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Impessoalidade administrativa na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
IMPESSOALIDADE ADMINISTRATIVA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL
Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 76/2011 | p. 235 - 262 | Jul - Set / 2011
DTR\2011\2486
Luana Noronha
Especialista em Direito Público pela Esmafe-RS. Mestranda em Direito Público na UFRGS. Advogada.
 
Área do Direito: Constitucional; Administrativo
Resumo: Este trabalho visa investigar quais são as condutas necessárias para a concretização de um modo de agir
impessoal. No segundo item, analisa-se criticamente a visão do STF sobre a impessoalidade. Essa investigação é
realizada em linhas gerais, sem citar casos concretos. No terceiro item, analisam-se casos paradigmáticos na
tentativa de esclarecer ainda mais quais são as condutas necessárias para a concretização de um modo de agir
impessoal.
 
Palavras-chave: Modo de agir impessoal - Supremo Tribunal Federal - Comportamentos necessários.
Abstract: This paper aims to investigate what are the behaviors required for achieving an impersonal way of acting.
Therefore, in the first part of this paper, we critically analyze the view of the Brazilian's Supreme Court on the
impersonality. This research is carried out in general terms, without citing specific cases. In the second part we analyze
paradigmatic cases in an attempt to further clarify what are the behaviors required for achieving an impersonal way of
acting.
 
Keywords: Impersonal way of acting - Brazilian's Supreme Court - Behaviors required.
Sumário:
 
1. Introdução - 2. Como o STF especifica a impessoalidade - 3. Análise de casos paradigmáticos do STF - 4.
Conclusão - 5. Bibliografia
 
