaxímenes e Heráclito são os mais 
importantes filósofos pré-socráticos da Jônia. 
 No transcorrer dos séculos VI e V a.C., o pensamento filosófico se difunde na Grécia. 
Pitágoras de Samos funda uma escola em Crotona, no sul da Magna Grécia (atual Itália). 
Xenófanes, Parmênides e Zenão representam a cidade de Eléia, também na Magna Grécia. 
Leucipo e Demócrito são de Abdera; Anaxágoras é de Clazomenas; Empédocles, de Agrigento. 
 A denominação filósofos pré-socráticos é, ao mesmo tempo, cronológica e temática. 
Cronológica porque grande parte desses filósofos viveu antes de Sócrates, considerado um marco 
da filosofia; temática porque sua principal característica é a tentativa de explicação racional da 
origem do universo: seu objeto de reflexão é a physis. 
 Em resumo: há uma ruptura entre a consciência mítica e a filosofia nascente. Ao contrário 
do que acontece com a explicação mítica, que é aceita pelo indivíduo sem questionamentos, a 
explicação filosófica é problematizadora e convida à discussão. Desse modo, abre-se espaço para 
a divergência e para o debate. Se Tales afirma que o elemento primordial de todas as coisas é a 
água, Anaxímenes afirma que é o ar. Demócrito, por sua vez, sustenta que é o átomo. Empédocles 
diz que são os quatro elementos: terra, ar, água e fogo. E assim sucessivamente. 
 Em oposição à figura do sábio religioso, que detém a verdade do conhecimento mítico, os 
gregos inventam a figura do filósofo. Observa-se aí uma diferença de atitude diante do saber 
recebido: no mito, a inteligibilidade é dada; na filosofia ela é procurada. 
 O filósofo, portanto, não é o dono da verdade, mas aquele que sai em sua busca, ou, como 
diria Pitágoras, é o amigo (philos)do saber (sophia), daí a origem do próprio termo filosofia: 
philos + sophia. 
 
 
 
12 
1.3 A FILOSOFIA DE VIDA E O RIGOR DO PENSAMENTO FILOSÓFICO 
 
 Como definir Filosofia? Qual sua utilidade no nosso dia-a-dia? Qual sua importância para 
todos aqueles que não são filósofos e não fazem do pensamento filosófico um modo de vida? 
Essas são algumas perguntas freqüentes entre os estudantes de qualquer faculdade. 
 Ao invés, porém, de se abrirem para o novo, é também significativa a parcela de alunos 
que resolve se proteger da filosofia afirmando, do fundo da sua caverna, que ela é muito 
subjetiva; é uma viagem incompreensível; não serve para nada que se relacione à vida prática. 
 Antes, portanto, de começarmos a estudar alguns dos mais importantes filósofos desde a 
Antigüidade até nossos dias, vamos procurar responder às questões acima e desfazer os 
preconceitos mais comuns que abalam a já restrita popularidade da filosofia. 
 Para Kant não é possível aprender o que é a Filosofia, só é possível aprender a filosofar. 
Merleau-Ponty, por sua vez, afirma que filosofar é reaprender a ver o mundo. Segundo Gramsci, 
"não se pode pensar em nenhum homem que não seja também filósofo, que não pense, 
precisamente porque pensar é próprio do homem". 
 André Comte-Sponville, finalmente, arrisca: "filosofar é pensar sua vida e viver seu 
pensamento", e arremata: a filosofia é "uma prática teórica (mas não-científica), que tem o todo 
por objeto, a razão por meio e a sabedoria por fim. Trata-se de pensar melhor, para viver melhor". 
 Quem nunca parou para pensar: como devo viver? 
 Eis aí uma pergunta filosófica da maior relevância, ligada ao cotidiano de qualquer ser 
humano. Se você às vezes se faz essa pergunta e procura respondê-la de um modo inteligente 
está, bem ou mal, filosofando. Por que você resolveu fazer um curso universitário? Por que optou 
por este curso e não por outro? Por que a Unisa? Por que resolveu cursar a disciplina Filosofia 
pela Internet? 
 Por detrás dessas escolhas estão os seus critérios e os seus valores que, suponho, foram 
13 
ponderados, pesados, avaliados até que você chegasse à sua decisão. Refletir sobre esses valores, 
procurar justificá-los racionalmente, é uma forma de filosofar. Pensar a sua vida não é viver de 
modo egoísta ou essencialmente introspectivo, mas pensá-la onde ela é vivida: na sociedade, na 
história, no mundo. Viver seu pensamento é, na medida do possível, agir com autonomia ao invés 
de sujeitar-se passivamente ao fluxo dos acontecimentos. 
 Para que serve então a Filosofia? 
 Para aprimorar a reflexão crítica, inerente a todo e qualquer ser humano! Pensar melhor, 
para viver melhor! A esse pensamento crítico chamamos "filosofia de vida". Trata-se mais de 
uma atitude do que de uma erudição. 
 É isso o que eu procuro fazer na minha vida. 
 É isso o que você pode fazer na sua! 
 Basta coragem e disposição. 
 Por que coragem? Ora, lembre-se dos pré-socráticos: eles rejeitavam as explicações 
míticas em voga na sua época. Isso quer dizer que ousavam questionar aquilo que para a maioria 
das pessoas era uma verdade absoluta, uma certeza, um dogma. Certamente encontravam muita 
resistência o que, convenhamos, nem sempre é fácil de suportar (Sócrates que o diga!). Há, 
porém, diferenças relevantes entre a filosofia de vida e o pensamento dos filósofos especialistas. 
Enquanto a filosofia de vida não exige rigor ― muito embora exija sempre espírito crítico! ―, a 
Filosofia propriamente dita se manifesta como um gênero à parte. 
 O iniciante, às vezes, assusta-se com a linguagem dos filósofos. E alguns deles, 
principalmente a partir da modernidade, são de fato difíceis. Mas como tantas outras disciplinas, 
a filosofia também tem o seu rigor próprio, o seu jargão, os seus conceitos. 
 Em filosofia, o uso preciso da linguagem é decisivo: é assim que os filósofos fogem da 
ambigüidade e evitam a subjetividade não de seu ponto de vista, mas de como o expressam. 
 O filósofo, portanto, está acostumado a pensar com maior rigor lógico e de um modo mais 
14 
sistemático que as pessoas comuns, além de conhecer a história e o desenvolvimento do 
pensamento. Esse conhecimento teórico, todavia, é apenas uma parte do filosofar. Ao eleger a 
dúvida como elemento desencadeador do processo crítico, a Filosofia se caracteriza como 
conhecimento instituinte, capaz de questionar sempre e infinitamente o saber instituído, 
provocando abalos e mudanças. 
 A Filosofia trai a si mesma quando estanca em verdade inquestionável, afinal ela é a 
procura da verdade, não a sua posse. Por isso, como diz Jaspers, filosofar é estar a caminho: 
perguntas em Filosofia são essenciais, e cada resposta transforma-se numa nova pergunta. 
 É por isso que ao estudar os clássicos precisamos tomar cuidado. Ler Filosofia não é 
assimilar passivamente as idéias dos grandes filósofos como se fossem um produto pronto e 
acabado; isso sim seria erudição estéril. Ler bem é ler antropofagicamente: só assim poderemos 
nos aproximar da Filosofia como processo, como reflexão crítica e autônoma da realidade vivida. 
O objeto da Filosofia? O todo. Isso não significa que todos os filósofos pensem sobre todos os 
assuntos possíveis. Mas qualquer assunto possível pode ser o objeto de estudo de um filósofo. E, 
sob uma perspectiva de conjunto, a Filosofia relaciona-se interdisciplinarmente com todas as 
formas do saber e agir humanos. 
 Os filósofos, assim, podem ter como objeto de estudo o conhecimento, a política, a ética, 
a ciência, a religião, o direito, a justiça, os valores, o próprio ser humano etc. 
 E já que falamos em ciência, convém, aqui, abrir um parêntese. A partir do século XVII, 
com a revolução metodológica iniciada por Galileu Galilei, a Filosofia e a Ciência, que até então 
andavam juntas, separam-se. Começa a nascer aí a noção moderna de conhecimento científico. 
Aos poucos vão se firmando as ciências particulares ―física, astronomia, química, biologia, 
psicologia, sociologia, economia etc. ―, cada uma delas com sua metodologia própria de estudo. 
A Ciência, assim, faz "recortes" do real e tende cada vez mais à especialização, ao saber 
fragmentado, ao estudo da parte e não do todo. Além disso, a Ciência está preocupada em fazer 
15 
juízos de fato, ou seja, pretende descobrir como os fenômenos ocorrem, quais suas relações e 
como prevê-los. Os resultados das investigações científicas se pretendem, por isso, impessoais e 
objetivos, tendendo à verificabilidade e à uniformidade das conclusões. 
 A Filosofia, por sua vez, não renuncia ao ponto de vista da totalidade. Enquanto as 
ciências se especializam, a Filosofia levanta problemas cujas respostas exigem a capacidade de 
relacionar diversos aspectos do contexto no qual está inserido. Enquanto os cientistas se limitam 
a fazer juízos de fato, os filósofos resgatam a dimensão dos juízos de valor e, com isso, julgam o 
valor do conhecimento, preocupando-se não apenas em saber como é a experiência vivida, mas 
também como deveria ser. 
 
