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PSICOPATOLOGIA AULA 5 Profª Maria Cecília Beltrame Carneiro 2 CONVERSA INICIAL Na prática clínica, os sinais e os sintomas não ocorrem de forma aleatória; surgem em certas associações, agrupamentos mais frequentes e estáveis, classificados em síndromes. Entretanto, ao se delimitar uma síndrome (como depressiva, demencial, maníaca etc.), não se trata ainda da definição e da identificação de causas específicas, do curso e evolução de um transtorno. Ela descreve um conjunto momentâneo e recorrente de sinais e sintomas. Na medicina, as entidades nosológicas são doenças ou transtornos específicos (como esquizofrenia, doença de Alzheimer, anorexia nervosa etc.), nos quais podem-se identificar (ou presumir) alguns fatores causais, o curso e evolução. Além disso, busca-se identificar mecanismos psicológicos e psicopatológicos característicos, antecedentes genéticos e familiares. Na psicopatologia, não é incomum trabalharmos no âmbito das síndromes, pois, algumas vezes, o diagnóstico preciso de entidades nosológicas e transtornos específicos é difícil ou incerto. Cabe, ainda, lembrar que o reconhecimento dessas entidades não tem apenas um interesse científico, mas também viabiliza ou facilita o desenvolvimento de terapêuticas e ações preventivas mais eficazes. As vivências psicopatológicas podem ser divididas em: transfundo das vivências de contexto mais geral e basal e sintomas específicos ou emergentes, que ocorrem e se desenvolvem de forma perceptível e delimitável. Estes últimos se desenvolvem sempre sobre determinado transfundo. Assim, temos os transfundos estáveis, os quais são pouco mutáveis, como a personalidade e a inteligência. Qualquer experiência (alucinação, delírio, afeto etc.) ganha conotação diferente com base na personalidade específica do indivíduo que a vivencia. Pacientes com personalidades mais passivas, dependentes e “sem energia” tendem a vivenciar os sintomas de modo também passivo; já indivíduos hipersensíveis ou muito reativos tendem a responder aos sintomas de forma mais intensa ou superdimensionada, por exemplo. A inteligência determina a diferenciação, a profundidade e a riqueza dos sintomas psicopatológicos. Pacientes muito inteligentes podem produzir delírios ricos e complexos, interpretam constantemente suas vivências e desenvolvem as dimensões conceituais dessas experiências de forma mais acabada. Já os com inteligência 3 reduzida criam quadros psicopatológicos menos nítidos, com menos detalhes, superficiais e, às vezes, pueris. Os transfundos mutáveis e momentâneos são representados pelo nível de consciência, atenção, humor e estado afetivo. Eles atuam na determinação da qualidade e no sentido do conjunto das vivências psicopatológicas. O nível de consciência e a atenção estabelecem a clareza e a precisão dos sintomas específicos. Sob o estado de obnubilação da consciência, alucinações, recordações e sentimentos são experimentados em uma atmosfera nebulosa e até confusa. O humor e o estado afetivo de fundo influenciam no desencadeamento de sintomas e na intensidade da vivência: uma lembrança, uma alucinação ou um delírio em um estado depressivo grave passam a ter uma importância enorme para o sujeito. Portanto são as vivências psicopatológicas mais destacadas que o paciente experimenta. As síndromes são conjuntos de sinais e sintomas que se agrupam de forma recorrente e são observados na prática clínica diária, sendo o primeiro passo na organização do raciocínio psicopatológico dos sinais e dos sintomas dos pacientes. Assim, o raciocínio clínico vai evoluindo gradativamente ao longo das primeiras avaliações para o conhecimento mais aprofundado sobre o paciente e seu sofrimento mental. Nesta aula daremos início ao estudo das principais síndromes psiquiátricas, com ênfase nas alterações mais comuns na entrevista e no exame do estado mental de cada. A ideia é apresentar a vocês, alunos, os transtornos mais recorrentes no atendimento em saúde mental. Lembre-se de que esta é uma aula e muitas das citações e termos técnicos apresentados necessitam de aprofundamento por meio das bibliografias sugeridas e na sua prática clínica. Além disso, há muitos outros transtornos psiquiátricos que não foram abordados aqui, mas que são igualmente essenciais de se estudar e aprofundar em supervisões e atendimentos. TEMA 1 – SÍNDROMES DEPRESSIVAS De acordo com Sampaio e Lotufo Neto (2019), o transtorno depressivo é uma condição clínica comum, tendo uma prevalência de 15% ao longo da vida na população geral. Sua incidência na atenção primaria chega a 10%, em pacientes internados esta taxa sobe para 15%. A idade média do primeiro episódio depressivo é em torno dos 27 anos, sendo que 40% relatam o primeiro antes dos 20 anos, 50% entre 20 e 50 anos e 10% após os 50 anos. A depressão é duas a três vezes mais frequente em mulheres e foi 4 estimada como a segunda causa de incapacitação em países desenvolvidos e a primeira em países em desenvolvimento. Atualmente considera-se que a depressão resulta de uma interação entre processos biológicos, psicológicos, ambientais e genéticos. Do ponto de vista fisiopatológico, a teoria das monoaminas é a mais consolidada e postula que a depressão está ligada a falta ou desequilíbrio dos neurotransmissores noradrenalina, serotonina e dopamina no sistema límbico. Os fatores genéticos têm um papel significativo no desenvolvimento de transtornos do