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Nutrição: um foco nos estágios da vida - Gravidez e amamentação Apresentação Esta Unidade de Aprendizagem terá como destaque o olhar da nutrição com o foco nos estágios da vida: gravidez e amamentação. Por consequência, serão tratados aspectos relacionados às principais mudanças fisiológicas e necessidades nutricionais na gravidez, os planos alimentares adequados para gestantes e lactantes, além do detalhamento dos processos fisiológicos da amamentação. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever as principais mudanças fisiológicas e necessidades nutricionais na gravidez.• Identificar planos alimentares adequados para uma gestante ou lactante.• Explicar os processos fisiológicos que ocorrem na amamentação e respectivos benefícios à mãe e ao bebê. • Desafio O quadro abaixo ilustra um cardápio diário que se baseia no plano alimentar de 2.600 Kcal para a gravidez no segundo e no terceiro trimestres. Esse cardápio supre, também, as necessidades de nutrientes extras associados à gravidez. Mesmo assim, pode ocorrer que algumas mulheres precisem consumir mais alimentos. Diante do exposto e análise da amostra do cardápio diário, faça um breve relato sobre os grupos de alimentos ou alimentos que podem ser recomendados para enriquecer o cardápio proposto. Amostra de um cardápio diário de 2.600 kcal, que supre as necessidades nutricionais da maioria das gestantes e lactantes. Infográfico Observe e avalie as imagens abaixo, pois sintetizam o que iremos desenvolver nesta Unidade de Aprendizagem sobre Nutrição: um foco nos estágios da vida - gravidez e amamentação. Conteúdo do livro A gestação e a produção de leite materno são eventos fisiológicos que modificam as necessidades nutricionais da mulher gestante e da nutriz. Garantir alimentação qualiquantitativamente adequada para as gestantes auxilia na manutenção de sua saúde e do bebê, reduzindo risco de morbimortalidade durante a gestação e no parto. Da mesma forma, a oferta adequada de energia e calorias é fundamental para uma lactação que atenda as necessidades do lactente bem como da nutriz, garantindo bom estado nutricional de mãe e filho. No capítulo "Nutrição: um foco nos estágios da vida - Gravidez e amamentação" você vai aprender sobre a fisiologia da gestação e lactação bem como as principais recomendações nutricionais para gestantes e nutrizes. Além disso, você vai conhecer mais sobre a composição nutricional do leite materno e os benefícios da amamentação para nutriz e lactente. Boa leitura. NUTRIÇÃO NOS CICLOS DA VIDA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Descrever as principais mudanças fisiológicas e necessidades nutricionais da gravidez. > Identificar planos alimentares adequados para uma gestante ou lactante. > Explicar os processos fisiológicos que ocorrem na amamentação e respec- tivos benefícios à mãe e ao bebê. Introdução A saúde materno-infantil é parte do indicador de desenvolvimento humano, dada a vulnerabilidade deste grupo. O cuidado à saúde das gestantes, nutrizes e lactentes passa pelo estado nutricional e pela alimentação adequada a cada fase, com o objetivo de reduzir o risco de complicações durante a gestação e no pós-parto imediato e tardio. A nutrição da gestante impacta diretamente na saúde do feto e do bebê, assim como a alimentação da nutriz pode modificar a qualidade nutricional do leite materno e, portanto, a saúde do lactente. Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação Ramona Baqueiro Boulhosa A gestação e a amamentação modificam as demandas energéticas e de nu- trientes das mulheres, exigindo ajustes na dieta e até mesmo suplementação específica para garantir a saúde da mãe e do bebê. Da mesma forma, a alimentação inadequada pode contribuir para ocorrência de doenças para a mãe, principalmente durante a gestação, e pode aumentar o risco de morbimortalidade materna e neonatal. Neste capítulo, você vai conhecer as mudanças hormonais e fisiológicas ob- servadas durante o período gestacional e seu impacto nas necessidades nutri- cionais da gestante. Você ainda vai aprender sobre as principais recomendações nutricionais para gestantes e lactantes, incluindo as mulheres com diabetes gestacional e síndrome hipertensiva da gestação. Por fim, você vai conhecer a fisiologia da lactação, os hormônios envolvidos e os principais estímulos para produção e secreção do leite. Serão ainda abordados a composição nutricional do leite materno e os benefícios da amamentação para nutriz e lactente. Fisiologia da gestação e recomendações nutricionais A gestação é um período de intensas modificações em todos os sistemas fisiológicos do organismo da mulher para atender à demanda da formação das estruturas associadas à gestação (placenta, líquido amniótico, etc...), do bebê e do preparo para o parto. Essas modificações começam no momento da implantação do embrião ao endotélio e são moduladas pelos hormônios (DOUGLAS, 2006). Os principais hormônios envolvidos na gestação e alguns de seus efeitos estão descritos no Quadro 1. Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação2 Quadro 1. Hormônios da gestação e seus efeitos Hormônio Local de produção Efeitos fisiológicos Gonadotrofina coriônica humana (hCG) Células do blastocisto (que darão origem à placenta madura) Impede a morte do corpo lúteo e o estimula a continuar secretando a progesterona até a sua produção ser assumida pela placenta. Hormônio lactogênio placentário Corpo lúteo/ placenta Estimula o desenvolvimento da mama e lactação. Outro efeito é a disponibilização de glicose para o feto, pois ele reduz a captação de glicose pelos tecidos maternos por induzir resistência à insulina na gestante. Progesterona Placenta Inibe as contrações uterinas; é responsável por crescimento e desenvolvimento dos alvéolos das glândulas mamárias para a produção de leite e aumento da ventilação pulmonar maternal. Estrogênio Placenta É responsável por crescimento e desenvolvimento do útero e dos ductos mamários e pela maior vascularização uterina. Prolactina Hipófise anterior Estimula a produção do leite materno. Ocitocina Hipófise posterior Estimula a contração uterina no momento do parto; e a secreção do leite no momento da amamentação. Fonte: Adaptado de Douglas (2006). Esse conjunto de hormônios vai modular todo metabolismo materno para garantir a continuidade da gestação e o desenvolvimento do embrião (DOU- GLAS, 2006). Diversas modificações são observadas nos diferentes sistemas fisiológicos, como as descritas a seguir. � Sistema cardiovascular: aumento do volume sanguíneo, do débito cardíaco, da frequência cardíaca. Há ainda aumento da produção de Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 3 hemácias. Todas essas alterações visam a garantir fluxos sanguíneos adequados para mãe e bebê, de forma que recebam nutrientes e oxi- gênio suficientes. � Sistema digestivo: náuseas e vômitos no primeiro trimestre são comuns devido à ação da gonadotrofina coriônica humana (hCG). A constipação intestinal também é comuns devido à ação da progesterona. � Sistema respiratório: aumento da ventilação pulmonar (aumento do volume de oxigênio inspirado e expirado) sem alteração da frequência respiratória. � Sistema renal: aumento de frequência e urgência de micção e inconti- nência de esforço dada a pressão causada pelo útero na bexiga. Durante a gestação, observa-se, ainda, o ganho de peso da gestante, que inclui o bebê e os elementos corporais da gestação. No Quadro 2 estão descritas as estruturas associadas ao ganho de peso materno. Quadro 2. Peso associado aos diferentes componentes da gestação Tecidos e fluidos Peso médio (gramas) Feto 3.400 Placenta 650 Líquido amniótico 800 Útero 970 Mamas 405 Sangue 1.450 Fluido extravascular 1.480 Reservas corporais maternas 3.345 Total 12.500 Fonte: Adaptado de Wardlaw e Smith (2013). O ganho ponderalmédio durante as 40 semanas gestacionais deve ser em torno de 12,5 kg. Esse é um valor médio que deve ser ajustado de acordo com o estado nutricional pré-gravídico, conforme recomendado pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (BRASIL, 2011) (Quadro 3). Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação4 Quadro 3. Ganho de peso (kg) recomendado durante a gestação, segundo o estado nutricional inicial Estado nutricional pré-gravídico (IMC) Recomendação de ganho de peso (kg) total no 1º trimestre Recomendação de ganho de peso (kg) semanal médio no 2º e 3º trimestres Recomendação de ganho de peso (kg) total na gestação Baixo peso 2,3 0,5 12,5-18,0 Adequado 1,6 0,4 11,5-16,0 Sobrepeso 0,9 0,3 7,0-11,5 Obesidade -- 0,3 7,0 Fonte: Adaptado de Brasil (2011). Todas as transformações metabólicas, fisiológicas e anatômicas que ocor- rem durante o período gestacional modificam a demanda de nutrientes. De forma geral, há aumento das necessidades de energia, carboidratos, proteínas, ferro, iodo, folato e piridoxina. Contudo, o aumento das necessidades desses nutrientes não é homogêneo; essa demanda vai depender das alterações fisiológicas do período gestacional (WARDLAW; SMITH, 2013). Para o cálculo das necessidades calóricas totais, é necessário determinar o gasto energético basal (GEB) e o gasto associado à atividade física. O GEB deve ser calculado de acordo com o peso pré-gestacional, se gestante com peso pré-gravídico adequado. Para promover o ganho de peso durante a gestação, é necessário aumentar o consumo de calorias. As ingestões dietéticas de refe- rência — dietary reference intakes (DRIs) —propõem que, no primeiro trimestre gestacional, a ingestão calórica seja semelhante à do período não gravídico, pois a demanda energética não se eleva. Para o 2º e o 3º trimestre, inclui-se, respectivamente, 340 kcal e 452 kcal (PADOVANI et al., 2006). O Institute of Medicine (2005), por sua vez, recomenda um acréscimo de 250 kcal/dia por todo o período da gestação (FREITAS et al., 2010). A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam o adicional calórico a partir do 1º trimestre de 200 kcal para gestantes sedentárias ou que interromperam a prática de atividade física com a gestação e 285 kcal para gestantes fisicamente ativas durante toda gravidez (ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 1985). O Institute of Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 5 Medicine (2005) ainda apresenta um cálculo de requerimentos energéticos estimado que considera a idade gestacional, conforme equação a seguir. EER = EER pré-gestacional + (8 kcal x IG em semanas) + 180 kcal EER pré-gestacional = 354 – (6,91 x I) + NAF x (10 x P) + (934 x A) + 25 NAF: � 1,0 (sedentária); � 1,16 (pouco ativa); � 1,31 (ativa); � 1,56 (muito ativa) EER: estimativa energética recomendada; IG: idade gestacional; I: idade; NAF: nível de atividade física; P: peso; A: altura Em razão da síntese de novas estruturas corporais maternas e do feto, a oferta de proteína deve ser ajustada para o período gestacional. A Organização Mundial da Saúde (1998) sugere a prescrição de 0,91 g de proteína/kg de peso/ dia e adição de 6 g/dia de proteína durante as 40 semanas gestacionais. Se considerados os trimestres gestacionais, o adicional proteico deve ser 1,2 g, 6,1 g e 10,7 g para 1º, 2º e 3º trimestres (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1989). O Institute of Medicine (2005) recomenda, por sua vez, ingestão proteica de 1,1 g/kg peso/dia. É necessário ainda ajustar a oferta de carboidratos e lipídeos. A recomen- dação para gestantes é dieta normoglicídica (45 a 65% do valor energético total [VET]) e normolipídica (20-35% do VET), de acordo com os intervalos propostos pelas DRIs. Enquanto a ingestão diária recomendada — recommen- ded dietary allowance (RDA) — de carboidratos para mulheres adultas não gestantes é de 130 g/dia, a RDA de gestantes é de 175 g/dia. Esse acréscimo se deve à maior necessidade de glicose para garantir oferta contínua de energia para o bebê. Em relação à oferta nutricional de lipídeos, deve-se estimular um consumo limitado de gordura saturada e evitar gordura trans na dieta da gestante (PADOVANI et al., 2006). Nessa fase é importante a ingestão de ácidos graxos essenciais ômega-3, necessários para formação das células do sistema nervoso central do feto. Considerando-se a baixa ingestão dietética de peixes ricos em ômega-3, a Associação Brasileira de Nutrição recomenda a suplementação de 200 mg/dia de ácido docosa-hexaenoico (DHA) para todas gestantes e lactantes (NOGUEIRA-DE-ALMEIDA et al., 2022). Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação6 Além dos macronutrientes, alguns micronutrientes têm destaque nessa fase da vida. Minerais como ferro, zinco e iodo são muito importantes nessa fase. A deficiência de ferro é comum na gestação, especialmente a partir do 2º trimestre. O aumento do volume sanguíneo leva a uma anemia por diluição e, numa compensação fisiológica, há maior estímulo à produção de glóbulos vermelhos. A deficiência materna de ferro durante o período gestacional também pode comprometer o desenvolvimento do sistema nervoso do recém- -nascido, levando a prejuízo no desenvolvimento físico, mental e cognitivo (BRASIL, 2013). A RDA do ferro para gestantes é de 27 mg/dia (PADOVANI et al.,2006). O zinco é um mineral fundamental para produção de proteínas. Assim, para haver síntese adequada de novas células do feto, crescimento das estruturas maternas associadas à gestação, hormônios, enzimas e sina- lizadores, o zinco é um nutriente essencial (WARDLAW; SMITH, 2013). O iodo é um nutriente fundamental para síntese dos hormônios da tireoide (T3 e T4). A deficiência de iodo pode comprometer a produção desses hormônios, causando abortos, natimortos, anomalias congênitas, aumento da mortalidade perinatal, bócio neonatal, hipotireoidismo congênito transitório e alterações psicomotoras e cretinismo (WARDLAW; SMITH, 2013). Felizmente, a política nacional de iodação do sal reduziu de forma significativa a deficiência de iodo na população brasileira, não sendo rotina a suplementação desse nutriente mesmo no período gestacional. As vitaminas também são relevantes durante a gestação, principalmente o ácido fólico. Essa vitamina tem ação principalmente no primeiro trimestre de gestação, pois está relacionada ao fechamento do tubo neural do feto. Além disso, a carência de folato pode causar anemia megaloblástica materna, comprometendo a circulação de oxigênio para a gestante e para o feto. É recomendada ainda a suplementação de ácido fólico antes da gestação para aquelas mulheres que planejam engravidar (WARDLAW; SMITH, 2013). No Brasil, é protocolo do Ministério da Saúde a suplementação da gestante com ácido fólico e com ferro. A Política Nacional de Suplementação de ferro e ácido fólico inclui a suplementação diária a partir do conhecimento da gravidez até o fim da gestação da mulher com 40 mg de ferro elementar e 400 µg de ácido fólico. Doses maiores de ferro podem ser necessárias se a gestante apresentar anemia ferropriva durante a gravidez. A suplementação de ferro e ácido fólico durante a gestação é recomendada como parte do cuidado no pré-natal para reduzir o risco de baixo peso ao nascer da criança, anemia e deficiência de ferro e folato na gestante. Em relação ao ferro, a suplementação persiste até o 3º mês pós-parto (BRASIL, 2016a). Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 7 Todo período gestacional é marcado por intensas mudanças hormonais e fisiológicas, impactando diretamente na alimentação da mulher. As demandas nutricionais da gestante diferem muito das necessidades nutricionais da mulher não gestante, e, mesmo durante o período gestacional, a ingestão de nutrientes deve acompanhar as modificações fisiológicas e hormonais. Por isso, a conduta nutricionaldeve ser individualiza, considerando os achados clínicos, a semiologia nutricional e os exames laboratoriais. Por fim, esses ajustes nutricionais visam à saúde materna e impactam diretamente na saúde do bebê e reduzem os riscos de complicações associadas ao parto e ao puerpério. Alimentação da gestante e da nutriz em diferentes fases A alimentação saudável é a base para uma dieta adequada durante a gestação. Nesse sentido, os hábitos alimentares positivos pré-gestacionais podem ser grandes aliados no acompanhamento nutricional ao longo da gravidez. Ainda assim, a conduta nutricional para esse período deve contemplar as necessidades nutricionais aumentadas e ser ajustada às condições de saúde e de estado nutricional maternos. O Ministério da Saúde propôs um protocolo adaptado do Guia Alimentar da População Brasileira adaptado para gestantes (BRASIL, 2021b). Esse protocolo inclui as seguintes orientações. � Estimular o consumo diário de feijão ou outras leguminosas, pre- ferencialmente no almoço e no jantar: fontes de ferro e fibras, as leguminosas podem ser adjuvantes na prevenção da anemia, quando combinadas com alimentos fontes de vitamina C; com o consumo de líquidos adequado, podem auxiliar no controle da obstipação intestinal. � Evitar consumo de bebidas açucaradas: além de comprometerem a ingestão de água, melhor meio para hidratação, essas bebidas são acrescidas de calorias vazias, que podem favorecer o ganho de peso excessivo. As bebidas com cafeína também são um risco, pois podem aumentar o risco de abortos, partos prematuros, baixo peso da criança ao nascer e