1. Introdução
A administração pública, 1 como já dizia Ruy Cirne Lima, é atividade de quem não é proprietário. 2 Todavia, essa
atividade é realizada por pessoas que podem cair na tentação de confundir o espaço público com o privado. Daí a
necessidade do princípio da impessoalidade, que se encontra expresso no art. 37, caput, da CF/1988 (LGL\1988\3).
Para que o princípio da impessoalidade sirva para o controle do exercício da administração pública, no entanto, não
basta exaltar o valor impessoalidade. É preciso, antes de tudo, especificar quais são as condutas necessárias para a
concretização de um modo de agir impessoal e, por fim, adotá-las. Dizer princípio é estabelecer o dever de adotar os
comportamentos necessários para realizar um estado de coisas.
Como esse artigo é sobre a jurisprudência do STF, no segundo item, analisa--se criticamente a visão dos Ministros
sobre a impessoalidade. Essa investigação é realizada em linhas gerais, sem citar casos concretos. Fala-se sobre
quais são os fundamentos da impessoalidade, como ela se relaciona com os demais princípios e, ao final, traça-se um
esboço de seu conteúdo. Em resumo, é uma tentativa de entender como o STF especifica o fim estabelecido pelo
princípio e, quando necessário, pontuar algumas divergências com o posicionamento do Tribunal.
No terceiro item, analisam-se casos paradigmáticos na tentativa de esclarecer ainda mais quais são as condutas
necessárias para a concretização de um modo de agir impessoal. Dá-se preferência para os julgados do Tribunal
Pleno, porque estes refletem com maior segurança o entendimento da Corte. A investigação dos casos concretos é
subdividida em cinco tópicos. No primeiro a pesquisa gira em torno de saber se a tutela da impessoalidade se dá pelo
risco ou pela comprovação de pessoalidade. No segundo, reflete-se sobre o problema da ampliação das regras que
excepcionam o concurso público para o ingresso na função pública. No terceiro, sobre a necessidade de fixar critérios
objetivos para pautar as escolhas da administração pública. No quarto, analisa-se o vício do partidarismo e da
promoção pessoal. Finalmente, no quinto e último tópico, foca-se nos precedentes da Súmula Vinculante 13 e na
prática do nepotismo.
2. Como o STF especifica a impessoalidade
O princípio da impessoalidade estabelece um objetivo vago e recebe diversas interpretações da doutrina e
jurisprudência. Essa indefinição quanto ao conteúdo da impessoalidade acaba por enfraquecê-la, pois não se tem
uma delimitação quanto aos comportamentos necessários à sua realização. Desse modo, tornar-se relevante
especificar ao máximo o fim estipulado pela impessoalidade. Como esse artigo tem por intuito analisar criticamente a
jurisprudência do STF deve-se investigar como, da perspectiva desse tribunal, o fim do princípio da impessoalidade é
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especificado e quais são os comportamentos necessários para o seu alcance. Para isso, inicialmente, passa-se ao
estudo dos fundamentos da impessoalidade e da relação com outros princípios. Depois, parte-se para uma
investigação capaz de apontar um esboço do conteúdo desse princípio.
2.1 Fundamentos
Normalmente, o sobreprincípio do Estado de Direito e os princípios democrático e republicano são apontados como
fundamentos do princípio da impessoalidade administrativa. De fato, o princípio democrático, baseado na soberania
popular, e o republicano, intimamente relacionado à ideia de dar trato público à coisa pública, instituem o dever de
impessoalidade para a administração pública brasileira. Todavia, a impessoalidade não depende deles, na medida em
que pode, por exemplo, existir uma monarquia constitucional onde esta seja respeitada. Desse modo, mostra-se mais
adequado, para fundamentar a impessoalidade, o sobreprincípio do Estado de Direito, base da ideia de proibição de
pessoalidade e limitação do exercício do poder. Os sobreprincípios são caracterizados por estabelecerem o dever de
atingir um estado ideal de coisas amplo, abarcando, em razão disso, objetivos mais específicos. 3
Em suma, o princípio da impessoalidade é diretamente fundamentado no “controle jurídico do exercício do poder” 4 e,
vale lembrar, o ideal de juridicidade, responsabilidade, previsibilidade da atuação estatal, segurança, protetividade e
estabilidade para os direitos individuais é, justamente, o que impõe o Estado de Direito. 5
Estabelecido o fundamento do princípio da impessoalidade passa-se a investigação da sua relação com outros
princípios. É que, como constatou o Min. Cezar Peluso, a indeterminação semântica da impessoalidade é agravada,
sobretudo, “pelas vinculações estreitas e afinidades íntimas que mantém com outros princípios constitucionais”. 6
Então é necessário esclarecer essas relações para que, posteriormente, seja possível isolar o princípio da
impessoalidade e identificar quais são os comportamentos necessários para a sua realização.
2.2 Relação com o princípio da legalidade
O princípio da legalidade, a exemplo da impessoalidade, também encontra fundamento no sobreprincípio do Estado
de Direito. Na esfera privada é permitido ao particular fazer tudo o que a lei não proíbe, enquanto no direito
administrativo esse princípio impõe que a administração pública só pode agir quando autorizada pela lei. 7 Além disso,
segundo ensina Odete Medauar:
“Mediante a submissão da Administração à lei, o poder tornava-se objetivado; obedecer à Administração era o mesmo
que obedecer à lei não à vontade instável da autoridade. Daí um sentido de garantia, certeza jurídica e limitação do
poder contido nessa concepção do princípio da legalidade administrativa.” 8
A lei, por ser geral, abstrata, e feita por outro Poder com antecedência em relação à sua aplicação, impede que o
administrador proceda de acordo com a sua vontade e acabe por favorecer este ou aquele cidadão em detrimento dos
demais. Nessa perspectiva, pode-se dizer que a legalidade concretiza, em parte, a impessoalidade, ela é um dos
meios para alcançá-la.
Contudo, o princípio da impessoalidade é mais amplo, porque impõe a realização de outras condutas. O dever de
impessoalidade incide inclusiveno âmbito do poder discricionário quando a lei autoriza o administrador a escolher
mais de um caminho para atingir a finalidade da lei. Nessa hipótese, e por mais contraditório que pareça, na escolha
pelo melhor caminho o administrador deve observar o princípio da impessoalidade. Nesse sentido, o STF tem
entendido, por exemplo, que o princípio da impessoalidade “atua sobremodo como limitação ao exercício do poder
discricionário de nomear funcionários em cargo de confiança”. 9
2.3 Relação com o princípio do interesse público e da finalidade
De acordo com a clássica lição de Hely Lopes Meirelles:
“O princípio da impessoalidade referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico princípio
da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é
unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal.
(…)
E a finalidade terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público.
(…)
O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a
Administração, visando unicamente a satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes
governamentais, sob a forma de desvio de finalidade.” 10
Interessante quando se diz que o princípio da impessoalidade veda a prática de ato administrativo por favoritismo ou
perseguição dos agentes governamentais. Sem dúvida, a vedação de privilégios e perseguições pessoais é um dos
comportamentos necessários para a realização da impessoalidade, como tem reconhecido o STF. 11
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No entanto, atualmente, dizer que impessoalidade é o princípio da finalidade, no sentido de visar somente o interesse
público é simplificação imperfeita que pouco contribui para especificar o fim de impessoalidade e, por conseguinte,
para controlar a sua realização. Ora, a doutrina atual tem questionado, de um lado, a existência de um princípio da
supremacia do interesse público 12 e, de outro lado, a possibilidade de reconhecimento de um único interesse público.
13 O princípio da supremacia do interesse público tem sido discutido porque tecnicamente ele não poderia ser
classificado como um princípio e teria origem numa concepção autoritária de direito administrativo. Além disso, “as
situações concretas demonstram a existência de diversos interesses públicos, inclusive em conflito entre si. Logo, a
decisão a ser adotada não poderá ser fundada na pura e simples invocação do ‘interesse público’. Estarão em conflito
diversos interesses públicos”. 14 A título de exemplo, podemos citar a recente discussão sobre a instalação de um
novo presídio no Rio Grande do Sul – ato de inegável interesse público –, onde a população e os prefeitos de
diversos municípios manifestam vontade contra a instalação em sua cidade, seja porque isso prejudicaria, por
exemplo, os investimentos de empresas privadas na região e acarretaria desemprego e desestímulo a diversos
setores da economia local – daí surgindo o interesse público pela não instalação do presídio –, seja porque isso vai
contra os próprios interesses privados dos moradores.
Levando-se em conta as normas e interesses protegidos pela Constituição, portanto, exige-se uma ponderação
normativamente orientada entre todos os interesses pertinentes em uma determinada questão (interesses públicos e
interesses privados), da qual poderá resultar a sobre-valência de um ou outro. 15 Nesse diapasão, esclarece Medauar:
“(…) À Administração cabe realizar a ponderação dos interesses presentes em uma determinada circunstância, para
que não ocorra sacrifício a priori de nenhum interesse; o objetivo dessa função está na busca de compatibilidade ou
conciliação dos interesses com a minimização de sacrifícios.” 16
Em face dessa nova concepção, que exige ponderação ao invés de supremacia e exclusividade, mostra-se imperfeito
e insuficiente entender impessoalidade com a finalidade de visar o interesse público.
2.4 Relação com o princípio da moralidade
Normalmente, o STF fundamenta suas decisões, em casos onde houve um agir administrativo sem critérios objetivos
e/ou guiado por interesses pessoais, utilizando conjuntamente os princípios da moralidade e da impessoalidade. A
razão disso é que “a impessoalidade configura-se meio para atuações dentro da moralidade”. 17 O princípio da
moralidade, por seu turno, impõe condutas objetivas “sérias, leais, motivadas e esclarecedoras, mesmo que não
previstas na lei”. 18
Desse modo, constituem exemplos de violação ao princípio da moralidade:
“O agir visando interesses pessoais, com o fito de tirar proveito para si ou amigos, ou quando editar atos maliciosos
ou desleais, ou ainda, atos caprichosos, atos exarados com o intuito de perseguir inimigos ou desafetos políticos,
quando afrontar a probidade administrativa, quando agir com má-fé ou de maneira desleal.” 19
Pode-se dizer que haverá “superposição de incidência” do princípio da moralidade, quando houver um agir
influenciado por fatores pessoais, subjetivos, ou visando prejudicar ou favorecer quem quer que seja. Nesses casos
haverá tanto violação do princípio da impessoalidade quanto da moralidade, ou seja, um entrelaçamento entre os
princípios.
Todavia, por vezes a moralidade será violada e a impessoalidade não. A título de exemplo, aqueles casos onde a
administração frustra a expectativa que ela própria criou no cidadão, feriando a lealdade e a boa-fé.
2.5 Relação com o princípio da eficiência
O chamado princípio da eficiência foi positivado no art. 37 da CF/1988 (LGL\1988\3), 20 a partir da EC 19/1998. 21 Em
linhas gerais, ele determina “que a administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que
satisfaçam as necessidades da população”. 22 Há quem veja esse princípio como um fim autônomo, que deve ser
maximizado.
Todavia, a eficiência administrativa “não pode ser considerada um princípio jurídico, no sentido de uma norma que
estabelece um fim autônomo de coisas que deva ser realizado”. 23 Ao contrário, “a eficiência é muito mais um
instrumento para atingir outros fins sociais”. 24 Nessa ótica, ela não é, como os princípios e as regras, uma norma que
se situa no objeto da aplicação, mas sim uma norma que orienta a aplicação de regras e princípios. Assim, a
eficiência constitui-se em norma sobre a aplicação de outras normas, uma norma de segundo grau, portanto
(postulado normativo). Ou seja, justamente porque se situa em um “metanível” ela orienta a aplicação dos princípios e
das regras sem necessariamente entrar em conflito com estas espécies normativas. 25
Conforme observa Ávila:
“(…) Sozinha, ela (a eficiência) sequer tem sentido, pois depende sempre de um objeto cuja aplicação irá pautar: só
se é eficiente em relação a, ou em alguma coisa. Sendo assim, são as finalidades constitucionalmente impostas à
Administração Tributária que devem ser realizadas de modo eficiente.” 26
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A eficiência administrativa, portanto, tem caráter técnico, instrumental, ela está ligada ao bom andamento da
administração pública, que só pode ser alcançado mediante a realização dos princípios constitucionais, a exemplo da
impessoalidade. Nesse sentido, a eficiência exige uma administração impessoal.
2.6 Relação com o princípio da igualdade
Parte da jurisprudência do STF, a exemplo do Min. Joaquim Barbosa, 27 cita a doutrina de Bandeira de Mello que
equipara o princípio da impessoalidade ao princípio da igualdade:
“O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no
art. 37, caput, da CF (LGL\1988\3). Além disso, assim como ‘todos são iguais perante a lei (art. 5.º, caput), a fortiori
teriam de sê-lo perante a Administração.” 28
Muitose discute, pois, se haveria um significado autônomo para o princípio da impessoalidade. Lucia Valle
Figueiredo, 29 Cármen Lúcia Antunes Rocha 30 e Ana Paula Oliveira Ávila 31 defendem a existência de autonomia.
Uma diferenciação entre impessoalidade e igualdade seria relativa aos seus destinatários. A igualdade é direito
individual, que deve ser analisada na perspectiva do administrado como sujeito de direito. 32 Além disso, igualdade
“designa uma relação entre diversas pessoas e coisas. 33 Constitui-se, pois, em um “conceito relacional”, a saber, só
pode ser verificada ao confrontar pessoas e suas características. 34 Em suma, a igualdade “é a relação entre dois ou
mais sujeitos em razão de um critério que serve a uma finalidade”. 35 Para saber se a igualdade foi violada é preciso
investigar o critério de distinção utilizado entre as pessoas e a finalidade que justificou a sua utilização. Já a
impessoalidade é dever da administração, que, de um lado, não realizará apenas um tratamento igual aos
administrados, mas impessoal e, de outro lado, vedará a promoção pessoal e partidária daqueles que a compõem.
No entanto, o argumento de distinguir entre igualdade e impessoalidade com base no argumento de que aquela é
direito do indivíduo enquanto esta é dever da administração não é dos mais fortes, porque se o indivíduo possuiu
direito à igualdade, ato contínuo, a administração pública tem um dever de concretizar essa igualdade; se a
administração pública possui um dever de impessoalidade, por consequência, o individuo possui um direito a ser
tratado por ela de forma impessoal. No entanto, é fato que a igualdade, ao contrário da impessoalidade, é um conceito
relacional. Ademais, é possível que o dever de impessoalidade seja algo além do dever de igualdade.
Lucia Valle Figueiredo, em esforço para conferir autonomia à impessoalidade, ressalta a possibilidade de “haver
tratamento igual a determinado grupo (que estaria satisfazendo o princípio da igualdade); porém, se ditado por
conveniências pessoais do grupo e/ou do administrador, estará infringindo a impessoalidade”. 36 Todavia, como
analisado por Jasson Hibner Amaral:
“(…) Se o tratamento a determinado grupo, ainda que igual para todos os seus membros é ditado por conveniências
pessoais do grupo ou do administrador, por óbvio que este grupo está sendo tratado, sem um critério de discrimen
juridicamente autorizado, de forma desigual em relação aos demais grupos ou demais pessoas, o que,
indubitavelmente, fere o princípio da igualdade. Note--se que não se trata de outro caso, mas um olhar mais amplo
lançado sobre a mesma situação (tem-se ofensa à igualdade quando se analisa o mesmo caso, mas da perspectiva
da relação do grupo com os que dele não fazem parte).” 37
No exemplo acima, de fato, há tanto violação da igualdade, numa perspectiva mais ampla, quanto da impessoalidade.
Mas veja-se outro exemplo. Fase oral de um concurso para juiz em que uma das candidatas é assessora de
Desembargador que faz parte da banca do concurso e vai participar da arguição oral. Pode ser que na avaliação da
prova oral não haja desigualdade se esta for realizada com base em critérios totalmente técnicos. Em outras palavras,
caso a banca avalie que a assessora, com base em critérios de julgamento puramente técnicos, foi, de fato, a melhor
candidata, não haverá violação da igualdade. É que haverá tratamento diferenciado em relação a um sujeito
(aprovação) porque ele foi melhor tecnicamente (critério juridicamente adequado) o que serve a finalidade do
concurso (aprovar o melhor candidato, de uma perspectiva técnica). No entanto, se o Desembargador para o qual
trabalha a assessora participou da prova oral, como avaliador, houve violação à impessoalidade, embora a igualdade
tenha sido preservada.
Para sustentar essa distinção, todavia, é preciso que a impessoalidade tutele o risco de agir subjetivamente em favor
ou desfavor de interesses pessoais ou de terceiros. Na segunda parte do trabalho serão analisados alguns
paradigmáticos para explicitar como o STF posiciona-se diante dessa questão.
Por ora, conclui-se que do princípio da impessoalidade não se identifica totalmente com o princípio da igualdade,
inclusive, ele exige, para a sua realização, comportamentos outros, além daqueles exigidos para a realização da
igualdade.
No próximo tópico, investiga-se qual é o núcleo essencial da impessoalidade, numa tentativa de fazer um esboço
relativo ao conteúdo da impessoalidade. Depois, na terceira parte desse artigo, a pesquisa de casos paradigmáticos
irá esclarecer ainda mais o significado da impessoalidade em cada contexto.
2.7 Esboço do conteúdo do princípio da impessoalidade
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O enunciado normativo que serve como ponto de partida para a construção da impessoalidade é o art. 37 da CF/1988
(LGL\1988\3). De acordo com esse dispositivo, a administração pública direta e indireta obedecerá, dentre outros, ao
princípio da impessoalidade. Além disso, outros dispositivos constitucionais conferem importância ao dever de
impessoalidade. Como, por exemplo, o sobreprincípio do Estado de Direito e os princípios democrático e republicano,
aqui já mencionados.
Da mesma forma, o princípio da igualdade perante a lei ao estabelecer a noção de que “as leis devem ser executadas