humor, porém sendo padrão de herança genética complexo que contribui entre 40 a 50%. O uso de substâncias psicoativas (álcool, inibidores de apetite) destaca-se como um fator de risco ambiental para depressão. Também sabe-se que eventos adversos precoces (p. ex., baixo suporte social e abuso físico e/ou sexual na infância) também configuram um fator de risco ambiental, bem como outros fatores psicossociais, por exemplo, perda do emprego, de um ente querido ou separações. Mesmo com a alta prevalência ao longo da vida, estima-se que aproximadamente metade dos pacientes neguem seus sintomas depressivos e em quadros menos graves podem não demonstrar externamente seu humor rebaixado. Nessas situações, o paciente pode ser levado por um familiar até a consulta. Por isso, é importante que o profissional de saúde assuma uma postura ativa na investigação dos sintomas, a menor suspeita de um quadro depressivo. Os sintomas essenciais ou cardinais da depressão são: 1. Humor depressivo; 2. Anedonia (prejuízo da capacidade de sentir alegria e prazer) e fatigabilidade. O paciente também pode apresentar apatia e indiferença ao seu redor e ainda angústia e desespero. Os sintomas ansiosos são muito comuns podendo ocorrer em até 90% desses pacientes, embora não seja um critério diagnóstico (no DSM-V os sintomas ansiosos entram como um especificador, dada a importância destes). Alterações no sono também são muito comuns (80% dos casos), sendo as queixas mais frequentes a insônia terminal ou despertar precoce e múltiplos despertares ao longo da noite. Outra característica do quadro é o relato de variação (ou oscilação) dos sintomas durante o dia, com queixas mais intensas pela manhã e redução dos sintomas à noite. Queixas físicas, álgicas, alteração da libido, disfunção erétil ou ejaculação rápida também podem aparecer, assim como um aumento ou uma diminuição do apetite e do peso. Em torno de dois terços dos pacientes deprimidos cogitam o suicídio e 10 a 15% cometem-no. Alguns podem apresentar ideação suicida (referem vontade de se matar, sem plano concreto), mas devido ao desânimo ou falta de energia não são capazes de planejar e cometer o ato. 5 Em relação ao pensamento do paciente, a realidade passa a ser vista sob uma ótica pessimista, predominando relatos eventos passados as quais predominaram emoções negativas ou desconfortáveis (até mesmoos eventos positivos são relatados de forma a desvalorizá-los). O presente se traduz pela incapacidade de mudança e o futuro visto com desinteresse, sem planos ou como um cenário de ruína. Estas ideias pessimistas, apesar de recorrentes e espontâneas, são passiveis de refutação com argumentação lógica na maioria dos casos, ou seja, não são de base psicótica. Mesmo assim, em um quadro agudo ainda podem enviesar a entrevista e em alguns casos é necessário confirmar a veracidade das informações com outras pessoas próximas. A depressão também pode se manifestar com sintomas psicóticos (cerca de 15 a 19% dos casos): os pensamentos de cunho pessimista tomam uma proporção a ponto de tornarem-se crenças irrefutáveis, caracterizando o quadro como delirante. É importante ter em mente que, na grande maioria dos quadros delirantes secundários a um transtorno do humor, os delírios são congruentes com este, ou seja, os delírios de pacientes deprimidos giram em torno de temas como inadequação pessoal, pecado, ruína financeira ou moral, culpa, perseguição, doenças terminais etc. Ainda dentro do espectro psicótico, o indivíduo pode relatar alucinações com conteúdo depressivos, geralmente auditivas, e podem ser descritas como vozes que dizem “você não presta”, “você é inútil” ou “seus filhos vão passar fome”. As alucinações também podem ter o conteúdo de “punição merecida” (“vou morrer, vou sofrer, pois mereço isso”). As depressões psicóticas estão relacionadas a uma maior gravidade dos demais sintomas e são mais observadas em quadros bipolares do que unipolares. Neste tópico, daremos maior ênfase ao transtorno depressivo maior, o qual tem seus episódios caracterizados pelos critérios diagnósticos a seguir. 1.1 Critérios diagnósticos – DSM V Durante a apresentação em vídeo, citaremos os sinais e sintomas para fechar um diagnóstico de transtorno depressivo maior (para saber mais, aprofunde sua leitura no próprio manual da APA – DSM V). As síndromes e as reações depressivas surgem com muita frequência após perdas significativas: de um ente querido, emprego, moradia, status socioeconômico ou algo puramente simbólico. A depressão maior é mais bem conceitualizada como uma 6 síndrome clínica multissistêmica. Para que se possa fazer seu diagnóstico, alterações em quatro principais domínios devem estar normalmente presentes: alterações de humor, alterações psicomotoras, alterações cognitivas e alterações neurovegetativas. Humor deprimido – o paciente enxerga o mundo através de uma “lente cinzenta”: as suas relações com as demais pessoas são carregadas de um afeto triste, sendo que o indivíduo se sente, a maior parte do empo, triste, vazio. Diminuição do interesse e/ou do prazer em todas, ou quase todas, as atividades pelas quais antes o indivíduo se interessava. Embotamento dos sentimentos; agitação ou inquietação, uma dificuldade em ficar parado, aliado à insônia; retardo psicomotor; pobreza de movimentos espontâneos, aumento do tempo de latência de resposta; baixa concentração; estupor/apatia; pensamentos negativos distorcidos em relação a si