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Psicoterapia Comportamental Psicologia – 7o Semestre Profa Carolina Porto de Almeida Nomes: Vera Lucia Vieira Cicala RA: 12326212 Data: 01/05/2025 EXERCÍCIO PRÁTICO: Formulação Cognitiva de Caso Clínico Com base no caso de Alaíde apresentado a seguir, elabore a conceitualização cognitiva preenchendo o diagrama proposto por Judith Beck. Após a análise do caso, é necessário elaborar uma síntese da compreensão cognitiva da paciente. Descrição do caso: Alaíde é uma mulher de 58 anos que trabalha como confeiteira. É a filha do meio em uma família de 3 irmãs e os pais já são falecidos. É separada do marido e criou os três filhos (João, de 29 anos; Lara, de 27 anos; e Marcos, de 23 anos) sozinha. A separação ocorreu quando os filhos eram crianças, após descobrir a traição do marido, que tinha outra família. Ela, nesta ocasião, se mudou de Itapira para Campinas com os filhos, começou a trabalhar em doçarias e lutou muito para criá-los, educá-los e sustentá-los sem a ajuda de ninguém. Melhorou muito os rendimentos da família quando abriu a própria doçaria e conseguiu financiar os estudos dos três filhos em universidades particulares. Depois de anos separada, tendo apenas relacionamentos ocasionais e passageiros, ela reencontrou o amor com Jorge, que passou a trabalhar com ela no negócio, fazia companhia para tudo e foi viver em sua casa. Ela veio procurar pela psicoterapia por encaminhamento do médico psiquiatra. Sempre recusou a ideia de se consultar com psiquiatras e psicólogos, pois achava era tarefa dela superar sozinha qualquer dificuldade. Contudo, nos últimos dois anos, acontecimentos difíceis foram se acumulando em sua vida e ela perdeu seus referenciais, sentiu-se perdida e desorientada, de maneira que não conseguia trabalhar, nem tocar os negócios. Estava passando a maior parte do tempo trancada em casa, deitada em sua cama aos prantos, e evitava sair. Por insistência dos filhos, preocupados com sua mudança repentina de comportamento, foi procurar ajuda. O psiquiatra diagnosticou Transtorno Depressivo Maior e, além do tratamento medicamentoso, recomendou a Psicoterapia Cognitivo-Comportamental. Na primeira sessão de psicoterapia, Alaíde relatou que não sabia mais o que fazer, que tudo estava indo de mal a pior, nem sabia se conseguiria continuar vivendo. Estava se sentindo desnorteada, desorientada e sem esperanças, bem como revoltada com Deus e as pessoas, pois sua vida tinha virado de cabeça para baixo nos últimos dois anos. Tudo começou com o falecimento de sua mãe, após um doloroso processo de câncer. Sempre foi mais próxima do pai do que da mãe; era com ele que se sentia amada, desabafava e confidenciava suas angústias. O pai havia falecido por complicações de diabetes e AVC quatro anos antes; foi muito difícil superar sua morte, mas, neste período, aproximou-se muito da mãe e Jorge entrou em sua vida como uma importante fonte de apoio. Mesmo morando em cidades diferentes, passou a ligar todos os dias, conversavam, visitava a mãe sempre que podia, acreditando na necessidade de que “deveria cuidar da mãe e se tornar próxima a ela antes que fosse tarde”. Diante da doença da mãe, ficou muito abalada, mas procurou se manter forte e, sempre que podia, revezava os cuidados da mãe com as irmãs. Logo depois da morte da mãe, outros acontecimentos lhe pareceram relevantes e ocorreram dentro de um período de um ano: o filho mais velho se casou e saiu de casa; a filha do meio comprou um apartamento e também saiu de casa, alegando querer mais liberdade e privacidade; o filho caçula foi morar com a namorada; e os rendimentos financeiros na doçaria começaram a diminuir, acompanhando a crise econômica. Além disso, começaram os conflitos com Jorge. Ambos se relacionavam há 5 anos, eram muito apaixonados e tinham muita cumplicidade, faziam tudo juntos, de viagens, a reuniões com amigos e passeios. Entretanto, ela referiu que não soube lidar com as exigências dele, que queria trazer seu filho único adolescente para morar com eles. Ela rejeitava a ideia de conviver diariamente com o filho dele, pensando que, já que os filhos dela tinham saído de casa, seria a oportunidade de viverem só os dois como um casal, como sempre sonharam. Jorge, optando pelo filho, rompeu com ela e saiu de casa, indo morar em Ribeirão Preto com os pais dele e o filho. O rompimento com Jorge foi um dos acontecimentos mais terríveis de sua vida. Ao se ver sozinha e sem forças físicas e emocionais para trabalhar, fez sociedade