natimorto. � Evitar o consumo de alimentos ultraprocessados: o profissional deve orientar a gestante a ler e interpretar o rótulo dos alimentos industria- lizados e alertar sobre a publicidade de alimentos. Explicar as carac- terísticas nutricionais dos alimentos ultraprocessados, esclarecendo Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação8 que eles podem contribuir com o ganho de peso excessivo, além de serem ricos em sódio, açúcar e gorduras, agravando problemas clínicos prévios ou desenvolvidos durante a gestação (dislipidemia, resistência à insulina e diabetes e hipertensão arterial). � Consumir diariamente legumes e verduras no almoço e jantar: orientar as diferentes formas de preparo para melhor adesão ao consumo. É im- portante informar a gestante que esses alimentos são fontes de fibras, micronutrientes e antioxidantes, substâncias que reduzem o risco de desfechos negativos, como nascimento prematuro, desenvolvimento de anomalias congênitas e ganho de peso gestacional excessivo. � Consumir diariamente as frutas: orientar o consumo das frutas inteiras em vez de sucos, que geralmente agregam açúcar e levam à perda de micronutrientes naturalmente presentes nas frutas in natura. � Comer em ambientes apropriados, com regularidade e atenção: a ges- tante deve fazer as refeições sempre que possível em companhia da família ou de amigos e em ambientes calmos, sem distrações (como em frente a TV ou ao computador). A regularidade das refeições, com planejamento e rotina, evita o hábito de beliscar. Essas orientações são válidas para gestantes em geral. Contudo, o próprio documento aponta que gestantes com hipertensão gravídica e diabetes ges- tacional demandam acompanhamento especializado, e, assim, seu cuidado nutricional deve ser mais criterioso. Gestantes com baixo peso e obesidade também demandam de acompanhamento mais cuidadoso, uma vez que essas situações podem aumentar o risco de problemas à saúde da mãe e do bebê (BRASIL, 2021b). Gestantes com baixo peso ou que apresentam ganho de peso insuficiente apresentam risco elevado de terem filhos com baixo peso ao nascer, pequenos para idade gestacional, parto prematuro e maior tempo de permanência hospitalar do feto. Além disso, a mortalidade materna e neonatal tem maior prevalência nas áreas em que a população vive em insegurança alimentar e nutricional. Como diversas situações clínicas podem ser a causa do baixo peso gestacional, o Ministério da Saúde recomenda avaliar a disponibilidade e variedade de alimentos na família, os hábitos de vida da gestante (tabagismo, etilismo e uso de drogas), solicitar exames para diagnóstico de parasitoses, verificar a história clínica e o diagnóstico de doenças catabólicas ou infec- ciosas e realizar a anamnese nutricional completa (BRASIL, 2021a). A National Research Council (1989) sugere que o adicional calórico de 300 kcal seja contabilizado desde o primeiro trimestre de gestação das gestantes Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 9 com baixo peso, mesmo entendendo-se que nessa fase o gasto energé- tico da mulher é semelhante ao período anterior à gestação. Essa é uma forma de melhorar as reservas corporais (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1989). Além disso, é importante que o cálculo das necessidades nutricionais dessas pacientes seja feito considerando o peso ideal ou peso corrigido (ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 1985). A alimentação da paciente com baixo peso deve priorizar alimentos com maior densidade calórica seguindo as recomendações do Ministério da Saúde sobre a escolha dos alimentos. Preparações como vitaminas, mingaus e sopas podem auxiliar no alcance das necessidades nutricionais. A gestação de mulheres obesas e o ganho de peso excessivo durante a gestação também merecem atenção e destaque. O excesso de peso gestacional pode aumentar o risco de doenças para mãe, como diabetes gestacional e síndromes hipertensivas da gestação, e para a criança, como a macrossomia (peso ao nascer > 4.000 g), parto cesariana, obesidade infantil e aumento na pressão arterial infantil. Portanto, o acompanhamento e a programação do ganho de peso devem ser realizados em todas as consultas do pré-natal. Contudo, não há recomendação para perda de peso no período gestacional. Gestantes que iniciaram a gestação já com obesidade devem ter um ganho de peso total de 7 kg em toda gestação. Isso se deve ao peso do bebê e das estruturas associadas à gestação (placenta, liquido amniniótico, etc), não sendo necessária reserva corporal para lactação (WARDLAW; SMITH, 2013). A National Research Council (1989) sugere que o adicional calórico de 300 kcal seja contabilizado apenas a partir do 2º trimestre de gestação das gestantes obesas e reforça que o cálculo das necessidades energéticas deve ser feito de acordo com o peso ideal. Critérios de diagnóstico do diabetes melito gestacional. A classificação proposta pela Sociedade Brasileira de Diabetes (ZAJDENVERG et al., 2021) inclui as seguintes condições relacionadas ao diabetes na gestação. Diabetes melito diagnosticado na gestação: intolerância aos carboidratos detectada durante a gestação e que preenche os critérios diagnósticos de DM fora da gestação. � Glicemia de jejum > 126 mg/dL OU � Glicemia ao acaso > 200 mg/dL OU � Hemoglobina glicada > 6,5% OU � No teste oral de tolerância à glicose após 24ª SG a glicemia após 2 horas > 200 mg/dL Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação10 Diabetes melito gestacional (DMG): intolerância aos carboidratos de gravi- dade variável, que se inicia durante a gestação porém não preenche critérios diagnósticos de DM fora da gestação. � Glicemia de jejum: 92 a 125 mg/dL OU � No teste oral de tolerância à glicose após 24ª SG a) glicemia de jejum: 