próprio, ao mundo e ao futuro. Também podemos memorizar através dos “3 Ds” a serem obrigatoriamente investigados numa suspeita de depressão: desvalia, desamparo e desesperança, podendo culminar com comportamento suicida; anorexia ou hiporexia/perda de peso; insônia, mas também pode ocorrer a hipersonia – necessidade aumentada de sono, sonolência diurna e dificuldade de acordar pela manhã. No episódio depressivo, evidentes sintomas depressivos devem estar presentes por pelo menos duas semanas e não mais que dois anos de forma ininterrupta. Esses episódios na comunidade podem ser curtos (cerca de 50% duram menos do que três meses) ou longos. Cerca de 15 a 26% das pessoas com depressão maior apresentam um curso crônico de depressão, com duração de mais de dois anos, que pode ser de intensidade leve (distimia – humor irritado é mais frequente) ou de moderada a grave. Começa geralmente na adolescência ou no início da vida adulta e persiste por vários anos. Também são comuns na distimia o mau humor crônico e a irritabilidade. Em resumo, as alterações no EEM encontradas em pacientes deprimidos: • Aparência: o desinteresse ou a falta de energia pode prejudicar os cuidados e higiene pessoais. Alguns pacientes preferem vestir-se com roupas escuras; • Atitude: é comum uma atitude queixosa ou lamuriosa ou ainda o desinteresse/apatia pode levar a uma atitude de indiferença; 7 • Atenção: ocorre hipoprosexia, em função da anedonia ou então uma rigidez da atenção, quando o paciente se concentra apenas em algumas ideias de conteúdo de sofrimento; • Sensopercepção: a hipoestesia, as ilusões catatímicas e as alucinações auditivas são as mais frequentes; • Memória: em função do desinteresse em relação ao mundo externo, a capacidade de memória de fixação está reduzida. Quando a inibição psíquica é muito intensa, há também uma hipomnésia de evocação. Por outro lado, há uma maior facilidade para evocar fatos ruins, geradores de culpa (uma hipermnésia seletiva), enquanto lembranças agradáveis tornam-se raras. São comuns distorções das recordações (alomnésias), geralmente permeadas por conteúdo de tristeza, ruína ou culpa; • Linguagem: oligolalia ou mutismo, bradilalia, hipofonia e aumento da latência de resposta, podendo ocorrer também hipoprosódia ou aprosódia; • Pensamento: está em geral lentificado. Temas niilistas, de culpa ou ruína, mesmo que não sejam sob a forma de um delírio, podem se tornar perseverantes e dominantes no discurso do paciente; • Delírio: nas depressões psicóticas, os temas delirantes mais comuns são ruína, culpa, hipocondria e negação; • Inteligência: as dificuldades cognitivas são secundárias e reversíveis, associadas com o prejuízo na atenção, à falta de motivação e à inibição do pensamento que acompanham as alterações do afeto; • Volição: há hipovolição, assim como anorexia ou hiporexia, insônia (mais raramente hipersonia), perda da libido e, nos casos mais graves, negativismo e ideação suicida; • Psicomotricidade: costuma haver hipocinesia. Também podemos identificar o estupor depressivo (em casos graves), no qual a mímica de tristeza está presente, em contraste com a indiferença afetiva observada no estupor esquizofrênico. Nas depressões ansiosas pode haver inquietação ou agitação psicomotora; • Orientação: o paciente sente o tempo passar vagarosamente na depressão. Ocorre uma desorientação apática; • Afeto: há uma tristeza patológica, que costuma ser caracterizada como uma tristeza vital. Em alguns pacientes, podem ocorrer ansiedade ou 8 irritabilidade. O estado de humor sofre poucas variações, caracterizando assim uma rigidez afetiva. Na maioria dos casos, o paciente deprimido costuma manter a crítica acerca da doença, ou seja, ele identifica que seu atual estado não corresponde ao seu “normal”. Além disso, dentro do que estudamos sobre a CNV, temos as seguintes alterações (Dalgalarrondo, 2018): “nos quadros depressivos de intensidade moderada ou grave, há, de modo geral, uma redução da expressividade afetiva. O contato ocular com as outras pessoas é diminuído, ou tende a não olhar ou a evitar a face e os olhos do interlocutor, pode dirigir-se para baixo e há redução global das interações sociais. A face, como um todo, revela emoções tristes, melancólicas ou simplesmente apáticas. Em alguns casos, por contração excessiva de alguns músculos da testa (há o enrugamento da pele sobre o nariz entre as sobrancelhas) que se contraem e se curvam em direção ao centro da testa, produzindo dobras no andar superior da face que parecem “desenhar” a letra ômega do alfabeto grego (Ω): por isso, tal expressão facial foi batizada de sinal do ômega”. Outras observações incluem a boca curvar-se para baixo e a cabeça apontarna direção do chão, com postura cabisbaixa (esta reduz à medida que o paciente apresenta melhora, geralmente quando há pouca recorrência). O paciente deprimido dificilmente sorri, ou sorri pouco. Os gestos da cabeça, mãos e corpo podem estar diminuídos, a voz pode ser monótona, com pouca expressividade e, em alguns quadros extremos, de difícil compreensão. Como apoio, também pode-se utilizar algumas escalas como Escala de Avaliação para Depressão de Montgomery e Åsberg (MADRS) e Escala de Hamilton para Avaliação de Depressão. TEMA 2 – SÍNDROME MANÍACA Episódios de mania distinguem o transtorno de humor depressivo unipolar do transtorno do humor bipolar (THB) pois, neste, ocorrem episódios depressivos e, obrigatoriamente, pelo menos