sem consideração à pessoa” 38 coloca um embrião relativo ao modo de agir impessoal e objetivo. Os próprios direitos
fundamentais exigem, para a sua realização, impessoalidade e objetividade no agir da administração pública.
Finalmente, os princípios da moralidade, da legalidade e as regras que estabelecem requisitos para o ingresso na
função pública também reforçam a relevância de um modo objetivo e impessoal de atuação da administração pública.
A partir do momento em que a Constituição brasileira confere, em diversos artigos, importância à impessoalidade é
preciso investigar no que exatamente consiste esse modo de agir. Segundo o Min. Cezar Peluso, o primeiro traço
substancial do princípio da impessoalidade é coibir o exercício do poder voltado a favorecer ou a prejudicar pessoas,
sublinhando, em especial, o dever de preenchimento dos cargos públicos sem perseguições pessoais e privilégios. O
segundo é impedir o personalismo no exercício do poder mediante atos de promoção pessoal. 39
O Min. Carlos Brito, por seu turno, assim explicou no que consiste o conteúdo da impessoalidade:
“(…) No descarte do personalismo. Na proibição do marketing pessoal ou da autopromoção com os cargos, as
funções, os empregos, os feitos, as obras, os serviços e as campanhas de natureza pública. Na absoluta separação
entre o público e o privado, ou entre a administração e o administrador, segundo a republicana metáfora de que ‘não
se pode fazer cortesia com o chapéu alheio’. Conceitos que se contrapõem à multissecular cultura do patrimonialismo
e que se vulnerabilizam, não há negar, com a prática do chamado ‘nepotismo’. Traduzido este no mais renitente vezo
da nomeação ou da designação de parentes não concursados para trabalhar, comissionadamente ou em função de
confiança, debaixo da aba familiar dos seus próprios nomeantes. Seja ostensivamente, seja pela fórmula enrustida do
‘cruzamento’ (situação em que uma autoridade recruta o parente de um colega para ocupar cargo ou função de
confiança, em troca do mesmo favor).” 40
Com base no exposto acima já é possível delinear, ao menos, o núcleo do conteúdo da impessoalidade. Com base
nesse princípio é vedado que a atividade administrativa seja guiada por aspectos pessoais e subjetivos, bem como
que os atos administrativos instituam privilégios e perseguições. Dele emana, ainda, um dever de tomar decisões com
base em critérios objetivos e técnicos. Finalmente, ele serve como limitação ao poder discricionário da administração
pública e, em particular, impõe a proibição do nepotismo no preenchimento dos cargos de confiança.
De outra perspectiva, o princípio da impessoalidade impede aprática de condutas que acarretem em promoção
pessoal diante dos feitos na função pública. Essa vedação está ligada à visão tradicional de impessoalidade onde os
atos administrativos são imputáveis não a pessoa que os pratica, mas ao órgão ou entidade da administração pública
a que ela pertence.
Além disso, o princípio da impessoalidade proíbe que se utilize do aparato estatal para perpetuar determinado partido
político no poder. É que, numa visão moderna, o exercício do poder deve ser neutro e objetivo.
Como se pode perceber, da impessoalidade decorre o dever de adotar diversos comportamentos que contribuem para
a sua promoção gradual. Ela, portanto, realmente classifica-se como princípio jurídico, porque é norma imediatamente
finalística, primariamente prospectiva e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação
se demanda uma avaliação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida
como necessária à sua promoção. 41
Pois bem, após essa primeira parte onde se buscou diminuir a vagueza do fim instituído pelo princípio da
impessoalidade, chega a ora de pesquisar casos paradigmáticos que possam especificar ainda mais as condutas
necessárias para a sua realização e dirimir eventuais dúvidas quanto a sua aplicação.
3. Análise de casos paradigmáticos do STF
Nessa terceira parte do artigo, pesquisa-se casos paradigmáticos do STF, ou seja, aqueles casos “cuja solução pode
ser havida como exemplar, considerando exemplar aquela solução que serve como modelo para a solução de outros
tantos casos, em virtude da capacidade de generalização do seu conteúdo valorativo.” 42 O objetivo dessa
investigação reside em especificar cada vez mais os comportamentos necessários para a realização do princípio da
impessoalidade e dirimir dúvidas quanto a sua aplicação.
3.1 Decisão e impessoalidade: risco ou prova
Na oportunidade em que se analisou a relação entre os princípios da impessoalidade e da igualdade, afirmou-se que
para sustentar uma relevante distinção entre eles é preciso que a impessoalidade tutele o risco de agir subjetivamente
em favor ou desfavor de interesses pessoais ou de terceiros, enquanto que a observância da igualdade dependeria
da análise do critério de distinção utilizado para diferenciar as pessoas e da finalidade que justificou a sua utilização.
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A partir dessa circunstância, investiga-se o MS 26.700/RO, Pleno, j. 21.05.2008, rel. Min. Ricardo Lewandowski, m.v.,
DJ 27.06.2008, porque nesse precedente surgiu exatamente a seguinte questão: o princípio da impessoalidade tutela
o risco de que o administrador aja influenciado por vontades pessoais ou apenas as situações em que ele, de fato,
agiu motivado por fatores pessoais e, portanto, favorecendo ou prejudicando pessoas com base em critério
juridicamente inadequado?
Bem, no caso em exame, o Conselho Nacional de Justiça havia anulado concurso para a magistratura do Estado de
Rondônia, em virtude de considerar que a sua terceira fase foi realizada em desrespeito aos princípios da
impessoalidade e da moralidade. A razão da violação aos princípios seria a aprovação de duas candidatas que
exerciam o cargo de assessoras de desembargadores, que integravam a comissão organizadora do certame. De
acordo com a decisão do Conselho Nacional de Justiça, “a simples participação dos desembargadores na comissão
do concurso no qual suas assessoras eram candidatas apresenta-se como uma afronta ao princípio da
impessoalidade e sua exigência de imparcialidade”. 43
Vale ressaltar que até a segunda fase do concurso as provas não continham a identificação dos candidatos e na
terceira fase, durante a realização dos exames orais, todos os desembargadores que tinham relação com algum
candidato ausentaram-se do local e outros desembargadores realizaram as arguições e atribuíram as notas. Posto
isso, perguntava se a presunção de favorecimento era suficiente para a anulação do certame.
O Min. Ricardo Lewandowski, relator do processo, após pontuar os fatos acima narrados, entendeu que não seria
adequado presumir a existência de irregularidades no caso, especialmente consideradas as circunstâncias relatadas
nos autos. O Min. Menezes Direito, no mesmo sentido, ressaltou que “a leitura do voto proferido pelo Conselho
Nacional de Justiça deixa muito claro que houve uma anulação por mera presunção. Não há nenhum fato concreto,
que possa identificar um indício de favorecimento que foi alegado”. 44 A Min. Cármen Lúcia alegou que a anulação do
certame com base em mera presunção, estaria invertendo a presunção de legitimidade dos atos administrativos, que
só poderia ser rompida a partir de fatos comprovados, o que não havia ocorrido. 45 O Min. Carlos Britto, por seu turno,
destacou que nas duas primeiras fases era impossível identificar o candidato e na terceira, onde era possível a
identificação, não houve a participação de nenhum desembargador vinculado à candidato. Assim, “cai por terra,
logicamente, até toda a suspeição de parcialidade ou de ferimento do princípio da isenção”. 46 O Min. Cezar Peluso
votou pela não ofensa aos princípios da moralidade e impessoalidade destacando os fatos narrados nos autos que
comprovariam a ausência de parcialidade.
O Min. Marco Aurélio divergiu dos demais colegas. Do seu ponto de vista, o critério para verificar se houve violação
aos princípios é objetivo, não subjetivo. Desse modo, “a partir do momento em que houve a inscrição de duas
assessoras, os desembargadores assessorados não podiam participar do concurso e, se o fizeram, esse concurso
ficou contaminado, originariamente, pela participação”. 47
O Min. Joaquim Barbosa, acompanhou a divergência aberta pelo Min. Marco Aurélio, concluindo pela violação à
moralidade e à impessoalidade. Para ele a participação dos desembargadores, que tinham assessoras concorrendo,
na elaboração do concurso acarreta na violação das normas citadas. Os princípios, no caso concreto, estabeleceriam
um “dever indeclinável de os magistrados se abster de participar na elaboração do concurso”.
Por maioria de votos, portanto, o Tribunal Pleno entendeu que a presunção de favorecimento não era suficiente para a
anulação do certame. A leitura desse precedente pode levar a crer que o STF entende que o princípio da
impessoalidade tutela apenas as situações em que houver a prova da parcialidade, o que reduziria o seu âmbito de
aplicação. Todavia, é importante ressaltar que, no caso em exame, os desembargadores ligados a candidatos
ausentaram-se das provas orais e da atribuição de notas, situação que, com certeza, influenciou os votos dos
Ministros, como fica expresso nos votos de Cezar Peluso, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. Em outras palavras, a
parcialidade no julgamento das provas orais teria sido impedida pelo fato de que os desembargadores, que corriam o
