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PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL INSTITUTO UNICLESS EDUCACIONAL ANO 2024 Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 2 INSTITUTO UNICLESS EDUCACIONAL www.unicless.com.br www.etuni.com.br CONTEÚDO, REVISÃO E EQUIPE MULTIDISCIPLINAR EDIÇÃO DIAGRAMAÇÃO E CAPA UNICLESS EDUCACIONAL. Revisado Setembro/2021 Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 3 PLANO DE ENSINO 1. APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA DISCIPLINA PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL CURSO Disciplina comum a todos os Cursos Técnicos dá área de saúde PROFESSORA 2. EMENTA 1. Introdução: psicologia como ciência. 2Principais concepções teóricas do século XX: psicanálise, behaviorismo, transpessoal, psicologia analítica, humanismo e Gestalt. 3. Contexto da psicologia na saúde. 4. História da Psicologia e da Psiquiatria no Brasil. 5. Conceitos básicos: psicologia e enfermagem em saúde mental. 6. Comportamento do paciente, Etiologia e Epidemiologia dos transtornos mentais – fatores de risco. 7. Transtornos mentais e Formas de tratamento. 8. Fundamentos de mensuração em saúde mental. 9. Fundamentos teóricos sobre análise e mudança de comportamento. 3. OBJETIVO GERAL Proporcionar ao estudante a reflexão acerca de sua prática e suas relações com a psicologia e a subjetividade. 4. OBJETIVOS ESPECÍFICOS DA DISCIPLINA 1. Promover aulas interativas expondo os tópicos emanados na ementa da disciplina; 2. Promover aulas temáticas e argumentativas de forma que os alunos possam reconhecer os conceitos fundamentais dos processos de desenvolvimento psicológico e da personalidade e o comportamento do indivíduo frente ao processo saúde-doença. 3. Demonstrar casos reais dos processos de desenvolvimento psicológico, da personalidade e o comportamento do indivíduo frente ao processo saúde-doença.; 4. Propor leituras dos livros da biblioteca básica e da complementar como forma de aprendizagem. 5. Questionar o papel do profissional como promotor de saúde e bem-estar de forma integral, incluindo a dimensão psicológica. 5. COMPETÊNCIAS À ADQUIRIR: 1. Saber estabelecer discussões interdisciplinares na psicologia; 2. Saber trabalhar em equipes multidisciplinares de assistência à saúde, reconhecendo a dimensão subjetiva humana; 3. Reconhecer as fases do desenvolvimento psicossocial; 4. Saber Identificar os principais sintomas e transtornos referentes a saúde mental. 5. Saber descrever a situação da assistência ao indivíduo com doença mental no Brasil. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 4 6. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO TEMA DA AULA: Introdução - psicologia como ciência. Tópico 1: Entendendo a Psicologia Tópico 2: A Necessidade da Ciência Psicológica TEMA DA AULA: Principais concepções teóricas do século XX. Tópico 1: Psicologia Social, Psicanálise, behaviorismo, transpessoal, humanismo e Gestalt. TEMA DA AULA: Contexto da psicologia na saúde. Tópico 1: A Psicologia Aplicada à área da saúde TEMA DA AULA: História da Psicologia e da Psiquiatria no Brasil Tópico 1: Aspectos Históricos da Psiquiatria Tópico 2: A história da Psiquiatria no Brasil Tópico 3: Histórico da Reforma Psiquiátrica brasileira e seus marcos entre 1978 e 1991 TEMA DA AULA: Conceitos básicos: psicologia e enfermagem em saúde mental Tópico 1: Conceitos básicos da Psicologia e da Enfermagem em Saúde Mental TEMA DA AULA: Comportamento do paciente, Etiologia e Epidemiologia dos transtornos mentais – fatores de risco Tópico 1: Alterações de comportamento e personalidade Tópico 2: Conceituando Etiologia e Epidemiologia. Tópico 3: Epidemiologia dos transtornos mentais – fatores de risco. Tópico 4: Classificação de transtornos mentais e de comportamento. TEMA DA AULA: Transtornos mentais e Formas de tratamento. Tópico 1: Ansiedade... crise... e estresse são a mesma coisa? Tópico 2: Manifestações clínicas e cuidados de enfermagem para transtornos decorrentes de esquizofrenia Tópico 3: Manifestações clínicas e cuidados de enfermagem para transtornos do humor, da personalidade e de ansiedade TEMA DA AULA: Transtornos mentais e Formas de tratamento. Tópico 4: Formas de tratamento dos transtornos mentais Tópico 5: O enfermeiro na prevenção dos transtornos mentais em indivíduos adultos TEMA DA AULA: Fundamentos de mensuração em saúde mental. Tópico 1: Fundamentos de mensuração em saúde mental Tópico 2: O que são instrumentos de avaliação? Tópico 3: Tipos de instrumentos de avaliação Tópico 4: Avaliação do Estado Mental TEMA DA AULA: Fundamentos teóricos sobre análise e mudança de comportamento Tópico 1: Terapia cognitivo-comportamental na Saúde Mental TÓPICOS ESPECIAIS: TEMA DA AULA - Saúde mental dos profissionais de saúde Tópico 1: Saúde mental dos profissionais de saúde Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 5 7. BIBLIOGRAFIA BÁSICA (Principal): 01 CASABURI, Luiza Elena. Reforma psiquiátrica e serviços de atendimento em saúde mental e psiquiátrico. In: TAVARES, Marcus Luciano de Oliveira; CASABURI, Luiza Elena; SCHER, Cristiane Regina (org.). Saúde mental e cuidado de enfermagem em psiquiatria. Porto Alegre: SAGAH, 2019. p. 73-92. 02 FELDMAN, Robert S. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. 1 recurso online. ISBN 9788580554892. 03 PICCININI, Walmor João; MELEIRO, Alexandrina Maria Augusto da Silva. Aspectos Históricos da Psiquiatria. In: MELEIRO, Alexandrina Maria Augusto Silva (org.). Psiquiatria: estudos fundamentais. Estudos Fundamentais. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. Cap. 1. p. 3-19. 04 VIDEBECK, Sheila L. Enfermagem em saúde mental e psiquiatria. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. 535 p. Tradução: Denise Regina de Sales, Regina Machado Garcez. COMPLEMENTAR: 05 GORENSTEIN, Clarice; WANG, Yuan-pang. Fundamentos de Mensuração em Saúde Mental. In: GORENSTEIN, Clarice; WANG, Yuan-pang; HUNGERBÜHLER, Ines (org.). Instrumentos de avaliação em saúde mental. Porto Alegre: Artmed, 2016. Cap. 1. p. 30-111. 06 MYERS, David G. Psicologia / David G. Myers, C. Nathan DeWall; tradução Cristiana de Assis Serra, Luiz Cláudio Queiroz de Faria. - 11. ed. - [Reimpr.]. - Rio de Janeiro: LTC, 2019. 07 TAVARES, Marcus Luciano de Oliveira. Correntes psiquiátricas e tratamento de distúrbios mentais. In: TAVARES, Marcus Luciano de Oliveira; CASABURI, Luiza Elena; SCHER, Cristiane Regina (org.). Saúde mental e cuidado de enfermagem em psiquiatria. Porto Alegre: SAGAH, 2019. p. 94-112. 08 TOWNSEND, Mary C. Enfermagem psiquiátrica: conceitos de cuidados na prática baseada em evidências. 7. ed. [Reimpr.] Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 6 ROTEIRO DE APRENDIZAGEM 1. APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA DISCIPLINA PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL CURSO Disciplina comum a todos os cursos técnicos da área de saúde PROFESSOR(A) E-MAIL DA COORDENAÇÃO coordenacao@unicless.com.br TEMA DA AULA: Introdução - psicologia como ciência. FONTE BIBLIOGRÁFICA ALMEIDA, Raquel Ayres de; MALAGRIS, Lucia Emmanoel Novaes. A prática da psicologia da saúde. Revista SBPH, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 183-202, dez. 2011. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rsbph/v14n2/v14n2a12.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. BRASIL. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da área de Enfermagem. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. (org.). Profissionalização de auxiliares de enfermagem: cadernos do aluno: instrumentalizando a ação profissional I. 2. ed.[reimpr.] Brasília / Rio de Janeiro: Ministério da Saúde / Fiocruz, 2003. 164 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/profae/pae_cad1.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. CASTRO, Elisa Kern de; BORNHOLDT,países tiveram confrontos terríveis que redundaram em duas guerras mundiais, e a animosidade entre os povos, muitas vezes, era compartilhada por seus cientistas. Tópico 2: A história da Psiquiatria no Brasil Conhecer a história dos serviços de atendimento em saúde mental, em psicologia e psiquiatria auxilia aqueles que estudam nas áreas da enfermagem e da radiologia a compreender o contexto de saúde mental atual, assim como os princípios nos quais se alicerçam as políticas públicas de saúde mental (TAVARES; CASABURI; SCHER, 2019, p. 73). Durante muitos anos, o modelo de assistência médica ofertado aos portadores de transtornos mentais em nosso país foi embasado na lógica hospitalocêntrica e excludente. O cuidado era exercido por meio da internação em grandes manicômios e o interno somente seria liberado quando considerado Embora a utilização de substâncias como terapêutica no campo das doenças mentais já ocorresse desde a Antigüidade, é a partir do século XIX que o uso de substâncias (Haldol R) que agem diretamente no sistema nervoso central passaram a ser amplamente difundidas, sendo várias delas sintetizadas na segunda metade do século. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 31 “curado”, ou seja, não ofertando mais “perigo” a sua família e à sociedade (TAVARES; CASABURI; SCHER, 2019, p. 73). Na primeira metade do século XIX, foram construídos magníficos prédios para cuidar dos doentes. No Brasil, o primeiro foi inaugurado em 1852, o Hospício Pedro II. Depois dele, outros foram construídos em diversos pontos do país. Não existia tratamento médico específico; os cuidados eram fornecidos por religiosas. Figura 02: Hospício D. Pedro II [Hospício] Nacional dos Alienados: Rio de Janeiro (RJ) Fonte: IBGE (2015). Nota: O Hospício Nacional dos Alienados, ou também Hospício D. Pedro II, foi inaugurado em 1852, e sua construção durou de 1842 a 1852. O prédio, situado na Praia Vermelha, Zona Sul da cidade, abriga atualmente o Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O médico, quando havia, limitava-se aos cuidados físicos dos doentes. Cuidar dos doentes mentais era atividade de caridade, e a ideia de tratamento só se desenvolveu com a Proclamação da República em 1889 (ANDRADE, 2018). O tempo foi impiedoso com os asilos e seus ocupantes, superpovoados e obsoletos em seus propósitos. Recebiam cada vez mais doentes, e o tratamento era inexistente. Os recursos econômicos diminuíam, pessoas menos qualificadas eram encarregadas de cuidar dos internos e, aos poucos, os asilos foram reconstituindo em seu interior os mesmos problemas encontrados na sociedade: exclusão, Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 32 repressão, tratamentos agressivos e falta de perspectiva de recuperação e alta (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 10). 1856 - Relatórios do Hospício de Pedro II – superlotação - entrada indiscriminada de pacientes curáveis e incuráveis, afetados mentalmente ou indigentes. A crescente demanda por vagas foi um problema para a administração do hospital durante os seus anos de existência. A situação alcançou o ápice em 1862. Em carta enviada ao provedor do hospício, o médico Manoel José Barbosa se queixava que o estabelecimento já abrigava 400 pacientes e as remessas de alienados eram abusivas. Diante disso, pedia que a administração fechasse o hospício para novos pacientes, reiterando a necessidade de se criar um asilo exclusivo para inválidos, que ocupavam boa parte das instalações (ANDRADE, 2018). 1881 - Decreto no 8.024, de 12 de março, cria a cadeira de Doenças Nervosas e Mentais nas Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro. 1882 - A Lei no 3.141, de 20 de outubro, dispõe sobre a execução do ensino de Psiquiatria no Brasil. 1890 - Decreto nº. 206, de 15 de fevereiro, cria a Assistência Médica e Legal aos Alienados e determina a criação das Colônias de São Bento e Conde de Mesquita, destinadas a pacientes do sexo masculino, tranquilos e incuráveis. Os tratamentos continuavam sem sucesso; e o número de doentes aumentava. Surgiu como solução a ideia das colônias de alienados, para onde foram transferidos os pacientes crônicos, ligando-os à atividade rural, com a ideia de utilizar o trabalho como recuperação e tratar melhor os casos agudos. Logo, tanto as colônias como os hospitais estavam superlotados (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 10). 1898 - Inaugurado, em São Paulo, o Hospital do Juqueri, sob a direção de Francisco Franco da Rocha. 1903 – Inaugurado o Hospital Colônia Barbacena, MG – com capacidade para 200 leitos, estima-se que esteve com cerca de cinco mil pacientes em 1961. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 33 Figura 03: Hospital-Hospício de Barbacena, em Minas Gerais Fonte: Lima (2013) Nota 1: Um verdadeiro campo de extermínio de pobres, negros e de quem não se adequava aos padrões. Alcoólatras, prostitutas, pessoas LGBT, inimigos políticos das elites, todo tipo de gente “indesejada”. Estimam-se 60 mil mortos nas oito décadas de existência desse hospício. Nota 2: Em nome da razão2 é um documentário brasileiro de 1979 do cineasta Helvécio Ratton. O documentário é todo filmado em preto e branco, mostrando o cotidiano dos pacientes internados no Hospital Colônia de Barbacena. No início do século XIX, os asilos foram transformados em hospitais. Por exemplo, o Hospício Pedro II passou a ser chamado Hospital Nacional dos Alienados. 1907 - Criada, no Rio de Janeiro, a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal; 1912 - A Psiquiatria torna-se uma especialidade médica autônoma; 1921 – Inaugurado Manicômio Judiciário, que se encarrega dos doentes mentais que cometem delitos. 1923 - Criada a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM); 1924 - Inaugurada a Colônia de Psicopatas – Jacarepaguá (Colônia Juliano Moreira). Novas esperanças apareceram com os chamados tratamentos biológicos, como o choque cardiazólico de Von Meduna, o choque insulínico de Sackel e, em 1938, a eletroconvulsoterapia de Cerletti e Bini. 2 Em nome da razão. Direção de Helvécio Ratton. Produção de Tarcísio Vidigal. Barbacena: Grupo Novo de Cinema, 1979. (23 min.), VHS, P&B. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PeXjSSs4q2k. Acesso em: 02 abr. 2020 Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 34 Anos 1930: grande entusiasmo com a descoberta do choque insulínico, eletroconvulsoterapia, lobotomias; tratamento asilar e a ampliação do número de instituições de assistência às crianças anormais. Anos 1940: Psiquiatria mais poderosa e asilamento mais frequente. 1941 - Decreto-Lei no 3.171, de 2 de abril, instituiu-se o Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), que depois passou a ser chamado Divisão Nacional de Saúde Mental (Dinsam). Começaram também os primeiros cursos de formação em psiquiatria. Antes, no Brasil, eram todos autodidatas (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 12). A partir de 1945, a psiquiatria é marcada por mudanças, tanto nas influências nacionais quanto nos esquemas diagnósticos e na terapêutica. A Segunda Guerra Mundial mudou o mundo, e a psiquiatria sofreu grandes transformações (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 12). No lado mais negativo, tornou-se pública a participação de psiquiatras na “solução final nazista”, ou seja, na morte de doentes mentais pela fome em vários países europeus, inclusive na França. Por outro lado, a especialidade passou a ser valorizada conforme a doença mental passou a ser a líder das causas de desligamentos do serviço militar. A psiquiatria passou por uma profunda transformação institucional, demonstrando ser eficaz (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 12). 1946 - Psiquiatra alagoana Nise da Silveira inaugura a Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (STOR) no CentroPsiquiátrico Nacional, localizado no bairro de Engenho de Dentro. Anos 1950: fortalecimento do processo de psiquiatrização com o aparecimentos dos primeiros neurolépticos. No Brasil, em 1957, em Porto Alegre, foi criado o Curso de Formação Psiquiátrica de orientação dinâmica, liderado por David Zimmermann e Paulo Guedes. O número de psiquiatras cresceu, começaram a surgir entidades nacionais e, em 1963, foi fundada a Associação Mundial de Psiquiatria, por ocasião do terceiro congresso mundial da especialidade no Canadá. O primeiro foi em 1950, em Paris, e o segundo em 1957, em Zurique (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 12). Anos 1970: aumento das denúncias de maus-tratos e negligência nos hospitais psiquiátricos; Fim dos anos 1970: Crítica ao saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico – influência dos movimentos de reforma da Europa e EUA. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 35 Tópico 3: Histórico da Reforma Psiquiátrica brasileira e seus marcos entre 1978 e 1991 Durante muitos anos, o modelo de assistência médica ofertado aos portadores de transtornos mentais em nosso país foi embasado na lógica hospitalocêntrica e excludente. O cuidado era exercido por meio da internação em grandes manicômios e o interno somente seria liberado quando considerado “curado”, ou seja, não ofertando mais “perigo” a sua família e à sociedade (CASABURI, 2019). Em 1978 inicia um movimento contra esse modelo asilar, excludente, com total desrespeito aos direitos humanos, chamado de Reforma Psiquiátrica brasileira. A assistência psiquiátrica, no Brasil, até a década de 1970 pode-se considerar marcada pela má qualidade de assistência aos portadores de doenças mentais, superlotação das instituições psiquiátricas, comercialização da loucura e cronificação do doente mental, tendo como vertente principal o modelo médico e hospitalocêntrico para essa prática (VILLELA; SCATENA, 2004). As ações de luta foram principalmente organizadas pelos trabalhadores em saúde mental, ganhando o nome de Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), familiares e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas. O principal eixo norteador da proposta era a mudança do modelo médico assistencialista, com enfoque nos hospitais e nas especialidades médicas para um modelo pautado no cuidado em comunidade (CASABURI, 2019, p, 74). 1987 - Criado, em São Paulo, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Luiz da Rocha Cerqueira. Mesmo que ainda de forma não oficial, ou seja, sem nenhuma política ou portaria que subsidiasse esse serviço. Entretanto, a partir dele e da constatação de sua importância e efetividade, práticas e serviços de base comunitária começaram a ser delineados e efetivados. 1987 - I Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM) / II Congresso Nacional do MTSM (Bauru, SP) – “Por uma sociedade sem manicômios”. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 36 Figura 04 – Cartaz do II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental (1987) Fonte: LAPS – Fundação Oswaldo Cruz (2016) Em 1988 é instituída a atual Constituição Federal do Brasil, apresentando, em seus arts. 196 a 200, concepções de saúde e sua relação com o Estado. Além disso, apresenta subsídios necessários para a formulação de nosso Sistema Único de Saúde (SUS) e seus princípios doutrinários (CASABURI, 2019, p, 74). 1989 – Projeto de lei é apresentado no Congresso - regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país; O Brasil em 1991 foi reconhecido como um modelo a ser seguido em relação às práticas em saúde mental, entretanto, até o final da década de 1990, políticas de saúde mental em âmbito nacional não haviam sido efetivamente criadas e aplicadas. Somente na década seguinte seria promulgada uma lei a nível federal que iria redirecionar, de forma definitiva, a assistência em saúde mental (CASABURI, 2019, p, 77). 