um episódio de mania ou hipomania ao longo da vida. Os episódios de mania e depressão ocorrem de modo relativamente delimitado no tempo (fásicos), e, com frequência, há períodos de remissão, em que o humor do paciente encontra se normal, eutímico, e as alterações 9 psicopatológicas. O THB tipo I apresenta uma prevalência significativa, acometendo 1% da população ao longo da vida. Tipicamente o THB tipo I pode ter início desde a infância até os 50 anos de idade, sendo a média de apresentação em torno dos 30 anos e tem prevalência igual entre homens e mulheres, os episódios depressivos são muito mais frequentes do que os maníacos do modo geral, mas os episódios maníacos são mais comuns em homens e os depressivos mais comuns em mulheres. Também, é mais recorrente entre as pessoas que não concluíram ensino médio, o que pode indicar a idade precoce de início do transtorno. Vale ressaltar que o THB vai além do tipo 1 e que o DSM-5 engloba dentro do transtorno bipolar uma serie de subtipos, como: THB tipo I, THB tipo II, transtorno ciclotimico, THB induzido pelo uso de substâncias ou medicamentos, THB devido a uma condição médica, entre outros. Neste segundo tema daremos maior ênfase ao THB tipo I e THB tipo II. Assim como na depressão, existem diversas alterações endócrinas, neurológicas e metabólicas descritas em pacientes com THB I, assim como diversas teorias psicológicas. Em relação ao componente cerebral do THB, há certo consenso de que haveria uma combinação de comprometimento do controle cognitivo-emocional, implicando estruturas com ação deficitária como o córtex do cíngulo anterior dorsal, e os córtices pré-frontais dorsolaterais e dorsomediais, hiper-responsividade de áreas límbicas, como a amígdala, o córtex frontal ventrolateral e o córtex do cíngulo anterior ventral. Porém nenhuma delas mostrou-se totalmente capaz de explicar as manifestações e o curso desse transtorno. O fator genético é significativo em seu desenvolvimento e mais importante do que na depressão, sendo também um padrão de herança é complexo: 50% dos indivíduos bipolares possui um parente com transtorno de humor. Se um dos pais tem THB tipo I existe chance de 25% de que qualquer filho desenvolva um transtorno de humor. Se os dois pais têm esse transtorno, a chance aumenta para 50-75%. A mania é indicada por um humor elevado, expansivo ou irritável que se desvia do humor normal do paciente (cuidado com frases feitas como “vou da alegria à tristeza no mesmo dia”, aqui, o humor é patológico também, ou seja, causa prejuízo e dura vários dias). Este fica impulsivo, grandioso e distraído e apresenta comportamentos de risco. O transtorno bipolar II é caracterizado por episódios de depressão e episódios de hipomania (os sintomas são mais leves 10 e breves e não satisfazem todos os critérios para a mania). Para ambos os transtornos, o episódio mais recente pode ser descrito com alguns aspectos especificadores, como “com características psicóticas”, além disso, os pacientes podem apresentar um “estado misto”, com elementos tanto de depressão como de mania ou hipomania (p. ex., humor deprimido com irritabilidade e insônia). É comum o transtorno bipolar I começar com um episódio de depressão e ser um transtorno recorrente. O prognóstico é pior para esse transtorno do que para o depressivo maior. Ele tem um curso crônico em cerca de um terço dos pacientes, que apresentam declínio social significativo. Pacientes do tipo bipolar II apresentam tendência a episódios depressivos. Além disso, quase sempre presente, observa-se nos quadros maníacos a aceleração das funções psíquicas (taquipsiquismo); pode haver agitação psicomotora, exaltação, loquacidade e pressão para falar, assim como pensamento acelerado e fuga de ideias. O quadro deve durar pelo menos uma semana, mas a média de duração do episódio maníaco é por volta de três meses. A atitude geral do paciente pode ser alegre, brincalhona, eufórica ou, também, muito frequentemente, irritada, arrogante e, às vezes, agressiva tendendo a ser superficial e inconsequente. No episódio maníaco, são frequentes a euforia, que é alegria marcante e desproporcional aos eventos da vida e a elação, que é o sentimento de expansão e engrandecimento do eu e/ou a irritabilidade, em graus variados. Não são raros comportamentos espalhafatosos, como tirar a roupa em ambientes públicos ou ficar cantando e/ou pregando e também ocorrem ideias ou delírios de grandeza, poder, riqueza e/ou importância social. Também podem estar presentes alucinações (geralmente auditivas e visuais). O DSM-5 exige, para o diagnóstico de episódio maníaco, além de humor elevado, pelo menos mais três dos sintomas de mania (quatro, se o humor for apenas irritável) descritos a seguir: - Aumento da autoestima: o paciente se sente superior, melhor que os outros, mais potente. Diminuição da necessidade de sono: os familiares podem descrever como insônia, mas trata-se, de fato, de diminuição do tempo de sono, sem queixas do paciente (que dorme pouco, de 3 a 4 horas por noite, sem que isso o afete). Produção verbal rápida, fluente e persistente, ou logorreia, com perda das concatenações lógicas, substituídas por associações contingenciais ou por assonância e tendência irresistível de falar sem parar, de não conseguir 11 interromper a fala. Alterações formais do pensamento – expressam-se como fuga de ideias, desorganização do pensamento, tangencialidade, descarrilhamento, incoerência, ilogicidade, perda