1.4 DOGMATISMO, SENSO COMUM E PENSAMENTO IDEOLÓGICO 
 
 Vamos, afinal, admitir que a Filosofia não é uma atividade apenas para iniciados. Muito 
pelo contrário: a filosofia de vida é condição para a autonomia intelectual de qualquer ser 
humano. Somente por meio dela questionamos as verdades sedimentadas e alteramos o rumo de 
nossa própria existência. 
 Isso, porém, não é fácil. Há diversos obstáculos que impedem grande parte das pessoas de 
abandonarem suas pequenas certezas e suas cômodas verdades. O dogmatismo, o senso comum e 
o pensamento ideológico são alguns desses obstáculos. Vejamos cada um deles. 
 O termo dogma possui diversas perspectivas. Vejamos algumas delas: 
 o dogma mítico-religioso é uma verdade indiscutível que a razão não precisa explicar; 
 o dogma valorativo deriva da falta de capacidade de um indivíduo de colocar em xeque seus 
próprios valores, que passam a ser consideradosuniversais; 
o dogma político é a maior ameaça às democracias. 
 Menos intransigente que o dogmatismo, o senso comum é o conhecimento que herdamos 
16 
pela tradição e ao qual acrescentamos os frutos da experiência vivida na coletividade a que 
pertencemos. Trata-se de um conjunto de valores e idéias mais ou menos compartilhados 
socialmente e que nos permite interpretar a realidade e agir. O problema, porém, é que o senso 
comum não é resultado da reflexão e pode encontrar-se misturado a crenças e preconceitos. Como 
primeiro nível de conhecimento é ainda ingênuo, não-crítico, fragmentário, assistemático e 
incoerente, levando, muitas vezes, à ação conservadora e resistente às mudanças. O senso 
comum, todavia, pode ser superado não apenas pelas formas mais rigorosas do conhecimento 
como a Ciência e a Filosofia, mas também pelo exercício da filosofia de vida. 
 O pensamento ideológico, finalmente, se apresenta muitas vezes como um discurso 
aparentemente mais bem elaborado do que o dogmatismo e do que o senso comum, por isso 
exigirá de nós um atenção um pouco mais detalhada. 
Já vimos que, em Filosofia, um conceito é uma construção que só faz sentido no interior de uma 
teoria, perdendo seu sentido quando indevidamente transportado para outra teoria. Assim, dois ou 
mais filósofos podem utilizar-se da mesma palavra para construir conceitos absolutamente 
distintos. É exatamente isso o que acontece ― ou aconteceu - com a ideologia. 
 No início do século XIX, certa corrente filosófica chamou de ideologia a "ciência das 
idéias" ou a "ciência das ciências". Mas esse sentido caiu totalmente em desuso: ninguém, hoje 
em dia, defende a viabilidade de uma ciência das ciências. 
 Já no uso cotidiano, chamamos de ideologia a nossa opinião ou posicionamento sobre 
determinado assunto. É assim que falamos em ideologia de esquerda ou de direita, em ideologia 
libertária ou repressora, em ideologia democrática ou bélica. Pense, por exemplo, na reeleição de 
George W. Bush à presidência dos Estados Unidos: sua campanha política foi toda marcada pela 
ideologia da guerra como forma de combate ao terrorismo. 
 Há décadas, porém, a palavra é utilizada pela maioria dos intelectuais, das mais diversas 
áreas, em seu sentido marxista. Para entender isso, é preciso esquecer os dois sentidos acima 
17 
mencionados. 
 A ideologia, afinal, é um conjunto de idéias (compostas por valores, princípios, crenças) 
que se explicam por suas condições históricas, Ou seja, as idéias que compunham a mentalidade 
feudal eram diferentes daquelas que compõem a sociedade capitalista. Da mesma forma, há 
diferenças entre a mentalidade da época da revolução industrial e a da revolução informática. 
 Podemos dizer, portanto, que o discurso ideológico nunca é fruto da autonomia do 
pensamento, mas resultado de circunstâncias históricas que modelam ― inconsciente e 
acriticamente ― os valores e a visão de mundo daquele que fala. O sujeito sequer chega a 
perceber quais são os seus próprios valores, limitando-se a repetir como se fossem suas ―e como 
se fossem naturais e universais ― as idéias que, na verdade, compõem um pensamento social 
localizado no tempo e no espaço. 
 Outro traço importante da ideologia é que ela reflete os valores da classe ou do segmento 
social dominante. A força do discurso ideológico consiste na capacidade de transformar em 
"universais" os valores que, no fundo, não passam de interesses particulares de um grupo 
específico. Assim, tanto dominados quanto dominadores incorporam o discurso e acreditam nele, 
não percebendo as lacunas que existem no discurso e que ocultam a maneira pela qual a 
realidade social foi produzida. 
 Isso faz da ideologia não um conhecimento falso, mentiroso ou delirante, mas sim 
ilusório. Ou seja: o discurso ideológico não é uma mentira que alguém inventa deliberadamente 
com a oculta intenção de manter os seus privilégios, tampouco se confunde com um delírio se o 
entendemos como um pensamento desgarrado do real (e portanto falso) e, ao mesmo tempo, 
individual, singular, enclausurado em si mesmo. Um delírio, porém, transforma-se numa crença 
quando adquire a força de mover e comover todo um grupo. A crença, finalmente, pode 
engendrar discursos ideológicos, não em função de sua validade ou falta de validade, mas de sua 
capacidade de controlar comportamentos coletivos, reforçando crenças e estereótipos. 
18 
 