92 a 125 mg/dL OU b) glicemia 1 h > 180 mg/dL OU c) glicemia 2 h 153 a 199 mg/dL Critérios de diagnóstico das síndromes hipertensivas da gestação (FREIRE; TEDOLDI, 2009) As síndromes hipertensivas da gestação são classificadas conforme a seguir. � Hipertensão crônica: elevação crônica da pressão arterial (PA) (pressão arterial sistólica [PAS] > 140 mmHg ou pressão arterial diastólica [PAD] > 90 mmHg) detectada antes da gestação, antes da 20ª semana gestacional ou diagnosticada pela primeira vez na gestação e que não se resolve até a 12ªsemana pós-parto. � Pré-eclâmpsia/eclâmpsia: elevação da PA após a 20ª semana gestacional acompanhada de proteinúria (> 300 mg/24 horas) com desaparecimento após 12ª semana pós-parto. � Pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica: surgimento da proteinúria (> 300 mg/24 h) após a 20ª semana gestacional em mulheres previamente com hipertensão crônica. � Hipertensão gestacional: de diagnóstico retrospectivo, trata-se da hiper- tensão transitória da gravidez, em que não ocorre proteinúria e a PA retorna aos níveis normais até a 12ª semana pós-parto. � Síndrome HELLP: quadro clínico relacionado ao agravamento da pré-eclâmpsia. O quadro clínico é caracterizado por hemólise, aumento das transaminases hepáticas e plaquetopenia. Podem ocorrer ainda hepatomegalia dolorosa, icterícia, insuficiência cardíaca e insuficiência renal. Na ocorrência de DMG, a oferta energética deve ser individualizada de forma a garantir o controle metabólico e o ganho de peso adequado do bebê. A alimentação da gestante com DMG deve conter 40 a 55% de carboidratos, 15 a 20% de proteínas e 30 a 40% de gorduras, e recomenda-se consumo mínimo diário de 175 g de carboidratos, 71 1,1 g de proteína/kg de peso/dia e ao me- nos 28 g de fibras. Dada a tendência a hiperglicemia matinal, recomenda-se oferta menor de carboidratos pela manhã e maior ao longo do dia. A dieta deve conter alto teor de fibras e privilegiar os carboidratos complexos e as refeições de baixa carga glicêmica. Aquelas pacientes que não apresentarem contraindicações devem ser encorajadas a praticarem atividade física como forma de melhorar a tolerância periférica à glicose (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2020). Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 11 A fisiopatologia da pré-eclâmpsia se desenvolve em duas etapas. A primeira é a implantação anormal que reduz função placentária; a segunda envolve a resposta materna a substâncias produzidas pelo mau funcionamento da placenta. Na segunda etapa, estresse oxidativo e fatores nutricionais podem estar envolvidos. Os estudos apontam que altas ingestões de gordura, parti- cularmente gordura poli-insaturada, estão associadas a indicadores de dano oxidativo que, por sua vez, elevam o risco de pré-eclâmpsia. Melhor estado antioxidante no sangue reduz significativamente o risco. Portando, o consumo de vegetais, fontes principais de compostos bioativos antioxidantes, deve ser encorajado nas situações de SHG (AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION, 2008). Evidências científicas sobre o tratamento nutricional da SHG são escassas. Embora o controle da ingestão de sódio seja um dos pilares do tratamento da hipertensão arterial sistêmica, no contexto gestacional não há evidências de que a restrição de sódio seja benéfica para as gestantes. Ademais, a restrição severa de sódio pode reduzir a palatabilidade da dieta, comprometendo a aceitação dos alimentos pela gestante. Assim, mantém-se a recomendação de consumo máximo de 2 g de sódio/dia, semelhante à da população hipertensa. O cálcio, micronutriente relacionado ao controle da pressão arterial, também foi investigado como potencial terapia para SHG, e, ainda que os estudos apresentem controvérsias, a suplementação de cálcio em mulheres com alto risco de pré-eclampsia e com baixa ingestão de cálcio reduziu o risco de pré- -eclampsia. Os mesmos resultados não foram observados para mulheres com ingestão adequada de cálcio pela dieta (KAISER; ALLEN; AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION, 2008). Alimentação da lactante A alimentação da nutriz deve atender à demanda da produção quantitativa e qualitativamente adequadas e suficientes do leite materno. Na gestação, a demanda de ferro e folato era elevada; na lactância, os micronutrientes prioritários são vitaminas A, C e E, riboflavina, e zinco, selênio, cromo, cobre e iodo. Ao contrário do período gestacional, em que há demanda de suple- mentação de ferro e folato, na amamentação apenas a dieta equilibrada é capaz de atender a essas demandas nutricionais (WARDLAW; SMITH; 2013). A produção de 1 litro de leite materno exige 800 a 900 kcal. O volume de leite materno varia com o tempo, atingindo 800 mL cerca de 15 dias após o parto. Assim, são necessárias aproximadamente 500 kcal diárias para pro- dução de leite materno no primeiro semestre de amamentação e 400 kcal no segundo semestre. O adicional calórico para lactação não atende total- Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação12 mente a quantidade de energia necessária para produção do leite materno. A complementação desse conteúdo energético deve vir da reserva energética na forma de tecido adiposo, adquirida durante a gestação. Se a nutriz apre- sentava excesso de peso (sobrepeso ou obesidade) antes da gestação, não deve ser incluído o adicional calórico para lactação, ofertando apenas o gasto energético total pré-gestacional (WARDLAW; SMITH, 2013). As equações de estimativa das necessidades de energia para nutrizes pro- posta pelas DRIs (INSTITUTE OF MEDICINE; 2005) estão descritas no Quadro 4. Devem-se considerar as necessidades energéticas estimadas pré-gestacionais adicionadas da energia para produção de leite e reduzido o