dos objetivos e repetição excessiva. Atenção voluntária diminuída, e espontânea, aumentada. Aumento de atividade dirigida a objetivos (no trabalho, na escola, na sexualidade) ou agitação psicomotora. Envolvimento excessivo em atividades potencialmente perigosas ou danosas, como comprar objetos ou dar seus pertences indiscriminadamente e realizar investimentos financeiros insensatos ou indiscrições sexuais; comportamentos sexuais aumentados, desinibidos, e o paciente se torna particularmente vulnerável a exposições sexuais de risco (sexo desprotegido). Resumimos a seguir as alterações possíveis no EEM encontradas em pacientes em mania/hipomania: • Aparência: pacientes mulheres em mania costumam vestir-se com roupas muito coloridas e chamativas, excesso de maquiagem, muitos adornos, unhas e cabelo às vezes pintados com várias cores diferentes, roupas muito curtas e decotadas (aparência exibicionista). Os pacientes podem apresentar também uma aparência descuidada em função de uma intensa agitação, que impede que eles finalizem qualquer atividade, inclusive as relativas aos cuidados pessoais; • Atitude: pode ser expansiva, desinibida, jocosa, irônica, arrogante ou hostil; • Atenção: tipicamente há hipermobilidade com hipotenacidade da atenção: a atenção está mais comprometida na fase de mania do que nas fases de depressão ou de eutimia; • Sensopercepção: a elação do humor pode ocorrer com hiperestesia e na mania com sintomas psicóticos as alucinações auditivas são as mais frequentes; • Memória: há hipermnésia de evocação, associada a uma hipomnésia de fixação,a qual está relacionada ao estado de hipotenacidade e hipermobilidade da atenção. Do déficit da atenção poderá resultar, a posteriori, uma hipomnésia lacunar, referente ao período de maior agitação maníaca. Podem ocorrer ainda alomnésias, com as recordações sendo distorcidas em função das ideias deliroides de grandeza; 12 • Linguagem: o paciente fala alto, está logorreico ou taquilálico, com hiperprosódia e diminuição da latência de resposta, podendo apresentar ainda coprolalia, em função da desinibição; • Pensamento: é acelerado, com fuga de ideias. Se a aceleração for muito intensa, pode haver desagregação; • Delírio: na mania psicótica, os delírios típicos são os de grandeza. Todavia, tanto na mania quanto na depressão, observam-se também delírios persecutórios e outros incongruentes com o humor; • Volição: caracteriza-se pela presença de hiperbulia, aumento da libido, diminuição da necessidade de sono (como consequência do aumento da energia, este sintoma é bem característico nas síndromes maníacas), além de um fraco controle dos impulsos; • Psicomotricidade: a agitação psicomotora é bastante comum, mas mais organizada e mais relacionada ao ambiente do que a que ocorre na esquizofrenia; • Orientação: a passagem do tempo é percebida como acelerada; • Afeto: observa-se uma euforia (ou elação do humor) ou uma irritabilidade, ambas obrigatoriamente patológicas (causam prejuízo), também llabilidade ou incontinência afetiva. A CNV é bem característica: o comportamento global do paciente é muito ativo, alegre, eufórico ou irritável; interage com o interlocutor logo ao conhecê- lo, como se fosse seu amigo íntimo. A proxêmica está alterada, e o indivíduo se aproxima de pessoas desconhecidas, podendo não respeitar a distância mínima de corpo com corpo, como se fosse uma pessoa íntima. A perda da inibição social é frequente no episódio de mania. Pode expressar também alegria e grandeza, contentamento transbordante, com risos, sobretudo quando conta de suas peripécias. Geralmente, considera-se uma pessoa extraordinária, por isso deve receber toda a atenção dos outros. No começo do quadro, pode haver algumas CNVs que indicam o início da fase maníaca. Além de diminuição da necessidade de sono, veste-se com roupas mais chamativas, às vezes provocativas sexualmente, bem como usa mais maquiagem ou adereços corporais; tem “acessos” de limpeza ou de arrumação (p. ex., resolve arrumar todas as suas roupas ou objetos guardados há anos); toma providências diversas, faz compras excessivas e investe em falas proselitistas sobre religião, política ou costumes. É comum que o paciente com 13 mania acorde muito cedo pela manhã, manifestando já uma hiperatividade ruidosa; canta e sobretudo se for religioso, prega para todos, entoa os hinos e canções de sua igreja ou outros hinos conhecidos. Tem uma loquacidade quase inesgotável, com condutas diversas e, às vezes, escandalosas. Seus movimentos às vezes são incessantes, acelerados e endiabrados; faz barulho, suas roupas podem ser vestidas de forma descuidada, colocando várias camisas, saias ou calças, umas sobre as outras. A mímica pode exprimir de forma exagerada as emoções que se impõem ao paciente. Há aceleração em todas as esferas psíquicas e comportamentais, da ação, do pensamento, das lembranças e das representações na imaginação. O ritmo global é não apenas acelerado, mas exagerado e descompassado. O paciente maníaco pode permanecer muitas horas, às vezes dias, em movimento agitado. Com o passar dos dias e semanas, as pessoas que lhe são mais próximas passam a impor limites aos seus atos, por exemplo, negam-lhe dar dinheiro, censuram sua atitude e fazem críticas crescentes. Geralmente, então, o paciente pode mudar de um estado global de alegria, elação e excitação para o estado de irritação, beligerância, podendo agredir