2 FILOSOFIA ANTIGA E MEDIEVAL 
 
2.1 A RETÓRICA DOS SOFISTAS E AS PERGUNTAS DE SÓCRATES 
 
 A cidade de Atenas, no século V a.C., encarna o auge da antiga democracia. Isso não é 
pouco, principalmente se lembrarmos que no século XII a.C. a civilização micênica foi destruída 
e, como resultado, o comércio e a escrita desapareceram, o sistema escravista recrudesceu e a 
economia, controlada por uma aristocracia proprietária de terras, voltou a ser fundamentalmente 
rural. Somente no século VIII a.C., na transição dos tempos homéricos para o período arcaico, é 
que o antigo mundo rural e aristocrático, assentado em tribos e clãs familiares, irá ceder espaço 
para as primeiras aglomerações urbanas. 
 Com a lenta formação das pólis assiste-se, concomitantemente, ao renascimento do 
comércio. Uma vez enriquecidos, os comerciantes passam a defender seus interesses que, muitas 
vezes, se opõem aos da aristocracia. Após algumas importantes reformas políticas será, 
finalmente, implantada a democracia. Esse novo contexto social e político é fundamental para 
entender o pensamento de Sócrates e a atividade dos sofistas. Com eles, houve uma significativa 
mudança no teor das indagações filosóficas. Enquanto os pré-socráticos perguntava-se sobre a 
formação e a transformação da natureza (physis), buscando respostas racionais a essas questões 
(cosmologias), Sócrates é o primeiro filósofo a eleger problemas éticos e políticos como tema 
central de seus questionamentos, deslocando o objeto da filosofia da natureza para o próprio 
homem e para a comunidade em que vive. Nesse exercício, irá divergir dos sofistas. 
 O termo sofistas deriva de sophos, que significa originalmente "sábios". Como, porém, 
Sócrates e, mais tarde, Platão e Aristóteles criticaram duramente os sofistas, o termo acabou 
adquirindo uma conotação pejorativa. Tanto é que chamamos de sofisma o argumento que, 
19 
embora falso, possui a aparência da verdade e, portanto, o poder de induzir o outro ao erro. O 
sofista, nessa visão pejorativa, é o charlatão que tem por hábito - e por habilidade - construir 
argumentos com erros voluntários a fim de enganar ou embaraçar seu interlocutor. 
 Hoje em dia, porém, a tendência é reconhecer a importância que os sofistas tiveram na 
história da filosofia. Foram eles, afinal, que justificaram o ideal democrático do século V a.C., 
elaborando teorizações que interessavam à nova classe dos comerciantes. 
 Muito embora não tenham constituído uma "escola de pensamento" (pois divergiam muito 
entre si), os sofistas tinham algo em comum: eram estrangeiros (e portanto não eram 
considerados cidadãos de Atenas), não descendiam da aristocracia e não pertenciam a famílias de 
comerciantes enriquecidos. Para sobreviver, davam aulas e cobravam por isso. Ou seja, 
transformaram o seu saber em ofício, o que causou espanto para os padrões da época. Não foram 
poucos os que acusaram os sofistas de "mercenários do saber". A busca pela verdade - 
argumentavam seus detratores - não poderia se submeter aos interesses daquele que paga, 
exigindo como condição a independência. 
 A contribuição dos sofistas, todavia, reside no fato de terem sistematizado o ensino, 
formando um currículo de estudos que incluía, entre outros pontos, a gramática, a retórica e a 
dialética. Tais estudos vinham ao encontro das exigências práticas do cidadão de uma sociedade 
democrática: para convencer não basta dizer o que se considera verdadeiro, é preciso 
demonstrá-lo pelo raciocínio. E para demonstrá-loé preciso falar bem, é preciso persuadir. 
 Preocupados com a coerência lógica e com o rigor dos argumentos, e dando mais 
importância à forma da exposição do que ao próprio conteúdo, os sofistas se encarregam de 
iniciar os jovens na arte da retórica: instrumento que se torna indispensável na assembléia 
democrática. 
 Se os sofistas preocupavam-se mais com a forma do que com o conteúdo dos argumentos, 
isso não se devia a uma falha de seu caráter. Sua intenção não era mentir deliberadamente, não 
20 
era enganar o interlocutor (ou, pelo menos, isso não se aplica à maioria dos sofistas e se 
eventualmente ocorreu foi uma exceção). 
 Antes disso, os sofistas compartilham a idéia de que não há no mundo um único princípio 
que a tudo comande. Para eles, tudo resulta de convenções, inclusive os valores e a própria 
verdade. Quando Protágoras ― considerado o primeiro sofista ― afirma que o homem é a 
medida de todas as coisas está querendo dizer que se existe um consenso entre os homens, este 
resulta da convenção. 
 A verdade, portanto, é vista como resultado de uma construção humana e não como a 
descoberta de algo absoluto. 
 Sócrates (470-399 a.C.) nada deixou escrito. Tudo o que sabemos dele se deve aos relatos 
de seus discípulos, sendo Platão o mais importante de todos. Pela análise desses escritos, porém, 
é possível identificar alguns dos mais importantes traços da filosofia socrática. 
 Os sofistas, como acabamos de ver, ensinavam a arte da retórica, ou seja, ensinavam o 
orador a expor seu ponto de vista com coerência e brilhantismo a fim de convencer seus 
interlocutores de que realmente tinha razão (o que, aliás, continua sendo útil em se tratando de 
assuntos políticos e jurídicos). 
 Sócrates, por sua vez, faz exatamente o contrário: desenvolve um método de destruição 
das certezas e das convicções. Está preocupado em descobrir a essência das coisas e seu primeiro 
passo é admitir que não as conhece. É portanto um ignorante da essência que procura descobrir. 
Sua famosa frase "só sei que nada sei" é o ponto de partida para a procura, para a pesquisa. 
Sócrates resolve, então, interrogar todos aqueles que se consideram sábios. Porém, com suas 
hábeis e irônicas perguntas, põe a nu a ilusão do conhecimento, revelando que as pessoas se 
passam por sábias sem de fato o serem. Sua habilidade questionadora nada mais é do que uma 
imensa capacidade de colocar em xeque as crenças, os dogmas, as opiniões e o senso comum de 
seus interlocutores. 
21 
 Essa fase inicial da investigação socrática tem por objetivo demonstrar que o nosso 
primeiro nível de conhecimento ― que é prático, intuitivo e imediato ― se revela muitas vezes 
insuficiente e inadequado, sendo possível aprimorá-lo e aperfeiçoá-lo por meio da reflexão. O 
aprimoramento da reflexão, por sua vez, dá-se por meio daquilo que Sócrates chamou de 
maiêutica. Não se assuste com essa palavra grega que significa literalmente "a arte de fazer o 
parto". Filho de uma parteira, Sócrates fez uma simples analogia entre o seu ofício e o ofício da 
mãe. Assim como ela ajudava outras mulheres a darem à luz uma criança, ele ajudava outros 
homens a darem à luz suas próprias idéias. 
 Sócrates, com isso, quer reforçar que não é dono da verdade: ao destruir a ilusão do 
conhecimento de seu interlocutor, não aponta onde está o conhecimento verdadeiro (que ele 
também ignora). Apenas aponta para a deficiência do conhecimento do outro, estimulando-o a 
aprimorar suas próprias reflexões por meio da dialética, isto é, pela discussão no diálogo. Ou 
seja, o papel do filósofo não é transmitir um saber pronto e acabado. 
 Não podemos concluir daí que Sócrates aceita qualquer ponto de vista e que toda e 
qualquer opinião deve ser respeitada. A filosofia, para Sócrates, nada tem a ver com o exercício 
da subjetividade do indivíduo. Antes disso, Sócrates (ao contrário dos sofistas), preocupa-se em 
descobrir um conhecimento que seja universal. Dessa preocupação, decorre a importância 
fundamental do conceito. 
 Somente o exercício intelectual que leva à definição de um conceito poderia exprimir a 
essência ou a natureza de uma coisa, aquilo que a coisa é verdadeiramente. Para Sócrates, não 
bastam exemplos do que é ser corajoso ou do que é ser virtuoso. Ele quer saber o que é a coragem 
ou a virtude em si mesmas. 
 Não foi por outro motivo que Sócrates tanto criticou os sofistas. Argumentava que as 
decisões políticas nas assembléias estavam sendo tomadas não com base em um saber, mas por 
influência dos mais hábeis em retórica, que poderiam não ser os mais sábios ou virtuosos. 
22 
 Sua postura de incansável perguntador rendeu-lhe, porém, diversos inimigos: os 
poderosos, afinal, não gostavam nem um pouco de se verem expostos em sua ignorância. Resumo 
da ópera: foi acusado de corromper a juventude e de ensinar crenças contrárias à religião do 
estado e, num julgamento político e injusto, foi condenado à morte. 
 Curiosamente a execução de Sócrates, quando ele contava 70 anos, coincide com a 
decadência da democracia ateniense, enfraquecida por intrigas, conspirações, corrupção e por 
uma crise de valores políticos e morais. 
 