conteúdo de calorias para perda de peso (PADOVANI et al., 2006). Quadro 4. Equações para cálculo das necessidades energéticas da nutriz Faixa etária Período de lactação Necessidades energéticas estimadas pré-gestacional Produção de leite (kcal) Perda de peso (kcal) 14-18 anos 1º semestre 135,3 – (30,8 xI) + NAF x (10 x P) + (934 x A) ᾆ se peso adequado pré-gestacional 389 – (41,2 xI) + NAF x (15 x P) + (701,6 x A) ᾆ se excesso de peso pré-gestacional +500 -170 2º semestre +400 -0 19-50 anos 1º semestre 354 – (6,91 xI) + NAF x (9,36 x P) + (726 x A) ᾆ se peso adequado pré-gestacional 448 – (7,95 xI) + NAF x (11,4 x P) + (619 x A) ᾆse excesso de peso pré-gestacional +500 -170 2º semestre +400 -0 NAF: nível de atividade física; I: idade; A: altura; P: peso. Fonte: Adaptado de Padovani et al. (2006). O carboidrato é a principal fonte de energia para a nutriz; sua ingestão adequada (AI), de acordo com as DRIs, é 210 g/dia, e seu intervalo para oferta Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 13 é de 45 a 65% do VET. Deve-se preferir a oferta de carboidratos complexos integrais, na forma de cereais integrais, raízes e tubérculos, a fim a garantir a ingestão de 29 g de fibras/dia, valor estipulado pelas DRIs (INSTITUTE OF MEDICINE, 2005). A oferta de proteína deve ser hiperproteica, em torno de 1,3 g/ kg peso/dia, o que perfaz 10 a 35% do VET. Os lipídeos, junto aos carboidratos, irão contribuir como fonte de energia para a nutriz, além de proverem ácidos graxos essenciais para mãe e para o lactente. O intervalo de referência para oferta de gorduras totais é de 20 a 35% do VET, sendo 5 a 10% em forma de ácido linoleico (AI = 13 g/dia) e 0,6 a 1,2% como ácido alfa-linolênico (AI = 1,3 g/dia) (PADOVANI et al., 2006). Não há recomendação para oferta de ácidos graxos saturados, mas sugere-se oferta semelhante para população saudável (até 10% VET) e população com dislipidemia, diabetes, hipertensão e outras condições clínicas cardiovasculares (até 7% do VET). No mesmo sentido, sugere-se evitar consumo de ácidos graxos trans (PRÉCOMA et al., 2019). Em relação aos micronutrientes, o status materno das vitaminas A e D influenciam diretamente no teor dessas vitaminas no leite materno. Assim, o consumo adequado desses nutrientes é necessário para garantir a concen- tração adequada destes no leite materno (WARDLAW; SMITH, 2013). Lactantes devem consumir diariamente 1.200 mcg/dia, se menores que 18 anos, e 1.300 mcg/dia, se maiores que 18 anos, de vitamina A e 5 mcg/dia de vitamina D para atender às necessidades do lactente e da nutriz (PADOVANI et al., 2006). No passado, o Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A incluía as puérperas em regiões de risco de deficiência de vitaminaA, porém a oferta da megadose de vitamina A para esse público foi suspensa em 2016 por não haver evidências contundentes quanto aos benefícios em relação à saúde materna e infantil (BRASIL, 2016b). Até o momento, não há recomendação para suplementação de vitamina D para lactantes (WARDLAW; SMITH, 2013). A demanda de cálcio de mulheres nutrizes é semelhante a de mulheres não lactantes da mesma faixa etária. Assim, uma dieta equilibrada pode suprir a demanda de cálcio da lactante sem necessidade de suplementação. Nos períodos de gestação e lactação, a dieta materna vai ter importância central para a saúde do bebê intrauterino e extrauterino. A oferta energética, em ambas as circunstâncias, deve considerar o estado nutricional pré-graví- dico e o ritmo de ganho de peso durante a gestação. A assistência nutricional deve reforçar a importância de uma dieta qualitativamente saudável e com todos os grupos alimentares para garantir a oferta suficiente de macro e micronutrientes de grávidas e nutrizes. Todas as gestantes devem fazer uso da suplementação de ferro e folato, e aquelas que apresentam condições Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação14 de risco como diabetes gestacional e síndrome hipertensiva da gestação demandam cuidado especializado. Fisiologia da lactação e benefícios do aleitamento materno Anatomicamente, a mama é formada por células cuboidais alveolares (pro- dutoras de leite), vasos sanguíneos, tecido conectivo, adiposo, nervoso e linfático. Essas células organizam-se como lobos mamários, que contêm 15 a 20 glândulas tubuloalveolares. Cada lobo mamário contém 20 a 40 lóbulos mamários, que, por sua vez, são constituídos por alvéolos mamários. Esses alvéolos são envolvidos por células mioepiteliais (WARDLAW; SMITH; 2013). Esse conjunto de estruturas está apresentado na Figura 1. Figura 1. Estruturas associadas à produção de leite materno. Fonte: Wardlaw e Smith (2013, p. 587). Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 15 A produção do leite materno divide-se em três etapas (ACCIOLY; SAUNDERS; LACERDA, 2009). � Lactogênese fase 1: ocorre entre a 10ª e a 22ª semanas gestacionais por estímulos dos hormônios da gestação, como estrogênio, proges- terona, lactogênio placentário, prolactina e gonadotrofina coriônica. Nessa etapa, a produção de leite é mínima, dada a grande circulação de progesterona, produzida pela placenta. � Lactogênese fase 2: inicia-se após o parto. Com a expulsão da placenta, há queda da concentração de progesterona e aumento da produção de prolactina, há secreção do leite. A prolactina é produzida pela adeno-hipófise (hipófise anterior), sendo a sucção da mama o principal estímulo para sua produção. Esse hormônio é o principal responsável pela secreção do leite. Nessa etapa ocorre ainda o reflexo de descida do leite, promovido pelo hormônio ocitocina, produzido pela neuro- -hipófise (hipófise posterior). A ocitocina promove a contração das células mioepiteliais que envolvem os alvéolos mamários. A produção desse hormônio é estimulada por estímulos sensoriais como ver o bebê, ouvir sua voz e sentir seu cheiro (Figura 2). Por outro lado, estresse, ansiedade e dor inibem a liberação de ocitocina e a descida do leite. � Galactopoiese: essa etapa ocorre durante toda amamentação e de- pende da sucção da mama e da produção de prolactina. Figura 2. Fisiologia da produção e secreção do leite materno. Fonte: Wardlaw e Smith (2013, p. 588). Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação16 A produção do leite varia ao longo dos períodos de amamentação, sendo menor que 100 mL/dia no 1º dia pós-parto e de cerca de 800 mL/dia 14 dias após o parto. Além do volume, a composição do leite materno se modifica de acordo com o estágio de lactação e se o parto foi a termo ou pré-termo (ACCIOLY; SAUNDERS; LACERDA, 2009). Os três estágios de lactação são: � Colostro: dura aproximadamente 7 dias após o parto e sua composição apresenta maior teor de proteínas, vitamina A e carotenoides (respon- sáveis pela coloração alaranjada do leite), além de fatores imunes. Sua composição centesimal de macronutrientes está apresentada na Tabela 1. � Leite de transição: secretado entre o 7º e o 15º dias após o parto. Apre- senta maior volume do que o colostro, e sua composição se aproxima do leite maduro. � Leite maduro: secretado após o 15º dia após o parto. Em comparação ao colostro e ao leite de transição, apresenta maior densidade calórica, maior teor de lactose e gorduras totais. Sua composição centesimal de macronutrientes está apresentada na Tabela 1. Tabela 1. Composição nutricional centesimal do colostro e leite maduro Colostro Leite maduro Energia (kcal) 58 70 Lactose (g) 5,3 7,3 Proteína total (g) 2,3 0,9 Caseína (%) 10 40 Proteína do soro (%) 90 60 α-lactoalbumina (mg) 218 161 Gordura total (g) 2,9 4,2 Fonte: Adaptado de Accioly, Saunders e Lacerda (2009). Além de alimentar o lactente, o leite materno é fonte de diversos fatores imunes, como imunoglobina A secretória, lactoferrina, linfócitos e macró- fagos que auxiliam no desenvolvimento e na maturação do sistema imune da criança, reduzindo a morbidade por diversos tipos de patologias, como Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 17 infecções de trato intestinal e alergias. O colostro é especialmente rico nessas substâncias, embora elas também estejam presentes no leite maduro. Além dos componentes imune, o colostro contém o fator bífido, composto que estimula o crescimento do Lactobacillus bifidum, bactéria da flora intestinal protetora contra patógenos (ACCIOLY; SAUNDERS; LACERDA, 2009). Benefícios do aleitamento materno A OMS recomenda o aleitamento materno exclusivo durante os primeiros 6 meses e aleitamento materno complementado até 2 anos de vida ou mais. Os benefícios de aleitamento materno são de diversas dimensões, tanto para mãe quanto para o lactente (BRASIL, 2015). Além de nutrir a criança, o aleitamento materno é uma estratégia natu- ral de vínculo, afeto e proteção para a criança e constitui a mais sensível, econômica e eficaz intervenção para redução da morbimortalidade infantil. De acordo com os Cadernos da Atenção Básica, estima-se que o aleitamento materno poderia evitar 13% das mortes em crianças menores de 5 anos em todo o mundo, por causas preveníveis, principalmente doenças infecciosas, e essa proteção é maior quanto menor é a criança. Além disso, a amamenta- ção previne mais mortes entre as crianças de menor nível socioeconômico (BRASIL, 2015). O aleitamento materno reduz risco de ocorrência de diarreia e infecções respiratórias, principalmente entre as crianças mais pobres, e a gravidade dessas condições quando presentes. Além das doenças infecciosas, a oferta do leite materno diminui as alergias como alergia à proteína do leite de vaca, dermatite atópica, asma, etc (BRASIL, 2015). Além dos benefícios amplamente conhecidos e comprovados, o aleitamento materno tem sido recentemente relacionado ao melhor desenvolvimento cognitivo do lactente. Em um grupo de crianças amamentadas avaliadas sistematicamente em um estudo longitudinal, observou-se que as crianças amamentadas exclusivamente por, no mínimo, 3 meses e a continuidade da amamentação (ainda que não exclusiva) até os 6 meses conferiram um quo- ciente de inteligência (QI) verbal 4,7 pontos maior do que crianças amamentadas exclusivamente por menos que 3 meses (EIDELMAN, 2013). Sugere-se que a composição do leite materno seja responsável por esses efeitos no desenvolvimento cognitivo infantil (EIDELMAN, 2013). Dentre essas substâncias, estão: � gordura: colesterol (componente da bainha de mielina), ácido docosa-hexa- noico (DHA) (componente das membranas das células nervosas); Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação18 � aminoaçúcares: N-acetilglucosamina (associados à formação de gangliosídeos cerebrais), ácido N-acetilneuramínico;� peptídeos: fator de crescimento epidérmico (EGF), insulina, somatomedina C (IGF-1), fator de crescimento neural (NGF), peptídeo indutor do sono delta; � aminoácidos: taurina, glutamina, carnitina. O leite materno também confere proteção contra doenças a longo prazo. Alguns estudos mostram que crianças amamentadas apresentaram pressões sistólica e diastólica mais baixas (-1,2 mmHg e -0,5 mmHg, respectivamente), níveis menores de colesterol total (-0,18 mmol/L) e risco 37% menor de apre- sentar diabetes tipo 2. Adicionalmente, quanto maior o tempo de aleitamento materno, menor o risco de desenvolver sobrepeso e obesidade (BRASIL, 2015). Os movimentos de sucção da mama também favorecem o desenvolvi- mento adequado dos elementos da cavidade oral, otimizando a conformação do palato duro e o alinhamento correto dos dentes e, assim, promovendo uma boa oclusão dentária. Por outro lado, quando o aleitamento ao seio é interrompido precocemente, há