familiares, profissionais da saúde ou outros que interagem com ele e lhe coloquem qualquer limite ou oposição. TEMA 3 – SUICÍDIO E COMPORTAMENTO SUICIDA Quando identificamos depressão grave, em algum momento da entrevista será necessário perguntar sobre risco de suicídio, com perguntas ativas e direcionadas, colocando-nos em alerta. Iremos revisar uma série de dados de sua história, ficaremos mais atentos aos detalhes do estado mental. É uma experiência frequente por que passa um profissional de saúde mental e também na qual nos faz termos habilidades para avaliação especializada: pôr em prática uma avaliação do risco de suicídio e identificar e priorizar os alvos para uma ação terapêutica O risco de suicídio, por mais cuidado que tenhamos em sua formulação, distancia-se da noção de previsão de quem irá, ou não, tirar a própria vida. Quando nos referimos a graus de risco – baixo, moderado ou alto –, estamos nos referindo a probabilidades de que um suicídio venha a ocorrer em um futuro próximo. Não há fórmula simples, nem escalas que possam fazer essa estimativa com precisão. A formulação de risco tem a principal vantagem de orientar o manejo clínico e colocar as ações terapêutica sem ordem de prioridade. Além 14 disso, o risco suicida é mutável: um risco crônico transforma-se em agudo, e avaliações sequenciais costumam ser necessárias. A melhor abordagem seria escalonar perguntas iniciando pelas mais abertas (“Você já pensou em morrer?” “Acha que se sumisse tudo se resolveria?”) e dependendo da resposta, afunilar para perguntas mais fechadas e objetivas (“Você está pensando ou já pensou alguma vez em se suicidar?”, “de que maneira?”). O paciente que descreve um plano específico de suicídio é muito preocupante, muitas vezes requerendo o apoio de terceiros durante a avaliação. Também devemos estar atentos aos sinais de alerta, como o indivíduo ficar mais quieto e menos agitado que o habitual depois de expressar uma intenção suicida ou fazer um testamento e doar propriedades pessoais. Os fatores de risco para suicídio incluem idade precoce ou avançada, dependência de álcool ou drogas, tentativas anteriores de suicídio (principal fator), sexo masculino e história familiar de suicídio. Adultos com transtorno depressivo maior sob tratamento com antidepressivos devem ser observados para identificar agravamento do humor deprimido e propensão ao suicídio, particularmente durante os meses iniciais do curso farmacoterapêutico e quando há alteração de dosagem (aumento ou redução). Os resultados de um exame mental cuidadoso, fatores de risco, tentativas anteriores de suicídio e pensamentos e intenção suicidas devem todos ser considerados ao se avaliar o risco de suicídio. 3.1 Alterações no exame do estado mental atual Aqui, serão descritos alguns estados mentais que se associam ao risco de suicídio. 3.1.1 Psychache e constrição cognitiva O neologismo psychache foi idealizado para denominar uma dor intolerável, vivenciada como uma turbulência emocional interminável, uma sensação angustiante de estar preso em si mesmo, sem encontrar saída. Junto com esse desespero, costuma haver a sensação de que a vida entrou em colapso e o suicídio passa a ser visto como a única saída, uma forma de cessação da dor psíquica. 15 3.1.2 Ansiedade, inquietude e insônia De modo geral, a inquietude motora, as preocupações excessivas e os sintomas corporais que acompanham a ansiedade levam ao desespero e à ideação suicida. O controle da ansiedade é sempre um objetivo terapêutico essencial no tratamento de pessoas sob risco de suicídio. A insônia é um fator de risco igualmente modificável pelo tratamento. 3.1.3 Impulsividade e agressividade Atos impensados e explosões de raiva podem aparecer espontaneamente no relato porém é comum que os pacientes relutem em contar eventos dessa natureza. Precisaremos interrogá-los e, muitas vezes, contar com a informação complementar de um familiar. Algumas técnicas podem auxiliar aconfirmar tais alterações: passar a ideia de que reações excepcionais podem acontecer com qualquer pessoa e que, por isso, não deveria haver constrangimento ao responder e não usar as expressões impulsividade, agressividade, violência: “quando estamos sob muita pressão, podemos fazer coisas sem pensar; algo que, se tivéssemos um pouco mais de tranquilidade naquele momento, faríamos de um jeito diferente. Isso já aconteceu com você? Poderia me dar alguns exemplos?” “Já fez alguma coisa contra alguém, ou contra si mesmo, quando estava nesse estado?” É uma regra geral, principalmente em uma avaliação inicial, evitar termos que tenham conotação negativa ou adjetivos que impliquem julgamento. Se o paciente empregar as palavras que inicialmente evitamos, podemos, então, passar a usá-las. 3.1.4 Desesperança Lembrar dos 3D´s: sentimentos de desesperança, bem como a falta de razões para viver, associam-se mais ao suicídio do que o humor deprimido: “Você tem planos para futuro? Você tem esperança de que sua situação vai melhorar?”. Investigar quais as razões que o paciente encontra para viver: responsabilidade pelos filhos, princípios podem compor um plano de segurança. 