Buscar

conceitos de especie_sistemática

Prévia do material em texto

Conceitos de espécie 
(por Solange Peixinho) 
 
Os biólogos não mais questionam “conceitos de célula” ou “conceitos de genes”, 
possivelmente porque estes conceitos, células como unidades de tecidos e DNA como 
material genético, são amplamente compreendidos. No entanto, nosso conceito de 
espécie tem mudado ao longo do tempo, provavelmente porque ainda não entendemos 
muito bem o significado deste termo. É possível que a sua aplicação tanto para 
organismos como para objetos inanimados tenha dado espaço para muita confusão em 
torno do tema e um número bastante grande de definições para a espécie em biologia. 
É provável, contudo, que a dificuldade maior seja similar à que os biólogos têm 
em relação à definição de vida, isto é, em apresentar um conjunto de propriedades que 
dêem significado ao conceito “vida”, à luz de algum paradigma e dos conceitos que 
fazem parte dele. Neste caso específico já existem ao menos três definições apoiadas em 
paradigmas da biologia evolutiva – neodarwinismo, autopoiese e biossemiótica. 
Em relação à espécie, Ghiselin deu a seguinte definição “espécie é o produto do 
processo de especiação”, uma definição dita “circular”, similar à definição autopoiética 
de vida, que se dilui no seio das mais de trinta definições existentes. 
Na realidade, desde Darwin há um intenso debate sobre a definição de espécie, 
pois segundo ele, espécies não são entidades reais na natureza. Podemos expor três 
visões gerais a respeito desta entidade: (1) espécies são reais e constituem a unidade que 
evolui (visão realista); (2) espécies não são reais e são populações intercruzantes 
(demos) que evoluem (nominalismo – nenhuma definição é realmente necessária); (3) 
espécies não são reais, mas elas são a unidade teórica da evolução (nominalismo – uma 
definição é requerida). 
Deste modo, das páginas da literatura biológica emergem oito principais 
conceitos: morfológico ou fenético, biológico, ecológico, reconhecimento, coesão, 
evolutivo, filogenético e genealógico. 
Nas mais simples formulações, o conceito de espécie é deixado tão vagamente 
definido que o seu significado não é claro. Por exemplo, “espécies são tipos de 
organismos naturais e simples”, ou seja, uma classe de organismos similares que 
corresponde ao conceito dito “morfológico”. No entanto, os caracteres que 
supostamente separam estas classes não são necessariamente morfológicos, mas 
significa qualquer atributo, seja fisiológico, comportamental, ou que se refira às 
propriedades dos cromossomos e dos genes. Parece mais apropriado o termo “fenético”, 
mais ou menos como é utilizado pelos feneticistas ou taxonomistas numéricos, prática 
bastante divulgada nos anos sessenta e início dos anos 70. 
Mas, de fato, uma definição fenética ou morfológica deixa “espécie” 
incompletamente definida devido à nítida subjetividade da mesma. Estes conceitos são 
denominados “práticos”, num sentido muito peculiar, o econômico. Isto porque os 
funcionários de museus são às vezes obrigados a identificar uma grande quantidade de 
espécimes e são incentivados a maximizar o número de nomes que eles podem colocar 
nos espécimes por unidade de tempo.. Freqüentemente pensam em si mesmos mais 
como identificadores que classificadores. Por outro lado, os consumidores de 
sistemática nem sempre têm o cuidado quanto aos nomes que eles usam se realmente 
correspondem a táxons que um biólogo evolutivo sério gostaria de denominar espécie, 
mais que subespécie ou gênero. 
Deste modo, alguns problemas com o conceito morfológico incluem espécies 
simpátricas, dimorfismo sexual e polimorfismos e isto ilustra bem o subjetivismo deste 
conceito na definição de espécie, a exemplo das grandes diferenças morfológicas em 
formas que entrecruzam livremente. 
Há, porém aspectos positivos no conceito de morfoespécie: é de fato o modo que 
temos de reconhecer diferenças nas espécies, aplica-se bem tanto para organismos 
sexuados como para organismos assexuados, assim como para fósseis. Seu principal e 
grave defeito é, portanto a falta de conexão com a genética. 
Insatisfeitos com as definições de espécie baseadas em caracteres, os 
evolucionistas dos anos 30 e 40, afirmaram que as espécies deveriam refletir um 
fenômeno biológico subjacente real e não permanecerem meramente como categorias 
taxonômicas convenientes. Assim, surgiu o “conceito biológico de espécie” (CBE), 
que foi desenvolvido paralelamente com a idéia de que as espécies eram unidades 
importantes de evolução e que os mecanismos de isolamento eram recursos protetores à 
manutenção da integridade genética das mesmas. 