2001 - Lei 10.216 de 2001: aprovada 11 anos depois, em 06 de Abril de 2001, Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra. (BRASIL, 2001) São garantidos após a promulgação dessa Lei os seguintes direitos aos portadores de transtornos mentais: Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 37 • tratamento de excelência, pautado em suas necessidades; • tratamento humanizado, com enfoque na inserção social e participação familiar; • garantia de sigilo nas informações e de ser protegida contra qualquer forma de abuso; • ter acesso a orientações de saúde e informações necessárias a efetivação, continuidade e manutenção do tratamento; • garantia de assistência do profissional médico em caso da necessidade de internações voluntárias e involuntárias. (CASABURI, 2019, p. 78) A Lei no 10.216/2001 também exige o encerramento do modelo manicomial/ asilar, deixando claro que a internação só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes e que o tratamento sempre deve ter como objetivo a reinserção social do paciente em seu meio. Também proíbe a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em qualquer instituição que não garanta os direitos dos enfermos, descritos na própria Lei. 2001 - III Conferência Nacional de Saúde Mental, (Brasília) - “Cuidar sim, excluir não. Efetivando a Reforma Psiquiátrica com Acesso, Qualidade, Humanização e Controle Social”; A OMS em 2001 propôs um modelo de atenção à saúde mental de base comunitária, consolidado em serviços territoriais e de atenção diária, os serviços devem visar à emancipação dos usuários, aumentando sua independência para o autocuidado, identificando recursos e estabelecendo alianças sociais saudáveis. No Brasil, os CAPS estão de acordo com o que é proposto pela OMS. 2003 - Lei no 10.708, de 31 de julho - auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações - “De Volta Para Casa”; 2006 - Marco na consolidação da Rede de Serviços Psicossociais do Brasil: primeira vez em que há maior investimento em ações comunitárias do que em Hospitais Psiquiátricos. 2009 - Reconhecimento, pela OMS, do modelo de atenção à saúde mental brasileiro, e convite ao Brasil para participar, em um grupo de 10 países, de um esforço internacional para diminuição da lacuna de tratamento em saúde mental no mundo. 2009 - Lançado, por meio da Portaria GM/MS no 1.190, de 4 de junho, o Plano Emergencial de Ampliação ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas (PEAD 2009-2010), priorizando expandir estratégias de tratamento e prevenção. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 38 2010 - IV Conferência Nacional de Saúde Mental (Brasília) - Intersetorial, com o tema “Saúde Mental direito e compromisso de todos: consolidar avanços e enfrentar desafios”. 2010 - Fechamento do Hospital Alberto Maia (Camaragibe-PE), um dos últimos macro-hospitais psiquiátricos do País. 2010 - Decreto no 7.179, de 20 de maio, dispõe sobre o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas. 2011 - Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) Portaria GM/MS 3.088/2011, entre suas funções estão: Organizar o atendimento destinado às pessoas em sofrimento psíquico e/ou com necessidades decorrentes do uso de substâncias. Base territorial e comunitária, com oferta de estratégiasde cuidado diversificadas, incluindo ações intersetoriais, que devem se adequar às necessidades de seus usuários e familiares e garantir a autonomia, a liberdade e o exercício da cidadania durante esse processo de cuidado. A Política Nacional de Saúde Mental busca consolidar um modelo de atenção aberto e de base comunitária. A proposta é garantir a livre circulação das pessoas com problemas mentais pelos serviços, pela comunidade e pela cidade (BARROS; SALLES, 2011). Além disso, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) estabelece os pontos de atenção para o atendimento de pessoas com problemas mentais, incluindo os efeitos nocivos do uso de crack, álcool e outras drogas (BARROS; SALLES, 2011). Segundo Barros e Salles (2011) a rede é composta por serviços e equipamentos variados, tais como: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs), e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III). Cabe salientar que, faz parte dessa política o programa de Volta para Casa, que oferece bolsas para pacientes egressos de longas internações em hospitais psiquiátricos. Diante das mudanças na assistência institucional ao paciente psiquiátrico e da implementação de tratamento sem a internação em hospital, uma nova postura é exigida dos profissionais de saúde que prestam assistência a esse usuário/ paciente, dentre estes o enfermeiro e o técnico de enfermagem. O processo de desinstitucionalização da psiquiatria reflete diretamente na assistência em Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 39 enfermagem psiquiátrica, tornando possível no espaço institucional programar uma assistência mais comprometida com o ser humano e com a sua cidadania. Quadro 01: Comparação entre Modelo psiquiátrico hospitalocêntrico medicalizador ou asilar X Modelo psicossocial Modo Asilar Modo Psicossocial Objeto: doença mental, sintomas (paradigma doença-cura). Objeto: Pessoa e seu contexto (sujeito como existência-sofrimento). Medicação como resposta básica. Conjunto de dispositivos de reintegração sociocultural do indivíduo Supressão ou tamponamento dos sintomas - adaptação do indivíduo. Reposicionamento subjetivo (ética da singularização). Sujeito como objeto – pessoa entre parênteses. Sujeito como sujeito – doença entre parênteses. Intervenção centrada no indivíduo doente Inclusão da família e grupo ampliado no tratamento Divisão do trabalho: trabalho multiprofissional fragmentado - prontuário como elo de conexão. Equipe interprofissional, intercâmbio teórico- técnico e de práticas. Clínica psiquiátrica e "paramédicos" (auxiliares secundários). Trabalho em equipe interdisciplinar. Interdição do diálogo. Sujeito (usuário) tem fala. Paciente passivo em seu tratamento Sujeito como agente implicado no sofrimento e ativo na mudança. Instituição típica: hospital psiquiátrico Instituições típicas: CAPS, UBS, Oficinas e Cooperativas de reintegração socioeconômica e cultural. Fonte: elaborado a partir de COSTA-ROSA (2000). TEMA DA AULA: CONCEITOS BÁSICOS: PSICOLOGIA E ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL. FONTE BIBLIOGRÁFICA BRASIL. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da área de Enfermagem. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. (org.). Profissionalização de auxiliares de enfermagem: cadernos do aluno: saúde mental. 2. ed.[reimpr.] Brasília / Rio de Janeiro: Ministério da Saúde / Fiocruz, 2003. 124 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/profae/pae_cad1.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. BRASÍLIA. OPAS/OMS. . Saúde mental depende de bem-estar físico e social, diz OMS em dia mundial. 2016. Disponível em: https://nacoesunidas.org/saude-mental-depende-de-bem-estar-fisico-e- social-diz-oms-em-dia-mundial/. Acesso em: 02 abr. 2020. CARTILHA de Orientação Saúde Mental. São Luiz: Ascom / Iema, 2019. 20 p. Instituto Estadual do Maranhão. Disponível em: http://www.iema.ma.gov.br/wp-content/uploads/2019/10/CARTILHA- SA%C3%9ADE-MENTAL.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 40 TEMA DA AULA: CONCEITOS BÁSICOS: PSICOLOGIA E ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL. COSTA, Thiago Oliveira; FINELLI, Leonardo Augusto Couto. Percepção sociohistórica acerca dos portadores de sofrimento Mental: uma revisão da literatura. : uma revisão da literatura. Revista Bionorte, Montes Claros, v. 5, n. 1, p. 11-24, fev. 2016. Disponível em: http://www.revistabionorte.com.br/arquivos_up/artigos/a33.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. ESNP/FIOCRUZ. CADERNOS DE MONITORAMENTO EPIDEMIOLÓGICO E AMBIENTAL: O que são transtornos mentais? Rio de Janeiro: ESNP/FIOCRUZ, n. 1, out. 2011. Disponível em: http://www6.ensp.fiocruz.br/repositorio/sites/default/files/arquivos/T ranstornosMentaisC1.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. GAINO, Loraine Vivian et al. O conceito de saúde mental para profissionais de saúde: um estudo transversal e qualitativo. : um estudo transversal e qualitativo. SMAD. Revista Eletrônica Saúde Mental, Álcool e Drogas, Ribeirão Preto, v. 14, n. 2, p. 108-116, jun. 2018. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/smad/v14n2/07.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. MORAIS, Camila Aquino et al. Concepções de saúde e doença mental na perspectiva de jovens brasileiros. Estudos de Psicologia (natal), Natal, v. 17, n. 3, p. 369-379, dez. 2012. FapUNIFESP (SciELO). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/epsic/v17n3/04.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. TAVARES, Marcus Luciano de Oliveira. Correntes psiquiátricas e tratamento de distúrbios mentais. In: TAVARES, Marcus Luciano de Oliveira; CASABURI, Luiza Elena; SCHER, Cristiane Regina (org.). Saúde mental e cuidado de enfermagem em psiquiatria. Porto Alegre: SAGAH, 2019. p. 94-112. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595029835/cfi /92!/4/2@100:0.00. Acesso em: 02 abr. 2020. TOWNSEND, Mary C. Enfermagem psiquiátrica: conceitos de cuidados na prática baseada em evidências. 7. ed. [Reimpr.] Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/books/978-85-277-2390-9. Acesso em: 02 abr. 2020. VIANNA, Lucila Amaral Carneiro. Especialização em SAÚDE DA FAMÍLIA. São Paulo: UNASUS-Unifesp, 2012. 32 p. Disponível em: https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/2/unidades_conte udos/unidade01/unidade01.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. VIDEBECK, Sheila L. Enfermagem em saúde mental e psiquiatria. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. 535 p. Tradução: Denise Regina de Sales, Regina Machado Garcez. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788536327297/cfi /534!/4/4@0.00:0.00. Acesso em: 02 abr. 2020. VILLELA, Sueli de Carvalho; SCATENA, Maria Cecília Moraes. A enfermagem e o cuidar na área de saúde mental. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 57, n. 6, p. 738-741, dez. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v57n6/a22.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 41 Tópico 1: Conceitos básicos da Psicologia e da Enfermagem em Saúde Mental SAÚDE E SAÚDE MENTAL Saúde e saúde mental têm conceitos complexos e historicamente influenciados por contextos sócio-políticos e pela evolução de práticas em saúde. Os dois últimos séculos têm visto a ascensão de um discurso hegemônico que define esses termos como específicos do campo da medicina. Entretanto, com a consolidação de um cuidado em saúde interdisciplinar, diferentes áreas de conhecimento têm, gradualmente, incorporado tais conceitos (GAINO et.al., 2018). É difícil definir com precisão saúde e doença mentais. As pessoas que conseguem desempenhar seu papel na sociedade e manter um comportamento apropriado e adaptativo são consideradas saudáveis. Por sua vez, as que nãoconseguem desempenhar seu papel ou assumir responsabilidades e, ainda, apresentam um comportamento inapropriado são consideradas doentes (VIDEBECK, 2012, p. 16). A evolução histórica das concepções sobre saúde e doença deu origem a modelos específicos de atenção à saúde. Morais (2005 apud MORAIS et al., 2012) aponta três visões principais de saúde a partir do século XX: o conceito médico; o conceito da Organização Mundial de Saúde (OMS) e o conceito ecológico O conceito médico, baseado no modelo biomédico tradicional, adota a cisão entre mente e corpo e define saúde como ausência de doença, a qual é vista como o mau funcionamento dos mecanismos biológicos. Esse modelo propõe o corpo como uma máquina e, para um bom funcionamento, deve ter ausência de problemas, sinais ou sintomas. Dessa forma, o médico intervém quimicamente, concentrando-se em detalhes específicos do corpo, valorizando o aspecto orgânico, em detrimento de outros aspectos envolvidos no processo de adoecer (MORAIS, 2005 apud MORAIS et al., 2012, p. 371). A Organização Mundial de Saúde (OMS) ampliou a concepção do modelo biomédico acerca do processo saúde/ doença, na medida em que, ao se estabelecer relações com as áreas sociais e psíquicas, o processo saúde/doença deixa de ter caráter estritamente causal e a intervenção extrapola o aspecto físico ou químico. O diferencial desta nova definição é a visão holística de saúde, visto que a concebe como um estado positivo de bem-estar (MORAIS, 2005 apud MORAIS et al., 2012, p. 371). Segundo o conceito de 1947 da Organização Mundial da Saúde (OMS), com ampla divulgação e conhecimento em nossa área, a saúde é definida como: “Um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Porém, essa definição recebeu muitas críticas no decorrer dos anos, pois a proposição que não se manifesta claramente a este Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 42 conceito implica a ideia de saúde como um estado perfeito e completo, o que é irreal e inatingível. Segundo a perspectiva ecológica, o processo saúde/doença deve ser compreendido de forma mais abrangente, considerando a historicidade, multidimensionalidade e a processualidade (MORAIS, 2005 apud MORAIS et al., 2012, p. 371). A historicidade diz respeito à influência do contexto sócio-cultural sobre a definição de práticas ditas saudáveis ou não. Isso é decorrente da constatação de que a saúde e, por conseguinte, a doença, nem sempre foram vistas da mesma forma ao longo da história e nas diferentes culturas. A integralidade ou multidimensionalidade, por sua vez, refere-se à consideração da saúde e da doença a partir de aspectos psicológicos, sociais e espirituais, além dos biológicos, tradicionalmente destacados. Dessa forma, a saúde deixa de ser vista como ausência de doença, ao passo que a compreensão da doença também não fica restrita à alteração/desequilíbrio biológico. Por fim, a processualidade diz respeito à consideração da saúde e da doença como partes de um mesmo continuum e não como estado absoluto e estático, independentes um do outro. (MORAIS, 2005 apud MORAIS et al., 2012, p. 371) (grifo nosso) Segundo Minayo (1998 apud MORAIS et al., 2012, p. 371), saúde e doença podem ser vistas como expressão social e individual e, também, como expressão das contradições sociais. A partir dessas visões, o contexto sociocultural é percebido como influenciando a definição das atitudes e comportamentos relacionados à saúde/doença e à própria legitimação da condição de “estar doente”. No entanto, a vivência pessoal desses estados ao longo da vida por cada indivíduo também deve ser um aspecto a ser considerado, uma vez que, de acordo com Minayo (1998), “é no indivíduo que essas visões se unificam: é ele que sofre os males ou detém a saúde” (p. 194 apud MORAIS et al., 2012, p. 371). Entre diversas outras abordagens possíveis para se entender o conceito de saúde, Vianna (2012) apresentou um conceito que nos parece mais útil à nossa discussão, a qual tem sido defendida por alguns autores (NARVAI et al., 2008). Pode-se então descrever a condição de saúde, didaticamente, segundo a soma dos conceitos acima explanados, na forma de três planos: subindividual, individual e coletivo, apresentados a seguir: O plano subindividual seria o correspondente ao nível biológico e orgânico, fisiológico ou fisiopatológico. Nesse plano, o processo saúde- adoecimento seria definido pelo equilíbrio dinâmico entre a normalidade – anormalidade/funcionalidade – disfunções. Assim, quando a balança pender para o lado da anormalidade/disfunção, podem ocorrer basicamente duas Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 43 situações: a enfermidade e a doença. A enfermidade seria a condição percebida pela pessoa ou paciente, caracterizando-a como queda de ânimo, algum sintoma físico, ou mesmo dor. A doença seria a condição detectada pelo profissional de saúde, com quadro clínico definido e enquadrada como uma entidade ou classificação nosológica (classificação de doenças) (NARVAI et al., 2008 apud VIANNA. 2012) O plano individual entende que as disfunções e anormalidades ocorrem em indivíduos que são seres biológicos e sociais ao mesmo tempo. Portanto, as alterações no processo saúde-adoecimento resultam não apenas de aspectos biológicos, mas também das condições gerais da existência dos indivíduos, grupos e classes sociais, ou seja, teriam dimensões individuais e coletivas. Segundo essa concepção, a condição de saúde poderia variar entre um extremo de mais perfeito bem-estar até o extremo da morte, com uma série de processos e eventos intermediário entre os dois (NARVAI et al., 2008 apud VIANNA. 2012). O plano coletivo expande ainda mais o entendimento sobre o processo saúde-adoecimento, que é encarado não como a simples soma das condições orgânicas e sociais de cada indivíduo isoladamente, senão a expressão de um processo social mais amplo, que resulta de uma complexa trama de fatores e relações, representados por determinantes do fenômeno nos vários níveis de análise: família, domicílio, microárea, bairro, município, região, país, continente etc. (NARVAI et al., 2008). Nessa linha, fica mais fácil compreender a definição de Minayo (1994 apud NARVAI et al., 2008) sobre saúde: “fenômeno clínico e sociológico vivido culturalmente” (NARVAI et al., 2008 apud VIANNA. 2012) Cabe salientar que a saúde é silenciosa: geralmente não a percebemos em sua plenitude; na maior parte das vezes, apenas a identificamos quando adoecemos. É uma experiência de vida, vivenciada no âmago do corpo individual. Ouvir o próprio corpo é uma boa estratégia para assegurar a saúde com qualidade, pois não existe um limite preciso entre a saúde e a doença, mas uma relação de reciprocidade entre ambas; entre a normalidade e a patologia, na qual “os mesmos fatores que permitem ao homem viver (alimento, água, ar, clima, habitação, trabalho, tecnologia, relações familiares e sociais) podem causar doença, se agem com determinada intensidade, se pesam em excesso ou faltam, se agem sem controle” (VIANNA, 2012). O conceito de saúde varia segundo a época em que vivemos, assim como os interesses dos diversos grupos sociais, nos diversos momentos históricos do desenvolvimento científico da humanidade. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 44 SAÚDE MENTAL Já sobre saúde mental, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2010) afirma que não existe definição “oficial” de saúde mental. Diferenças culturais, julgamentos subjetivos, e teorias relacionadas concorrentes afetam o modo como a “saúde mental” é definida, pois saúde mental é um termo usado para descrever o nível de qualidade de vida cognitiva ou emocional (COSTA; FINELLI, 2016). Segundo Costa e Finelli (2016), a saúde mentalpode incluir a capacidade de um indivíduo de apreciar a vida e procurar um equilíbrio entre as atividades e os esforços para atingir a resiliência (capacidade de o indivíduo lidar com problemas) psicológica. “Admite-se, entretanto, que o conceito de Saúde Mental é mais amplo que a ausência de transtornos mentais”. Múltiplos fatores sociais, psicológicos e biológicos determinam o nível de saúde mental de uma pessoa. Por exemplo, as pressões socioeconômicas contínuas são reconhecidas como riscos para a saúde mental de indivíduos e comunidades. A evidência mais clara está associada aos indicadores de pobreza, incluindo baixos níveis de escolaridade (BRASÍLIA. OPAS/OMS, 2016). Uma saúde mental prejudicada também está associada a rápidas mudanças sociais, condições de trabalho estressantes, discriminação de gênero, exclusão social, estilo de vida não saudável, risco de violência, problemas físicos de saúde e violação dos direitos humanos (BRASÍLIA. OPAS/OMS, 2016). Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS (2016): • A saúde mental é mais do que a ausência de transtornos mentais; • A saúde mental é uma parte integrante da saúde; na verdade, não há saúde sem saúde mental; • A saúde mental é determinada por uma série de fatores socioeconômicos, biológicos e ambientais; • Estratégias e intervenções custo-efetivas de saúde pública e intersetoriais existem para promover, proteger e restaurar a saúde mental. (BRASÍLIA. OPAS/OMS, 2016) Apesar de parecer um pouco óbvio o conceito de saúde mental tende a ser muito variado em especial quando se unem fatores culturais e sociais para justificar o comportamento do indivíduo, logo não existe um comportamento homogêneo que possa determinar com precisão o termo (CARTILHA, 2019). É muito importante entender e nos atentarmos que a ausência de uma doença mental não significa que o indivíduo possua uma boa saúde mental, existem diversos comportamentos não ligados diretamente a doenças que tendem a desestabilizar a saúde mental do indivíduo como, por exemplo, estresse, ansiedade, nervosismo, irritação, entre outros sintomas que associados podem desencadear um quadro de doença mental (CARTILHA, 2019). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 45 Fonte: (CARTILHA, 2019). Jahoda (1958 apud TOWNSEND, 2017, p. 13) identificou uma relação de seis indicadores que ela sugere ser um reflexo da saúde mental: 1. Atitude positiva em relação a si próprio. Isto inclui uma visão objetiva de si próprio, como o conhecimento e a aceitação de pontos fortes e limitações. O indivíduo tem um forte senso de identidade pessoal e de proteção dentro do meio em que vive. 2. Crescimento, desenvolvimento e habilidade dalcançar autorrealização. Esse indicador correlaciona o indivíduo ter realizado as tarefas associadas a cada nível de desenvolvimento de modo bem-sucedido. Com a realização bem-sucedida em cada nível, a pessoa ganha motivação para avançar para seu potencial mais alto. 3. Integração. O foco aqui se concentra em manter harmonia e equilíbrio entre diversos processos da vida. A integração inclui a habilidade de responder de modo adaptativo ao meio e o desenvolvimento de uma filosofia de vida, e esses dois aspectos ajudam o indivíduo a manter a ansiedade em um nível controlável em resposta a situações de estresse. 4. Autonomia. A autonomia refere-se à habilidade do indivíduo de agir de um modo independente e autodirigido. A pessoa faz escolhas e aceita responsabilidade pelos resultados. 5. Percepção de realidade. A percepção acurada da realidade é um indicador positivo de saúde mental. Isso inclui a percepção do meio sem distorção, e também a capacidade de empatia e sensibilidade social – um respeito e uma preocupação pelas necessidades e pelos desejos das outras pessoas. 6. Domínio do ambiente. Esse indicador sugere que o indivíduo alcançou um papel satisfatório dentro do grupo, da sociedade ou do meio. Sugere que ele é capaz de amar e aceitar o amor dos outros. Ao enfrentar situações da vida, a pessoa é capaz de criar estratégias, tomar decisões, mudar, ajustar e adaptar. A vida oferece satisfação ao indivíduo que alcançou domínio do ambiente. (TOWNSEND, 2017, p. 13-14) DOENÇA MENTAL O processo saúde-doença é um dos pontos centrais para os profissionais da saúde que buscam promover a saúde, cuidando para que as pessoas possam ter, tanto quanto possível, uma boa qualidade de vida, mesmo quando as limitações se estabelecem. Para essa relação especial com os usuários, é necessário o aprendizado do uso dos instrumentos e das tecnologias para o cuidado que compõe a formação desses profissionais (VIANNA, 2012). O psicólogo é o profissional responsável pela manutenção do equilíbrio mental das pessoas. A psicologia sugere três abordagens distintas para a promoção da saúde mental, que são elas: A abordagem individual (que consiste na melhora da autoestima do indivíduo) A abordagem comunitária (utilização de ferramentas que busquem a integração social) e A abordagem oficial (utilização de políticas públicas de saúde mental). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 46 Por muitos séculos o conceito de doença mental estava ligado a explicações mágico-religiosas, que atribuíam a uma força sobrenatural a origem dos transtornos mentais. Assim, a loucura era aceita como uma imposição divina, uma interferência dos deuses. (BRASIL, 2003, p. 15-16). A prática predominante na área de saúde mental sustentava-se nos seguintes princípios: da hereditariedade – acreditavam que passava de geração em geração; da institucionalização - o tratamento só poderia ocorrer através da hospitalização; da periculosidade - todos os “loucos” eram agressivos e perigosos; e da incurabilidade – a loucura não tinha cura. O paciente era visto como um transtorno para a sociedade e por isso as práticas adotadas seqüestravam este cidadão temporariamente dos direitos civis, isolando-o e segregando-o em manicômios, afastando-o dos espaços urbanos (BRASIL, 2003). Em plena ditadura militar no Brasil, não havia espaço para nenhum tipo de questionamento político e social; reforçava-se que o louco era de difícil convivência, perigoso e representava o diferente do convencional, do aceitável pelas regras sociais. Por isso, fazia-se necessário segregá-lo, seqüestrá-lo e cassar seus direitos civis, submetendo-o à tutela do Estado. Isso perdura na atualidade, pois o Código Civil em vigor reforça que os “loucos de todo o gênero” são incapazes para os atos da vida civil. Com esta afirmação, a segregação deste grupo era considerada legal (BRASIL, 2003). Neste caos do sistema psiquiátrico, juntamente com os avanços da Constituição de 1988, surgiram espaços de elaboração e aprofundamento de leis voltadas para o atendimento das questões sociais, propiciando um ambiente adequado para que a sociedade civil, trabalhadores de Saúde Mental e a articulação Nacional da Luta Antimanicomial se organizassem pela reforma do sistema psiquiátrico, buscando um novo estado de direito para o doente mental (BRASIL, 2003). Norteadas pelos princípios da universalização, integralidade, eqüidade, descentralização e participação popular, foram realizadas sucessivas conferências de Saúde Mental nos diversos níveis (nacional, estadual, municipal e distrital), tendo como objeto a inserção da Saúde Mental nas ações gerais de saúde (BRASIL, 2003). O importante é que nestas conferências o processo de municipalização, a criação dos conselhos de saúde e os dispositivos legais previstos para a efetivação do SUS foram considerados, como mecanismos na desconstrução do modelo asilar dos hospitais psiquiátricos (asilo de “loucos”) (BRASIL, 2003). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 47 TRANSTORNOS MENTAIS Entre os séculos XVII e XVIII houve um aumento da confiança na razãoem detrimento da tradição e da fé. Philippe Pinel (XVIII), psiquiatra Francês, conhecido como o “pai da psiquiatria”, introduziu o pensamento de que o indivíduo com transtornos mentais, assim como em qualquer outra doença, necessitava de cuidados e medicamentos para paliativizar o seu sofrimento. Nessa época, a ocorrência dos transtornos mentais começou a ser vista como sendo de ordem física, psíquica e social, sendo, ainda, associada biologicamente a alterações genéticas ocorridas de maneira congênita ou adquirida ao longo da vida (TAVARES, 2019, p. 96). À medida que a ciência foi evoluindo, as correntes biológicas e psicológicas que se empenhavam em explicar a origem dos transtornos mentais foram ganhando força, enquanto o misticismo e as influências sobrenaturais por trás da doença reduziram. No entanto, ainda hoje diferentes experimentos têm demonstrado que a espiritualidade é um fator preponderante na prevenção e no manejo de diferentes transtornos mentais (TAVARES, 2019, p. 96). Dentre as explicações biológicas para a ocorrência dos transtornos mentais, acredita-se que sua ocorrência decorre de diferentes fatores, o que inclui distúrbios ou alterações genéticas, bioquímicas, endócrinas e imunológicas. No entanto, sua manifestação depende da exposição do indivíduo a fatores ambientais e comportamentais (TAVARES, 2019, p. 97). A psicologia defende que a subjetividade por trás do sujeito pode influenciar na ocorrência de transtornos mentais. Suas experiências e vivências ao longo da sua existência podem desencadear sinais e sintomas capazes de alterar o seu comportamento, portanto, uma abordagem da doença que negligencie o sujeito ou a pessoa (SOUSA; CALLOU; MOREIRA, 2013) torna-se ineficaz, visto que não adianta um corpo funcionando perfeitamente se a mente estiver adoecida (TAVARES, 2019, p. 97). A psicoterapia, uma das modalidades de tratamento para os transtornos mentais, busca identificar comportamentos, emoções, experiências e opiniões que o indivíduo apresenta e que podem influenciar negativamente na sua saúde mental (TAVARES, 2019, p. 97). Na medicina a palavra transtorno representa uma anormalidade, e significa que uma função de seu corpo, nesse caso a mente, pode não estar funcionando corretamente. Os transtornos mentais são causadores de problemas na vida das pessoas, pois eles significam que uma determinada função psíquica não está reagindo adequadamente. Sendo assim, eles afetam diretamente o pensamento, os sentimentos, as percepções, as sensações, e o modo como nos relacionamos com os outros e com o mundo (ESNP/FIOCRUZ, 2011). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 48 Os transtornos mentais podem afetar qualquer tipo de pessoa, em qualquer lugar do mundo. Podem se manifestar tanto em um morador de uma fazenda no interior do Pará, ou igualmente em um príncipe inglês. Qualquer um pode ter os tais transtornos mentais: médicos, engenheiros, secretárias, garis, pessoas altas, baixas, gordas, ou magras (ESNP/FIOCRUZ, 2011). Os problemas mentais podem surgir em dois tipos: • Diante de situações em que a tensão mental é muito intensa e a adaptação se torna difícil, e quando • Pequenas falhas no desenvolvimento psicológico, social ou cognitivo acabam prejudicando sua capacidade de adaptação (CARTILHA, 2019). Segundo cartilha da Fiocruz (2011), os transtornos mentais podem ser desencadeados por algum acontecimento social, sempre que esses afetem de alguma forma o funcionamento da mente de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos. Quando um evento social afeta de maneira doentia o funcionamento da mente de uma pessoa, chamamos de "fator psicossocial", isto é: o individuo não é isolado, ele age e reage — interage com o meio ambiente e o meio social onde vive (ESNP/FIOCRUZ, 2011). Os transtornos mentais, em geral resultam da soma de muitos fatores, tais como: - Alterações no funcionamento do cérebro; - Fatores genéticos; - Fatores da própria personalidade do indivíduo; - Condições de educação; - Ação de um grande número de estresses; - Agressões de ordem física e psicológica; - Perdas, decepções, frustrações e sofrimentos físicos e psíquicos que perturbam o equilíbrio emocional. (AMARAL, 2011 apud GAIANO et al., 2018). A American Psychiatric Association (APA, 2000 apud GAIANO et al., 2018) define transtorno mental como: uma sińdrome ou um padrão psicológico ou comportamental clinicamente significativo que ocorre em um indivíduo e que está associado a angústia (p. ex., um sintoma doloroso) ou incapacidade (ou seja, problemas em uma ou mais áreas importantes do funcionamento), ou ao aumento significativo do risco de morte, de dor, de incapacidade, ou ainda a uma importante perda de liberdade. (APA, 2000 apud GAIANO et al., 2018) Pesquisas realizadas demonstram que uma em cada três pessoas terá pelo menos um episódio de transtorno mental no decorrer da vida, e, no período de um ano, um entre cinco indivíduos encontra-se em fase ativa da doença. No entanto, a prática aponta o período de resistência pelo qual as pessoas passam antes de se sentirem “obrigadas” a procurar ajuda, ressaltando-se o fato de que algumas jamais a procuram (BRASIL, 2013). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 49 Sendo assim, percebemos que tudo depende da forma como vemos o ambiente e como podemos nos adaptar ou não ao mesmo, problemas mentais ou transtornos mentais precisam de atenção e cuidado para que cada um seja tratado da forma correta e pela equipe certa. Existem muitos tratamentos efetivos para a doença mental. Eles podem incluir medicamentos e outros tratamentos físicos, ou tratamentos pela fala de várias espécies que são as terapias, aconselhamento e/ou apoio no dia a dia da vida em diferentes formas (CARTILHA, 2019). No Brasil, a política com relação ao tratamento dos transtornos mentais permaneceu sempre “atrelada” ao modelo europeu do século XIX, centrado no isolamento dos psicopatas ou indivíduos suspeitos, toxicômanos e intoxicados habituais em instituições fechadas, mesmo quando tal modelo tornou-se ultrapassado em muitos outros países (BRASIL, 2003, p. 20). Na atualidade, os profissionais de saúde dispõem de diversas ferramentas capazes de sistematizar e subsidiar o atendimento aos usuários dos serviços de saúde, visto que, há algumas décadas, as práticas eram pautadas somente na medicalização, o que reforçava o modelo hospitalocêntrico e médico centrado. Com o advento do conceito de promoção da saúde, a doença passou a ser vista de outra forma, exigindo que os profissionais implementassem a sua assistência com foco no paciente, e não mais na doença, exercendo uma clínica e gestão do cuidado com foco na produção de saúde, por meio da valorização da integralidade do usuário, considerando sua história de vida, conhecimento e habilidades e respeitando sua individualidade (TAVARES, 2019, p. 96). Portanto, cada pessoa reage a um evento estressor de maneira individual, e, dependendo de uma série de fatores, a resposta pode ser acompanhada ou não de um problema mental ou de um transtorno mental. Os Transtornos mentais ocorrem pela interação de fatores individuais, sociais e ambientais e nem sempre precisam ser desencadeados por uma situação específica (CARTILHA, 2019). A demência é uma manifestação comum a diferentes transtornos mentais e algumas doenças neurológicas. O paciente que apresenta essa manifestação depende, comumente, do auxílio de familiares e cuidadores para execução das atividades do dia a dia. Dado esse motivo, é papel do enfermeiro, como profissional de saúde, assistir a esse paciente e sua família. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 50 TEMA DA AULA: COMPORTAMENTO DO PACIENTE, ETIOLOGIA, EPIDEMIOLOGIA, FATORES DE RISCOS E FORMAS DE TRATAMENTOS DOS TRANSTORNOS MENTAIS. FONTEBIBLIOGRÁFICA BRASIL. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da área de Enfermagem. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. (org.). Profissionalização de auxiliares de enfermagem: cadernos do aluno: instrumentalizando a ação profissional I. 2. ed.[reimpr.] Brasília / Rio de Janeiro: Ministério da Saúde / Fiocruz, 2003. 164 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/profae/pae_cad1.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. CASABURI, Luiza Elena. Teoria de crise e teoria psicodinâmica. In: TAVARES, Marcus Luciano de Oliveira; CASABURI, Luiza Elena; SCHER, Cristiane Regina (org.). Saúde mental e cuidado de enfermagem em psiquiatria. Porto Alegre: SAGAH, 2019. p. 73-92. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595029835/cfi /152!/4/4@0.00:0.00. Acesso em: 02 abr. 2020. MAISTRO, Suelen. Id, Ego e Superego: entenda rapidamente quem são eles. entenda rapidamente quem são eles. 2020. Disponível em: https://amemais.net.br/id-ego-e-superego-entenda-rapidamente/. Acesso em: 02 abr. 2020. Tópico 1: Alterações de comportamento e personalidade Pessoas saudáveis diferem significativamente em geral na sua personalidade, humor e comportamento. Cada pessoa também varia de dia para dia, dependendo das circunstâncias. Entretanto, uma mudança importante e repentina na personalidade e/ou comportamento, especialmente se não estiver relacionada a um evento óbvio (como tomar um medicamento ou perder uma pessoa amada), em geral indica um problema (FIRST, 2017). Segundo First (2017) as alterações na personalidade e no comportamento podem ser basicamente classificadas da seguinte forma: • Confusão ou delirium • Delírios • Fala ou comportamento desorganizado • Alucinações • Humores extremos (como depressão) Essas categorias não são transtornos. Elas são apenas uma maneira que os médicos usam para organizar diferentes tipos de pensamento, fala e comportamento anormal. Essas mudanças de personalidade e de comportamento podem ser causadas por problemas de saúde física ou mental. As pessoas podem ter mais de um tipo de alteração. Por exemplo, pessoas com confusão devido a uma interação medicamentosa às vezes têm alucinações e pessoas com extremos de humor podem ter delírios (FIRST, 2017). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 51 Embora às vezes as pessoas presumam que mudanças de personalidade, pensamento ou comportamento são todas devidas a transtornos mentais, existem muitas causas possíveis. Em última análise, todas as causas envolvem o cérebro, mas dividi-las em quatro categorias pode ser útil: • Transtornos mentais. • Drogas (incluindo intoxicação por drogas, abstinência e efeitos colaterais). • Distúrbios médicos que afetam principalmente o cérebro. • Transtornos em todo o corpo (sistêmicos) que também afetam o cérebro (FIRST, 2017). Tópico 2: Conceituando Etiologia e Epidemologia As doenças mentais são de natureza relacional e subjetiva. Ocorrem e circunscrevem distúrbios que comprometem o cotidiano social das pessoas, são profundamente vinculadas à cultura e suas manifestações, como a religião, as emoções, os comportamentos, mesmo os de saúde, e a linguagem, apresentando-se com grandes diferenças entre países e grupos sociais. Tais características determinam em grande parte dificuldades para adotar conceituações universais, que se ajustem às suas diferentes formas de manifestações culturais dos fatores externos e prévios ao processo patológico (p. 545). A etiologia é, na linguagem médica, o estudo das causas e fatores de uma doença e do conjunto dessas causas. Essa disciplina médica se baseia na pesquisa das causas a partir do estudo dos sinais e sintomas de uma patologia (semiologia). Utilizamos igualmente esse termo no campo psiquiátrico para definir os fatores potenciais de uma doença mental. Tradicionalmente, a Epidemiologia tem sido definida como a ciência que estuda a distribuição das doenças e suas causas em populações humanas. Segundo Jénicek (1995 apud FILHO; BARRETO; ROUQUARYOL, xxxx, p. 3), um dos objetivos principais da Epidemiologia deve ser identificar fatores etiológicos na gênese das enfermidades. De fato, muitas doenças, cujas origens até recentemente não encontravam explicação, têm sido estudadas em suas associações pela metodologia epidemiológica, que aplica o método científico da maneira mais abrangente possível a problemas de saúde da comunidade FATORES POTENCIAIS DE UMA DOENÇA MENTAL Precisamos compreender que nós, seres humanos, funcionamos como um todo, ou seja, vários fatores influenciam ao mesmo tempo os nossos comportamentos, as nossas escolhas. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 52 Por exemplo, se alguém desenvolve um medo excessivo da violência atual, a ponto de recusar-se a sair às ruas, ou até mesmo a atender o telefone, assistir televisão ou chegar ao portão de casa, podemos pensar de imediato que há várias causas colaborando para isso, como: a história de vida do indivíduo, se foi uma criança muito protegida ou excessivamente exposta; os mecanismos fisiológicos que atuam na resposta de medo; o próprio aumento da violência nos dias atuais e a exploração que a imprensa faz disso; alguma perda de pessoa querida em período recente. Tudo pode atuar ao mesmo tempo (BRASIL, 2003). Esse é um conceito do qual ouvimos muito falar atualmente: o de multicausalidade. Ou seja, várias são as causas que fazem com que o indivíduo venha a desenvolver, em determinado momento de sua história, um transtorno mental. De forma simplificada, podemos dizer que três grupos de fatores influenciam o surgimento da doença mental: os físicos ou biológicos, os ambientais e os emocionais (BRASIL, 2003). FATORES FÍSICOS OU BIOLÓGICOS O nosso corpo funciona de forma integrada, isto é, os aparelhos e sistemas se comunicam uns com os outros e o equilíbrio de um depende do bom funcionamento dos outros. Muitas vezes podemos achar difícil de entender como sintomas tão “emocionais” como sentir-se culpado ou ter pensamentos repetidos de morte ou ouvir vozes possam ter também uma base orgânica, mas ela existe. O envelhecimento, o abuso de álcool ou outras substâncias são exemplos comuns. Em muitos casos essa base já pode ser identificada e descrita pelos especialistas, em outros casos ainda não (BRASIL, 2003) Podemos definir os fatores físicos ou biológicos como sendo as alterações ocorridas no corpo como um todo, em determinado órgão ou no sistema nervoso central que possam levar a um transtorno mental (BRASIL, 2003). Dentre os fatores físicos ou biológicos que podem ser a base ou deflagrar um transtorno mental, existem alguns mais evidentes, que avaliaremos a seguir: a) Fatores genéticos ou hereditários: é importante deixar claro que quando se fala de fatores genéticos em Psiquiatria, estamos falando de tendências, predisposições que o indivíduo possui de desenvolver determinados desequilíbrios químicos no organismo que possam levá-lo a apresentar determinados transtornos mentais (BRASIL, 2003) b) Fatores pré-natais: As condições de gestação, dentre eles os fatores emocionais, econômicos e sociais, o consumo de álcool, drogas, cigarro e de alguns tipos de medicação podem prejudicar a formação do bebê, gerando problemas futuros que poderão comprometer sua capacidade adaptativa no crescimento e desenvolvimento, podendo facilitar o surgimento da doença mental (BRASIL, 2003) Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 53 c) Fatores peri-natais: Peri-natal é tudo aquilo que acontece “durante” o nascimento do bebê. Em algumas situações o bebê pode sofrer danos neurológicos devido a traumatismos ou falta de oxigenação do tecido cerebral. Nesses casos, dependendo da gravidade desses danos, a criança poderá desenvolver problemas neurológicos (como, por exemplo,a epilepsia ou diversos tipos de atraso de desenvolvimento) que podem formar a base para futuros transtornos psiquiátricos (BRASIL, 2003) d) Fatores neuro-endocrinológicos: Peri-natal é tudo aquilo que acontece “durante” o nascimento do bebê. Em algumas situações o bebê pode sofrer danos neurológicos devido a traumatismos ou falta de oxigenação do tecido cerebral. Nesses casos, dependendo da gravidade desses danos, a criança poderá desenvolver problemas neurológicos (como, por exemplo, a epilepsia ou diversos tipos de atraso de desenvolvimento) que podem formar a base para futuros transtornos psiquiátricos (BRASIL, 2003) e) Fatores ligados a doenças orgânicas: O transtorno mental pode também aparecer como conseqüência de determinada doença orgânica, tal como infecções, traumatismos, vasculopatias, intoxicações, abuso de substâncias e qualquer agente nocivo que afete o sistema nervoso central (BRASIL, 2003) FATORES AMBIENTAIS Os fatores ambientais exercem forte e constante influência sobre nossas atitudes e nossas escolhas diárias, tanto externa quanto internamente, isto é, como nos sentimos e enxergamos a nós mesmos (BRASIL, 2003, p. 41). As reações a cada estímulo ambiental se darão de acordo com a estrutura psíquica de cada pessoa, e essa estrutura psíquica estará intimamente ligada às experiências que a pessoa teve durante a vida. Assim se estabelece uma relação circular entre todos os fatores geradores de transtorno mental onde um ocasiona o outro. Para melhor compreensão, podemos dizer que os fatores ambientais podem ser sociais, culturais e econômicos (BRASIL, 2003, p. 41). Para melhor compreensão, podemos dizer que os fatores ambientais podem ser sociais, culturais e econômicos: Como sociais podemos compreender todas as interações que temos com o outro, nossas relações pessoais, profissionais e com outros grupos. Estudos falam da importância das pessoas significativas em nossa infância e de como ficam marcadas em nós as suas formas de pensar e agir, assim como as reações que passamos a ter influenciam o nosso comportamento diante de outras pessoas. Se, com as pessoas importantes de nossa infância, aprendemos que existem pessoas que não são confiáveis e que devemos estar sempre atentos para não sermos enganados, possivelmente teremos dificuldades em confiar em alguém mesmo em nossa vida adulta. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 54 Entre os fatores ambientais culturais podemos lembrar de todo o sistema de regras no qual estamos envolvidos. Este sistema varia de país para país, de estado para estado, de grupo para grupo, e também de acordo com a época. Ou seja, noção de certo e errado, de bom e mau varia muito dependendo do local e época em que estamos. Os mitos, as crenças, os rituais que nos cercam, nos dão as noções de bem e mal que são aceitas pelos grupos aos quais pertencemos, seja ele o nosso país, o nosso grupo religioso, a nossa escola ou mesmo a nossa família. Outro grupo de fatores ambientais que podemos perceber como exercendo influência sobre nós são os econômicos. Nesse tópico tanto podemos nos referir à nossa possibilidade mais direta de aquisição de bens, ou seja, “nosso bolso”, quanto às atuais condições sociais, onde a miséria, aliada à baixa escolaridade, pode levar ao aumento da criminalidade e esta ao aumento de tensão em nosso dia-a-dia. (BRASIL, 2003, p. 41) FATORES EMOCIONAIS OU PSICOLÓGICOS Continuamos tentando compreender o que, afinal de contas, torna as pessoas diferentes umas das outras. O que faz com que se comportem de uma maneira e não de outra. Já abordamos os aspectos físicos e os ambientais e, não por acaso, deixamos para abordar os aspectos emocionais depois de bem compreendidos os anteriores. Isso porque, como já foi visto antes, os fatores influenciam-se entre si, mas no caso dos aspectos emocionais estamos falando de formação de identidade, que se inicia justamente com a conjugação dos aspectos físicos e ambientais (BRASIL, 2003, p. 42). Nós, seres humanos, já “botamos o pé na vida” com algumas características que nos são individuais e que as interações que vamos estabelecer com o mundo, a partir de nosso nascimento, serão formadoras de um modo de ser caracteristicamente nosso, mais ou menos ajustado, ao qual chamamos personalidade (BRASIL, 2003, p. 42). Entramos em contato com o ambiente social mais amplo pelas portas que abrimos nas relações com nossa família nuclear ou com outras figuras de sobrevivência de nossas vidas (BRASIL, 2003, p. 43). Tópico 3: Epidemiologia dos transtornos mentais – fatores de risco Os transtornos mentais e de comportamento (TMC) consistem em uma variedade de distúrbios psicológicos e comportamentais que acabam interferindo nos processos de relacionamentos interpessoais, de maneira geral os transtornos adquirem um curso previsível baseado em cenários passados. Segundo o Portal Educação (2013), para que determinado comportamento seja classificado como transtorno é necessário que ele traga algum tipo de prejuízo Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 55 ao indivíduo, compreender a epidemiologia dos transtornos mais comuns é uma boa alternativa para combatê-los de maneira mais eficiente. São eles: Sexo: os transtornos são mais comuns em mulheres, em especial pela sobrecarga de responsabilidades, violência doméstica, variações repentinas de humor, depressão. Já os transtornos encontrados na população masculina em sua grande maioria estão relacionados ao abuso do álcool e hiperatividade. Idade: os transtornos em geral aparecem no final da puberdade e começo da fase adulta, alterações hormonais e utilização de substâncias psicoativas funcionam como catalisadores nesse processo. Etnia: os transtornos mentais possuem maior incidência sobre a população negra, o racismo é visto como um fator que acentua as desigualdades, pressionando mais ainda o indivíduo. Religião: frequentar a igreja tende a diminuir o consumo de álcool, desse modo às taxas de transtornos relacionados ao consumo desse produto caem drasticamente, em especial em religiões que não permitem o seu consumo. Relacionamento: indivíduos casados ou em um relacionamento sério possuem menores chances de desenvolver algum tipo de transtorno, viúvos e divorciados por sua vez, são grupos de risco. Estrutura familiar: ambiente familiar conturbado, ausência de comunicação e perda de familiares próximos são considerados como incentivadores de transtornos. Situação profissional: o desemprego e as suas consequências (dificuldades financeiras, não aceitação da sociedade e falta de perspectivas) tendem a criar um cenário favorável para o desenvolvimento de transtornos mentais. Escolaridade: na América Latina o nível de escolaridade está diretamente relacionado à incidência de transtornos mentais, em países desenvolvidos a incidência é mais correlacionada à condição financeira. A análise de determinado contexto social permite identificar as variáveis responsáveis por tornar determinada parcela da população propensa ao desenvolvimento de transtornos mentais. Essa identificação permite estruturar as políticas voltadas para a saúde mental da região de acordo com a epidemiologia apresentada, tornando o tratamento mais eficiente e diminuindo as taxas de incidências através de políticas de caráter preventivo. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 56 Tópico 4: Classificação de transtornos mentais e de comportamento MÉTODOS DIAGNÓSTICOS EM PSIQUIATRIA E PSICOLOGIA Existem várias técnicas de exploração e avaliação que podem colaborar para o levantamento de uma hipótese diagnóstica em Psiquiatria. Dentre os mais conhecidos, podemos citar: entrevista, testes e questionários psicológicos e explorações neurofisiológicas, por neuroimagem ou neuroquímicas (BRASIL, 2003, p. 49). A entrevista é um método essencial a qualqueravaliação do paciente psiquiátrico. Geralmente se dá no primeiro contato com ele e, embora pareça, não se constitui numa simples “conversa” com o paci- ente, mas na observação, coleta de dados e tentativa de compreensão do papel da doença na vida daquele indivíduo. Os testes e questionários psicológicos são instrumentos próprios de utilização pelo psicólogo, que colaboram com a compreensão diagnóstica do indivíduo. As explorações neurofisiológicas, onde podemos incluir o eletroencefalograma (EEG) e o Registro Poligráfico do Sono, são mais usados em detecção de causas de transtornos do sono, tais como a apnéia do sono. As explorações por neuroimagem, dentre as quais podemos citar a ressonância magnética nuclear (que permite avaliar parte da função mental), a tomografia axial computadorizada cerebral (onde se faz várias radiografias do cérebro com contraste aplicado por via endovenosa, estando indicado em casos em que se suspeita de transtornos de base orgânica), a tomografia de emissão de pósitrons (também chamada PET, constitui-se em uma técnica mais evoluída para definir melhor alguns diagnósticos) e fluxo sangüíneo regional cerebral. Tais técnicas têm uso muito específico, a critério médico. As explorações neuroquímicas, que incluem provas onde se podem perceber algumas alterações determinantes de alguns quadros, como a depressão, por exemplo. (BRASIL, 2003, p. 50) SINAIS E SINTOMAS DE TRANSTORNOS MENTAIS Os sinais e sintomas também precisam continuar sendo observados e registrados por toda a equipe que atende o paciente a fim de manter uma avaliação dinâmica dele e ajustar o tratamento sempre que se faça necessário. Nesse aspecto, a participação do auxiliar e do técnico de enfermagem é essencial, devendo este conhecer os sinais e sintomas mais comuns e estar atento a suas manifestações nos pacientes a fim de transmiti-las ao restante da equipe (BRASIL, 2003, p. 50). Em um transtorno mental podem estar presentes vários sinais e sintomas ao mesmo tempo, assim como um mesmo sintoma pode pertencer a quadros psíquicos diversos. Nem sempre os nomes são muito fáceis de serem gravados, mas é importante para o auxiliar e o técnico de enfermagem engajado na Saúde Mental ter melhor compreensão dos termos usados pelo restante da equipe a fim de estabelecer com ela uma troca adequada (BRASIL, 2003, p. 51). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 57 Os principais sintomas e transtornos de comportamento são: Alterações da sensopercepção É a capacidade que desenvolvemos de formar uma síntese de todas as sensações e percepções que temos a cada momento e com ela formarmos uma idéia do nosso próprio corpo e de tudo o que está à nossa volta. Para isso, fazemos uso de todos os nossos órgãos dos sentidos. As alucinações, típicas dos estados psicóticos, não costumam constituir um nome estranho, especialmente para quem trabalha em um setor de psiquiatria, mas, às vezes, são confundidas com outras alterações. As alucinações são sensações ou percepções em que o objeto não existe, mas que é extremamente real para o paciente, e ele não pode controlá-las, pois independem de sua vontade. Assim, numa alucinação auditiva, o paciente não dirá “parece que ouço vozes”, e sim “as vozes voltaram e estão me dizendo para não escutar o que você diz”. As alucinações podem ser auditivas, visuais, gustativas, olfativas, táteis, cinestésicas e das relações e funções corporais. Nas ilusões, ao contrário das alucinações, o objeto percebido existe, mas sua percepção é falseada, deformada. O paciente pode, por exemplo, estar convencido que o teto está baixando e que poderá esmagá-lo. Nas ilusões, ao contrário das alucinações, o objeto percebido existe, mas sua percepção é falseada, deformada. O paciente pode, por exemplo, estar convencido que o teto está baixando e que poderá esmagá-lo. Alterações do pensamento Pensamento é o processo pelo qual associamos e combinamos os conhecimentos que já adquirimos no mundo e chegamos a uma conclusão ou a uma nova idéia. Inicia-se com uma sensação (visão, olfato, paladar, audição e tato) e conclui-se com o raciocínio, que é caracterizado pela associação de idéias. Podem ser classificadas de acordo com a direção ou com o conteúdo do pensamento. Alterações da linguagem Pode tratar se de alterações na articulação da linguagem ou no uso da mesma. A logorréia é a fala acelerada e compulsiva; a gagueira é a repetição de sílabas, com dificuldade para dar início e prosseguimento à fala. Na ecolalia há repetição, como em eco, das últimas palavras proferidas por alguém; na glossolalia, o paciente usa a linguagem de forma estranha e incorreta, muitas vezes com a criação de novos termos, incompreensíveis (neologismos). No mutismo, o indivíduo mantém-se mudo, sendo comum em estados depressivos e de esquizofrenia catatônica. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 58 Alterações da consciência A consciência é que faz de nós mesmos seres psíquicos vinculados à realidade. É através dela que nos damos conta de nossas sensações, percepções, de nosso ser. Sua alteração apresenta várias formas: delírio, despersonalização e desrealização (alterações da consciência corporal), estados crepusculares, obnubilação, confusão, estupor e hipervigília. Alterações da atenção e da orientação Atenção é quando se focaliza seletivamente algumas partes da realidade. Para que aconteça, é necessário que o indivíduo esteja em estado de alerta (desperto). Como alterações mais comuns, podemos citar a dificuldade de concentração ou inatenção e a mudança consante de focos de atenção ou distração, que podem vir a acontecer nos casos em que estamos sob efeito do sono ou de alguma droga, sem que com isso se configure em uma alteração duradoura. Orientação é a capacidade de integrar informações a respeito de dados que nos localizem, principalmente, no tempo e no espaço (dados estes que dependem também da memória, atenção e percepção). Como alterações podemos citar a desorientação, onde o paciente é incapaz de relacionar os dados a fim de perceber onde e em que época se encontra, e a dupla orientação, onde o indivíduo oscila entre uma orientação adequada e uma inadequada, misturando os dados, como um paciente que sabe que mudou de século, mas continua afirmando estar em 1959. Alterações da memória Por memória podemos entender todas as lembranças existentes na consciência. Suas alterações podem ser quantitativas ou qualitativas. A hipermnésia é alteração em que há clareza excessiva de alguns dados da memória. De forma contrária, a amnésia é a impossibilidade de recordar total ou parcialmente fatos ocorridos antes do início do transtorno (amnésia retrógrada), após o seu início (amnésia anterógrada) ou fatos isolados (amnésia lagunar). A amnésia pode ainda se dar como uma defesa, suprimindo da memória fatos muito carregados afetivamente (amnésia afetiva). Já a paramnésia constitui-se de distorções dos dados da memória. Pode ocorrer um falseamento na recordação de determinados fatos (paramnésia da recordação), ou ainda ao lançar mão dos dados da memória para reconhecimento. Alterações da afetividade Muito resumidamente, podemos dizer que afetividade constitui-se na capacidade de experimentar sentimentos e emoções. Dentre suas alterações, podemos citar a labilidade afetiva em que ocorre mudança dos estados afetivos sem causa externa aparente. Na tristeza patológica, a pessoa sente profundo abatimento, baixa auto-estima, geralmente acompanhados de tendência para o Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 59 isolamento, choro fácil, inibição psicomotora, sendo característica da de- pressão. Na alegria patológica, o paciente mostra-se eufórico, agitado, com elevada auto- estima, verborréia, grande desinibição, sendo característica de episódios de mania. Alterações do sono Podem ocorrercomo um sintoma ou como o próprio transtorno mental, ou ainda, como reação adversa a determinados medicamentos. Encontramos mais facilmente a insônia, que é a falta de sono durante uma parte ou toda a noite (ou período habitual de sono do indivíduo). Pode ser inicial (a pessoa custa a “pegar no sono” – mais característica de quadros de ansiedade), ou terminal (a pessoa acorda de madrugada e não consegue voltar a dormir – mais característico da depressão). Já a narcolepsia é sono em excesso durante todo o dia. Alterações do Movimento Na estereotipia, o indivíduo costuma repetir continuamente e sem necessidade determinados movimentos, sem que haja uma lógica facilmente observável. Já os tiques são movimentos rápidos e involuntários, também repetitivos. E a catalepsia que é uma atitude de imobilidade, tal como se fosse uma estátua, mantida pela pessoa inclusive com posturas aparentemente incômodas. Típica da catatonia. TEMA DA AULA: TRANSTORNOS MENTAIS E FORMAS DE TRATAMENTO FONTE BIBLIOGRÁFICA BRASIL. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da área de Enfermagem. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. (org.). Profissionalização de auxiliares de enfermagem: cadernos do aluno: saúde mental. 2. ed.[reimpr.] Brasília / Rio de Janeiro: Ministério da Saúde / Fiocruz, 2003. 124 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/profae/pae_cad1.pd f. Acesso em: 02 abr. 2020. ESNP/FIOCRUZ. CADERNOS DE MONITORAMENTO EPIDEMIOLÓGICO E AMBIENTAL: O que são transtornos mentais? Rio de Janeiro: ESNP/FIOCRUZ, n. 1, out. 2011. Disponível em: http://www6.ensp.fiocruz.br/repositorio/sites/default/files/arqu ivos/TranstornosMentaisC1.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. TAVARES, Marcus Luciano de Oliveira. O enfermeiro no serviço de emergência psiquiátrica: intervenções em crises. In: TAVARES, Marcus Luciano de Oliveira; CASABURI, Luiza Elena; SCHER, Cristiane Regina (org.). Saúde mental e cuidado de enfermagem em psiquiatria. Porto Alegre: SAGAH, 2019. p. 255-276. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595029 835/cfi/256!/4/2@100:0.00. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 60 Tópico 1: Ansiedade... crise... e estresse são a mesma coisa? Antes de exemplificar os transtornos mentais mais comuns e seus tratamentos é de suma importância saber identificar alguns conceitos muito usados em Psiquiatria, sendo muitas vezes apontados como constitutivos ou provocadores do transtorno mental, nos quais percebemos que há uma mescla dos fatores físicos, ambientais e emocionais, são eles: ANSIEDADE, CRISE E ESTRESSE. A ansiedade apresenta reações emocionais e fisiológicas. As reações emocionais são ligadas ao medo e se apresentam como desconforto, intranquilidade, apreensão. As reações fisiológicas são ligadas à tensão e aparecem como sudorese, taquicardia, opressão no tórax ou epigastro, dores musculares, cefaléia, boca seca, queimação no estômago, ou ainda diarréia, náuseas, vômito, tonturas, turvação na vista (BRASIL, 2003, p.46). Ansiedade está intimamente ligada às situações de mudança, uma vez que teremos de sair do ritmo com o qual estamos acostumados, o que mexe com nossa segurança. Por isso, todos nós experimentamos ansiedade em vários momentos de nossas vidas. Ansiedade é uma emoção normal, como a tristeza ou a alegria, e até um certo ponto desejável, visto que pode estimular a inteligência e a criatividade, além de nos impulsionar para mudanças necessárias (BRASIL, 2003, p.46). Podemos dizer que a ansiedade torna-se um transtorno quando mantém seu grau elevado por um período mais prolongado do que, por exemplo, alguma situação de crise que estejamos passando, e/ou quando se torna incapacitante, dificultando ou impossibilitando nossas atividades cotidianas (BRASIL, 2003, p.46). Crise é uma palavra das mais usadas atualmente. O país está em crise, a saúde está em crise, o local onde trabalhamos geralmente está passando por uma crise, o paciente “teve uma crise”, nós estamos em crise. Mas o que quer dizer crise dentro da Saúde Mental? O termo crise foi inicialmente empregado em Psiquiatria em 1963, por Caplan e Lindemann, para descrever as reações de uma pessoa a situações traumáticas, tais como uma guerra, desemprego, morte de alguém querido. Eric Erikson usou o mesmo termo para descrever as diversas etapas normais do desenvolvimento de uma pessoa, momentos nos quais ela teria que passar por mudanças. Ele identificou essas crises que ocorrem na vida de todos nós desde o nascimento até a morte (passando pela infância, adolescência, idade adulta e velhice) como crises evolutivas. Ele também nomeou as crises imprevisíveis, anteriormente descritas, como crises acidentais (BRASIL, 2003, p. 46). O conceito de crise envolve “[...] momento perigoso ou difícil de uma evolução ou de um processo” ou ainda um “[...] período de desordem acompanhado de busca penosa de uma solução” (FERREIRA, 2010, documento on-line). Embora o Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 61 conceito geral de crise seja considerado como um momento de turbulências, ela é capaz de abrir espaços para possibilidades, uma vez que retira o indivíduo da sua rotina, do seu estado de ordem, e o coloca em uma situação na qual é necessário uma tomada de decisão, o que gera sofrimento, insegurança e dor (TAVARES, 2019, p. 257). A partir do momento que se entende a crise como uma oportunidade para (re)conhecê-la como uma resposta a um momento de intenso sofrimento psíquico, os profissionais de saúde são capazes de buscar alternativas capazes de prevenir os episódios ou outras maneiras de lidar com sua ocorrência (TAVARES, 2019, p. 257). O processo envolvendo a crise pode envolver, resumidamente, as seguintes etapas (STEFANELLI; FUKUDA; ARANTES, 2008 apud p. 257): 1. Aumento da ansiedade diante de um fator estressante que ameaça o autoconceito, o que desequilibra seu estado emocional e psíquico. Há sempre algum “gatilho” capaz de desencadear essa ansiedade. 2. Naturalmente, o indivíduo busca maneiras para contornar a situação e se reequilibrar, no entanto, tentativas frustradas de restabelecer esse equilíbrio fazem com que o indivíduo aumente o sentimento de ansiedade. 3. As falhas nas diversas tentativas aumentam ainda mais a ansiedade, isso faz com que o indivíduo busque alívio imediato no isolamento e/ou na fuga. 4. Quando não há uma redução da ansiedade, pode ocorrer uma desorganização da personalidade, além de episódios de pânico, confusão e violência conta si e os outros, o que caracteriza a crise. (STEFANELLI; FUKUDA; ARANTES, 2008 apud p. TAVARES, 2019, p. 258) Diante disso, percebe-se que os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, apresentam atribuições fundamentais na prevenção e no manejo das situações de crise, as quais iniciam antes mesmo de os episódios ocorrerem. A prevenção é sempre a primeira opção no manejo da crise e pode ser realizada nos diferentes níveis e dispositivos de atenção à saúde, seja nas Unidades Básicas de Saúde, na Atenção Domiciliar ou nos CAPSs, que são os serviços responsáveis pela construção do projeto terapêutico desses pacientes. Hoje em dia, todo mundo se diz estressado. Estresse virou sinônimo de irritação, cansaço, nervosismo, ansiedade, raiva e as mais diversas sensações e emoções. Na verdade o estresse foi conceituado, em princípio, como um conjunto de reações fisiológicas, comandadas pelo sistema nervoso autônomo, possivelmente desenvolvidas em nossa longa história de adaptação ao mundo (BRASIL, 2003, p. 47). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 62 Tais reações têm o objetivo de preparar nosso organismo para lutar ou fugir diante de uma situação de perigo, que, na época das cavernas, poderia ser, por exemplo, o ataque de algum animal. Portanto, o estresse é uma resposta deEllen. Psicologia da saúde x psicologia hospitalar: definições e possibilidades de inserção profissional. : definições e possibilidades de inserção profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 24, n. 3, p. 48-57, set. 2004. FapUNIFESP (SciELO). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v24n3/v24n3a07.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. FELDMAN, Robert S. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788580554892/cf i/52!/4/4@0.00:23.8. Acesso em: 26 dez. 2019. OLIVEIRA, Dalton. Psicologia Jurídica: a importância do estudo da psicologia jurídica. : A importância do estudo da Psicologia Jurídica. In: GONZAGA, Alvaro de Azevedo; ROQUE, Nathaly Campitelli (org.). Formação humanística para concursos. 5. ed. Rio de Janeiro / São Paulo: Forense / MÉTODO, 2020. Cap. 6. p. 323-340. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530988371/cf i/6/10!/4/12/4@0:100. Acesso em: 02 abr. 2020. MYERS, David G.; DEWALL, Nathan C. Psicologia. tradução Cristiana de Assis Serra, Luiz Cláudio Queiroz de Faria. - 11. ed. - [Reimpr.]. - Rio de Janeiro: LTC, 2019. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788521634614/cf i/6/28!/4/18/2@0:56.4. Acesso em: 26 dez. 2019. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 7 Tópico 1: Entendendo a Psicologia Psicologia é o estudo dos processos mentais e a influência desses no comportamento humano, de acordo com Oliveira (2020). O termo psicologia provém da junção das palavras gregas psychē (alma) e logos (conhecimento), ou seja, estudo da alma. O psicólogo é o profissional que nos ajuda a entender nossas motivações, nosso modo de agir ante determinado fato ou circunstância (por exemplo, por que alguns de nós têm medo de lugares altos ou por que, em alguns momentos de nossa vida, sem motivo aparente nos sentimos tristes) (BRASIL, 2003). As subaéreas da psicologia equiparam-se a uma família extensa, com uma variedade de sobrinhos e sobrinhas, tios e tias e primos e primas que, embora possam não interagir diariamente, estão relacionados uns aos outros, pois tem um objetivo em comum: compreender o comportamento. Uma maneira de identificar as principais subáreas é considerar algumas das questões básicas sobre comportamento das quais elas tratam (FELDMAN, 2015, p.6). Segundo Myers e Dewall (2019, p.11) o conjunto de subáreas que denominamos psicologia, confluem diferentes disciplinas: • Pesquisa aplicada: estudo científico que visa solucionar problemas práticos. • Aconselhamento psicológico: ramo da psicologia que ajuda as pessoas passando por problemas (em geral relacionados com a escola, o trabalho ou casamento) a alcançar maior bem-estar. • Psicologia clínica: ramo da psicologia que estuda, avalia e trata pessoas com transtornos psicológicos. • Psiquiatria: ramo da medicina que lida com os transtornos psicológicos; é praticada por médicos, que por vezes proveem tratamento médico (prescrevendo medicamentos, por exemplo), assim como terapia psicológica. • Psicologia comunitária: ramo da psicologia que estuda o modo como as pessoas interagem com seus respectivos ambientes sociais, e como as instituições sociais afetam indivíduos e grupos. (MYERS; DEWALL, 2019, p. 11) Cabe ainda a psicologia, estudar questões ligadas a: • personalidade • aprendizagem • motivação • memória • inteligência • funcionamento do sistema nervoso • comunicação interpessoal • comportamento sexual • agressividade • processos psicoterapêuticos • ao sono e ao sonho, ao prazer e à dor, etc. Psiquismo: conjunto dos processos psíquicos do ser humano ou do animal tomado genericamente; psique, psicologia. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 8 A psicologia tem infinitos campos de ação, áreas que abrangem muitos dos nossos contextos mais cotidianos e onde, graças à sua utilização, podemos encontrar soluções, aprimorar habilidades, melhorar processos, inovar. Mas, cabe lembrar que sua base científica se justifica e se legitima, pois a psicologia (como todas as formas de ciência) possui um objeto definido: os fenômenos comportamentais, resultantes da interação dos indivíduos com o meio e entre outros indivíduos. No entanto, conforme Oliveira (2020) os estudos sobre a mente e o comportamento humano não trilharam um caminho unitário, mas, na verdade, percorreram-se várias rotas de pensamento, produzindo diversas teorias sobre o psiquismo. Embora tenha surgido um conjunto de teorias psicológicas desde a autonomia científica da Psicologia, algumas delas superadas ou abandonadas, é fato que as diversas teorias coexistem, quando não influenciam umas às outras, ou ainda, recebem influência de outras ciências (OLIVEIRA, 2020, p. 332). A psicologia, então, pode ser concebida como uma grande árvore com ramos infinitos que tentam entender o comportamento humano. Dessa forma, entre todo esse conjunto de galhos e folhas, existe um que é particularmente útil e diferenciado: falamos da psicologia aplicada, que tenta dar soluções concretas aos problemas que ocorrem na nossa vida cotidiana. Especialmente para o profissional de enfermagem, que tem por função auxiliar os indivíduos nos momentos importantes de suas existências - do nascimento à morte -, a Psicologia é uma ferramenta cujo uso torna possível uma maior solidariedade e entendimento das pessoas. Como resultado, permitirá ajudá- las de maneira mais efetiva - e afetiva - quando estiverem vulneráveis (BRASIL, 2003). Tópico 2: A Necessidade da Ciência Psicológica Segundo Príncipe Charles (2000), citado por Myers e Dewall (2019, p.18), algumas pessoas supõem que a psicologia se limita a documentar e revestir de jargão aquilo que todo mundo já sabe: “você ganha dinheiro para comprovar com métodos extravagantes, o que a minha avó já sabia?”. Assim os autores citados questionam se será inteligente dar ouvidos a nossa sabedoria à nossa sabedoria interna, simplesmente confiar na nossa “força interior”? Ou deveríamos, com mais frequência, submeter nossos palpites intuitivos ao escrutínio cético? Uma coisa parece certa: Muitas vezes subestimamos os perigos da intuição. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 9 De acordo com Richarde Feynman (1997), citado por Myers e Dewall (2019, p.18) experimentos indicam que as pessoas super estimam, e muito a exatidão das lembranças de fatos que testemunharam, sua capacidade de avaliar entrevistados, suas previsões de riscos e seus talentos financeiros na escolha de ações. Segundo um ganhador do Prêmio Nobel da Física, “o primeiro número 1 é que você não deve enganar a si mesmo- e você é a pessoa mais fácil de ser enganada”. O VIÉS RETROSPECTIVO O viés retrospectivo (também conhecido como o fenômeno do “eu já sabia!”) é fácil de demonstrar. Apresente a metade dos membros de um grupo alguma suposta descoberta psicológica, e à outra metade um resultado oposto. Diga ao primeiro grupo: Psicólogos descobriram que a separação enfraquece a atração romântica. Como diz o ditado: “O que os olhos não veem, o coração não sente”. Peça a eles que imaginem por que isso pode ser verdade. A maioria vai conseguir, e quase todos vão considerar previsível essa descoberta real (MYERS; DEWALL, 2019, p.18). Diga ao contrário ao segundo grupo: “Psicólogos descobriram que a separação fortalece a atração romântica. Como diz o ditado “”A gente só dá valor a algo depois que o perde”. Os que receberem essa informação falsa também vão considerá-la fácil de imaginar, e a maioria concordará que se trata de algo justificável. Obviamente há um problema quando informações contraditórias parecem senso comum (MYERS; DEWALL, 2019, p.18). Tais erros em nossas lembranças e explicações mostram por que precisamos de pesquisa psicológica. Simplesmente perguntar às pessoas comoadaptação do organismo ao meio. Tanto o estresse crônico quanto o agudo podem ser precipitadores de quadros de sofrimento mental, não só pelas inúmeras reações fisiológicas, como também pelas emocionais que provocam. A crise pode ser entendida como um agente estressor, ou seja, que leva a respostas de estresse. (BRASIL, 2003, p. 47). Tópico 2: Manifestações clínicas e cuidados de enfermagem para transtornos decorrentes de esquizofrenia Pode-se afirmar que a esquizofrenia é de origem multifatorial, apresentando diferentes fatores de risco que compreendem genética e ambiente. A literatura científica aponta que a presença de algum fator que predisponha o indivíduo à doença, como a genética, aumenta o risco para o desenvolvimento de sintomas esquizofrênicos quando associada a fatores físicos, ambientais e psicológicos (TAVARES, 2019, p. 238-239). É um transtorno mental que se inicia geralmente na adolescência, e que se tratado corretamente pela Equipe de Saúde Mental é compatível com uma vida normal. A pessoa que esquizofrenia pode, inicialmente, começar a se isolar da família e ter muita dificuldade de pedir ajuda às pessoas. Muito comum, é essa pessoa achar que está sendo perseguida por alguém (ESNP/FIOCRUZ, 2011). Outro sinal comum é a pessoa começar a ouvir vozes inexistentes, o que mostra que ela está confundindo realidade com sua imaginação. Seus pensamentos, muitas vezes, se tornam mais reais do que a própria realidade, e com isso ela fica presa dentro da sua própria mente. Cabe frisar que ninguém nasce com esquizofrenia. Esse transtorno não é um jeito de ser (ESNP/FIOCRUZ, 2011). Ainda que não apresente sinais e/ou sintomas específicos, a presença de diferentes comportamentos podem levar a um diagnóstico. Ao analisar o indivíduo, os profissionais de saúde investigam a presença de sintomas negativos e positivos (TAVARES, 2019, p. 239) . A esquizofrenia, ou os denominados transtornos esquizofrênicos, é um grupo de transtornos mentais graves que apresentam, como características principais, alterações de percepção, comportamentais, afetivas, dentre outras (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIACION - APA, 2014 apud TAVARES, 2019, p. 238). Embora ainda não haja uma definição concreta das causas da esquizofrenia, sua fisiopatologia está relacionada a teorias que envolvem diferentes mecanismos causadores dos seus sinais e sintomas. Dentre elas, há aquelas que envolvem os Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 63 neurotransmissores, além de teorias relacionadas ao neurodesenvolvimento e à presença de fatores de risco potencialmente desencadeadores das crises (BRASIL, 2013 apud TAVARES, 2019, p. 238). Figura 05 – Sintomas negativos e positivos investigados pelos profissionais da saúde em busca do diagnóstico de esquizofrenia. Fonte: Tavares (2019, p. 239). Os aspectos gerais do tratamento de pacientes com esquizofrenia são abordados em um artigo que resume os passos elaborados pela APA para o manejo clínico do tratamento de pacientes com esquizofrenia, evidenciando assim a relevância de estabelecer e manter a aliança terapêutica (SHIRAKAWA, 2000 apud TAVARES, 2019 p. 240). Esses passos consistem em: [...] monitorar e acompanhar o paciente, prestando atenção aos sintomas prodrô-micos de recaída; promover educação sobre a esquizofrenia e seu tratamento; [...]; reforçar a adesão ao plano de tratamento; incentivar a compreensão e a adaptação psicossocial, e buscar uma adaptação social compatível para cada caso; ajudar a reconhecer precocemente as recaídas, promover as mudanças no tratamento e identificar fatores que Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 64 precipitam ou perpetuam os surtos; envidar esforços para aliviar o estresse familiar e melhorar o funcionamento familiar; facilitar o acesso do paciente aos diversos serviços e coordenar os recursos destinados à saúde mental, tratamento clínico-geral, necessidades advocatícias, aposentadoria, lazer etc. (SHIRAKAWA, 2000, p. 58 apud TAVARES, 2019, p.240) Tópico 3: Manifestações clínicas e cuidados de enfermagem para transtornos do humor, da personalidade e de ansiedade Os profissionais de enfermagem, especificamente os enfermeiros, dispõem de instrumentos e respaldo legal para implementar o processo de enfermagem com pacientes acometidos por transtornos mentais, bem como reduzir seu sofrimento e dos seus familiares (TAVARES, 2019, p. 241). No entanto, para que o processo de cuidado a esses pacientes ocorra de maneira efetiva e eficaz, o enfermeiro deve (re)conhecer e compreender a fisiopatologia, as manifestações e as repercussões clínicas e psicossociais dos transtornos mentais, tanto no indivíduo quanto em sua família. Desse modo, eles serão capazes de elaborar estratégias individualizadas que valorizem os sujeitos em suas necessidades e sua integralidade (TAVARES, 2019, p. 241). Transtornos do humor Os transtornos do humor se caracterizam por alterações do humor ou do afeto com consequência em diferentes áreas da vida do indivíduo (familiar, profissional e social), por modificar suas atitudes e, consequentemente, sua maneira de interagir socialmente. Esses transtornos tendem a ser recorrentes e os episódios isolados podem ser desencadeados em razão de situações de estresse não controladas (TAVARES, 2019, p. 241). Episódios maníacos: tais transtornos são caracterizados como elevação de humor, energia, sentimento de autoconfiança, sociabilidade, desejo sexual, comunicação, dentre outros que fazem com que o indivíduo se sinta poderoso. As variações de intensidade ou associação com outros sintomas é que diferenciam os subtipos de episódios maníacos (hipomania; mania com sintomas psicóticos; mania sem sintomas psicóticos, etc.). Episódios depressivos: nos episódios depressivos, o indivíduo apre- senta rebaixamento do humor, redução da energia, perda do prazer, fadiga, além de redução do apetite, da autoestima, da autoconfiança, das ideações de culpa, dentre outros sinais e sintomas que “derrubam” o indivíduo. Os episódios depressivos, comumente, são opostos aos episódios maníacos. A intensidade dos episódios é que diferenciam seus subtipos (leve, moderada, grave com sintomas psicóticos, etc.). Transtorno afetivo bipolar: nesse transtorno, o indivíduo apresenta episódios maníacos, alternando com episódios de depressão, daí o nome bipolar. As variações e intensidades desses sinais diferenciam os tipos de transtorno bipolar (transtorno afetivo bipolar, episódio atual Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 65 hipomaníaco, transtorno afetivo bipolar, episódio maníaco sem sintomas psicóticos, transtorno afetivo bipolar, episódio atual misto, etc.). Transtorno depressivo recorrente: esse transtorno apresenta sinais e sintomas semelhantes aos episódios depressivos, podendo ocorrer em qualquer momento da vida do indivíduo, alternando com momentos de estado mental saudável, no entanto, caso ele venha a apresentar sinais de mania, deve ser realizada investigação, pois pode se tratar de transtorno afetivo bipolar. Transtornos de humor persistentes: tratam-se de transtornos flutuantes com sinais e sintomas semelhantes aos episódios maníacos e depressivos, no entanto sem intensidade grave o suficiente para justificá- los como sendo, de fato, mania ou depressão. Muitas vezes persistem por muitos anos. Por esse motivo, podem provocar sofrimento e incapacidades no indivíduo. Esses transtornos também apresentam variações (ciclotimia, distimia, etc.). (TAVARES, 2019, p. 241-242). Transtornos da personalidade Os transtornos da personalidade estão relacionados à expressão e à maneira de viver do indivíduo, além do seu modo de interagir consigo e socialmente, apresentando desvios nas sensações, percepções e relações com os outros. Tratam-se de estados e padrões comportamentais que desviam, muitas vezes, do que é padronizadosocialmente, o que compromete sua convivência social. Esses estados e comportamentos são persistentes, podendo aparecer na infância ou mesmo na fase adulta (TAVARES, 2019, p. 243). Os transtornos de personalidade podem apresentar manifestações diferentes, dentre elas encontramos os elencados a seguir: Personalidade paranoica; Personalidade esquizoide; Personalidade dissocial; Personalidade histriônica; Personalidade anancástica; Personalidade ansiosa; Personalidade dependente (TAVARES, 2019, p. 243-244). Transtornos de ansiedade Os transtornos de ansiedade estão relacionados aos sentimentos de impotência, medo e preocupação excessivos diante de uma grande variedade de situações interpretadas como ameaçadoras. Em razão dessa percepção de situação potencialmente