16 3.1.5 Vergonha e vingança É importante não menosprezar o sentido de expiação de culpa, ou de ataque vingador, que um suicídio pode representar. O suicídio pode resultar da vergonha em quem teve um segredo exposto ou em quem frustrou a própria expectativa ou a de outra pessoa. Alguns fatores de risco se associam com estes sentimentos: pessoa mora sozinha, pouco ou nenhum suporte social ou familiar, insistindo em uma reconciliação improvável, forma de pensar e de agir for do tipo “tudo ou nada, história de impulsividade, uso de substância em excesso. Nesses casos, mesmo na ausência dos principais fatores de risco (transtorno mental, tentativa de suicídio prévia), um contexto insuportável leva à necessidade de fazer alguma coisa definitiva. Para cessar a dor psíquica, ou para permanecer na lembrança do ser amado perdido, o suicídio pode ser visto como a melhor opção. 3.1.6 Ambivalência Muitas vezes os pacientes estão ambivalentes, ou seja, oscilam a todo tempo sobre pensamentos opostos (suicidar-se ou não) e é nisso que devemos focar para fortalecer os fatores protetivos (suporte social, filhos etc). TEMA 4 – TRANSTORNOS POR USO DE SUBSTÂNCIAS De acordo com Cheniaux Jr. (2015) e Sampaio e Lotufo Neto (2019), As substâncias aqui citadas e denominadas psicoativas (ou seja, que atuam no cérebro e apresentam consequências nos fenômenos psíquicos) que fazem parte deste tópico da são: álcool, cafeína, tabaco, Cannabis (ou maconha), psicoestimulantes como cocaína (pó ou crack) e anfetaminas, opioides, alucinógenos, inalantes, sedativos, hipnóticos e ansiolíticos. Essas substâncias produzem, de modo geral, sensações de prazer ou excitação (respostas de recompensa), cuja correspondência cerebral está vinculada às chamadas áreas e circuitos de recompensa do cérebro. As principais estruturas envolvidas nesses circuitos são o nucleus accumbens, a área tegmental ventral e a amígdala e o principal neurotransmissor envolvido é a dopamina. Pessoas com transtornos mentais graves são mais propensas a fazer uso problemático e a desenvolver dependência de substâncias. 4.1 Principais sinais e sintomas de acordo com o DSM-V No transtorno por uso de substâncias, ocorre o uso contínuo e recorrente de uma substância, que é mantido apesar de problemas significativos que dele 17 decorrem. As principais características são: dificuldade importante ou baixo controle sobre o uso, prejuízos psicossociais e sociais evidentes, riscos físicos e psicológicos, além das alterações como tolerância e abstinência (mais relacionadas com a dependência). A renomeação dessa categoria no DSM-5 vem ampliar a noção anterior e mais restrita de “dependência química” (que é fenômeno farmacológico obrigatório, podendo ou não estar presente nesses transtornos). A dificuldade no controle do uso é um elemento essencial desses transtornos e se expressa pelo fracasso em relação a tentativas de reduzir ou regular o consumo; o indivíduo pode gastar muito tempo para obter a droga, e grande parte (se não todas) das atividades diárias giram em torno da substância (comportamento de busca e gastos desproporcionais para obtê-la). Há, em geral, fissura (forte desejo ou necessidade intensa de usar a droga), desencadeada por um ambiente onde a droga já foi consumida ou obtida anteriormente. O prejuízo psicossocial se verifica pelas dificuldades em cumprir as obrigações nos estudos, no trabalho ou em casa, bem como pelo abandono de importantes atividades sociais, profissionais, estudantis e recreacionais em virtude do uso da substância. O indivíduo continua a usar a droga apesar dos problemas interpessoais e sociais relacionados ao consumo e o paciente pode se colocar em situações de riscos envolvendo sua integridade física e/ou psicológica e, apesar deles, não consegue manter-se abstinente. Finalmente, pode haver também critérios farmacológicos, que não são mais necessários para o diagnóstico, de acordo com o DSM-5: a tolerância e a abstinência. A primeira observamos pela necessidade de doses cada vez maiores da substância para obter o efeito similar ao do primeiro uso ou o efeito da substância nas mesmas doses é acentuadamente reduzido com o passar do tempo, ocorrendo com frequência no transtorno por uso de álcool, de opioides e de benzodiazepínicos. Já a abstinência, ou síndrome de abstinência, pode ocorrer quando a concentração da droga no organismo da pessoa diminui, e o indivíduo passa a apresentar sintomas físicos como tremores, ansiedade, sudorese, insônia ou sonolência (cada substância apresenta um conjunto de sintomas específico). A abstinência ocorre com frequência em relação a álcool, opioides, cafeína, tabaco, estimulantes e sedativos (como benzodiazepínicos). 18 4.2 Transtornos induzidos por substâncias Os transtornos induzidos ocorrem em decorrência dos efeitos fisiológicos da substância no cérebro. Há uma relação específica entre o uso e a síndrome induzida. São quadros geralmente reversíveis que podem durar horas ou dias, mas que não ultrapassam, de modo geral, um mês após a cessação do uso da substância, vejamos a seguir. A intoxicação é definida como uma síndrome reversível específica, com alterações comportamentais ou mentais, como prejuízo do nível de consciência (embriaguez, sedação, torpor), perturbação da percepção, da atenção, do pensamento, do julgamento e do comportamento psicomotor, além de agressividade, beligerância ou humor instável, causados por uma substância recentemente ingerida. Com o termo binge, descrevemos os episódios de consumo intenso, rápido e compulsivo, que se relaciona intimamente à intoxicação (Ribeiro; Andrade, 2007). Neste tópico, é importante para a prática clínica aprender a diferenciar os quadros psicopatológicos graves induzidos por substâncias e episódios (de