risco de parcialidade, se ausentaram. Por fim, na nomeação dos cargos em comissão, objeto de investigação mais
adiante, o STF adota nitidamente um viés objetivo da impessoalidade. Como se verá, não importa se o parente
trabalha bem ou mal, se tem aptidão técnica para o cargo ou não, a sua nomeação é sempre vedada.
Da perspectiva desse artigo conclui-se que viola o princípio da impessoalidade “sempre que, na tomada de decisões
ou na prática de atos administrativos, surgir o risco de que possa o administrador agir influenciado por fatores que
sejam impertinentes às finalidades públicas e ao bem comum”. 48 Para o fortalecimento da autonomia do princípio da
impessoalidade é importante que, a exemplo do que tem acontecido nos casos de nepotismo, o STF firme o
entendimento de que a impessoalidade tutela o risco de parcialidade, não exigindo a sua prova. A partir dessa
circunstância a presunção de legitimidade dos atos administrativos cederia sempre que houvesse o risco de
parcialidade.
3.2 Concurso público e ampliação das regras excepcionais
Outro ponto que toca o princípio da impessoalidadeé a existência de normas estaduais que objetivam ampliar as
regras excepcionais do arts. 19 e 22 do ADCT (LGL\1988\31)49- 50 para legitimar o ingresso no serviço público sem
concurso. A título de exemplo, podemos citar os seguintes precedentes: STF – ADIn 1.267/AP, Pleno, j. 30.09.2004,
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v.u., rel. Min. Eros Grau, DJU 10.08.2006; ADIn 1.199/ES, Pleno, j. 05.04.2006, v.u., rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU
16.06.2006; ADIn 100/MG, Pleno, j. 09.09.2004, v.u., rel. Min. Ellen Gracie, DJU 01.10.2004.
No julgamento da ADIn 1.199/ES, que tratava do julgamento de uma lei responsável por ampliar a exceção
constitucional (art. 22 do ADCT (LGL\1988\31)) à regra do concurso de provas e títulos para a investidura no cargo de
Defensor Público, o Min. Joaquim Barbosa expôs o seguinte:
“Para os defensores admitidos antes da instalação da Constituinte, não é o caso de se proceder à inscrição em
concurso. No que concerne aos admitidos após o marco fixado pela Constituição, não há porque criar benefício em
detrimento do princípio constitucional da impessoalidade.” 51
No mesmo sentido, no julgamento da ADIn 100/MG, a Min. Ellen Gracie lembrou que “a exigência de concurso público
para a investidura em cargo garante o respeito a vários princípios constitucionais, dentre eles o da impessoalidade”. 52
Além disso, a Ministra esclareceu que a jurisprudência do STF tem considerado inconstitucionais normas estaduais
que ampliam as exceções à regra da exigência de concurso para o ingresso no serviço público, já estabelecidas na
ADCT (LGL\1988\31). 53
Nesses casos, em primeiro lugar, há violação de regras constitucionais (exigência de concurso para o ingresso no
serviço público e regras do ADCT (LGL\1988\31) que estabelecem as exceções) e, em segundo lugar, violação do
princípio da impessoalidade. Em suma, de acordo com o STF, também pode haver vício de impessoalidade na
elaboração normativa. Dessa forma, “evidencia-se a necessidade de submissão também da atividade legislativa ao
princípio da impessoalidade, como forma de assegurar-se, a generalidade das normas jurídicas”. 54
3.3 Escolha e critérios objetivos
O STF tem entendido que o princípio da impessoalidade estabelece um dever de objetividade, impedindo escolha ou
avaliação baseada em critérios subjetivos. Eis alguns casos paradigmáticos.
Na ADIn 1.481/ES o Conselho Federal da OAB alegava a inconstitucionalidade do art. 27 do Regimento Interno do
TJES. De acordo com esse dispositivo, “em caso de afastamento do desembargador por prazo superior a 30 dias,
poderão ser convocados juízes de 1.º grau, em substituição, indicados pelo substituído, dentre os da Entrância
Especial e aprovados por decisão da maioria absoluta do Tribunal (…)”. O Min. Carlos Velloso, relator do processo,
votou pela inconstitucionalidade em virtude de haver violação à Loman, esta estabelecia que a escolha se realizasse
por decisão da maioria absoluta do Tribunal ou, onde houver, do Órgão Especial. Logo, a indicação pelo substituído,
critério subjetivo, era inconstitucional. 55 O Min. Marco Aurélio, por seu turno, ressaltou em seu voto o seguinte:
“Tem-se, no caso, o desprezo completo ao princípio da impessoalidade, que também se faz presente no foro, também
se faz presente no Judiciário.
(…) Acompanho sua Excelência, portanto, declarando inconstitucional a expressão que viabiliza, na legislação
estadual, a indicação pelo substituído daquele que deverá substituí-lo no próprio Tribunal.” 56
Nesse caso, o problema ocorreu na elaboração normativa, o que acarreta uma semelhança com o tópico anterior.
Todavia, a norma não criou benefício em torno deste ou daquele juiz que poderia ser indicado a substituto, mas
instituiu a possibilidade do substituto ser escolhido com base em critérios subjetivos. Além disso, criou um poder para
o substituído, como se a função de desembargador fosse equivalente a uma função privada, onde ele poderia indicar
o seu substituto. Por fim, nesse precedente, cabe ressaltar que o STF entendeu que o princípio da impessoalidade
também se aplica ao Poder Judiciário, inclusive, quando este exercer função legislativa.
O AgRg no AgIn 456.086/BA tinha como questão de fundo a falta de previsão editalícia quanto à faculdade de
utilização de recurso contra resultado de exame psicotécnico. A Min. Ellen Gracie manteve a negativa ao recurso
extraordinário e, por conseguinte, a decisão do Tribunal a quo, sob pena de violação à Súmula 279 (MIX\2010\2004)
do STF e Súmula 280 (MIX\2010\2005) do STF, que vedam o reexame dos fatos e da legislação infraconstitucional.
Importante para esse trabalho, todavia, é que a Ministra salientou que o acórdão recorrido, de qualquer sorte, não
havia se afastado da jurisprudência da Corte, que entende haver ofensa ao princípio da impessoalidade “quando a
avaliação é realizada com base em critérios meramente subjetivos”. 57 Nessa perspectiva, a falta de previsão de
recurso do exame psicotécnico “sujeita, à avaliação única e exclusiva do examinador, a adequação ou não do
candidato ao cargo público, analisada mediante critérios subjetivos”. 58 No mesmo sentido: STF – RE 243.926/CE, 1.ª
T., j. 16.05.2000, v.u., rel. Min. Moreira Alves, DJU 10.08.2000; AgRg no RE 326.349/RN, 2.ª T., j. 10.09.2002, v.u., rel.
Min. Gilmar Mendes, DJU 11.10.2002; AgRg no AgIn 467.616/MG, 2.ª T., j. 23.03.2004, v.u., rel. Min. Celso de Mello,
DJU 11.06.2004.
Em suma, o dever de objetividade veda à administração pública dispensar tratamento meramente subjetivo e pessoal
aos administrados, exigindo que os atos e decisões sejam baseados em critérios técnicos, de base objetiva.
3.4 Promoção pessoal e partidária
O STF, acompanhando a doutrina, compreende que o princípio da impessoalidade, além de instituir diversos deveres,
impede a promoção pessoal e o partidarismo. Aliás, a promoção pessoal é expressamente vedada pelo § 1.º do art.
37 da CF/1988 (LGL\1988\3) (“A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos
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deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou
imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”).
Na ADIn 3.305, por exemplo, um partido político questionou a constitucio-nalidade do art. 77 e parágrafo único da Lei
9.504/1997 (“É proibido a qualquer candidato, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras
públicas. (…) A inobservância do disposto neste artigo sujeita o infrator à cassação do registro ou do diploma”). Os
Ministros votaram pela constitucionalidade da medida. O Min. Eros Grau desenvolveu o seu voto, no sentido de que a
norma não violaria o princípio da isonomia, como alegado, na medida em que ela desigualava os desiguais. Mais
importante para essa pesquisa, no entanto, foi o seguinte trecho voto do Min. Carlos Britto:
“Só me permitiria lembrar que a lei impugnada também homenageia o princípio da impessoalidade, um eminente
princípio republicano, que postula a distinção nítida entre o espaço público o espaço privado, ou seja, não há
confundir a administração com o administrador. E, nesse período eleitoral sensível, realmente a lei intenta impedir que
o candidato a cargo executivo tire partido da inauguração de feitos da Administração Pública. Parece-me que essa
proibição constante na lei homenageia a um só tempo o princípio da igualdade, da isonomia, portanto, entre
competidores e, também, senta praça de seu propósito de afirmar o princípio da impessoalidade, que é matriz
constitucional.” 59
O RE 191.668/RS, por seu turno, girava em torno de saber se slogan com conteúdo subliminar (administração
popular), que divulga certa maneira de governar associada a partido político, poderia ser utilizado na publicidade dos
atos administrativos sem violar a Constituição. Todos os Ministros da1.ª Turma do STF entenderam pela
inconstitucionalidade. O Min. Menezes Direito, relator do processo, elucidou que o art. 37, caput e § 1.º, da CF/1988
(LGL\1988\3) visa assegurar a impessoalidade na divulgação dos atos governamentais, evitando que estes sirvam
como propaganda para a pessoa no cargo público e também que esta se promova com recursos públicos. Importante
transcrever trecho do voto:
“Assim, direta ou indiretamente, a vedação é alcançada toda a vez que exista a menor possibilidade que seja de
desvirtuar-se a lisura desejada pelo constituinte, sequer sendo necessário construir interpretação tortuosa que