2.2 PLATÃO E O MUNDO DAS IDÉIAS 
 
 Platão (428-347 a.C.) era um jovem de 29 anos quando Sócrates foi executado. A 
decepção com o regime democrático que, já em declínio, acabou por condenar seu mestre à 
morte, irá transparecer em toda a sua obra. 
 O verdadeiro nome de Platão era Arístocles. Ateniense de família aristocrática, recebeu o 
apelido pelo qual ficou famoso por ter os ombros largos (os ossos que formam os ombros 
chamam-se omoplatas). 
 Fiel a Sócrates, Platão compra a briga com os sofistas e continua denunciando aquilo que 
acredita ser o falso saber dos homens, principalmente no que se refere aos valores humanos. 
Desiludido, porém, com a democracia, afasta-se da participação política e elabora aquilo que viria 
a ser considerada a primeira grande sistematização do pensamento filosófico. 
 Enquanto os sofistas defendiam que a verdade era fruto da convenção humana e 
ensinavam os homens a defender com brilhantismo qualquer ponto de vista, Sócrates ― 
preocupado em descobrir a essência das coisas ― se empenhava na produção de um "saber 
negativo", isto é, destruía a ilusão do saber, levando seus interlocutores a admitir que não 
conheciam a essência daquilo sobre o que falavam. Em suma: levava-os a reconhecer que não 
23 
sabiam coisa alguma. 
 Platão, contudo, dá um passo além de seu mestre e ousa elaborar um "saber positivo", 
capaz de garantir a certeza do conhecimento e, conseqüentemente, de orientar a ação ética e 
política. 
 Vejamos, então, algumas das perguntas que Platão procura responder: 
Como podemos conhecer a realidade? Qual o método, quer dizer, qual o caminho capaz de 
garantir que o conhecimento é válido e verdadeiro? 
Quais são os instrumentos mais adequados de que dispomos para chegar ao conhecimento: os 
sentidos ou a razão? 
O que queremos conhecer: o mundo material, mutável, perecível ou a realidade superior, a 
essência eterna e imutável? 
 Finalmente: é possível conhecer a realidade, o mundo tal qual ele é? 
 Para responder a essas questões, Platão preocupa-se desde o início com a clareza: é 
preciso criar definições, é preciso estabelecer com precisão o significado do que se diz, o 
significado das palavras, é preciso, em suma, criar conceitos. 
 O método que Platão utilizou para criar conceitos foi a dialética. 
 A dialética, portanto, responde à primeira pergunta: é o método platônico de superação da 
opinião (em grego, doxa). E qual o problema da opinião? É que ela expressa um ponto de vista 
baseado num juízo insuficiente (tenha-se ou não consciência dessa insuficiência). É mais uma 
crença do que um conhecimento, ou, se preferir, é um conhecimento falso, preconceituoso, sem 
um fundamento sólido. 
 Os sofistas ― critica Platão ― defendem sem pudor qualquer pontode vista, isto é, 
qualquer opinião. Mas Platão não quer se limitar às opiniões: elas são múltiplas e podem variar 
de indivíduo para indivíduo. Ademais, algumas de nossas opiniões decorrem dos sentidos que, 
muitas vezes, nos enganam. 
24 
 O conhecimento verdadeiro, por sua vez, é aquele que corresponde à essência das coisas, 
é o único apto a responder o que é algo. Deve ser, portanto, universal, aceito por todos 
independentemente de origem, classe, função ou interesses individuais. Esse conhecimento é 
chamado por Platão de ciência (ou, em grego, episteme). 
 A admirável novidade expressa pelo pensamento de Platão é que ele não adota como 
ponto de partida do seu sistema filosófico nenhuma revelação externa, nenhuma autoridade 
divina nem algo que seja sobrenatural. Antes disso, parte da própria opinião, submetendo-a 
porém a um reexame crítico (lembre-se da dialética). Em seguida, leva às últimas conseqüências 
o discurso reflexivo, isto é, o discurso capaz de se voltar sobre o próprio discurso, preocupado em 
justificar-se e legitimar-se a si mesmo, chegando finalmente à verdade pela clareza, pela razão. 
A filosofia se converte, assim, numa análise crítica dos fundamentos, do discurso legitimador do 
conhecimento como "posse de uma representação correta do real". 
 Com isso respondemos a segunda questão: a razão é mais refinada do que os sentidos para 
chegar ao verdadeiro conhecimento. Se você reparar respondemos também a terceira questão: o 
mundo material é mutável, é o mundo das opiniões e dos sentidos sujeitos ao engano, é o mundo 
do falso conhecimento dos sofistas; o mundo superior, das essências, por sua vez, é o que Platão 
almeja conhecer pela razão. 
 E como, afinal, é possível conhecer a realidade, o mundo tal qual ele é? Para responder, 
Platão desenvolve a teoria das idéias. Teoria, nesse contexto, significa a capacidade de ver a 
"natureza essencial" das coisas em seu sentido eterno e imutável; é, pois, o caminho para 
conhecer a verdade. A "natureza essencial" de alguma coisa, por sua vez, corresponde àquilo que 
Platão chama de "idéia". 
 Na alegoria da Caverna, Platão faz uma metáfora: o mundo no interior da caverna 
corresponde ao mundo sensível, isto é, ao mundo mutável dos fenômenos, da multiplicidade e do 
movimento. É um mundo ilusório e sujeito ao engano: pura sombra do verdadeiro mundo. 
25 
 Os homens que passam entre a fogueira e os prisioneiros carregando objetos cujas 
sombras se projetam no fundo da caverna, criando a ilusão de que a projeção é a própria 
realidade, são os sofistas e os políticos atenienses que manipulam as opiniões dos homens 
comuns. 
 Finalmente, aquele homem que se liberta e sai da caverna é o filósofo. O mundo externo é 
a metáfora do mundo inteligível ou mundo das idéias, ou, ainda, se você preferir, mundo das 
essências. A teoria filosófica é o único caminho para depuração dos sentidos que permite ao 
homem aproximar-se da contemplação das essências imutáveis. Para Platão, as idéias são as 
únicas verdades. O mundo dos fenômenos em que vivemos, portanto, é apenas a cópia do mundo 
superior. Um exemplo. Há diversos tipos de abelhas: grandes, pequenas, amarelas, negras etc. 
Mas essas variações só existem no mundo sensível, que é mutável e múltiplo. A essência ou idéia 
da Abelha, porém, é una, única, imutável e faz parte do mundo das idéias. 
 Como é possível, contudo, ultrapassar a fronteira que separam esses dois mundos? Platão, 
para justificar tal dualismo, elabora a teoria da reminiscência, na qual supõe que o puro espírito já 
teria contemplado o mundo das idéias, mas tudo esquece quando se degrada ao se tornar 
prisioneiro do corpo, nascendo em nosso mundo. Assim, conclui Platão, conhecer é lembrar. A 
função dos sentidos, por sua vez, é despertar a alma para as lembranças adormecidas. 
 Antes de encerrarmos, chamo a atenção para um detalhe importante. Na alegoria da 
caverna, o filósofo que se aproximou do mundo das idéias volta, em seguida, ao mundo sensível. 
Que conclusões podemos tirar disso? Como vimos no início, as corrupções que marcaram o 
declínio da democracia ateniense e a execução de Sócrates produziram em Platão uma enorme 
decepção levando-o a afastar-se da política. Esse afastamento, no entanto, não foi definitivo. Para 
Platão, a prática filosófica representa o "abandono provisório" do mundo sensível e a busca do 
mundo das idéias: se não temos condições da avaliar com clareza e eficácia a nossa prática 
quando nelas estamos imersos, é preciso romper com ela, olhá-la de outra esfera, avaliá-la de 
26 
longe para, somente depois, retornar com maior clareza. 
 Com a filosofia, é certo, Platão enfatiza a teoria, mas não deixa que ela se transforme num 
fim em si mesmo, colocando-a à serviço de uma aplicação prática, baseada em princípios que vão 
além do imediato, da opinião. A filosofia se converte, desse modo, em condição racional da ação, 
conservando um interesse prático muito claro: a dimensão ética e política da existência humana. 
O filósofo, portanto, é, para Platão, aquele que sai da "caverna", mas não esquece o compromisso 
de retornar para alterar as relações humanas, conduzindo-as o mais próximo possível da verdade. 
A caverna, afinal, apesar de inferior, é o próprio mundo humano. 
 Platão, finalmente, manifesta-se contrário à democracia, pois entende que o povo será 
sempre manipulado e enganado pelos políticos. A opinião, por mais equivocada que seja, parece 
a expressão da verdade quando bem defendida por um hábil orador e, assim, faz prevalecer 
interesses particulares em detrimento de interesses comuns. 
 A tirania (governo violento e arbitrário) e a oligarquia (governo de uma minoria poderosa) 
também são rejeitadas, pois além de não garantirem decisões sábias, representavam uma volta 
indesejada ao passado. 
 Como solução, Platão defende a construção de uma "sofocracia" (sophos, como já vimos, 
significa saber; krátos é governo; sofocracia é, literalmente, governo dos sábios). Nesse caso, 
sábios são os próprios filósofos que saem da caverna e, quando voltam, devem transformar-se nos 
governantes dos homens comuns, vítimas do conhecimento imperfeito. Ou, nas palavras do 
próprio Platão: "Os males não cessarão para os homens antes que a raça dos puros e autênticos 
filósofos chegue ao poder" (Carta VII). 
 Na sociedade imaginada por Platão, a família e a propriedade deveriam ser eliminadas e a 
educação ficaria a cargo do Estado. As funções sociais de cada indivíduo seriam decididas de 
acordo com suas aptidões. Assim, os indivíduos com "alma de bronze", isto é, de sensibilidade 
mais grosseira, cuidariam da subsistência da cidade, dedicando-se ao artesanato, ao comércio e à 
27 
agricultura. 
 Os indivíduos com "alma de prata", considerados os mais corajosos, cuidariam da defesa 
da cidade. Por fim, os indivíduos com "alma de ouro" seriam instruídos na arte de pensar a dois, 
isto é, na arte de dialogar. Estudariam filosofia até os cinqüenta anos quando, então, seriam 
admitidos no corpo supremo dos magistrados, a quem caberia o governo da cidade. 
 