Na visão de Mayr, “espécies são grupos de populações naturais que se 
entrecruzam, mas que estão reprodutivamente isolados de outros tais grupos de 
populações”. Quais são então as propriedades que definem espécie biológica? Em 
primeiro lugar, uma espécie tem que ser uma população, compreendida no sentido 
amplo de comunidade reprodutiva e não no sentido de populações locais, depois, sob 
condições ordinárias devem ser suficientemente coesas para impedir seus componentes 
de sofrerem divergências definitivas, provando que as forças de coesão são eficientes e 
finalmente diferenciar as espécies de unidades menores na hierarquia, como subespécie 
e demo, dizendo que a espécie é a unidade maior ou mais incorporativa. 
A última versão do CBE de Mayr, em 1982, diz que “espécies são grupos de 
populações atualmente ou potencialmente intercruzantes, que são reprodutivamente 
isoladas e que ocupam um nicho específico na natureza”. Tais grupos não apenas não 
entrecruzam, mas não têm o potencial para cruzar. 
A potencialidade é importante, pois alguma outra coisa além do isolamento 
reprodutivo deve impedir a produção de híbridos viáveis; por exemplo, eles devem ser 
separados nas denominadas populações alopátricas, portanto isoladas geograficamente, 
sem serem reprodutivamente isoladas. Se elas voltam a ficar juntas, tornando-se, 
portanto, simpátricas, elas e as espécies como um todo poderão prosseguir o 
cruzamento. O cruzamento é propriedade de populações como um todo, não de 
organismos e isto faz grande diferença. 
Quais as limitações de aplicação do CBE? Dificuldade em determinar o 
isolamento para populações geograficamente separadas, não é aplicável a todas as 
espécies, isto é, espécies assexuadas, espécies com introgressão e hibridização, espécies 
fósseis, não é útil aos taxonomistas clássicos e não têm dimensão evolutiva. Deste 
modo, só podemos aplicá-lo às populações mendelianas. 
Por outro lado, destacamos seus pontos fortes: adaptação dentro da genética de 
populações fornece um critério empírico não ambíguo e dá suporte conceitual para 
especiação. 
Por cerca de trinta anos, o CBE foi amplamente aceito, embora não o fosse pelos 
botânicos, pois, freqüentemente as plantas têm altas taxas de hibridização, variabilidade 
local e plasticidade induzida pelo ambiente. 
Um dos movimentos tem sustentado que populações mais que espécies, são as 
reais e importantes unidades de evolução, outros defendem a presença de processos 
biológicos subjacentes, mas cada um apregoa um tipo de processo diferente como sendo 
o mais importante. 
Exemplos incluem o “conceito ecológico de espécie”, no qual espécies são 
definidas por seus nichos ecológicos.. Corresponde aos achados de um considerável 
corpo de pesquisa ecológica o qual sugere que espécies ocupam “zonas adaptativas” que 
são determinadas e reforçadas pelos recursos explorados e habitats ocupados. No 
entanto sua ligação com a genética é fraca, falta dimensão evolutiva e está rigidamente 
vinculada aos nichos ecológicos determinando espécies. É preciso considerar que 
mesmo em diferentes estádios de vida um organismo poderá ocupar diferentes nichos. O 
melhor que pode ser dito é que os processos ecológicos influenciam aspectos fenéticos e 
genéticos das espécies. 
O “conceito de reconhecimento de espécie “(CR) exposto em 1983 por H.E.H. 
Paterson diz que “espécie é a população mais inclusiva deindivíduos biparentais que 
compartilham um sistema comum de fertilização”, ou seja, espécie é definida pela 
sinalização sexual ou sistemas específicos de reconhecimento no acasalamento. Este 
conceito define espécie, portanto, pelo critério do que as mantém juntas e o sistema de 
fertilização compreende todos os caracteres que contribuem à aquisição da fertilização, 
incluindo caracteres de parceiros emparelhados, feições dos gametas, os determinantes 
na sincronia de aquisição da condição reprodutiva, entre outros. Para alguns autores, 
isolamento e reconhecimento são dois lados da mesma moeda e juntos dão o conceito 
biológico; deste modo o CR não é considerado um refinamento real do CBE, mas um 
complemento deste. Como deficiências apontam-se a falta de dimensão evolutiva e a 
dificuldade em conceituar os mecanismos que conduzem à especiação. 
Templeton propôs o “conceito de coesão” onde “espécie é a população de 
indivíduos mais inclusiva, tendo o potencial para coesão fenotípica através de 
mecanismos de coesão intrínsecos”. Neste conceito ele buscou combinar isolamento 
reprodutivo, seleção ecológica e compatibilidade reprodutiva. Deste modo a focalização 
é feita em mecanismos que mantêm a coesão genotípica e fenotípica naqueles grupos de 