autorize essa vedação, nascida que é da simples leitura do texto da espécie normativa de índole constitucional. Com
isso, o que se deve explicitar é que a regra constitucional veda qualquer tipo de identificação pouco relevando que
seja por meio de nome, de slogan ou de imagem capaz de vincular o governo à pessoa do governante ou ao seu
partido. Qualquer margem de abertura nesse princípio é capaz de ensejar no tempo exceções que levam à inutilidade
do dispositivo.” 60
Segundo a jurisprudência, portanto, o princípio da impessoalidade veda a prática de condutas que acarretem em
promoção pessoal ou partidária diante dos feitos na função pública. Essa vedação está ligada à visão tradicional de
impessoalidade onde os atos administrativos são imputáveis não a pessoa que os pratica, mas ao órgão ou entidade
da administração pública a que ela pertence. Além disso, o princípio também impede que se utilize do aparato estatal
para perpetuar determinada pessoa ou partido político no cargo público.
3.5 Precedentes da Súmula Vinculante 13
A questão do nepotismo foi levada ao STF e, após cinco julgamentos, os Ministros aprovaram a Súmula Vinculante
13, que tem o seguinte teor:
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau,
inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou
assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na
administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da união, dos estados, do distrito federal e dos
municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a constituição federal.”
A partir dessa circunstância, torna-se relevante estudar os cinco precedentes que deram origem a essa Súmula
Vinculante, sobretudo, para entender que a prática do nepotismo no preenchimento dos cargos em comissão viola
frontalmente o princípio da impessoalidade. Nepotismo, vale lembrar, é o “favorecimento a parentes ou amigos”. 61
Essa palavra veio do latim ( nepos, nepotis), onde significava neto, sobrinho. A expressão começou a ser utilizada
como sinônimo de favorecimento a partir do hábito de alguns Papas de nomear parentes para cargos na Igreja
Católica. Atualmente, nepotismo está associado, em especial, ao favorecimento de parentes e amigos na nomeação
de cargos em comissão e funções de confiança. 62
Pois bem, o primeiro precedente da Súmula Vinculante 13 é a MC na ADIn 1.521/RS. O Procurador Geral da
República ajuizou esta ação de inconstitucionalidade em face dos arts. 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 6.º e art. 7.º, a e b, da EC 12/
2005 do Estado do Rio Grande do Sul. De um modo geral, os dispositivos jurídicos visavam coibir abusos no
preenchimento dos cargos em comissão. O § 5.º do art. 1.º da EC 12/2005, em particular, vedava que os cargos em
comissão fossem ocupados por cônjuges ou companheiros e parentes, consanguíneos, afins ou por adoção, até o
segundo grau de determinadas autoridades. Os Ministros, por maioria, indeferiram a suspensão cautelar do § 5.º do
art. 1.º. 63 Nesse precedente, o STF já deu indícios de que a prática do nepotismo não estava de acordo com os
princípios constitucionais.
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Seis anos depois, no julgamento do MS 23.780/MA, a questão do nepotismo foi novamente levada ao Tribunal pleno
da Corte. O mandado de segurança foi impetrado por uma mulher que tinha sido exonerada de cargo em comissão no
Tribunal Regional do Trabalho da 16.ª Região. A exoneração ocorreu porque, na época da nomeação para o cargo em
comissão, o irmão da mulher era vice-presidente do Tribunal. A nomeação de parentes para cargos em comissão era
vedada pela Lei 8.432/1992 e pela Decisão TCU 118/1994. O Min. Joaquim Barbosa, relator do processo, além de
ressaltar a existência de legislação anterior à nomeação da impetrante, vedando expressamente o preenchimento dos
cargos em comissão por pessoas que tivessem parentesco com os juízes Tribunal, destacou que a proibição do
nepotismo é medida que homenageia e concretiza o princípio da moralidade administrativa, que, segundo ele, deve
nortear toda a administração pública em qualquer esfera de Poder. 64 Por unanimidade, o STF denegou a segurança
que tinha por intuito anular o ato de exoneração.
Finalmente, na MC na ADC 12/DF, o Supremo colocou o foco do julgamento em saber se o nepotismo ofende ou não
o princípio da impessoalidade. O objeto da ação declaratória de constitucionalidade era a Res. CNJ 7/2005, que
disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrado e de
servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário.
Preliminarmente, foram analisados argumentos relativos à competência do Conselho Nacional de Justiça para regular
a matéria. Todavia, como ressaltou o Min. Cezar Peluso, o núcleo da causa era:
“(…) Saber se a prática do nepotismo ofende, ou não, entre outros, o princípio da impessoalidade. Se a resposta for
positiva, a questão da competência estará pré-excluída ipso facto, porque, se ao Conselho cabe velar pela aplicação
desse princípio, cabe-lhe, não há dúvida, coibir, ainda que de forma genérica, as práticas que o violem. O Conselho
tem, assim, o poder jurídico de explicitar o alcance do princípio da matéria (…).” 65
Além da questão da competência, havia dúvida se os condicionamentos impostos pela resolução em foco seriam
atentatórios da liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão e funções de confiança. O Min. Carlos
Britto concluiu negativamente, sob o argumento de que a interpretação dos citados dispositivos deveria ser feita de
acordo com os princípios expressos no art. 37 da CF/1988 (LGL\1988\3). 66 Além disso, segundo ele, “as restrições
constantes no ato normativo do CNJ são, no rigor dos termos, as mesmas restrições já impostas pela Constituição de
1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência e da igualdade, sobretudo. Não se
tratando, então, de discriminar o Poder Judiciário perante os outros dois Poderes Orgânicos do Estado (…).” 67 O STF
entendeu que as regras estabelecidas na mencionada resolução apenas concretizaram os princípios da moralidade e
da impessoalidade administrativa. E, ainda, a aplicabilidade imediata desses princípios, sem necessidade de
nenhuma intermediação legislativa, por si só, já impede a prática do nepotismo. Em suma, o Tribunal, por maioria,
concedeu a medida cautelar para suspender, até o exame do mérito da ação, o julgamento dos processos que tinham
por intuito questionar a constitucionalidade da Res. CNJ 7/2005.
Posteriormente, no julgamento de mérito da ADC 12/DF, o STF, por unanimidade, julgou procedente a ação
declaratória de constitucionalidade e reforçou o entendimento de que a vedação ao nepotismo decorre da
aplicabilidade direta dos princípios da impessoalidade, da moralidade e da eficiência. 68
Por fim, ocorreu o julgamento do RE 579.951/RN. Esse recurso foi interposto contra acórdão do TJRN que entendeu
não existir ilegalidade ou inconstitucionalidade na nomeação de irmãos de vereador e de vice-prefeito para cargos em
comissão no Poder Executivo (Secretário Municipal de Saúde e motorista, respectivamente) sob os seguintes
argumentos:(a) inaplicabilidade da Res. CNJ 7/2005 ao Legislativo e ao Executivo; (b) inexistência de lei formal
vedando a prática do nepotismo no âmbito desses poderes.
Mais uma vez, o STF considerou que a vedação ao nepotismo está na zona de certeza dos princípios da moralidade e
da impessoalidade, logo, “independe de norma secundária que obste formalmente essa reprovável conduta” 69 e, por
unanimidade, deu parcial provimento ao recurso para anular o ato de nomeação do irmão do vice-prefeito para o
cargo de motorista. 70 O ato de nomeação do irmão do vereador para Secretário Municipal não foi anulado, pois não
restou evidenciado a prática do nepotismo cruzado. Além disso, alguns Ministros destacaram que se tratava de cargo
e agente político, hipótese em que não se aplicaria o princípio da impessoalidade. Vale citar trecho do voto do Min.
Carlos Britto:
“Quando proferi voto na ADC 12, entendo – e a Corte concordou – que os princípios do art. 37 eram extensíveis a
toda Administração Pública, tive em conta a própria expressão ‘Administração Pública’, porque esses princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade etc., vêm num contexto não de governo, não de poder político, mas de
Administração Publica, ou seja, para exercício da atividade administrativa. A Administração Pública, aqui, parece-me,
é segmento do governo. O governo é mais do que a Administração Pública, porque incorpora ingrediente político.
Então, quando o art. 37 refere-se a cargo em comissão e função de confiança, está tratando de cargos e funções
singelamente administrativos, não de cargos políticos. Portanto, os cargos políticos estariam foram do alcance da
decisão que tomamos na ADC 12/DF, porque o próprio Capítulo VII é ‘Da Administração Pública’ enquanto segmento
do Poder Executivo e sabemos que os cargos políticos, como, por exemplo, os de Secretário Municipal, são de
agentes do Poder, fazem parte do Poder Executivo. O cargo não é em comissão, no sentido do art. 37. Somente os
cargos e funções singelamente administrativos – é como penso – são alcançados pela imperiosidade do art. 37, com
seus lapidares princípios.” 71
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O Min. Marco Aurélio, no mesmo sentido, explicou que não estende “a cabeça do art. 37, de início, ao agente político”.
72 Agente político é “a pessoa física investida da competência de formar a vontade estatal relativamente às decisões