2.3 A FILOSOFIA MEDIEVAL DE AGOSTINHO E TOMÁS DE AQUINO 
 
No século II a.C. a Grécia já se encontra sob o domínio do Império Romano. A perda da 
autonomia das cidades gregas, contudo, não significou o aniquilamento de sua cultura mas, 
curiosamente, a sua expansão: os romanos reconheceram e difundiram o pensamento filosófico da 
Grécia Antiga. 
 No plano político, porém, a vida sob o domínio do Império é drasticamente alterada: o 
cidadão não é mais aquele que participa coletivamente das decisões políticas em praça pública, 
redigindo leis e votando. Em Roma, diferentemente, são poucos os que detêm poder político. Tal 
fato acaba por gerar uma mudança no enfoque da Filosofia que, ao deixar de lado os problemas 
políticos, volta-se para o interior do homem, preocupando-se fundamentalmente com a vida 
privada e com as regras de condutasociais destinadas ao bom viver. 
No campo da ética, os filósofos romanos não chegaram perto da grandeza e originalidade 
dos gregos. Sua grande contribuição, contudo, refere-se ao direito. Foram eles os responsáveis ― 
ainda sob a influência da filosofia grega ― por elaborar um sistema jurídico impessoal, 
sistemático e técnico. É ainda sob o domínio do Império Romano que nascerá Jesus. Após sua 
crucificação surgem diversos seguidores de Cristo, todos inicialmente combatidos pelo Império. 
Lentamente, o cristianismo, tornado religião, foi se difundindo em diversas comunidades sem, 
contudo, possuir uma unidade. Ameaçada não apenas pelo Império, mas também pelas 
divergências internas, foi necessária a criação de uma unidade institucional que desse à nova 
28 
religião a identidade capaz de proporcionar maior integração entre as comunidades cristãs. Nesse 
processo, a Filosofia grega terá importância fundamental, contribuindo com a formulação de uma 
doutrina única ou ortodoxa,que significa, literalmente, doutrina correta, rechaçando-se as 
doutrinas divergentes como heréticas, isto é, que contrariam os dogmas da Igreja. 
Diversos teólogos se opõem à utilização da filosofia grega, alegando tratar-se de um 
pensamento pagão, ou seja, alheio à mensagem cristã e, portanto, pernicioso, perigoso. Outros 
teólogos, por sua vez, sustentam que a filosofia grega é uma preparação racional para a fé, 
podendo desempenhar um papel legítimo, desde que submetida aos textos sagrados. Essa tensão 
que se estabeleceu entre a teologia e a filosofia ficou conhecida como o conflito entre razão e fé e 
permeou as discussões religiosas entre os séculos II e V da nossa Era, marcando, também, a 
decadência do Império Romano. 
A patrística, surgida nesse contexto, é a filosofia dos Padres da Igreja, também conhecidos 
como apologistas. Seu objetivo: combater as heresias e justificar a fé. Sua estratégia: mesclar fé 
e razão, subordinando esta àquela. 
O principal nome da patrística é Agostinho (354-430). Nascido em Hipona, uma província 
pertencente ao Império Romano, converte-se ao cristianismo aos 32 anos e, em 395, torna-se 
bispo. Quando morre, na primeira metade do século V, sua cidade já está cercada pelos vândalos: 
é a dissolução do Império. Cronologicamente, Agostinho é, ainda, um pensador do período 
antigo. Sua obra, porém, reflete as mudanças históricas de sua época e prenuncia o importante 
papel cultural exercido pelo cristianismo ao longo da Idade Média, além de contribuir para a 
consolidação da filosofia cristã. Após sua morte foi canonizado pela Igreja, passando a ser 
chamado pelos cristãos de Santo Agostinho. 
A aproximação rigorosa e sistemática que Agostinho elaborou entre o cristianismo e a 
filosofia de Platão ficou conhecida como platonismo cristão. O dualismo característico da teoria 
das idéias e da teoria da reminiscência é recuperado e transformado por Agostinho na teoria da 
29 
iluminação, da qual decorre a noção de interioridade, que prenuncia o conceito de subjetividade 
do mundo moderno. Para Agostinho ―assim como para Platão ― o conhecimento supõe algo 
anterior aos sentidos e à própria linguagem. No lugar, porém, do mundo das idéias, Agostinho 
coloca Deus. A teoria da reminiscência, por sua vez, é substituída pela teoria da iluminação. 
Vejamos como. 
Platão argumenta que não é possível ensinar a Virtude: trata-se antes de "lembrar" sua 
essência (contemplada no mundo das idéias por todo ser humano antes de nascer). Agostinho 
concorda com Platão: a Virtude não pode ser ensinada! Veja o que diz o filósofo cristão sobre o 
conhecimento: 
No que diz respeito a todas as coisas que compreendemos, não 
consultamos a voz de quem fala, a qual soa por fora, mas a verdade que 
dentro de nós preside à própria mente, incitados talvez pelas palavras a 
consultá-la. Quem é consultado [...] é Cristo, que habita [...] no homem 
interior. 
 
 E ainda: “ [...] quem nos ouve conhece o que eu digo por sua própria contemplação e 
não através de minhas palavras." 
Em sua última obra, A Cidade de Deus, Agostinho formula uma concepção histórica com 
um sentido, com uma direção, com início, meio e fim. O evento inicial da história é a Criação, 
seguida por sucessivas rupturas e alianças com o Criador, desde a expulsão e queda de Adão e 
Eva do Paraíso até o juízo final e a redenção. A aliança entre Deus e o homem é representada pela 
cidade divina que, ao final, prevalecerá, pois é a finalidade da história. Os momentos de ruptura 
da aliança correspondem à prevalência provisória da cidade terrena, que é também a cidade do 
pecado. 
A influência de Agostinho é fundamental para a consolidação da Igreja que, menos 
preocupada em combater os bárbaros (até porque não possuía condições de derrotá-los pelas 
armas), passa a convertê-los, iniciando o processo de cristianização da Europa ocidental. É 
também com o auxílio do pensamento agostiniano que a Igreja, a "detentora terrestre das chaves 
30 
da cidade de Deus", mantém a supremacia do poder espiritual sobre o poder temporal durante a 
Idade Média. 
O poder temporal, aliás, sem a centralização anteriormente proporcionada pelo Império, 
se fragmenta. Com isso, as cidades transformam-se em lugares inseguros. As pessoas refugiam-se 
no campo e deixam de fazer viagens. O comércio praticamente desaparece. A economia torna-se 
agrária e de subsistência. A população, de servos a nobres, torna-se cada vez mais analfabeta. 
Acentuam-se as disputas políticas entre duques, condes e barões, que montam suas próprias 
milícias e muitas vezes detêm mais poder que o próprio rei.Em um mundo assim fragmentado, a 
Igreja representa um elemento agregador e de forte influência. Grande parte da cultura 
greco-romana, afinal, é conservada nos mosteiros. E os monges, os únicos letrados da Idade 
Média, tornam-se os responsáveis por elaborar a fundamentação religiosa dos princípios morais, 
políticos e jurídicos da sociedade medieval. 
No século XIII, quando nasce Tomás de Aquino (1225-1274), o panorama medieval se 
encontra em franca transformação. O renascimento do comércio estimula o surgimento de novos 
núcleos urbanos. Desde a criação da universidade de Direito de Bolonha, em 1088, não cessam de 
surgir novas universidades espalhadas pela Europa. A demanda por educação aumenta 
consideravelmente, atendendo não apenas aos anseios eclesiásticos, visando à formação de uma 
elite para combater os "hereges", mas também civis, pois a vida urbana exige pessoas 
qualificadas para ocupar os cargos do governo e da administração pública. 
Quando as dificuldades decorrentes da tensão entre a teologia cristã e a filosofia grega 
transformam-se em assuntos universitários, tem início a escolástica, ou literalmente: doutrina da 
escola, marcada, a princípio, pelo platonismo agostiniano. 
Todavia, o renascimento do comércio intensifica as viagens e, com isso, o contato com 
outras culturas. A filosofia árabe, bastante avançada para a época, traz ao ocidente cristão a obra 
de Aristóteles. A novidade intelectual, porém, é vista pela Igreja com severas restrições ― a 
31 
concepção filosófica do estagirita é ao mesmo tempo rigorosa e divergente da teologia elaborada 
até então ― e, ameaçada, apressa-se em condenar trechos dos textos aristotélicos. Não obstante, 
seu pensamento é bem acolhido no ambiente universitário, que procura desenvolver-se com 
liberdade e autonomia. A obra de Tomás da Aquino é resultado de sua carreira como professor 
universitário. Seduzido pela obra de Aristóteles, procura demonstrar a sua compatibilidade com a 
filosofia cristã, tornando-se, assim, o maior nome da escolástica. 
Como cristão, Tomás de Aquino se revela um pensador racionalista e extremamente 
rigoroso. A função da Filosofia, contudo, continua sendo a de servir à fé. Seu propósito 
intelectual é provar racionalmente a existência de Deus. Para tanto, argumenta que a definição de 
Deus como sendoa própria perfeição nada prova , pois a definição é uma idéia e nada garante 
que ela exista de fato na realidade. 
 Argumenta, ainda, que a existência divina não é auto-evidente, mas precisa ser 
demonstrada. 
O ponto de partida para o conhecimento racional, Deus é, de acordo com Tomás de 
Aquino, o mundo sensível, percebido pelos sentidos: por meio deles todo e qualquer ser humano 
apreende a existência auto-evidente do movimento das coisas, por exemplo, um dado inegável da 
realidade. 
O movimento, contudo, é sempre causado por alguma outra coisa. E para que a série das 
causas não se estenda ao infinito e possa ser compreendida pela razão, é preciso chegar à noção 
de causa primeira. É aí que o frade dominicano, ao se deixar influenciar pela obra de Aristóteles, 
adapta-a ao cristianismo: a primeira causa eficiente do movimento de todo o universo, e que é 
também a sua causa primeira, é Deus. 
Além de produzir uma síntese da obra aristotélica, adaptando-a aos dogmas cristãos, 
Tomás de Aquino influencia-se também pela visão política do filósofo grego, estudando questões 
como a natureza do poder e das leis. Chega, ao final, à conclusão de que a realização humana se 
32 
aprimora na cidade e que o plano político é a instância possível para o governo não-tirânico aliar 
ordem e justiça. 
Ainda que Tomás de Aquino faça a ressalva de que o Estado conduz o ser humano até 
certo ponto e que, a partir daí, é necessária a atuação indispensável da Igreja, mantendo, portanto, 
o poder temporal da Igreja acima do poder temporal dos reis, já se nota uma atenuação dessa 
hierarquia. Não deixa de ser um prenúncio da desarticulação entre política e religião, que 
ocorrerá no Renascimento, como veremos no próximo tema. 
 