ruptura do desenvolvimento motor-oral adequado, comprometendo as funções mastigatórias, de deglutição e de fonação (BRASIL, 2015). Para a lactante, a oferta de leite materno também traz benefícios, como perda do peso adquirido durante a gestação, redução do risco de nova gesta- ção (efeito contraceptivo) e menores chances de desenvolvimento de algumas condições patológicas a longo prazo, como câncer de mama, câncer de ovários, câncer de útero, hipercolesterolemia, hipertensão e doença coronariana, osteoporose e fratura de quadril e artrite reumatoide. A amamentação for- talece também o vínculo afetivo entre mãe e filho, em que a mãe oferece sentimentos de segurança e de proteção à criança e a mulher torna-se mais autoconfiante e realizada (BRASIL, 2015). O leite materno, além de atender às demandas nutricionais por completo das crianças até o 6º mês de vida e proteger o lactente contra diversas infec- ções e alergias, não tem custo financeiro, o que é relevante principalmente para as famílias de baixa renda. Vale ressaltar que o primeiro substituto do leite materno é a fórmula infantil, que, além de ter um custo associado para sua aquisição, demanda de mamadeiras, bicos e gás de cozinha, itens que oneram ainda mais as famílias. Assim, o aleitamento materno pode melhorar a qualidade de vida das famílias, pois, além de menor número de episódios de adoecimento e menor demanda de consultas médicas, hospitalizações e medicamentos, os pais não são submetidos a situações estressantes que demandam mudança de rotina e ausência no trabalho (BRASIL, 2015). Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 19 O leite materno apresenta a composição ideal para atender às demandas nutricionais e à capacidade digestiva do lactente. Além de nutrir, esse alimento reduz o risco de infecções e alergias, fortalece o vínculo mãe-filho, otimiza a rotina familiar e promove qualidade de vida para criança e pais. A saúde do grupo materno-infantil é utilizada como indicador de desen- volvimento em diversos países. O cuidado nutricional desde a concepção, com acompanhamento do ganho de peso e práticas nutricionais saudáveis, pode reduzir o risco de complicações durante a gestação, no parto e no período pós-parto. O estímulo ao aleitamento materno exclusivo até o 6º mês de vida para o bebê e complementado até 2 anos ou mais associado ao acompanhamento nutricional da nutriz pode contribuir com a saúde e qualidade de vida da mãe e da criança. Referências ACCIOLY, E.; SAUNDERS, C.; LACERDA, E. M. A. Nutrição em obstetrícia e pediatria. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. BRASIL. Ministério da Saúde. Fascículo 3: protocolos de uso do guia alimentar para a população brasileira na orientação alimentar de gestantes. Brasília: MS, 2021b. BRASIL. Ministério da Saúde. Guia rápido para o acompanhamento de gestantes e crianças com desnutrição na atenção primária à saúde. Brasília: MS, 2021a. BRASIL. Ministério da Saúde. Nota técnica n° 135/2016. Encerramento da suplementação de puérperas com megadoses de vitamina A no Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A. Brasília: MS, 2016b. BRASIL. Ministério da Saúde. 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Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 21 Dica do professor No vídeo são destacadas as recomendações de ganho de peso na gravidez com base no índice de massa corporal (IMC) pré-gravidez. São informados, também, os componentes de ganho de peso durante a gravidez. O fechamento ocorre com a exposição relatando as vantagens da amamentação para o bebê e para a mãe. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/023447aa2b696767210ddf63cdc33f1a Exercícios 1) O feto é mais suscetível a danos de deficiências nutricionais, de teratógenos e do uso de alguns medicamentos, álcool e drogas ilícitas durante: A) O primeiro trimestre. B) O segundo trimestre. C) O terceiro trimestre. D) O trabalho de parto e a expulsão. E) O segundo e o terceiro trimestres. 2) Se uma mulher mede 1,57 m e pesa 68 Kg antes de engravidar, quanto peso ela poderá ganhar durante a gravidez? A) 12,5 a 18 Kg. B) 11,5 a 16 Kg. C) 7 a 11,5 Kg. D) O máximo possível. E) O mínimo possível. 3) Necessidades maiores de carboidratos durante a gravidez são estabelecidas para: A) Prevenir cetose. B) Aliviar a náusea. C) Prevenir a hipertensão induzida pela gravidez. D) Suprir folato adequado. E) Todas as alternativas são incorretas. 4) Qual dos seguintes alimentos é melhor conjugado a um suplemento de ferro durante a gravidez? A) Leite desnatado. B) Suco de laranja. C) Café. D) Chá. E) Bebida láctea. 5) Em termos fisiológicos, a produção do leite requer______kcal por dia. A) 300. B) 500. C) 800. D) 1.000. E) 1.100. Na prática Principais recomendações das últimas Dietary Guidelines for Americans, para mulheres em idade reprodutiva que possam engravidar, gestantes e lactantes: Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Perfil Nutricional de gestantes de alto risco atendidas numa clínica escola de nutrição de Maceió - AL e incentivo ao aleitamento materno Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Manual orientativo: sistematização do cuidado de nutrição Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Consumo alimentar e prevalência de inadequação de ingestão de nutrientes entre gestantes, lactantes e mulheres em idade reprodutiva do Brasil. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Qual a importância da vitamina D na gravidez? https://revistas.cesmac.edu.br/index.php/entreaberta/article/view/302/221 https://www.asbran.org.br/storage/arquivos/PRONUTRI-SICNUT-VD.pdf http://www.revistanutrire.org.br/ Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/Saude/noticia/2018/07/qual-importancia-da-vitamina-d-na-gravidez.html