populações que, reconhecemos como pertencentes a diferentes espécies, da mesma 
forma que fez o CBE. A maior vantagem é que tanto a hibridização como a 
assexualidade, que não podem podem possam podem ser incluídas no conceito 
biológico, aí poderiam estar. 
Contudo, para certos autores o conceito de coesão apenas reescreve o CBE. Aplicável às 
espécies bissexuais ou assexuais, já que são definidas em termos de coesão genética e 
fenotípica, do mesmo modo que ocorre no conceito evolutivo de espécie. 
O “conceito evolutivo de espécie”, no qual uma espécie é uma linhagem 
evoluindo separadamente de outras, foi proposto por G.G. Simpson para permitir a 
classificação de espécies fósseis e vivas. Numa forma modificada, Wiley diz que uma 
“espécie evolutiva é uma única linhagem de populações de organismos ancestral-
descendente que mantém sua identidade separada de outras linhagens < no espaço e no 
tempo> e que tem suas tendências evolutivas e destino histórico”. Ocorreu, portanto, 
uma abordagem completamente diferente dos demais conceitos, pois inclui a idéia de 
história evolutiva e é compatível com vários modos de especiação. A maior força está 
no fato das espécies terem unidade histórica, em contraposição a certas fraquezas, onde 
se destacam como principais a ambigüidade do “destino evolutivo” e o fato de que em 
sendo as feições igualmente relevantes, elas poderem dar informação contraditória. 
Às idéias iniciais de Simpson e Wiley vieram agregar-se vários tipos de 
“conceito filogenético de espécie”, no qual os indivíduos que pertencem a uma espécie 
contém todos os descendentes de uma única população de ancestrais, ou seja, são 
monofiléticos. Define-se espécie então como “o menor agrupamento diagnosticável de 
organismos individuais, dentro dos quais há um padrão de ancestralidade e 
descendência”. Assim a premissa implícita no conceito filogenético é que a 
classificação deve refletir a relação ramificada entre as espécies, a qual é indicada por 
um cladograma. 
Este conjunto de idéias foi desenvolvido por J. Cracraft e outros especificamente 
como resposta ao crescimento do uso da cladística na classificação. Nesta, apenas 
apomorfias são usadas para unir grupos, assim compatibilidade reprodutiva e 
hibridização livre, supostamente não podem ser usados nas definições de espécie, pois 
são caracteres originais ou plesiomórficos. 
Contudo, infelizmente, hibridização também pode conduzir genes a passar de 
um táxon a outro e assim genes tão diferentes dentro de um grupo de organismos, de 
fato podem ter diferentes filogenias ( filogenias de gene único é denominada 
genealogia). Para contornar este problema de dados conflitantes, D.L. Baum e K.L. 
Shaw sugeriram uma variante do conceito filogenético de espécie baseado no consensus 
de muitas genealogias, estimadas de diferentes genes – é o conceito genealógico de 
espécie. 
Quais são então as vantagens do conceito cladístico (ou filogenético) de espécie? 
Em primeiro lugar na clara dimensão evolutiva, em seguida, no uso de características 
micro e macro no estabelecimento de filogenias e conseqüentemente de pontos de 
ramificação e finalmente, é o conceito mais rico em estudos paleontológicos. 
Em contraposição, apenas um pequeno número de linhagens foram descobertas 
com o detalhamento requerido para esta abordagem, é desconectado da genética de 
populações e sua abordagem é pluralista, pois trata-se de uma combinação de conceitos. 
Mas afinal, o que é espécie? Em última análise uma categoria taxonômica no 
sistema hierárquico de Lineu e teoricamente a unidade de evolução. Deste modo, os 
conceitos de espécie, de um modo geral, focalizaram os seguintes aspectos principais: 
(1) características morfológicas usadas para distinguir espécies (características fenéticas 
ou fenotípicas, matematicamente quantificáveis); (2) propriedades biológicas que 
mantém as espécies separadas (isolamento reprodutivo) e (3) propriedades biológicas 
que mantém as espécies (fertilização e coesão genética). 
Além disso, alguns conceitos definem espécies num instante no tempo, enquanto 
outros procuram defini-las através o tempo geológico. Alguns outros apontam o 
processo de especiação, enquanto outros dirigem a atenção para os produtos da 
especiação. 
Considerando que experimentos não são efetivos na solução do problema, 
estudos baseados no método comparativo e na abordagem dialética, têm sido os 
principais meios de estudar as variadas formas de vida na Terra. 
Em conclusão, na prática a identificação de espécies usualmente é fenética, a 
definição operacional mais comum é o CBE – conceito biológico de espécie e o 
próximo conceito mais útil é o CR – conceito de reconhecimento.

Continue navegando