3 FILOSOFIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA 
 
3.1 O QUE SIGNIFICA MODERNIDADE? 
 
 A Idade Média estendeu-se do século V ao século XIV da nossa era. Mil anos, portanto. A 
partir do século XV a Igreja começa a perder parte de seu poder para os reis, cada vez mais 
fortes. Inglaterra, França, Portugal e Espanha se constituem em monarquias nacionais. À perda de 
influência da nobreza e do clero, corresponde a ascensão de uma nova classe social: a burguesia. 
Dedicados às finanças e ao comércio, os burgueses passam a apoiar a coroa em troca de 
proteção aos seus negócios. 
Os séculos XV e XVI constituem, assim, o Renascimento: período de intensas 
transformações. Uma das mais notáveis é o declínio da perspectiva teocêntrica ― tipicamente 
medieval ― e o desenvolvimento da mentalidade antropocêntrica: o indivíduo volta a ser 
valorizado em sua integralidade. 
O humanismo renascentista, ao defender a independência e a liberdade de pensamento, e 
ao retomar sob um nova perspectiva algumas idéias e valores da Antigüidade greco-romana, 
33 
rompe com a visão filosófico-religiosa da Idade Média e prepara o terreno para o 
desenvolvimento da modernidade nos séculos XVII e XVIII. 
Se, porém, o termo Renascimento remete à retomada de algumas idéias e valores da 
Antigüidade, o conceito de modernidade merece maior atenção. 
Ao que tudo indica, a origem etimológica do vocábulo moderno deriva do advérbio latino 
modo, que significa agora, neste instante, no momento, ou seja, designa o que nos é 
contemporâneo. Por isso, nos habituamos a relacionar o conceito de modernidade àquilo que é 
novo, que rompe com a tradição. No dia-a-dia, o termo moderno adquire um sentido positivo de 
mudança, transformação, progresso (um cinema moderno, por exemplo, é um cinema bem 
equipado, com tecnologia de última geração e design arrojado). 
Historicamente, contudo, a modernidade é o período compreendido entre os séculos XVII 
e XVIII. Trata-se de um período diretamente relacionado à supervalorização do indivíduo e da 
idéia de progresso. 
 