políticas fundamentais, o que se traduz no modo de sua investidura”. 73 Os agentes políticos, em suma, são as
pessoas investidas em “mandato eletivo, no âmbito do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, e aqueles que, por
determinação constitucional, exercitam função de auxílio imediato do Chefe do Poder executivo, que são os Ministros
de Estado no âmbito federal, os secretários estaduais e municipais”. 74
Apesar da manifestação de alguns ministros quanto à inaplicabilidade do art. 37, caput, da CF/1988 (LGL\1988\3)75
aos agentes políticos, a Corte preferiu não fixar definitivamente um posicionamento, como fica claro nas seguintes
passagens do julgamento:
(Trecho do Voto do Min. Cezar Peluso) “Em primeiro lugar – e não quero comprometer-me quanto a isso – tenho certa
dúvida, ainda, se o princípio se aplica, ou não, aos chamados agentes políticos.” 76
(Trecho de debate – Min. Ricardo Lewandowski) “Então, por isso, é que preferi dizer, eminente Ministro, que cada
caso concreto deverá ser analisado à luz da proibição do nepotismo que emana do art. 37, caput, um pouco na linha
do que colocou a Min. Cármen Lúcia. Eu fico com receio de assentarmos, com todas as letras, que, em se tratando de
Secretário Municipal (…) tal atitude seria lícita. Amanhã, se ele colocar a esposa em um ‘cargo chave’ de Secretária
do Governo, isso seria lícito à luz da proibição do nepotismo?” 77
Cabe lembrar que se é verdade que o sobreprincípio do Estado de Direito, o princípio democrático e o republicano
exige, segundo a Constituição brasileira, o dever de impessoalidade, que sequer precisaria estar expresso, pode-se
concluir que este se aplica, inclusive, aos agentes políticos. Isso porque não se pode argumentar que as normas
mencionadas não sejam aplicáveis ao Governo em geral, incluindo o segmento político.
Tendo em vista a análise dos casos paradigmáticos acima, destaca-se o seguinte: (a) por ser um princípio, a
impessoalidade estabelece uma finalidade – ser impessoal –, mas não fixa, por exemplo, se o que deve ser tutelado é
o risco de ser impessoal ou a efetiva impessoalidade; (b) a escolha entre a tutela do risco e a tutela efetiva deve ser
pautada pelo que irá, na maioria dos casos, concretizar mais a finalidade de impessoalidade e restringir menos os
outros princípios; (c) a tutela do risco parece concretizar mais a finalidade e restringir menos outros princípios; (d),
todavia, isso gera situações que nos parecem estranhas, por exemplo, um irmão não pode ser nomeado para cargo
em comissão mesmo que seja excepcionalmente capaz tecnicamente; (e) especificar um princípio, por vezes, acaba
por transformá-lo em diversas regras, o que tem o potencial de gerar, em alguns casos, aplicações injustas, mas, por
outro lado, ganha-se em segurança jurídica e, na maior parte dos casos, tem-se uma concretização maior da
finalidade.
O STF, como ficou claro, entende que o princípio da impessoalidade, por si só, veda o nepotismo no preenchimento
dos cargos em comissão e das funções de confiança. Além disso, o Tribunal optou pela tutela do risco de
impessoalidade ao aprovar a Súmula Vinculante 13, que fixou critérios para saber quando se configura a prática de
nepotismo, independentemente de análise acerca da capacidade técnica do parente nomeado. 78 Esses critérios são
válidos para todos os poderes.
Finalmente, não se pode deixar de comentar, é, no mínimo, questionável se o Poder Judiciário, ao aprovar a citada
Súmula Vinculante, não acabou usurpando função típica do Legislativo. Ao que tudo indica, caberia ao Poder
Legislativo aprovar a “regra geral”, válida para todos os poderes, que estabelecesse os critérios para a configuração
do nepotismo. Mas, como se sabe, foi justamente a inércia deste e a pressão social que gerou essa resposta do
Poder Judiciário. Tudo na tentativa de acabar com a prática enraizada na cultura brasileira de confundir o espaço
público com o privado, justamente, um dos comportamentos que o princípio da impessoalidade visa coibir. O tempo
dirá se os fins justificam os meios ou se a “hipertrofia” do Poder Judiciário trará mais efeitos colaterais do que
concretização das normas constitucionais.
4. Conclusão
Esse artigo teve como objetivo analisar criticamente a jurisprudência do STF para descobrir critérios que possam
indicar quais são as condutas necessárias para a realização do princípio da impessoalidade. No segundo item,
contatou-se que este princípio fundamenta-se, sobretudo, no sobreprincípio do Estado de Direito, base das ideias de
proibição de pessoalidade e de limitação do exercício do poder.
Além disso, investigou-se a relação da impessoalidade com outros princípios, o que levou as seguintes conclusões:
(a) o princípio da legalidade é um dos meios para concretizar o princípio impessoalidade, mas este impõe a realização
de outras condutas e incide, inclusive, no âmbito do poder discricionário; (b) tendo em vista que a Constituição impõe
uma ponderação normativamente orientada entre todos os interesses envolvidos em uma determinada questão
(interesses públicos e interesses privados), da qual poderá resultar a prevalência de um ou outro, mostra-se
imperfeito e insuficiente entender impessoalidade como a finalidade de visar exclusivamente o interesse público; (c)
sempre que houver um agir influenciado por fatores pessoais e subjetivos haverá tanto violação do princípio da
impessoalidade quanto da moralidade, ou seja, um entrelaçamento entre os princípios; (d) a eficiência administrativa
tem caráter instrumental, ela está ligada ao bom andamento da administração pública,que só pode ser alcançado
mediante a realização dos princípios constitucionais, a exemplo do princípio da impessoalidade; (e) o princípio da
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impessoalidade tem um significado autônomo em relação ao princípio da igualdade, sobretudo, na medida em que ele
tutela o risco de agir subjetivamente em favor ou desfavor de interesses pessoais ou de terceiros, enquanto a
igualdade impõe o dever de coibir o tratamento desigual sem um critério de distinção juridicamente aceitável e que
possua relação com a finalidade que justificou a sua utilização. Além disso, constatou-se que do princípio da
impessoalidade decorre diversos deveres, como o de tomar decisões com base em critérios objetivos e técnicos. Por
fim, ele serve como limitação ao poder discricionário da administração pública, bem como impede a prática de
condutas que acarretem em promoção pessoal diante dos feitos na função pública e proíbe que se utilize do aparato
estatal para perpetuar determinado partido político no poder.
O terceiro item foi dedicado a análise crítica dos casos paradigmáticos do STF sobre o princípio da impessoalidade.
Como se demonstrou, para o fortalecimento da autonomia desse princípio, é importante que o STF firme o
entendimento de que a impessoalidade tutela o risco de parcialidade, não exigindo a sua prova. Em seguida,
esclareceu-se que normas estaduais não podem ampliar as regras excepcionais do arts. 19 e 22 do ADCT
(LGL\1988\31) para legitimar o ingresso no serviço público sem concurso, sob pena de violação, dentre outros, do
princípio da impessoalidade. Isso leva a crer que também pode haver vício de impessoalidade na elaboração
normativa.
Constatou-se, também, que o STF tem entendido que o princípio da impessoalidade estabelece um dever de
objetividade, impedindo escolha ou avaliação baseada em critérios subjetivos. Além disso, na perspectiva da Corte, o
princípio da impessoalidade veda a prática de condutas que acarretem em promoção pessoal ou partidária diante dos
feitos na função pública. Essa vedação está ligada à visão tradicional de impessoalidade onde os atos administrativos
são imputáveis não a pessoa que os pratica, mas ao órgão ou entidade da administração pública a que ela pertence.
Finalmente, o artigo dedicou-se aos precedentes da Súmula Vinculante 13. Nessa investigação demonstrou-se que a
aplicabilidade imediata do princípio da impessoalidade, sem necessidade de nenhuma intermediação legislativa, por si
só, proíbe a prática do nepotismo. Quanto ao problema da aplicabilidade do princípio da impessoalidade aos agentes
políticos, ficou claro que, apesar da manifestação em sentido contrário de alguns Ministros, a Corte ainda não fixou
definitivamente um posicionamento. Finalmente, constatou-se que o Tribunal optou pela tutela do risco de
impessoalidade ao aprovar a Súmula Vinculante 13, que fixou critérios para saber quando se configura a prática de
nepotismo, independentemente de análise acerca da capacidade técnica do parente nomeado.
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Sarmento, Daniel (org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do
interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
Tácito, Caio. Improbidade administrativa como forma de corrupção. Revista Diálogo Jurídico. vol. I. n. 8. Salvador:
CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nov. 2001. Disponível em: [www.direitopublico.com.br]. Acesso em: 12.09.2009.
Zago, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O princípio da impessoalidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
Zancaner, Weida. Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional do Estado Social e
Democrático de Direito. Revista Diálogo Jurídico. n. 9. ano I. Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, dez.
2001. Disponível em: [www.direitopublico.com.br]. Acesso em: 20.01.2010.
 