com uma das irmãs, que assumiu a doçaria em seu lugar. Sentiu-se abandonada por ele e por todos, queria voltar atrás, ligava para Jorge insistentemente, questionava o porquê do rompimento, implorava para que ele voltasse a morar com ela, prometeu que aceitaria o filho dele, e nada funcionou. Nas conversas com Jorge, que também afirmava amá-la e sentir falta dela, cogitou largar tudo e ir viver com ele em Ribeirão. E, foi então, que mais um evento mudou seus planos: o filho caçula e a namorada engravidaram. Como o filho e a nora não teriam condições de cuidar da criança no apartamento pequeno onde viviam, ela aceitou que morassem em sua casa. Fazendo a opção pelo filho e o neto, desistiu de sair de Campinas para viver com Jorge, até para não se indispor com os filhos. A expectativa da chegada do neto a encheu de esperanças de se recuperar, bem como a mudança do filho e da nora grávida para sua casa atenuou a solidão. Conseguiu reagir, pensava que o neto traria de volta para ela a alegria, e voltou a trabalhar na doçaria, agora junto da irmã. Começou a se sentir amparada e fortalecida, até porque o filho e a nora a ocupavam, conversavam bastante com ela sobre o bebê quando chegavam em casa. Agradecia ao filho pela companhia que ele e a nora lhe davam, cuidava das coisas deles, lavava suas as roupas, arrumava a casa, cozinhava as refeições, e ajudava no pagamento das contas de Marcos. Tudo estava se estabilizando, até a descoberta de uma doença cardíaca do bebê. Ele nasceu prematuro e foi direto para a cirurgia; desde então, está na UTI Neonatal, e foi neste período em que Alaíde iniciou a terapia, sentindo-se muito triste e inconformada. Com o nascimento do bebê, o filho mais novo direcionou completamente sua atenção aos cuidados com a mulher e a criança doente; por conta da proximidade do hospital, Marcos e a mulher, mudaram-se para a casa da sogra, e ele quase não tinha tempo de visitar a mãe. Alaíde sequer teve contato com o neto neste período, e os planos de ser avó de uma criança saudável se modificaram. Ela relatou que não entendia porque isso estava acontecendo com ela, já que sempre fez de tudo pelas pessoas, pelos filhos e ajudou Jorge em tudo o que podia. Não sabia o que tinha feito para merecer a solidão, dizia que os filhos não a compreendiam, não estavam dando a atenção que precisava, agora que estava doente e fragilizada. Disse que Jorge não compreendeu sua recusa em receber o filho dele: não era maldade, mas vontade de viver a sós com ele, como um casal em início de relacionamento. Não se reconhecia mais, pois sempre fez tudo sozinha, cuidou dos filhos sem ninguém ao lado e, depois que todos saíram de casa, tinha perdido a capacidade de gerenciar a própria vida. Pensava ser uma pessoa péssima, incapaz de viver, de trabalhar e de seguir adiante. Sentia-se rejeitada por todos e pensava ser alguém que ninguém quer. Vinha à sua mente recorrentemente ideias como “o que foi que eu fiz, a ponto de merecer o desprezo das pessoas?”; “eu sou tão errada assim? Não é possível que eu seja tão errada pra todos se afastarem de mim?”; “eu devo ser uma pessoa péssima mesmo. Por que todos me viram as costas?”; “como posso ajudar meu neto doente, se eu mesmo estou doente e não tenho forças para fazer nada?”. Visitava frequentemente o filho mais velho, que, embora afetuoso e apoiador, trabalhava demais e nunca tinha tempo de aceitar seus convites para almoçar. Ligava para a filha, mas esta nãoatendia ou não retornava as ligações imediatamente, e raramente mandava notícias; nos poucos contatos que tinham, a filha dizia para esquecer de Jorge, que ele agiu muito mal se aproveitando dela, e que Alaíde deveria buscar ajuda psicológica para tratar da solidão e se recuperar para ajudar o neto doente. Em casa, sozinha novamente, sentia-se triste e infeliz. Tinha muito medo de morrer sem ter ninguém ao seu lado. Seus planos de envelhecer com Jorge estavam arruinados e o sonho de ser avó, que foi a princípio sua base de recuperação e propósito, desabou, pois o neto era uma criança doente e que teria um desenvolvimento muito complicado. Acreditava que não poderia se aproximar de ninguém, que outros homens não valeriam a pena, não entenderiam sua situação de vida, e todos mais cedo ou mais tarde iriam abandoná-la. Sentia muita raiva das pessoas, dos filhos que se afastaram, e de Deus, por deixar que tudo isso acontecesse em sua vida. Questionava-se o que tinha feito para merecer isso, já que sempre foi uma pessoa muito boa, nunca recusou ajudar ao próximo, nem sabia dizer não, sempre atendeu aos pedidos que as pessoas lhe faziam. 