3.2 RACIONALISMO E EMPIRISMO 
 
 O francês René Descartes (1596-1650) nasceu numa época de transição, em meio ao 
"fogo cruzado" de um novo pensamento que se anunciava e do pensamento tradicional, que ainda 
sobrevivia de maneira muito forte. 
 Não é exagero dizer que a filosofia cartesiana inaugura o pensamento moderno. 
Situando-se, porém, num período de transição, ela possui ao mesmo tempo elementos de ruptura 
e de continuidade em relação à filosofia antiga e medieval. Importante deixar bem claro que a 
ruptura com a tradição não significa que o filósofo a ignora, mas sim a critica. Ou melhor: ele 
aborda os temas da filosofia tradicional sob uma nova perspectiva. 
34 
 De acordo com Descartes, nada garante que o saber cotidiano, adquirido pela tradição 
ou pela experiência, sem maiores preocupações com o método, seja de fato um conhecimento 
verdadeiro. Antes disso, pode tratar-se apenas da consolidação de erros acumulados através dos 
anos. Não foi outra coisa, a propósito, o que Descartes testemunhou em sua época: a ciência de 
inspiração aristotélica havia perdurado por aproximadamente dois mil anos, mas ruiu aos pés do 
modelo de ciência inaugurado por Copérnico, Galileu e Kepler, desautorizando, inclusive, o 
discurso oficial da Igreja, cuja autoridade ficou irremediavelmente abalada. 
 Como, a partir de então, seria possível garantir a certeza do conhecimento? Descartes 
volta-se para dentro de si mesmo: ele aposta no poder crítico da razão. Logo no início de uma de 
suas mais importantes obras, o Discurso do Método, ele afirma que o bom senso é natural ao 
homem e compartilhado por todos. O erro, por sua vez, resulta do mau uso da razão. Para 
evitá-lo, conclui, é preciso desenvolver um método, isto é, um caminho, um procedimento capaz 
de garantir a certeza do conhecimento. 
 Fascinado pela matemática devido à sua certeza e ao seu caráter auto-evidente (a 
verdade matemática mostra em si mesma o seu próprio fundamento), Descartes a elege como 
modelo metódico para chegar à certeza também em outras esferas do saber como a Física, a 
Moral e a Metafísica. Em outras palavras: seu objetivo é alargar o campo de eficácia da razão por 
meio de um método de aplicação universal, capaz de fundamentar a unidade do saber. 
 Em certo sentido, Descartes se coloca na contramão de seu tempo. Nos períodos de 
crise, em que a tradição ainda não morreu e a novidade ainda não se impôs, é compreensível que 
a maioria das pessoas se sintam mergulhadas num mar de incertezas. Daí a simpatia que seus 
contemporâneos nutrem pelos filósofos céticos da Antigüidade. 
 Descartes, ao contrário, pretende encontrar uma certeza básica e absoluta, imune às 
dúvidas céticas. A etapa inicial da argumentação cartesiana elege a dúvida como recurso 
metodológico. A chamada dúvida metódica coloca tudo em xeque: as crenças, as opiniões, os 
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sentidos, o conhecimento adquirido pela tradição, pela experiência, pela autoridade etc. Descartes 
chega, então, a criar a "dúvida hiperbólica" (exagerada): e se a realidade for uma ilusão; e se o 
mundo foi criado por um gênio maligno ou por um deus enganador que se diverte brincando de 
enganar meus sentidos? 
 Ao elevar a dúvida até o limite, Descartes abre o caminho para chegar à sua primeira 
certeza: se existe um gênio maligno que gosta de me iludir é necessário, então, que eu exista. E, 
por mais que o gênio maligno me engane, jamais poderá fazer com que eu não seja nada. Sendo 
assim: se eu duvido, é porque eu penso. Se eu penso, é porque eu existo. Daí, sua celebre 
afirmação: "penso, logo existo" (em latim: cogito, ergo sum). Resumindo: para duvidar é 
necessário pensar. A existência do ser pensante, portanto, não está sujeita à dúvida: trata-se de 
uma certeza básica, originária. 
 Ao atingir, porém, a certeza da existência da substância pensante, Descartes continua 
duvidando do corpo. Ter certeza sobre a existência do corpo significaria ir além do pensamento 
puro, dependeria dos sentidos, da experiência, do conhecimento adquirido. Mas nada disso pode 
ser garantido pela certeza do cogito, isto é, do pensamento. Difícil, aliás, nãolembrar aqui do 
filme The Matrix. 
Para garantir a passagem do mundo interno para o externo, Descartes lança mão da 
chamada "prova ontológica da existência de Deus". A existência da dúvida, argumenta o filósofo, 
prova a carência de conhecimento do ser humano, que se percebe imperfeito e finito. 
Dúvida = imperfeição e finitude humana. 
As idéias de perfeição e infinitude, por sua vez, não podem ser fruto da mente humana, 
afinal a razão e o bom senso garantem que uma idéia nunca pode ser maior do que a sua causa. 
Desse modo, um ser finito não pode causar a si mesmo a idéia de infinitude. Assim, perfeição e 
infinitude são idéias inatas, causadas nos homens por um ser perfeito e infinito, ou seja, Deus. Se 
Deus possui todas as perfeições em grau infinito, deve possuir também o atributo da existência, 
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portanto, conclui Descartes, Deus existe (pensar em Deus como inexistente seria, para Descartes, 
pensá-lo sem um atributo da perfeição, o que é impossível para o raciocínio por ele sustentado). 
Deus = Perfeição e Infinitude. 
Uma vez comprovada racionalmente a existência de Deus, bem como sua perfeição e 
infinitude, conclui-se que Deus é bom e não pode produzir um mundo que seja uma ilusão. Os 
erros do entendimento humano decorrem de nossas imperfeições que, apesar de tudo, podem ser 
atenuadas por um método rigoroso. Deus é, assim, a ponte que leva das idéias ao real. 
A filosofia cartesiana é, portanto, uma filosofia dualista, que separa corpo e mente. A 
realidade da alma ― que Descartes chama de substância pensante - é completamente separada da 
realidade do corpo ― a substância extensa. É, também, uma filosofia idealista e racionalista: a 
desconfiança que nutre pelos sentidos leva-o a recusá-los como ponto de partida do 
conhecimento; este, por sua vez, se constitui a partir das idéias, submetidas sempre ao crivo da 
razão. Há, assim, isolamento do “eu" (solipsismo) em relação a todo o mundo externo, incluindo 
o próprio corpo: a consciência está condenada à certeza solitária de si mesma. 
Não podemos esquecer, contudo, que o objetivo de Descartes é fundamentar a 
possibilidade do conhecimento científico. Afirmar a existência de Deus foi o modo que Descartes 
encontrou para superar seu idealismo em direção a uma filosofia realista, capaz de estabelecer a 
ponte entre o mundo interior e o exterior e, com isso, fundamentar o conhecimento científico. 
Em suma: Descartes rompe com a tradição filosófica ao preocupar-se com o desenvolvimento de 
uma metodologia rigorosa, capaz de fundamentar a ciência nascente e, nesse sentido, se faz 
moderno. Todavia, ao invocar Deus para não cair no ceticismo que pretendia refutar, Descartes 
conserva um aspecto da filosofia tradicional, qual seja, o recurso à metafísica. 
John Locke (1632 - 1704) defendia uma teoria do conhecimento que, posteriormente, 
ficou conhecida como empirismo. A palavra empeiria vem do grego e significa "experiência". Em 
37 
sua obra Ensaios sobre o entendimento humano, opõe-se a Descartes e combate a tese das idéias 
inatas. Para o filósofo inglês, o processo de conhecimento nunca é anterior à experiência. Antes o 
contrário: é sempre o resultado das elaborações que fazemos de nossa experiência, sentidos e 
impressões sobre o real. 
 Locke, portanto, não adota uma abordagem racionalista, ou seja, o ponto de partida do 
conhecimento não é a razão. Antes disso, ele afirma que a mente do ser humano, ao nascer, é uma 
tábula rasa, isto é, uma folha em branco, vazia, e que a experiência vai, aos poucos, fornecendo 
os dados para a futura elaboração do conhecimento. Se não fosse assim, as crianças já estariam 
aptas a encontrar em si as idéias inatas. Ademais, observa Locke, a idéia de Deus não se encontra 
em toda parte ou, no mínimo, há povos que não desenvolvem a representação de um 
Deus como ser perfeito. 
Sendo assim, Locke sustenta que há duas fontes possíveis para o desenvolvimento do 
conhecimento: a sensação e a reflexão. 
A sensação é resultado dos estímulos externos e fornece elementos para o 
desenvolvimento das idéias simples. 
A reflexão, por seu turno, se reduz à elaboração interna das sensações, produzindo as 
idéias complexas. As idéias simples são as que resultam da percepção da qualidade das coisas, 
como solidez, extensão, cor, som, sabor etc., que são relativas e subjetivas, podendo variar de 
sujeito para sujeito. Finalmente, por meio da análise, o sujeito ata e desata as idéias simples, 
produzindo idéias complexas. Estas são formadas exclusivamente pelo intelecto e não têm 
validade objetiva: são nomes que criamos para ordenar as coisas. Seu valor é prático e não, 
cognitivo. 
Ao aceitar a sensibilidade como ponto de partida do conhecimento, Locke rejeita a 
Metafísica e conclui que não podemos conhecer as coisas em sua essência. Em outras palavras: 
podemos ter opiniões sobre o mundo natural, mas não conhecimento verdadeiro. 
38 
Se compararmos o racionalismo cartesiano com o empirismo de Locke, podemos dizer 
que este privilegia a experiência sensível como fonte inicial do processo de conhecimento 
enquanto Descartes privilegia a razão. Isso não quer dizer que o racionalismo despreza a 
experiência sensível, mas que ela está sujeita a enganos e, portanto, o verdadeiro conhecimento se 
elabora no espírito. O empirismo, por sua vez, não despreza o uso da razão. Apenas subordina o 
seu uso ao resultado da experiência. 
As conseqüências de se adotar uma teoria ou outra são enormes. Os racionalistas confiam 
na possibilidade de se atingir verdades universais e eternas. Os empiristas admitem que o 
conhecimento se inicia sempre a partir de uma realidade em constante transformação e, com isso, 
acabam por questionar o caráter absoluto da verdade, concluindo que tudo é relativo ao espaço, 
ao tempo, ao humano. 
Foi, contudo, o filósofo escocês David Hume (1711-1776) quem levou ao limite o 
pensamento empirista. Assim como Locke, Hume descarta a possibilidade de se conhecer a 
essência das coisas. 
O espírito, ou a essência do ser humano, enquanto algo imutável, não pode ser conhecido. 
Não há metafísica possível. Tudo que resta é a natureza humana, entendida não como substância, 
mas reduzida às maneiras pelas quais a mente associa idéias. O que importa, para Hume, é 
investigar como se dão tais associações. 
O conhecimento, pode-se argumentar, inicia-se na experiência e depende de nossa 
capacidade racional de compreender as relações de causa e efeito da natureza. Hume, porém, 
coloca sob suspeita as relações de causa e efeito que pensamos encontrar na natureza. 
O fogo queima? É o que a experiência nos confirma. 
A regularidade da natureza e as relações de causa e efeito dos fenômenos naturais, 
contudo, não existem senão em nossa mente. Não se trata de uma verdade absoluta, mas de um 
pressuposto indispensável ao processo de conhecimento. 
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Se todas as vezes que me encostei-se ao fogo, queimei-me, se o mesmo aconteceu com 
todas as outras pessoas, sou capaz de prever, pressupondo a regularidade da natureza, que, no 
futuro, se entrar novamente em contato com o fogo, mais uma vez me queimarei. O hábito, e nada 
mais do que o hábito, nos leva a formular a noção de causa e efeito que, todavia, não é um dado 
da natureza. A razão, portanto, é limitada para conhecer as coisas. O máximo que ela consegue é 
fazer relações a partir do hábito. 
Conclusão. O verdadeiro e o absoluto são inatingíveis. E mais: as afirmações metafísicas 
carecem de provas e fundamentos. Reside nisso, aliás, o ceticismo de Hume. 
Uma certeza é um conhecimento plenamente demonstrado, que não admite dúvidas. Mas o 
que não admite dúvidas? Tudo o que conhecemos depende da nossa sensibilidade, dos nossos 
instrumentos de medição, de teorias, de conceitos. O conhecimento humano começa e termina no 
mesmo lugar: 
a- todo conhecimento parte necessariamente dos sentidos e da razão; 
b- toda certeza esbarra necessariamentenas limitações dos sentidos e da razão. 
 