 
 
1 Trabalho apresentado como requisito parcial para a aprovação na disciplina: “Temas Fundamentais de Direito
Administrativo”, ministrada pelo Prof. Almiro do Couto e Silva, no Mestrado da UFRGS.
 
2 Ruy Cirne Lima, Princípios de direito administrativo brasileiro, 7. ed., 2007.
 
3 Humberto Ávila, Sistema constitucional tributário, 3. ed., 2008, p. 40.
 
4 STF, MC na ADC 12/DF, Pleno, j. 16.02.2006, rel. Min. Carlos Britto, DJU 01.09.2006.
 
5 Humberto Ávila, Sistema constitucional tributário cit.
 
6 STF, MC na ADC 12/DF.
 
7 Note-se que inclusive nos casos de exercício do poder discricionário, tidos como exemplos de atenuação desse
princípio, é a lei que o possibilita e legitima.
 
8 Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 11. ed., 2007, p. 121.
 
9 STF, MC na ADC 12/DF.
 
10 Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, 20. ed., 2005, p. 86.
 
11 “As necessidades da administração pública dependem daquilo que Weber denominava ‘dominação burocrática de
impessoalidade formalística’, cujo conteúdo relevava bem com a expressão latina sine ira et studio, ou seja, regida
pelo dever jurídico estrito de não se deixar guiar, não se deixar conduzir, na tutela da coisa pública, nem por ódio, nem
por amor”. STF, MC na ADC 12/DF.
 
12 A título de exemplo ver Humberto Ávila, Repensando o “Princípio da supremacia do interesse público sobre o
particular”. Revista Diálogo Jurídico, vol. I, n. 7, Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, out. 2001. Disponível
em: [www.direitopublico.com.br]. Acesso em: 17.10.2008. Ainda, Daniel Sarmento (org.), Interesses públicos versus
interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público, 2005.
 
13 A título de exemplo ver Marçal Justen Filho, Curso de direito administrativo, 2. ed., 2006, p. 43-44.
 
14 Idem, p. 43.
 
15 Humberto Ávila, Sistema constitucionaltributário cit., p. 29.
 
16 Odete Medauar, op. cit., p. 128.
 
17 Idem, p. 123.
 
18 Humberto Ávila, Teoria dos princípios, 8. ed., 2008, p. 96.
 
19 Weida Zancaner, Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional do estado social e
democrático de direito. Revista Diálogo Jurídico, n. 9, ano I, Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, dez.
2001. Disponível em: [www.direitopublico.com.br]. Acesso em: 20.01.2010.
 
20 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte: (…).”
 
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21 Todavia, o texto constitucional já mencionava a eficiência, mesmo antes da emenda constitucional, em seu art. 74:
“Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a
finalidade de:
(…)
II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e
patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por
entidades de direito privado”.
 
22 Odete Medauar, op. cit., p. 127.
 
23 Humberto Ávila, Teoria da igualdade tributária, 2008, p. 92.
 
24 Klaus Mathis apud Humberto Ávila, Teoria da igualdade tributária cit., p. 92.
 
25 Humberto Ávila, Teoria dos princípios cit., p. 122.
 
26 Humberto Ávila, Teoria da igualdade tributária cit., p. 92.
 
27 STF, MC na ADC 12 /DF.
 
28 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 9. ed., 1999, p. 70.
 
29 Lúcia Valle Figueiredo, Curso de direito administrativo, 3. ed., 1995.
 
30 Cármen Lúcia Antunes Rocha, Princípios constitucionais da administração pública, 1994.
 
31 Ana Paula Oliveira Ávila, O princípio da impessoalidade da Administração Pública – Para uma administração
imparcial, 2004.
 
32 Idem, p. 34.
 
33 José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da Constituição, 7. ed., 2003, p. 428.
 
34 Idem, ibidem.
 
35 Humberto Ávila, Teoria da igualdade tributária cit., p. 40.
 
36 Lúcia Valle Figueiredo, op. cit., p. 59.
 
37 Jasson Hibner Amaral, Breves notas sobre o princípio da impessoalidade, Jus Navigandi, n. 1064, ano 10,
Teresina, 31.05.2006. Disponível em: [http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8387]. Acesso em: 22.01.2010.
 
38 Anschutz apud Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, 2008, p. 394.
 
39 Voto do Min. Cezar Peluso em STF, MC na ADC 12/DF.
 
40 STF, MC na ADC 12/DF.
 
41 Humberto Ávila, Teoria dos princípios cit., p. 78-79.
 
42 Idem, p. 92.
 
43 STF, MS 26.700/RO, Pleno, j. 21.05.2008, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU 27.06.2008.
 
44 Voto do Min. Menezes Direito em: STF, MS 26.700/RO.
 
45 Voto da Min. Cármen Lúcia em: STF, MS 26.700/RO.
 
46 Voto do Min. Carlos Britto em: STF, MS 26.700/RO.
 
47 Voto da Min. Marco Aurélio em: STF, MS 26.700/RO.
 
48 Ana Paula Oliveira Ávila, op. cit., 2004, p. 83.
 
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49 “Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração
direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos
cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são
considerados estáveis no serviço público.”
 
50 “Art. 22. É assegurado aos defensores públicos investidos na função até a data de instalação da Assembleia
Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira, com a observância das garantias e vedações previstas no art.
134, parágrafo único, da Constituição.”
 
51 STF, ADIn 1.199/ES, Pleno, j. 05.04.2006, v.u., rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU 16.06.2006.
 
52 STF, ADIn 100/MG, Pleno, j. 09.09.2004, v.u., rel. Min. Ellen Gracie, DJU 01.10.2004.
 
53 Idem.
 
54 Ana Paula Oliveira Ávila, op. cit., 2004, p. 98.
 
55 STF, ADIn 14.811/ES, Pleno, j. 14.05.2004, v.u., rel. Min. Carlos Velloso, DJU 04.06.2004.
 
56 Idem.
 
57 STF, AgRg no AgIn 456.086/BA, 2.ª T., j. 19.10.2004, v.u., rel. Min. Ellen Gracie, DJU 12.11.2004.
 
58 Idem.
 
59 STF, ADIn 3.305/DF, Pleno, j. 13.09.2006, v.u., rel. Min. Eros Grau, DJU 24.11.2006.
 
60 STF, RE 191.668/RS, 1.ª T., j. 15.04.2008, v.u., rel. Min. Menezes Direito, DJU 30.05.2008.
 
61 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa, 6. ed., 2004, p. 576.
 
62 Vale destacar que a principal diferença entre o cargo em comissão e a função de confiança é que esta será
exercida exclusivamente por servidores públicos efetivos, enquanto aquele poderá ser exercido por alguém que não
seja servidor. Ambos, no entanto, dizem respeito à chefia, assessoramente e direção.
 
63 STF, ADIn 1.521/RS, Pleno, j. 12.03.1997, v.u., rel. Min. Marco Aurélio, DJU 17.03.2000.
 
64 STF, MS 23.780/MA, Pleno, j. 28.09.2005, v.u., rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU 03.03.2006.
 
65 STF, MC na ADC 12/DF.
 
66 Idem.
 
67 Idem.
 
68 STF, ADC 12/DF, Pleno, j. 20.08.2008, rel. Min. Carlos Britto, DJe 18.12.2009.
 
69 STF, RE 579.951/RN, Pleno, j. 20.08.2008, v.u., rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU 24.10.2008.
 
70 Vale ressaltar que a ato de nomeação seria nulo ainda que o STF não considerasse a aplicabilidade direta dos
princípios do art. 37 da CF/1988 (LGL\1988\3) ou entendesse que a prática do nepotismo não os viola, na medida em
que os cargos em comissão só dizem respeito à chefia, assessoramente e direção. Evidentemente, a expressão
direção, posta no texto constitucional, não se refere à direção de automóveis. Em outras palavras, a função de
motorista não pode ser preenchida por cargo em comissão.
 
71 STF, RE 579.951/RN.
 
72 Idem.
 
73 Marçal Justen Filho, op. cit., p. 587-588.
 
74 Idem, p. 588.
 
75 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
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eficiência e, também, ao seguinte: (…).”
 
76 STF, RE 579.951/RN.
 
77 Idem.
 
78 Como o princípio da impessoalidade é mais amplo do que a Súmula, fica em aberto a questão de se outras
situações também podem configurar violação à impessoalidade. Por exemplo: cargo em comissão para melhor amigo
não viola a impessoalidade? Vale lembrar que em se tratando de administração pública a legalidade não significa
poder fazer tudo o que a lei não proíbe, mas sim só fazer o que a lei autoriza. Logo, em tese, não vale o argumento de
que tudo o que a Súmula Vinculante 13 não proíbe está permitido.

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