1) Preencha o quadro: DIAGRAMA DE CONCEITUALIZAÇÃO COGNITIVA Paciente: Alaíde, 58 anos Diagnóstico Principal: Transtorno Depressivo Maior Comorbidades: Não especificadas DADOS RELEVANTES DA HISTÓRIA DE VIDA ● Tem 2 irmãs; pais falecidos, tinha mais proximidade com o pai; teve 3 filhos, todos saíram de casa e não são tão próximos; ● Separada após traição do marido, criou três filhos (João, 29; Lara, 27; Marcos, 23) sozinha, mudando-se de Itapira para Campinas. Trabalhou em doçarias, abriu o próprio negócio, financiou educação universitária dos filhos; ● Relacionamento de 5 anos com Jorge (cumplicidade, apoio), rompido após recusa de Alaíde em conviver com o filho adolescente dele. ● Estressores (últimos 2 anos): morte da mãe, saída dos filhos de casa (casamento, independência), crise financeira na doçaria, rompimento com Jorge, doença cardíaca do neto prematuro, afastamento de Marcos e nora. ● Comportamento atual: isolamento, choro, evitação social, desesperança, revolta (contra Deus/pessoas), autoimagem negativa, medo de morrer sozinha. CRENÇAS CENTRAIS ● Sobre Si: “Sou incapaz”, “Sou rejeitada”, “Sou uma pessoa péssima”. ● Sobre os Outros: “As pessoas me abandonam”, “Ninguém me valoriza”. ● Sobre o Mundo: “O mundo é injusto”. ● Sobre o Futuro: “Estarei sempre sozinha”, “Nada vai melhorar”. CRENÇAS INTERMEDIÁRIAS (REGRAS E AUTORREGRAS) ● “Se não cuidar de todos, serei abandonada.” ● “Deveria superar tudo sozinha.” ● “Se não for perfeita, não serei amada.” ● “Devo ajudar os outros, mesmo que me prejudique.” ESTRATÉGIAS COMPENSATÓRIAS ● Hiper-responsabilidade: Sustentar filhos, cuidar da mãe, ajudar Marcos; ● Auto-sacrifício: Priorizar necessidades alheias (ex.: lavar roupas, cozinhar para filho/nora); ● Evitação: Isolar-se para evitar rejeição; ● Busca de validação: Ligar insistentemente para Jorge, e para a filha, visitar João; ● Esforço excessivo para manter relacionamentos afetivos; ● Evitação de confrontos para não ser abandonada. Situação 1 Marcos e nora mudaram-se para a casa da sogra e raramente visitam Alaíde. Situação 2 Término do relacionamento com Jorge após recusa de Alaíde de conviver com o filho dele. Situação 3 Morte da mãe Pensamento Automático (PA’s) “Eles me abandonaram.” Pensamento Automático (PA’s) “Sou tão errada que ele me deixou.” Pensamento Automático (PA’s) Deveria cuidar da mãe e me tornar próxima a ela antes que fosse tarde Significado do PA “Sou uma pessoa péssima, ninguém me quer.” Significado do PA “Não mereço ser amada.” Significado do PA Crença de obrigações morais e responsabilidade em relação à mãe, reforçando autoexigência e possível sentimento de falha. Emoção Tristeza, abandono e medo de morrer sozinha Emoção Culpa, raiva Emoção Culpa, tristeza, sensação de incompetência Comportamento Isolar-se, chorar Comportamento Ligar insistentemente para Jorge, implorar p/ ele voltar Comportamento Ligar p/ conversar, visitava e revezava com as irmãs, os cuidados com a mãe 2) Elabore uma síntese sobre a compreensão do funcionamento cognitivo de Alaíde. O funcionamento cognitivo de Alaíde está fortemente embasado em crenças centrais de autodesvalorização pessoal, rejeição e abandono, talvez desenvolvidas a partir de experiências precoces abandono, traições e perdas. Tais crenças foram reforçadas ao longo da vida por acontecimentos marcantes, como a separação conjugal, a morte dos pais, o afastamento dos filhos e o rompimento com Jorge. Ela desenvolveu crenças intermediárias que a conduzem a um padrão de autossacrifício, assumindo que sua aceitação das pessoas dependem de sua utilidade e abnegação. Para evitar a rejeição, Alaíde lançou mão de estratégias compensatórias como agradar, cuidar dos outros e reprimir seus próprios desejos, sustentando por anos uma autoimagem de força e independência. A perda das figuras significativas e o colapso de seus projetos de vida, desorganizaram seu sistema de crenças, resultando em pensamentos automáticos disfuncionais que ativam sentimentos intensos de solidão, inutilidade, abandono e infelicidade. A estrutura cognitiva rigidamente construída em torno da necessidade de ser útil e necessária não encontrou mais sustentação, gerando desamparo e desesperança — o que contribui diretamente para o quadro de Transtorno Depressivo Maior. Obs.: Ela mostrou resiliência quando recomeçou sozinha, então a TCC pode ajudá-la a encontrar novos repertórios para a vida, aproveitando essa capacidade inata dela.