3.3 O CRITICISMO DE KANT 
 
 Immanuel Kant (1724-1804) foi um dos principais nomes do Iluminismo alemão. De 
início, seduzido pelo racionalismo, torna-se leitor de Hume e compreende que não só é possível 
como aconselhável colocar a razão em dúvida, chegando, por isso, a dizer que Hume o despertou 
de seu "sono dogmático". 
 Dogmático é aquele que aceita sem questionamentos ―sem crítica, portanto ― algumas 
idéias. 
 É nesse sentido ― denuncia Kant ― que toda a filosofia anterior a Hume incorreu no 
erro dogmático, pois aceitou, sem questionar, sem criticar, que conceitos tais como: Deus, alma, 
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infinito e finito, causa e efeito, matéria e forma, substância etc., pudessem ter uma realidade em 
si mesma que fosse, de algum modo, apreensível pela razão. Ou, dito de modo inverso: nada 
prova que as idéias produzidas por nossa razão correspondam exatamente a uma realidade 
externa, que existe em si e por si. 
 Dessa forma, ao elaborar a sua teoria do conhecimento, Kant coloca a razão em um 
"tribunal" a fim de avaliar cuidadosamente o que pode ser conhecido de modo legítimo e qual o 
tipo de conhecimento que não tem fundamento. 
 Sua Crítica da razão pura, como o nome indica, tem o objetivo de avaliar criticamente 
até que ponto é possível falar em "razão pura", independentemente da experiência individual. Por 
esse motivo, aliás, seu método é conhecido como criticismo. 
 A ambição filosófica de Kant é superar a dicotomia entre o racionalismo e o empirismo. 
Para tanto, propõe aquilo que ele mesmo chama de uma "revolução copernicana" em Filosofia. 
 De acordo com Kant, toda filosofia anterior, incluindo racionalistas e empiristas, 
cometeram o mesmo erro: elaboraram teorias do conhecimento partindo da realidade (podemos 
dizer: dos objetos, das coisas) e não da razão. Ou seja: colocaram os objetos no centro do 
processo de conhecimento e deixaram os sujeitos girando em torno deles. Acreditaram, ainda, que 
a realidade era racional, podendo ser conhecida integralmente pelas idéias da razão. 
 A "revolução copernicana" em Filosofia inverteu o jogo; deslocou os objetos do centro 
do processo de conhecimento e em seu lugar colocou o próprio sujeito do conhecimento. Ora, se 
o Iluminismo procurou elevar a razão ao status de Sol" capaz de iluminar as trevas da ignorância, 
cumpria colocar esse "Sol" no centro do conhecimento e indagar: 
a- O que é a razão? 
b- O que é a experiência? 
c- O que elas podem e não podem conhecer? 
41 
 O erro dos racionalistas (entre eles Descartes) foi o de supor que as idéias são inatas, o 
que não se pode provar; o erro dos empiristas (entre eles Locke e o próprio Hume) foi o de supor 
que a "estrutura da razão" é adquirida pela experiência. 
 Kant procura superar o impasse. A razão, afirma, é uma estrutura vazia, sem conteúdo, 
pura forma. Essa estrutura não é adquirida pela experiência nem é subjetiva. Antes disso, é inata 
(todo ser humano nasce com ela) e, assim, universal. A estrutura da razão, portanto, é anterior à 
experiência, ou, como diz Kant, usando um termo latino, é a priori: é uma condição para que, 
posteriormente, o conhecimento seja atingido. 
 Se a razão é uma estrutura formal, é a experiência, por sua vez, que fornecerá a matéria, 
isto é, o conteúdo (variável) do conhecimento. Ou melhor: o conhecimento racional é a síntese 
que a razão realiza entre uma forma universal inata e um determinado conteúdo oferecido pela 
experiência. 
 De acordo com Kant, a estrutura a priori da razão é constituída pela forma da 
sensibilidade (isto é, a capacidade da percepção sensorial) e pela forma do entendimento (isto é, a 
capacidade da inteligência ou do intelecto). 
 A função da razão, separada da sensibilidade e do intelecto, não é conhecer coisa 
alguma, mas regular e controlar a sensibilidade e o intelecto. A partir dos dados da experiência 
(conteúdo variável), colhidos pela sensibilidade e pelo intelecto (estrutura inata e universal), a 
razão produz uma síntese, quer dizer, organiza as percepções transformando-as em 
conhecimentos intelectuais ou conceitos. 
 Para se explicar melhor, Kant desenvolve os conceitos de juízos analíticos, juízos 
sintéticos e juízos sintéticos a priori. 
No juízo analítico o predicado, isto é, a qualidade, a característica, faz parte da própria 
existência do sujeito; ele não produz conhecimento, apenas descreve o próprio sujeito. Um 
exemplo: o triângulo possui três lados . O predicado "três lados" independe da experiência, é 
42 
universal e necessário: é, como diz Kant, a priori. Outros exemplos: "o calor é uma medida de 
temperatura dos corpos"; "a água é um elemento". 
 Quando, porém, o predicado nos dá novas informações sobre o sujeito e permite a 
síntese entre ambos, fazemos um juízo sintético. Veja: "o calor dilata os corpos" ou "a água ferve 
a 100 graus centígrados". O que acontece nesses enunciados? Os predicados "dilata os corpos" 
e "ferve a 100 graus" são informações novas sobre os sujeitos "corpos" e "água" 
respectivamente. No juízo sintético, portanto, nota-se uma relação causal entre sujeito e 
predicado. 
 Em resumo, o juízo analítico é uma verdade da razão.O juízo sintético, porém, não pode 
ser considerado uma verdade de fato, pois os hábitos associativos de nossa mente (por exemplo: 
"a água ferve toda vez que chega aos 100 graus centígrados") foram colocados sob suspeita desde 
Hume. E Kant, por sua vez, admite a insuficiência do hábito ― e portanto da experiência – para 
se atingir um conhecimento verdadeiro, universal e necessário. 
 Para superar o impasse, Kant introduz a idéia de juízo sintético a priori, isto é, um tipo 
de juízo cuja síntese depende da estrutura universal e necessária da razão e não da variabilidade 
das experiências individuais. A noção de causalidade, por exemplo (assim como a de quantidade 
e de qualidade, entre outras), não é dada pelos sentidos. 
 Trata-se, como diz Kant, de uma categoria do entendimento, ou seja, a causalidade não 
tem uma existência em si mesma, ela não está na natureza; antes disso, faz parte da estrutura a 
priori da razão. Ou, ainda: a noção de causalidade é uma síntese a priori feita pela razão humana 
e que permite a elaboração de enunciados universalmente válidos, independente da experiência. 
 Concluindo: todo conhecimento começa pela experiência, mas resulta, em última 
instância, das relações estabelecidas entre as impressões (que possibilitam a experiência) e a 
estrutura a priori da razão (que permite a elaboração do juízo sintético a priori). Ou seja, o 
conhecimento é uma composição entre a matéria (resultado da experiência) e a forma (estrutura a 
43 
priori da razão). Ao levar seu rigoroso raciocínio às últimas conseqüências, Kant conclui pela 
impossibilidade de conhecermos os seres da metafísica, afinal não temos qualquer experiência 
sensível sobre eles. 
 Assim, finaliza Kant, não podemos conhecer a coisa-em-si, não podemos conhecer a 
essência, a substância (o noumenon, como diz o filósofo) das coisas. Tudo o que podemos 
conhecer são os fenômenos (phainomenon), isto é, aquilo que "aparece" para nós. A realidade, 
portanto, não é exterior ao intelecto. Antes o contrário: o mundo dos fenômenos só existe na 
medida em que "aparece" para nós e, nesse sentido, participamos de sua construção. 
 A Filosofia de Kant, com isso, esbarra no idealismo. Ainda que reconheça a importância 
da experiência como fornecedora da matéria do conhecimento, é a razão, com sua estrutura a 
priori, que constrói a ordem do universo. 
 
3.4 O CONTRATUALISMO DE HOBBES, LOCKE E ROUSSEAU 
 
 A modernidade foi, também, um período de intensas transformações políticas. E apesar 
das diferenças, às vezes radicais, que diferenciam os pensadores modernos entre si, há elementos 
que os une em uma mesma constelação intelectual. 
 A descoberta do Novo Mundo e das tribos selvagens no início

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