esquizofrenia, mania, depressão, entre outros) independentes do efeito delas. Nos quadros induzidos por substâncias (ou pela síndrome de abstinência da substância), os sintomas devem regredir em, no máximo, 30 dias após o indivíduo ter cessado o uso. Nos quadros independentes, é comum que o episódio já tenha surgido outra vez na vida, independentemente do uso da substância. De modo geral, nos quadros independentes, como um surto de esquizofrenia ou um episódio de mania, a duração é superior a 30 dias. TEMA 5 – TRANSTORNOS NEUROCOGNITIVOS/DEMÊNCIA As síndromes mentais orgânicas (entre elas delirium, demências, transtorno amnéstico etc.) foram reagrupadas nas classificações atuais (DSM-5 e CID-11) e atualmente são denominados transtornos neurocognitivos (TNCs). Todos os TNCs, apesar de terem necessariamente uma causa orgânica indiscutível e, muitas vezes,identificável (doenças ou condições como Alzheimer, Parkinson, encefalite, insuficiências renal e hepática etc.), são estudados pela psicopatologia (e abordados pela psiquiatria e pela psicologia clínica, e não apenas pela neurologia) pelo fato de suas manifestações clínicas serem predominantemente mentais e comportamentais. Os TNCs foram 19 subdivididos em dois grandes grupos: o delirium (quadros agudos, de curta duração) e os TNCs de longa duração ou crônicos (demências, síndrome amnéstica, TNC leve etc.). Estes últimos foram subdivididos em maiores e leves. Na denominação comprometimento cognitivo leve (CCL) estão reunidos quadros semelhantes aos TNCs maiores, mas com menor gravidade ou em fase inicial. Os déficits neurocognitivos não podem interferir na capacidade de ser independente do indivíduo ou nas suas atividades e o prejuízo cognitivo deve ser, de modo geral, de pouca gravidade. Uma porcentagem importante desse paciente (aproximadamente 5 a 20%), com o tempo, evolui para demência. No DSM – 5, os TNCs maiores são agrupados juntos, de modo a unir as demências e as síndromes amnésticas em um grupo único: TNCs maiores, nos quais as alterações clínicas principais são déficits cognitivos adquiridos. 5.1 Características O curso das perdas cognitivas e da limitação da vida funcional é quase sempre progressivo (na esquizofrenia, por exemplo, as perdas tendem a ser precoces e mais estáveis). Os TNCs (demências) são causados por doenças neurodegenerativas e cerebrovasculares, ou seja, têm uma etiologia neuropatológica específica e bem estabelecida. Para a realização do diagnóstico de um TNC maior (demência) ou leve (CCL), é necessário que haja perda ou declínio de alguma função cognitiva (de um dos diversos domínios cognitivos – Declínio do funcionamento cognitivo prévio, em domínios cognitivos como memória, linguagem, funções executivas, julgamento, atenção, velocidade de processamento, cognição social, velocidade psicomotora e habilidades visuoespaciais ou visuoperceptivas) em relação aos estágios anteriores da vida, quando essa função ou domínio estava normal ou, se já reduzida desde a infância (p. ex., no déficit intelectual), sofreu clara redução em relação ao seu nível anterior. Saiba mais Atenção! Não se exige mais que seja especificamente a memória como domínio cognitivo alterado (embora em grande parte dos casos ela esteja alterada, e, na demência de Alzheimer, essa alteração seja proeminente desde o início). 20 5.2 Entrevista É bastante relevante fazer o esforço para se identificarem os domínios cognitivos mais comprometidos, por meio da história clínica e de testes neuropsicológicos. Isso permite que se estabeleçam hipóteses diagnósticas anatômicas e neuropsicológicas, ou seja, que se compreendam quais circuitos e regiões no cérebro podem apresentar disfunções, que resultam nos sintomas do paciente. Por sua vez, o diagnóstico anatômico e neuropsicológico contribui para a elaboração de hipóteses etiológicas, já que determinadas condições neuropatológicas acometem inicialmente regiões e estruturas específicas do cérebro. NA PRÁTICA Caso Clínico – Uma mulher de 60 anos solicita atendimento queixando- se de fadiga no último mês. Refere ter dificuldade para adormecer, pouco apetite e perda de 4,5 kg, além de pensamentos sobre querer morrer. Reconhece ter tido sintomas semelhantes em várias ocasiões no passado, mas “nunca tão graves”. Seus problemas clínicos incluem hipertensão e diabetes, além da saída dos filhos de casa. Qual dos seguintes sintomas deve estar presente para se fazer o diagnóstico de transtorno depressivo maior? A. Humor deprimido. B. Apetite diminuído. C. Culpa excessiva. D. Fadiga. E. Ideação suicida. FINALIZANDO Vimos resumidamente alguns dos principais transtornos mentais e suas alterações na entrevista e no exame do estado mental. É de suma importância que você revise esses tópicos e aprofunde na literatura recomendada 21 REFERÊNCIAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. BOTEGA, N. J. Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed, 2015. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. O suicídio e os desafios para a psicologia. Brasília: CFP, 2013. CHENIAUX JUNIOR, E. Manual de psicopatologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019. SAMPAIO, L. A. N. P. C; LOTUFO NETO, F. (Ed.). Psiquiatria – O essencial. São Paulo: Edimédica, 2019. TOY, K. Casos clínicos em psiquiatria. Tradução de Régis Pizzato; revisão técnica: Renata Rodrigues de Oliveira. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. 22 GABARITO Resposta: A.