ameaçadora, pode apresentar sentimentos de apreensão por provável resultado desfavorável. Sem perceber, ele tende a se concentrar nos aspectos negativos e ameaçadores das situações do cotidiano (TAVARES, 2019, p. 244). A seguir, verificamos os principais transtornos de ansiedade: Ansiedade generalizada: o indivíduo apresenta preocupação e ansie-dade excessivos com os eventos da vida cotidiana sem motivos evidentes. Comumente, na ansiedade generalizada, os sentimentos são muito mais além do que o Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 66 necessário. Nesse transtorno, os sentimentos interferem fortemente na rotina do indivíduo, por ele sempre achar que existe algum perigo iminente. Transtorno de pânico: caracterizado pela ocorrência imprevisível e repentina de crise de ansiedade aguda. Nesse transtorno, o indivíduo apresenta sensações irreais acompanhadas por sentimentos extremos de medo e desespero e, ainda, manifestações físicas, daí o nome síndrome do pânico. Associadamente e com frequência, apresenta medo de morrer e perder o autocontrole. Fobia específica: a ocorrência dos primeiros sintomas acontece na infância ou adolescência. É caracterizada pela presença de medo excessivo que persiste, mesmo com a pessoa reconhecendo que se trata de um excesso, no entanto não tem controle sobre suas reações. A fobia específica provoca ansiedade, a qual é desencadeada pela presença de algum estímulo, seja um objeto ou situação específica. Esses estímulos podem ser animais, altura, avião, medo de tirar sangue, etc. Esse transtorno interfere significativamente nas atividades diárias e nos relacionamentos. Fobia social: na fobia social, o indivíduo apresenta medo e ansiedade ao ser exposto a situações e interações sociais, nas quais ele pode sofrer algum tipo de avaliação de outras pessoas. Nessa fobia, está presente o receio de que seja avaliado negativamente pelas pessoas ou ser exposto a algum constrangimento. Transtorno obsessivo-compulsivo: nesse transtorno verifica-se a presença de obsessões e/ou compulsões capazes de prejudicar a rotina do indivíduo, bem como influenciar negativamente os seus relacionamentos. Entende-se por obsessão os pensamentos, os impulsos ou as imagens recorrentes e persistentes que chegam a ser intrusivos e indesejados. Já as compulsões se configuram como comportamentos repetitivos ou atos mentais que fazem com que o indivíduo se sinta coagido a executar em resposta à obsessão ou de acordo com regras que devem ser aplicadas rigidamente, normalmente criadas pelo próprio indivíduo. Transtorno de estresse pós-traumático: no transtorno de estresse pós- traumático, o indivíduo desenvolve sintomas característicos após ser exposto a um trauma decorrente de algum evento que representou ameaça à vida, independentemente se ele tenha sido vítima ou testemunha. A sintomatologia é diversa, incluindo sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais e ocorre em razão de lembranças recorrentes, involuntárias e intrusivas do evento. É como se estivesse ocorrendo novamente e com a mesma sensação de dor e sofrimento presentes no momento do evento. Sua ocorrência se dá, geralmente, nos três primeiros meses após o trauma e são evidentes os prejuízos nos domínios social, do desenvolvimento, da saúde física e profissional (TAVARES, 2019, p. 345-346). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 67 Tópico 4: Formas de tratamento dos transtornos mentais É preciso saber também que existem tratamentos adequados para cada tipo de transtorno, o que não é só feito através de medicamentos. Na verdade, o tratamento medicamentoso é um valioso instrumento da psiquiatria para o controle dos sintomas e, com o avanço das pesquisas nesse campo, muito se tem conseguido em melhora da qualidade de vida da pessoa com transtorno mental (BRASIL, 2003, p. 63). Atualmente, as diferentes maneiras de tratar o indivíduo com transtornos mentais têm como objetivo a redução das repercussões causadas, a promoção da qualidade de vida, a melhoria das funções psíquicas e o restabelecimento de sua rotina. A opção pela forma de tratamento mais adequada depende do diagnóstico que o paciente apresenta, incluindo comorbidades associadas, bem como suas condições físicas, mentais, sociais e econômicas. Há ainda a possibilidade de conjugar diferentes formas de tratamento para que se obtenha melhor resultado TERAPIA MEDICAMENTOSA A prescrição de medicamentos para pacientes portadores de transtorno mental é a forma de tratamento mais conhecida, porém uma das mais criticadas. É comum ouvir-se dizer: “Eu não vou a médico coisa nenhuma. Para ele me mandar tomar remédio de maluco?” Muitas vezes chega-se a crer que se pode “ficar maluco usando esses remédios”. Tratando este problema superficialmente poderíamos até achar estas colocações divertidas, se não fossem lamentáveis (BRASIL, 2003, p. 64). Os psicofármacos, ou fármacos psicotrópicos, desenvolvidos a partir dos anos 50, mudaram radicalmente a falta de perspectivas em relação ao tratamento dos transtornos mentais que prevalecia naquela época. A ação desses medi- camentos interfere nas funções do sistema nervoso central, portanto, depende necessariamente do diagnóstico do transtorno e das manifestações clínicas que o paciente apresenta. A decisão pelo fármaco mais adequado é tomada pelo profissional médico, mas para que ela seja feita de maneira assertiva, a colaboração multiprofissional é importante, pois os demais profissionais, incluindo os de enfermagem, acompanham o paciente em diferentes momentos, sendo capazes de apontar os efeitos da medicação no paciente (TAVARES, 2019,p. 101). Dentre os grupos de medicamentos disponíveis atualmente, podemos encontrar os ansiolíticos, antidepressivos e antipsicóticos. Os ansiolíticos são medicamentos indicados para o tratamento de transtornos de ansiedade, capazes de reduzir a resposta ao estresse por meio de alterações nos neurotransmissores e hormônios. Um dos mecanismos de ação está relacionado ao neurotransmissor ácido gama-aminobutírico (GABA), responsável Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 68 pela inibição das atividades neuronais. Desse modo, o uso dos ansiolíticos é capaz de reduzir a ansiedade e a agressão, induzir o sono ou a sedação, reduzir o tônus muscular e a coordenação motora, dentre outros efeitos. Alguns exemplos de ansiolíticos incluem: alprazolam, bromazepam, buspirona, clonazepam, diazepam, lorazepam, zolpidem, dentre outros (TAVARES, 2019, p. 102). Os medicamentos antidepressivos atuam no equilíbrio da produção e da disponibilidade de neurotransmissores, combatendo os sintomas da depressão. O mecanismo de ação dos antidepressivos varia de acordo com sua classe, uma delas, por exemplo, são os inibidores seletivos da receptação de serotonina, cujo mecanismo de ação envolve a inibição da recaptação de serotonina. Como consequência, sua concentração aumenta na fenda sináptica, o que resulta em aumento da sensação de prazer (TAVARES, 2019, p. 102). Os antipsicóticos ou neuroepléticos têm como função reduzira intensidade de sintomas psicóticos por meio do bloqueio dos receptores de dopamina, pois uma das hipóteses que se propõe a explicar as causas dos sintomas psicóticos sugere que o excesso de atividade desse neurotransmissor pode ocasionar esses sintomas, especialmente os positivos. Vale ressaltar que os antipsicóticos não têm a função de curar uma doença psíquica, mas controlar os seus sintomas. Alguns exemplos de antipsicóticos incluem: promazina, haloperidol, clozapina, clorpromazina, dentre outros (MOREIRA; GUIMARÃES, 2007 apud TAVARES, 2019, p. 102). ELETROCONVULSOTERAPIA A eletroconvulsoterapia é o único tratamento biológico do século XIX que ainda é empregado atualmente. Trata-se de uma técnica muito estigmatizada, em razão das condições desumanas nas quais era aplicada no passado, pois foi utilizada como forma de repressão aos pacientes com transtornos mentais e, ainda, como instrumento de tortura. Outros fatores que contribuem para o estigma existente sobre a eletroconvulsoterapia incluem o desconhecimento dos profissionais e da população acerca do tratamento, pois uma vez que (re) conhece seus benefícios, as pessoas passam a se questionar sobre o porquê de não ser utilizada (BITTENCOURT, 2012 apud TAVARES, 2019, p. 104). Sua técnica consiste na utilização de estímulos elétricos para desencadear uma breve crise convulsiva para fins terapêuticos. É utilizada principalmente na depressão maior, quando o paciente apresenta resistência à medicação antidepressiva e apresenta resposta mais rápida em relação àquela, desse modo, pode ser mais eficaz em situações que requerem uma abordagem de urgência (MACHADO et al., 2018 apud TAVARES, 2019, p. 104). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 69 Para aplicação da eletroconvulsoterapia, deve haver indicação clínica que justifique sua utilização, avaliação clínica aprofundada que aborde a gravidade do transtorno e as funções cognitivas do paciente, além disso, deve-se identificar e tratar, previamente, qualquer condição clínica que contraindique o tratamento ou ofereça riscos ao paciente. Durante todo esse processo, serão realizados, ainda, exames complementares e avaliação anestésica. Somente após essa avaliação o paciente poderá ser submetido ao procedimento (TAVARES, 2019, p. 104). PSICOTERAPIAS Os tratamentos envolvendo o uso de psicoterapias tiveram avanços importantes nos últimos anos. Trata-se de métodos não invasivos que utilizam conhecimentos da psicologia para tratar pacientes com transtornos mentais ou mesmo ajudar pessoas a lidar com seus problemas. Um dos pressupostos básicos da psicoterapia aborda que cada pessoa é capaz de curar, por si mesma, o seu próprio sofrimento, podendo isso ser alcançado por meio dessa terapia realizada com um psicoterapeuta, por meio de ferramentas como a comunicação, o relacionamento entre terapeuta e paciente e o aconselhamento. O profissional que utiliza a psicoterapia auxilia o paciente a identificar, entender e dar sentido aos seus conflitos, além de modificar distorções do paciente sobre sua percepção em pensamento acerca de si e do seu meio, buscando ainda a melhoria das relações interpessoais (MELLO, 2004 apud TAVARES, 2019, p. 107). A psicoterapia pode ser utilizada isoladamente ou conjugada com a terapia medicamentosa e não somente pessoas com transtornos mentais podem se submeter a ela. Qualquer indivíduo que necessite de aconselhamentos ou encontrar respostas interiores para seus problemas pode recorrer ao uso das psicoterapias. Existem, atualmente, diferentes métodos de se trabalhar com psicoterapia, sendo elas: Psicanálise: a psicanálise, desenvolvida por Sigmund Freud, no início do século XX, é a forma mais antiga de psicoterapia. Seu propósito baseia-se em compreender que o passado do indivíduo é capaz de afetar o seu presente, o que pode ajudá-lo a se adaptar ou desenvolver novas formas de lidar com suas relações. Psicoterapia de manutenção: essa modalidade visa a estabelecer relação empática entre o indivíduo e o terapeuta. Esse vínculo é capaz de induzir a expressão de vivências e sentimentos que serão trabalhados pelo terapeuta de modo que este ofereça suporte na solução de problemas. Psicodinâmica: na psicodinâmica, o foco é a identificação de padrões e conflitos inconscientes de pensamentos, comportamentos e sentimentos capazes de criar padrões característicos de dificuldades interpessoais. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 70 Terapia cognitiva-comportamental: baseia-se no momento presente e é utilizada para tratar diversos transtornos e comportamentos. Tem como objetivo identificar alteração emocional e comportamental consolidada. Para tanto, o terapeuta tende a modificar pensamentos e temas de significados do paciente. Isso poderá ser obtido por meio da sensibilização do paciente de como seu comportamento é capaz se afetar sua vida. Terapia interpessoal: o objetivo da terapia interpessoal é melhorar a qualidade dos relacionamentos de indivíduos que sofrem com depressão por meio da investigação de sofrimentos ou conflitos não resolvidos. Nesse método, o profissional auxilia o indivíduo a superar esses problemas e melhorar o seu comportamento nas relações interpessoais. (TAVARES, 2019, 107-108) Tópico 5: O enfermeiro na prevenção dos transtornos mentais em indivíduos adultos O cuidado de enfermagem nos transtornos mentais em indivíduos adultos, em sua essência, não difere dos cuidados dispensados a crianças e adolescentes, no entanto, a forma de abordá-los, tanto na prevenção quanto nos momentos em que a doença já está instalada, é preponderante para o desenvolvimento do processo de cuidado (TAVARES, 2019, p. 122). Segundo o autor, por apresentar múltiplas causas relacionadas ao comportamento e à condição humana, um dos principais problemas na prevenção dos transtornos mentais é a identificação dos fatores relacionados, portanto, os profissionais de saúde, incluindo os enfermeiros, devem se esforçar na identificação da presença de fatores de risco/vulnerabilidade que apontam a presença de predisposição para os transtornos mentais, bem como controlar aqueles capazes de desencadear crises (TAVARES, 2019, p. 122-123). A identificação e o controle dos “gatilhos” capazes de desencadear situações de crise é um papel importante que o enfermeiro pode desempenhar, independentemente do nível de atenção à saúde (TAVARES, 2019, p. 124). Ainda que seja complexa e dificultosa a prevenção dos transtornos mentais, em razão da diversidade de fatores relacionados à sua ocorrência, o enfermeiro deve trabalhar em prol da promoção da saúde, visando ao estabelecimento de práticas capazes de promover a saúde mental (TAVARES, p. 125). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 71 TEMA DA AULA: FUNDAMENTOS DE MENSURAÇÃO EM SAÚDE MENTAL FONTE BIBLIOGRÁFICA CARDOSO, Lucilene; DONATO, Edilaine C. Silva Gherardi; ZANETTI, Ana Carolina Guidorizzi. Avaliação do Estado Saúde Mental I. In: FONSECA, Luciana Mara Monti; RODRIGUES, Rosalina Aparecida Partezani; MISHIMA, Silvana Martins (org.). Aprender para cuidar em enfermagem: situações específicas de aprendizagem. Ribeirão Preto: Escola Enfermagem Ribeirão Preto/USP, 2015. p. 21-26. Disponível em: http://www.eerp.usp.br/ebooks/aprenderparacuidar/pdf/Apren derparacuidaremenfermagemsituacoesespecificasdeaprendizage m.pdf. Acesso em: 05 abr. 2020. ERTHAL, Tereza Cristina. Manual de psicometria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. 68 p. GORENSTEIN, Clarice; WANG, Yuan-pang. Fundamentos de Mensuração em Saúde Mental. In: GORENSTEIN, Clarice; WANG, Yuan-pang; HUNGERBÜHLER, Ines (org.). Instrumentos de avaliação em saúde mental. Porto Alegre: Artmed, 2016. Cap. 1. p. 30-111. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788582712 863/cfi/6/18!/4/4/2/2@0:0. Acesso em: 04 abr. 2020. HAUCKFILHO, Nelson; ZANON, Cristian. Questões básicas sobre mensuração. In: HUTZ, Claudio Simon; BANDEIRA, Denise Ruschel; TRENTINI, Clarissa Marceli (org.). Psicometria. Porto Alegre: Artmed, 2015. Cap. 2. p. 22-40. 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Essas questões têm ocupado gerações de pesquisadores, o que produziu um número de elaboradas tentativas de resposta (HAUCK FILHO; ZANON, 2015, p. 22). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 72 Existem características importantes quanto ao processo de medir. Em primeiro lugar, ele implica sempre um resultado numérico e não frases descritivas. Assim, diz-se que o processo de mensuração é sempre quantitativo. Em segundo lugar, apresenta-se em unidade relativamente constantes em busca da uniformidade. E, em terceiro lugar e, especificamente no caso da psicologia, a medida é relativa por não dispor de um ponto zero absoluto, necessitando exprimir resultados em função de algum tipo de outro quadro de referência (p. 18- 19) A mensuração em psicologia, o que se mede é uma variável psicológica definida como uma característica que cada indivíduo possui em diferentes níveis. Não se trata sempre de algo observável e sim, em construções teóricas baseadas em hipóteses (ERTHAL, 1987, p. 19) Os fundamentos de mensuração em Saúde Mental têm por objetivo discutir os fundamentos teóricos e metodológicos da mensuração em transtornos mentais. Introduz os temas validade e confiabilidade e as abordagens estatísticas para sua avaliação (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 36). A teoria e o modelo de elaboração de instrumental psicológico baseiam-se em três polos: procedimentos teóricos, empíricos (experimentais) e analíticos (estatísticos): O polo teórico enfoca o construto ou objeto psicológico para o qual se quer desenvolver um instrumento de medida, bem como sua operacionalização em itens. Esse polo utiliza a teoria do traço latente para explicitar os tipos e as categorias de comportamentos que representam o mesmo traço. O polo empírico, ou experimental, define as etapas e as técnicas de aplicação do instrumento-piloto e da coleta válida de informação para proceder à avaliação psicométrica do instrumento. O polo analítico estabelece os procedimentos de análises estatísticas a serem efetuadas sobre os dados para obter um instrumento válido, preciso e normatizado (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 36). Tópico 2: O que são instrumentos de avaliação? A avaliação psicológica é um processo, geralmente complexo, que tem por objetivo produzir hipóteses, ou diagnóstico, sobre uma pessoa ou um grupo. Essas hipóteses ou diagnósticos podem ser sobre o funcionamento intelectual, sobre as características da personalidade, sobre a aptidão para desempenhar uma ou um conjunto de tarefas, entre outras possibilidades. Às vezes, a expressão testagem psicológica é usada como sinônimo de avaliação psicológica (HUTZ, 2015, p. 10). É importante mencionar que a avaliação psicológica tem uma longa história na psicologia, sendo uma de suas áreas mais antigas (Anastasi & Urbina, 2000; Primi, 2010). Testagens em larga escala começaram a ser usadas na China, há mais Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 73 de 2.200 anos, durante a dinastia Han (206 a.C.), quando se iniciou um sistema imperial de seleção (Bowman, 1989), mas foi efetivamente no fim do século XIX, na França, que a testagem psicológica moderna começou (HUTZ, 2015, p. 10). Segundo Hutz (2015) no Brasil, a história da avaliação psicológica se confunde com a própria história da psicologia. Desde o início do século XX, tínhamos laboratórios desenvolvendo pesquisas nessas áreas. O primeiro laboratório foi fundado em 1907 e, em 1924, Medeiros Costa publicou o primeiro livro sobre testes psicológicos no país (GOMES, 2009; HUTZ; BANDEIRA, 2003 apud HUTZ, 2015, p.10). A descoberta dos psicofármacos, na década de 1960, impulsionou a elaboração e a aplicação de instrumentos de avaliação. A psicometria – um ramo especializado da psicologia que se dedica ao estudo e elaboração dos testes de avaliação psicológica - como ciência remonta ao fim do século XIX, com vários estudos experimentais em psicologia (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 30). No entanto, foi a necessidade de mensurar a eficácia dos medicamentos que se deu o desenvolvimento de instrumentos capazes de detectar mudanças na sintomatologia em função da intervenção terapêutica e de uma metodologia específica para selecionar pacientes (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 30). Em ambientes clínicos, a Psicometria tem atuado para o desenvolvimento de testes que avaliam problemas de ordem comportamental, desajustamento e reabilitação. Há também indicadores psicométricos que expõe a eficácia de um determinado tratamento, a identificação do funcionamento cognitivo, psicológico e adaptativo de um sujeito, além de medidas que buscam ter acesso ao estresse, fatores de risco ou mesmo a satisfação com a vida de um sujeito. Tópico 3: Tipos de instrumentos de avaliação A avaliação é a atribuição de qualidade aos valores numéricos obtidos através da medida, envolve sempre um julgamento de valor. A avalição de indivíduos sem a utilização de técnicas e instrumentos adequados é praticamente impossível quando se pretende avaliar seu comportamento em sua globalidade, ou seja, em seus domínios cognitivo, afetivo e psicomotor (ERTHAL, 1987, p. 34). Por técnicas de avaliação entende-se o método de se obterem as informações desejadas. O instrumento de avaliação é o recurso usado para esse fim. Ambos devem ser escolhidos cuidadosamente, levando-se em conta cada caso e cada situação (ERTHAL, 1987, p. 34). “Escalas”, “testes”, “entrevistas” e “instrumentos” de avaliação são termos presentes há um bom tempo no vocabulário de clínicos e pesquisadores brasileiros de diversas áreas (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 30). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 74 O que é um teste psicológico? É um instrumento que avalia (mede ou faz uma estimativa) construtos (também chamados de variáveis latentes) que não podem ser observados diretamente. Exemplos desses construtos seriam altruísmo, inteligência, extroversão, otimismo, ansiedade, entre muitos outros. Se conhecemos bem uma pessoa, ou se observarmos o comportamento dela por um longo período, podemos afirmar que, na nossa opinião, ela é (ou não) altruísta, ansiosa, otimista, e assim por diante. O psicólogo, contudo, não tem essa informação da convivência pessoal e, na verdade, precisa de dados mais precisos do que os gerados pela convivência (HUTZ, 2015, p. 11). Testes são fundamentais no processo de avaliação psicológica. São instrumentos objetivos que oferecem informações preciosas sobre indivíduos. Entretanto, eles devem ser usados de forma adequada. Normalmente, não se deve produzir um diagnóstico com base apenas no resultado de um teste ou mesmo nos resultados de uma bateria (conjunto) de testes. É precisocontextualizar a informação que obtemos dos testes (HUTZ, 2015, p. 14). Uma entrevista pode ser feita com diferentes finalidades e com vários objetivos. É um procedimento complexo que requer treinamento especializado. Entrevistas podem ser estruturadas, semiestruturadas ou informais (não estruturadas). As primeiras seguem um roteiro muito preciso; entrevistas semiestruturadas, como o nome diz, também têm um roteiro e um conjunto básico de questões, mas o entrevistador não fica totalmente preso a esse roteiro e, em função das respostas, pode conduzir a entrevista para outros rumos e explorar com mais profundidade informações que o entrevistado traz; entrevistas informais, ou não estruturadas, não têm um roteiro preestabelecido, embora o entrevistador geralmente tenha algumas questões que deseje explorar. Ele ouve o entrevistado e, em função do conteúdo de sua fala, faz perguntas ou observações (HUTZ, 2015, p. 14). Em relação as escalas, em primeiro lugar, é preciso ter em mente que uma escala de avaliação em saúde mental é um instrumento padronizado composto por um conjunto de itens que permite quantificar características psíquicas, psicológicas ou comportamentais que nem sempre são observáveis. Determinar a presença de um sintoma passa, necessariamente, pela subjetividade do paciente e/ou do avaliador (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 30). O uso sistemático de escalas padronizadas pode auxiliar no rastreamento dos indivíduos que necessitam de tratamento, acompanhamento ou intervenção. Além de complementar o diagnóstico clínico, uma escala serve para avaliar as características clínicas de uma determinada doença, documentar a gravidade e o nível necessário de cuidado (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 30). Quando os sintomas são quantificados e acoplados de acordo com um sistema de consenso (p. ex., o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 75 mentais – DSM ou a Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde – CID), há melhora na consistência das avaliações, seja ao longo do tempo, seja entre os examinadores. A uniformização da linguagem é fundamental para melhorar a comunicação entre profissionais e pacientes (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 30). Tópico 4: Avaliação do Estado Mental Em saúde mental, é prática comum o uso de entrevistas semiestruturadas, como é o caso da família da Entrevista Clínica Estruturada para Transtornos dos Eixos I e II do DSM (SCID). Em outros casos, são usadas para compreensão do funcionamento do indivíduo ou mesmo de grupos de indivíduos, como é o caso da Entrevista Familiar Estruturada (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 57). O nível de estruturação dos instrumentos é determinado por sua natureza (mais ou menos flexível); os instrumentos menos estruturados se referem àqueles cujos estímulos são prioritariamente não estruturados, ambíguos. Um exemplo é o Teste de Rorschach, ferramenta de avaliação composta por 10 pranchas em que uma mancha de tinta é apresentada em cada prancha (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 57). Figura 6: Teste de Rorschach As manchas de tinta são borrões monocromáticos ou cromáticos nos quais, de fato, não há um contorno estruturado o suficiente para determinar uma resposta possível ou correta. Por isso, o Teste de Rorschach é um dos instrumentos de avaliação expressiva ou projetiva que está disponível para o profissional em saúde mental (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 57). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 76 O levantamento de informações é realizado com base nos conteúdos expressos ou comunicados pelo avaliado ante os estímulos (manchas) desestruturados das pranchas. Assume-se que o modo como o avaliado estrutura esses estímulos, que é verificado por suas respostas, é determinado por seu funcionamento menta (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 57). Diferentemente, os instrumentos estruturados de avaliação referem-se aos testes denominados de autorrelato. Essas ferramentas são caracterizadas pela autoaplicação, ou seja, em geral, o avaliado tem todas as informações necessárias para responder ao teste nas próprias instruções apresentadas em uma folha inicial. Além disso, há sempre um número limitado de respostas possíveis que o avaliado pode atribuir a cada questão. Basicamente, alguns testes de autorrelato utilizam escalas de graduação como formato de resposta, largamente nomeadas de escalas tipo Likert, que variam entre três categorias de resposta (p. ex., “nunca”, “às vezes” e “sempre”) até um número maior de categorias, como 7 ou 10 (GORENSTEIN; WANG, 2016, p. 58). O exame do estado mental é a pesquisa sistemática de sinais e sintomas de alterações do funcionamento mental, durante a entrevista psiquiátrica. As informações são obtidas através da observação direta da aparência do paciente, da anamnese, bem como do relato de familiares e outros informantes como atendentes, amigos, colegas ou até mesmo outros grupos sociais (CARDOSO; DONATO; ZANETTI, 2015). Para a enfermagem, é uma avaliação que visa o estabelecimento de diagnósticos para o planejamento terapêutico para o melhor prognóstico possível ao cliente. Devendo ser avaliado considerando-se dois eixos: - EIXO LONGITUDINAL: dados referentes à biografia do paciente e histórico da doença atual. - EIXO TRANSVERSAL: avaliação do estado mental, relacionado ao estado mental do paciente no momento do exame (CARDOSO; DONATO; ZANETTI, 2015). A avaliação do estado mental pode ser dividida em três momentos essenciais, conforme apresentado a seguir: a) Comunicação e Relacionamento interpessoal (utilização de técnicas subjetivas para o estabelecimento de confiança, vínculo e relacionamento terapêutico); b) Observação (aparência, postura, higiene, vestimentas, comportamento, interação); c) Exame das funções mentais (utilização de técnicas objetivas para avaliação das funções mentais dos clientes). (CARDOSO; DONATO; ZANETTI, 2015) Comunicação e Relacionamento interpessoal - Esta é uma fase que utilizara técnicas subjetivas de interação para que se estabeleça uma efetiva comunicação entre profissional e cliente, que esteja embasada na empatia e escuta Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 77 terapêutica facilitando assim o estabelecimento de vínculo e confiança. Trata-se de fase essencial, pois sem ela o profissional não era capaz de obter dados subjetivos do cliente, muito menos, avaliar com precisão as funções mentais e intervir terapeuticamente no cuidado em saúde mental. Para estabelecer a comunicação e o relacionamento interpessoal o profissional de enfermagem: Figura 7: Conduta do profissional de enfermagem diante a fase de comunicação e relacionamento interpessoal Fonte: (CARDOSO; DONATO; ZANETTI, 2015, p. 24) Figura 8: fase importante para coleta de dados sobre a história do adoecimento, antecedentes familiares e dados. Fonte: (CARDOSO; DONATO; ZANETTI, 2015, p. 24) B) Observação - A observação é uma habilidade muito importante no cuidado em saúde mental, por meio dela é possível obter indícios acerca das melhores estratégias para o estabelecimento da efetiva comunicação e relacionamento interpessoal, mas também possibilita aferir dados objetivos acerca da aparência, postura, higiene, vestimentas, comportamento, interação do cliente com o meio no Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 78 qual está inserido. É importante ressaltar que esta habilidade é exercida continuamente por todo o período de trabalho, no qual o profissional de enfermagem deverá estar sempre à disposição para assistir seu cliente em suas demandas (CARDOSO; DONATO; ZANETTI, 2015, p. 25). C) Exame das funções mentais (utilização de técnicas objetivas para avaliação das funções mentais dos clientes)- Este exame das funções mentais se dará por meiode uma entrevista, em consulta de enfermagem e a comunicação é essencial para criar um vínculo entre o enfermeiro e a pessoa. As funções mentais não podem ser avaliadas diretamente, para sua efetiva aferição é necessário que enfermeiro articule as habilidades de comunicação e observação com seus conhecimentos técnicos para estimular o cliente a demonstrar o que sente e pensa, avaliando-se continuamente também o comportamento do cliente durante esta interação. Para tanto o enfermeiro deverá utilizar a comunicação, a escuta terapêutica, o relacionamento interpessoal e de sua habilidade para interagir com a pessoa, identificando se está em sofrimento mental, a sua história clínica, antecedentes familiares. Todas as pessoas são seres biopsicossociais e para compreendê-las deve ser considerado também todo o contexto evolutivo e sócio cultural que a cerca (CARDOSO; DONATO; ZANETTI, 2015, p. 25). Para o completo exame clínico das funções mentais podem ser avaliadas considerando três partes: ✦AVALIAÇÃO DA APARÊNCIA GERAL ✦AVALIAÇÃO COGNITIVO COMPORTAMENTAL** ✦AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM, PENSAMENTO E SENSOPERCEPÇÃO **Mini Exame do Estado Mental (MEEM) • É o teste mais utilizado para avaliar a função cognitiva por ser rápido (em torno de 10 minutos), de fácil aplicação. • Domínios (orientação espacial, temporal, memória imediata e de evocação, cálculo, linguagem-nomeação, repetição, compreensão, escrita e cópia de desenho). • Não serve como teste diagnóstico, mas sim pra indicar funções que precisam ser investigadas. • É um dos poucos testes validados e adaptados para a população brasileira. Questionamentos • O que está mais fácil nesta internação? • O que está mais difícil nesta internação? • Como está lidando com as dificuldades? • Principal necessidade para estar melhor: Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 79 • Se o seu amigo/parente lhe perguntar o que foi que o Sr./Sra. veio fazer no Hospital, como o Sr./Sra. vai lhe explicar? (adequada, limitada ou inadequada). (CARDOSO; DONATO; ZANETTI, 2015, p. 26). TEMA DA AULA: FUNDAMENTOS TEÓRICOS SOBRE ANÁLISE E MUDANÇA DE COMPORTAMENTO FONTE BIBLIOGRÁFICA KNAPP, Paulo; BECK, Aaron T. Fundamentos, modelos conceituais, aplicações e pesquisa da terapia cognitiva. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 30, n. 2, p. S54-S64, out. 2008. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1516- 44462008000600002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbp/v30s2/a02v30s2.pdf. Acesso em: 05 abr. 2020. Tópico 1: Terapia cognitivo-comportamental na Saúde Mental Análise do comportamento está enraizada na tradição behaviorista e utiliza princípios de aprendizagem para fazer mudança de comportamento. Alguns ramos da psicologia se esforçam para entender cognições subjacentes, mas a psicologia comportamental não está preocupada com as causas mentalistas de comportamento, e sim se concentra no próprio comportamento. De acordo com Skinner (2003) a abordagem comportamental prioriza na terapia, a alteração de fatores ambientais e sociais (contingências), possibilitando ao indivíduo discriminar os estímulos no meio, que contribuem para manutenção de seus comportamentos e dessa forma possibilitar ao indivíduo maior autocontrole diante de seus comportamentos indesejáveis. Prioriza o uso de experimentos para verificar como ocorre o comportamento e como ele é mantido e formular conceitos como esquemas de reforçamento, punição, extinção, generalização de estímulos, equivalências de estímulos, controle de estímulos entre tantos outros. Na terapia comportamental, pensamentos e sentimentos são considerados comportamentos, diferentes apenas pela forma como se pode ter acesso a eles, pois este se dá por meio do relato verbal daquele que pensa e sente, ou seja, pensamentos e sentimentos, também, são levados em consideração, analisados e passíveis das intervenções do terapeuta. A psicoterapia cognitivo-comportamental foi desenvolvida por Aaron T. Beck em 1960, usando a análise consciente dos processos cognitivos, como os pensamentos automáticos, os pensamentos intermediários, as crenças e esquemas, além das emoções e estratégias comportamentais do indivíduo para produzir uma melhora na qualidade de vida, objetivando uma dinâmica funcional, priorizando a Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 80 saúde mental e a estabilidade emocional além do desenvolvimento das qualidades e potenciais do sujeito. Trata-se de uma psicoterapia que se tornou a mais pesquisada e com a maior quantidade de evidências científicas, construída empiricamente, garantindo assim, sua cientificidade e credibilidade. Podendo ser comparada a eficácia da terapia cognitivo-comportamental (TCC) com a eficácia da intervenção medicamentosa, sendo preferida a TCC como forma de tratamento pela maioria dos pacientes. TCC utiliza a linguagem verbal como forma de promover ressignificações no paciente, além de novas aprendizagens, porém, é necessário que seu conteúdo se torne acessível para que essas aquisições sejam possíveis. Trazendo resultados significativos em uma quantidade reduzida de tempo, facilitando desde mudanças comportamentais que visam o favorecer o tratamento de uma outra doença, ou até mesmo as alterações nos pensamentos e crenças para promover a qualidade de vida na saúde mental e fisiológica (KNAPP; BECK, 20018, p. S55). A pesquisa e a prática clínica mostraram que a TC é efetiva na redução de sintomas e taxas de recorrência, com ou sem medicação, em uma ampla variedade de transtornos psiquiátricos. Beck aplicou sistematicamente o conjunto de princípios teóricos e terapêuticos da TC a uma série de transtornos, começando por depressão, suicídio, transtornos de ansiedade e fobias, síndrome do pânico, transtornos da personalidade e abuso de substâncias (KNAPP; BECK, 20018, p. S55). Problemas interpessoais e raiva, hostilidade e violência também foram estudados. Além disso, trabalhos mais recentes usando esta abordagem mostraram um efeito adicional sobre o tratamento medicamentoso de doenças psiquiátricas graves, como esquizofrenia e transtorno bipolar. Adaptações em andamento de protocolos cognitivo-comportamentais para uma gama cada vez maior de transtornos médicos e psicológicos foram testados para dor crônica, relação conjugal conflituosa, transtornos somáticos na infância, bem como para bulimia e problemas de comer compulsivo (KNAPP; BECK, 20018, p. S55). O princípio fundamental da TC é que a maneira como os indivíduos percebem e processam a realidade influenciará a maneira como eles se sentem e se comportam. Desta forma, o objetivo terapêutico da TC, desde seus primórdios, tem sido reestruturar e corrigir esses pensamentos distorcidos e colaborativamente desenvolver soluções pragmáticas para produzir mudança e melhorar transtornos emocionais (KNAPP; BECK, 20018, p. S57). Uma hipótese essencial do modelo cognitivo tem sido a noção de que certas crenças constituem uma vulnerabilidade a distúrbios emocionais (modelo diátese- estresse). Por exemplo, se um indivíduo apresenta uma vulnerabilidade cognitiva a Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 81 temas de perda e fracasso, as conseqüências emocionais e comportamentais incluirão tristeza, um senso de desesperança e isolamento social, conforme encontrado na depressão (KNAPP; BECK, 20018, p. S58). Cada transtorno de personalidade também é caracterizado por um conjunto específico pessoal de conteúdos cognitivos disfuncionais, tais como deficiência, abandono, dependência ou necessidade de tratamento especial, que constituem a vulnerabilidade cognitiva do indivíduo. Quando ativados por eventos externos, drogas ou fatores endócrinos, esses esquemas tendem a causar um viés no processamento de informações e produzem o conteúdo cognitivo típico de um determinado transtorno,com sua própria constelação cognitiva e conjunto idiossincrático de crenças. Um breve resumo de perfis cognitivos em psicopatologia pode ser encontrado na Figura 9 (KNAPP; BECK, 20018, p. S58). Figura 9: Perfil cognitivo de alguns transtornos psiquiátricos Fonte: (KNAPP; BECK, 20018, p. S58).e por que sentiram ou agiram de determinada maneira pode ser ilusório- não porque o senso comum esteja em geral errado, mas porque descreve o que já aconteceu com mais facilidade do que está por vir (MYERS; DEWALL, 2019, p.18). CONFIANÇA EXCESSIVA Nós humanos tendemos a achar que sabemos mais do que de fato sabemos. Questionados quanto a certeza de nossas respostas a perguntas factuais (Boston fica a norte ou sul de Paris?), tendemos a mostrar mais confiança do que precisão (MYERS; DEWALL, 2019, p.18). O PENSAMENTO CRÍTICO A atitude científica nos prepara para pensar de maneira mais inteligente. O pensamento inteligente, chamado de pensamento crítico, examina suposições, avalia fontes, identifica valores ocultos, avalia evidências e pondera conclusões. Seja lendo comentários online, seja ouvindo uma conversa, os pensadores críticos fazem perguntas: Como sabem disso? Quais são os interesses dessa pessoa nessa Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 10 questão? Essa conclusão se baseia em lugares comuns e palpites, ou em evidências? As evidências, neste caso, justifica que se chegue a uma conclusão em termos de uma relação casual? Que outras explicações são possíveis? (MYERS; DEWALL, 2019, p.20). O pensamento crítico, baseado na ciência ajuda a limpar as lentes de nossa tendenciosidade (MYERS; DEWALL, 2019, p.20). Segundo Shafir (2013), citado por Myers e Dewall (2019, p.20) a ciência psicológica também pode identificar políticas eficazes. Para reduzir a criminalidade, devemos investir recursos na ampliação das sentenças ou em maior probabilidade de punição? Para ajudar alguém a se recuperar de um trauma, o profissional que acompanha a pessoa deve estimulá-la a reviver esse trauma ou não? Para aumentar o comparecimento dos eleitores nas votações, deve-se procurar conscientizá-los do problema da baixa participação do eleitorado, ou enfatizar que seus pares votam? Ao submeter essas questões ao escrutínio do pensamento crítico – e contrariando o senso comum – é a segunda opção que vence em cada uma delas. ESTRATÉGIAS DE PESQUISA: COMO OS PSICÓLOGOS FORMULAM PERGUNTAS E RESPOSTAS A ATITUDE CIENTÍFICA DOS PSICÓLOGOS É complementada pelo método científico – um processo autoajustável de avaliação de ideias mediante observação e análise. Em seu esforço para descrever e explicar a natureza humana, a ciência psicológica acolhe intuições e teorias que soem plausíveis – e as submete a testes. Se uma teoria funciona – se os dados apoiam as previsões –, tanto melhor para a teoria. Se as previsões fracassam, a teoria será reavaliada ou rejeitada (MYERS E DEWALL, 2019, P.20). ✓ Teoria - uma explicação que usa um conjunto integrado de princípios que organiza observações e prediz comportamentos ou eventos. ✓ Hipótese - uma previsão verificável, em geral decorrente de uma teoria. ✓ Definição operacional - uma descrição minuciosa dos procedimentos exatos (operações) utilizados em uma pesquisa. Por exemplo, a inteligência humana pode ser definida operacionalmente como a pontuação em um teste de inteligência. ✓ Replicação - repetição da essência de uma pesquisa, normalmente com participantes diferentes e em situações distintas, para ver se a descoberta básica se aplica a outros participantes e circunstâncias (MYERS; DEWALL, 2019, p.20). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 11 O MÉTODO CIENTÍFICO COMO AS TEORIAS PROMOVEM O AVANÇO DA CIÊNCIA PSICOLÓGICA? No dia a dia, tendemos a usar o termo teoria como o equivalente a um “mero palpite”. Pode-se, por exemplo, menosprezar a evolução como “só uma teoria” – como se não passasse de especulação pura e simples. Na ciência, uma teoria explica comportamentos ou acontecimentos apresentando ideias que organizam aquilo que observamos, e prevê comportamentos e eventos. Ao organizar fatos isolados, uma teoria simplifica a realidade. Ao unir os fatos a princípios mais profundos, uma teoria oferece um resumo útil. Quando ligamos os pontos observados, vai emergindo uma imagem coerente (MYERS; DEWALL, 2019, p.23). Ainda segundo os autos citados anteriormente, uma teoria sobre os efeitos do sono sobre a memória, por exemplo, ajuda-nos a organizar um sem-número de observações acerca do sono em uma lista sucinta de princípios. Digamos que observamos repetidamente que pessoas com bons hábitos de sono tendem a responder corretamente perguntas em sala de aula, e se saem bem nas provas. Podemos então teorizar que dormir ajuda a memorizar. Até aqui, tudo bem. Chegamos a um princípio que resume bem uma lista de fatos sobre os efeitos de uma boa noite de sono sobre a memória (MYERS; DEWALL, 2019, p.23). Porém, por mais razoável que uma teoria possa parecer – e parece razoável supor que dormir favorece a memorização –, devemos pô-la à prova. Uma boa teoria produz previsões verificáveis, chamadas de hipóteses. Tais previsões especificam que resultados (comportamentos ou acontecimentos) dariam sustentação à teoria e que resultados a refutariam. Para averiguar nossa teoria acerca dos efeitos do sono sobre a memória, nossa hipótese poderia ser que, quando privadas de sono, as pessoas vão se lembrar menos do ocorrido na véspera (MYERS; DEWALL, 2019, p.23). A fim de testar tal hipótese, poderíamos avaliar quanto as pessoas lembram de um conteúdo didático estudado antes de uma boa noite de sono, ou antes de uma noite de sono mais curta. Os resultados vão confirmar nossa teoria ou levar- nos a revisá-la ou rejeitá-la (MYERS; DEWALL, 2019, p.23). Nossas teorias podem impor um viés à nossa observação. Tendo teorizado que uma melhor memorização será consequência de mais horas de sono, podemos acabar vendo aquilo que esperamos – perceber os comentários de pessoas sonolentas como menos perspicazes, por exemplo. A ânsia de enxergar aquilo que corresponde às nossas expectativas é uma tentação sempre presente, dentro e fora do laboratório (MYERS; DEWALL, 2019, p.23). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 12 De acordo com o Comitê Bipartidário de Inteligência do Senado dos Estados Unidos (2004), as expectativas preconcebidas de que o Iraque possuía armas de destruição em massa levaram os analistas de inteligência a interpretar observações ambíguas de maneira a confirmar essa teoria (de modo análogo a como as opiniões das pessoas acerca da mudança climática podem influenciar sua interpretação de eventos climáticos locais). Tal conclusão, direcionada por essa teoria específica, resultou na invasão preventiva do Iraque pelos Estados Unidos (MYERS; DEWALL, 2019, p.23). Afim de compensar uma eventual tendenciosidade, os psicólogos relatam suas pesquisas com definições operacionais precisas de procedimentos e conceitos. Privação de sono, por exemplo, pode ser definida como “X horas a menos” que o número natural de horas de sono da pessoa. Esse cuidado na formulação dos enunciados permite a outros replica (repetir) as observações originais com participantes, materiais e circunstâncias diferentes. Se alcançarem resultados similares, aumenta a certeza da confiabilidade das conclusões (MYERS; DEWALL, 2019, p.23). O primeiro estudo sobre viés retrospectivo despertou a curiosidade dos psicólogos. Agora, depois de muitas replicações bem-sucedidas com pessoas e perguntas diferentes, estamos convencidos da força desse fenômeno (MYERS; DEWALL, 2019, p.23). No fim das contas, nossa teoria será útil se: (1) organizar uma série de observações e autorrelatos; (2) implicar predições que qualquer um possa usar para pôr a teoria à prova ou para gerar aplicações práticas (O número de horas de sono das pessoas prevê sua memorização?) (3) estimular novas pesquisas que resultem em uma teoria revisada, capaz de organizar e predizer nosso conhecimento (MYERS; DEWALL, 2019, p.23). TEMA DA AULA: Principais concepções teóricas do século XX.FONTE BIBLIOGRÁFICA BRASIL. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da área de Enfermagem. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. (org.). Profissionalização de auxiliares de enfermagem: cadernos do aluno: instrumentalizando a ação profissional I. 2. ed.[reimpr.] Brasília / Rio de Janeiro: Ministério da Saúde / Fiocruz, 2003. 164 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/profae/pae_cad1.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. FELDMAN, Robert S. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788580554892/cfi/5 2!/4/4@0.00:23.8. Acesso em: 26 dez. 2019. MYERS, David G.; DEWALL, Nathan C. Psicologia. tradução Cristiana de Assis Serra, Luiz Cláudio Queiroz de Faria. - 11. ed. - [Reimpr.]. - Rio de Janeiro: LTC, 2019. Disponível em: Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 13 TEMA DA AULA: Principais concepções teóricas do século XX. https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788521634614/cfi/6/ 28!/4/18/2@0:56.4. Acesso em: 26 dez. 2019. OLIVEIRA, Dalton. Psicologia Jurídica: a importância do estudo da psicologia jurídica. : A importância do estudo da Psicologia Jurídica. In: GONZAGA, Alvaro de Azevedo; ROQUE, Nathaly Campitelli (org.). Formação humanística para concursos. 5. ed. Rio de Janeiro / São Paulo: Forense / MÉTODO, 2020. Cap. 6. p. 323-340. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530988371/cfi/6/ 10!/4/12/4@0:100. Acesso em: 02 abr. 2020. PARIZI, Vicente Galvão. Psicologia transpessoal: algumas notas sobre sua história, crítica e perspectivas. Psic. Rev. São Paulo, n. 14(1): 109-128, maio 2005. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/psicorevista/article/viewFile/18098/13454. Acesso em: 29 set. 2020. Tópico 1: Psicologia social, Psicanálise, behaviorismo, transpessoal, humanismo e Gestalt PSICOLOGIA SOCIAL Dirk Willems encarou um momento de decisão em 1569. Ameaçado de tortura e morte como um membro de uma minoria religiosa perseguida, ele escapou da prisão em Asperen, Holanda, e atravessou um lago coberto de gelo. Seu carcereiro, mais forte e pesado, perseguiu-o, mas quebrou o gelo e caiu; sem conseguir subir novamente, pediu ajuda (MYERS; DEWALL, 2019, p.419). Com a liberdade à sua frente, Willems agiu com absoluto desprendimento, voltando e resgatando seu perseguidor que, obedecendo a ordens, levou-o de volta ao cativeiro. Poucas semanas mais tarde Willems foi condenado a ser “queimado até a morte”. Por seu martírio, a Asperen dos dias de hoje batizou uma rua em homenagem ao seu herói popular (MYERS; DEWALL, 2019, p.419). O que leva as pessoas a sentirem desprezo pelas minorias religiosas, como aconteceu com Dirk Willems, e a agirem tão rancorosamente? O que inspira as pessoas, como o seu carcereiro, a executar ordens injustas? E o que motivou o desprendimento da resposta de Willems e de tantos outros que morreram tentando salvar outras pessoas? Na realidade, o que motiva qualquer um de nós quando nos oferecemos bondosa e generosamente para ajudar as outras pessoas? (MYERS; DEWALL, 2019, p.419). Como esses exemplos demonstram, somos animais sociais. Podemos supor o melhor ou o pior nas outras pessoas. Podemos abordá-las com punhos cerrados ou braços abertos. Como comentou o romancista Herman Melville, “Não conseguimos viver apenas para nós mesmos. Nossa vida está ligada por milhares de fios invisíveis”. Os psicólogos sociais exploram essas ligações estudando cientificamente como pensamos, influenciamos e nos relacionamos uns com os outros (MYERS; DEWALL, 2019, p.419). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 14 PENSAMENTO SOCIAL O que os psicólogos sociais estudam? Como tendemos a explicar o comportamento das outras pessoas e o nosso próprio comportamento? OS PSICÓLOGOS DA PERSONALIDADE focam na pessoa. Eles estudam os traços pessoais e a dinâmica que explica por que pessoas diferentes podem agir de maneira diferente em uma mesma situação, como a enfrentada por Willems. (Você teria ajudado o carcereiro a sair da água congelante?) (MYERS; DEWALL, 2019, p.419). Os psicólogos sociais focam na situação. Eles estudam as influências sociais que explicam por que a mesma pessoa vai agir de maneira diferente em situações diferentes. O carcereiro poderia ter agido de maneira diferente – optando por não levar Willems de volta para a cadeia – em circunstâncias diferentes? (MYERS; DEWALL, 2019, p.419). O ERRO DE ATRIBUIÇÃO FUNDAMENTAL Nosso comportamento social surge de nossa cognição social. Especialmente quando ocorre o inesperado, queremos compreender e explicar por que as pessoas agem como agem. Após estudar como as pessoas explicam o comportamento dos outros, Fritz Heider (1958) propôs uma teoria de atribuição: podemos atribuir o comportamento aos traços estáveis, duradouros, da pessoa (uma atribuição relativa à disposição pessoal) ou podemos atribuí-lo à situação (uma atribuição situacional) (MYERS; DEWALL, 2019, p.419). QUAIS FATORES AFETAM AS NOSSAS ATRIBUIÇÕES? Todos nós cometemos o erro de atribuição fundamental. Considere: seu professor de psicologia é tímido ou extrovertido? Se você responder “extrovertido”, lembre-se de que você conhece o professor em uma situação – a sala de aula, que exige um comportamento extrovertido. Seu professor (que observa o próprio comportamento não só na sala de aula, mas com a família, em reuniões, quando está viajando) poderia dizer, “Eu, extrovertido? Tudo depende da situação. Em sala de aula ou na presença de bons amigos, sim. Sou extrovertido. Mas em reuniões profissionais sou realmente bem tímido.”. Fora de seus papéis atribuídos, os professores parecem menos professorais, os presidentes são menos presidenciais, os gestores são menos gerenciais (MYERS; DEWALL, 2019, p.419). Quando explicamos o nosso próprio comportamento, somos sensíveis a como ele muda de acordo com a situação (Idson & Mischel, 2001). (Uma exceção importante: na maioria das vezes, atribuímos as nossas ações intencionais e admiráveis não às situações, mas aos nossos próprios bons motivos [Malle, 2006; Malle et al., 2007]) (MYERS; DEWALL, 2019, p.419). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 15 Também somos sensíveis ao poder da situação quando explicamos o comportamento das pessoas que conhecemos bem e com quem estivemos em diferentes contextos. Muitas vezes cometemos o erro de atribuição fundamental quando um estranho age mal. Tendo visto apenas aquele torcedor berrando para o árbitro no calor da competição, podemos presumir que se trata de uma má pessoa. Mas, fora do estádio, ele pode ser um bom vizinho e um ótimo pai (MYERS; DEWALL, 2019, p.419). QUAIS SÃO AS CONSEQUÊNCIAS DAS NOSSAS ATRIBUIÇÕES? A maneira como explicamos as ações das outras pessoas, atribuindo-as à pessoa ou situação, pode ter efeitos importantes na vida real (Finchman & Bradbury, 1993; Fletcher et al., 1990). Uma pessoa deve decidir se atribui a amabilidade de outra pessoa a um interesse romântico ou sexual. Um parceiro deve decidir se o comentário ácido de um ente querido reflete um mau dia ou uma disposição média. Um júri deve decidir se um tiro foi malicioso ou em legítima defesa. Em um estudo, 181 juízes estaduais deram sentenças mais leves a um agressor violento no qual um cientista atestou que havia um gene que alterava áreas do cérebro relacionadas à agressividade (MYERS; DEWALL, 2019, p.420). ATITUDES E AÇÕES Como as nossas atitudes e ações interagem? Atitudes são sentimentos, muitas vezes influenciados por nossas crenças que predispõem nossas reações a objetos, pessoas e eventos. Se acreditarmos que alguém está nos ameaçando, podemos sentir medo e raiva da pessoa e agir defensivamente. O tráfego entre nossas atitudes e nossas ações é de duas vias. Nossas atitudes afetam nossas ações. E nossas açõesafetam nossas atitudes (MYERS; DEWALL, 2019, p.420). AÇÕES AFETAM ATITUDES O Fenômeno do Pé na Porta - Como você reagiria se alguém o induzisse a agir contra suas crenças? Um ingredientechave foi o uso eficaz do fenômeno do pé na porta: Os chineses sabiam que as pessoas que concordam com uma pequena exigência vão achar mais fácil cumprir uma exigência maior no futuro. Eles começaram com pedidos inofensivos, como copiar uma frase trivial, mas gradualmente aumentaram suas exigências (SCHEIN, 1956 apud MYERS; DEWALL, 2019, p.420). A próxima frase a ser copiada poderia listar as falhas do capitalismo. Depois, para ganhar privilégios, os prisioneiros participaram de discussões em grupo, escreveram autocríticas ou fizeram confissões públicas. Depois disso, eles ajustaram suas crenças para que ficassem mais coerentes com seus atos públicos (MYERS; DEWALL, 2019, p.421). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 16 O ponto é simples: para conseguir que as pessoas concordem com algo grande, comece pequeno e aumente gradualmente (CIALDINI, 1993 apud MYERS; DEWALL, 2019, p.421). Um ato trivial torna o próximo ato mais fácil. Sucumba a uma tentação e você vai achar a próxima tentação mais difícil de resistir (MYERS; DEWALL, 2019, p.421). PSICANÁLISE Teoria formulada pelo médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939), que tem como base duas contribuições primordiais: primeiro, a descoberta do inconsciente e, segundo a formulação da teoria sexual infantil (OLIVEIRA, 2020). A psicanálise se desenvolveu contemporânea às outras escolas de psicologia, porém emerge de uma vertente fora do âmbito das ciências naturais e dos experimentos acadêmicos em laboratório (OLIVEIRA, 2020). Sua principal influência tem origem na psicopatologia. A psicanálise nasce de uma oposição aos tratamentos dos distúrbios mentais da época, os quais eram precários e desumanos. A aplicação da psicanálise ao tratamento das neuroses divergia do objetivo da psicologia, o de descobrir leis do comportamento humano, uma vez que seu objeto de estudo se detinha ao comportamento anormal (OLIVEIRA, 2020). De acordo com a teoria de Freud, nada ocorre ao acaso, existe um determinismo psíquico. Há conexões entre todos os eventos mentais e as conexões entre eles estão no inconsciente. Existem processos mentais conscientes e inconscientes e a maior parte deles é absolutamente inconsciente (OLIVEIRA, 2020). O QUE SÃO OS TAIS DE ID, EGO E SUPEREGO? Sigmund Freud identificou cada uma das formas de funcionamento da estrutura psíquica com nomes que nos parecem estranhos, pois têm sua origem na língua alemã (BRASIL, 2003, p. 44). Estas três instâncias de nossa mente vivem, assim como o nosso corpo, em busca de um nível de equilíbrio que nos permita ter o máximo possível de experiências boas e o mínimo de experiências ruins. Mas, nem sempre isso é fácil. Muitas vezes nos encontramos dentro de situações das quais não gostaríamos de participar, mas não vemos outra saída. Outras vezes, ainda, nos percebemos querendo e não querendo alguma coisa ao mesmo tempo. Nessas situações se estabelecem conflitos dentro de nós (BRASIL, 2003, p. 45). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 17 Os conflitos podem ser extremamente desgastantes do ponto de vista emocional. Sempre em busca do equilíbrio, lançamos mão de “estratégias” que nos tirem pelo menos temporariamente daquela situação. A essas “respostas de proteção”, que são, em geral, inconscientes e automáticas, chamamos mecanismos de defesa. Os mecanismos de defesa não são, por eles mesmos, patológicos nem saudáveis (BRASIL, 2003, p. 45). É o uso que fazemos deles e o grau de rigidez que estabelecemos internamente para seu uso que faz com que sejam mais ou menos favoráveis ao nosso ajustamento. Por exemplo, sair para caminhar pode ser uma excelente solução quando estamos prestes a “explodir” com alguém em determinada situação, mas se só soubermos fazer isso para lidar com nossos conflitos, em breve estaremos em apuros (BRASIL, 2003, p. 45). Figura 01 – Id, Ego e Superego Fonte: Maistro (2020) Ao modo de funcionamento mais primitivo, aquele do bebê recém-nascido, onde predominam os impulsos e sensações corporais de forma mais desorganizada, Freud chamou de id. Id seria o ponto de partida de todo ser humano, a fonte básica de energia de nosso ser, que será organizada a partir de nosso contato com o ambiente (BRASIL, 2003, p. 44). O id é formado pelas energias ou pulsões inconscientes, contendo assim os impulsos inatos e biologicamente determinados. Esses desejos não reconhecem e não respeitam nenhuma norma estabelecida pela sociedade, nenhuma convenção e nenhum código moral, buscando apenas a satisfação incondicional do organismo. Nele estarão, por exemplo, os impulsos sexuais e violentos. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 18 Já o superego é regido justamente por normas e princípios éticos e religiosos da sociedade na qual o indivíduo está inserido. Diferentemente do id (que é inato), o superego é construído ao longo da infância e adolescência do indivíduo. Nele estarão os aprendizados sobre o que é certo e errado inicialmente ensinados pela família nuclear e, posteriormente, pela sociedade como um todo. O superego é uma instância parcialmente consciente e parcialmente inconsciente. Por fim, o ego, que literalmente significa “eu”, é o setor da personalidade especializado em manter contato com o ambiente que cerca o indivíduo. Ele é a porção que sofre as pressões imediatas do meio externo e executa ações destinadas a manter o convívio da pessoa com terceiros. O ego tem uma porção consciente e outra inconsciente. (CASABURI, 2019, p. 153) O ego tem três tarefas básicas: a nossa autopreservação, nosso autocontrole (não é porque sentimos atração sexual por alguém que vamos “atacar” tal pessoa) e nossa adaptação ao meio ambiente. Quando o indivíduo sofre de transtornos mentais, as funções adaptativas do ego geralmente são afetadas, especialmente nos transtornos psicóticos que se caracterizam por um vínculo precário com a realidade externa (BRASIL, 2003, p. 44). À capacidade de julgamento moral (noção de certo e errado) que passamos a adquirir com o passar da infância, Freud chamou superego. Esta seria a parte de nós mesmos que se liga aos códigos morais de nosso ambiente e de nossa espécie. Ter essa noção de certo e errado muitas vezes não chega a nos impedir de realizar determinadas ações, mas nos sinaliza que fizemos algo inadequado (BRASIL, 2003, p. 44-45). BEHAVIORISMO A palavra provém do termo em inglês behavior (comportamento). Por isso, essa teoria também é denominada de Psicologia Comportamental. Os primeiros estudos nascem com John B. Watson em 1913, nos Estados Unidos, propondo que o objeto de estudo da Psicologia fosse observável, mensurável e que pudesse ser reproduzido (OLIVEIRA, 2020, p. 332). O resultado de tal pesquisa foi a formulação da teoria S-R (Stimulus – estímulo e Responsio – resposta), que procurava explicar como a relação entre estímulo do ambiente e resposta do organismo constituía a base para descrever todo tipo de comportamento. Dessa relação estabelece-se o conceito de condicionamento respondente, o qual está associado ao comportamento respondente (OLIVEIRA, 2020, p. 332). O comportamento respondente é um comportamento involuntário provocado por estímulos ambientais. O estímulo frio provoca a resposta de arrepio e a emissão de som, quando se sente dor, são exemplos que compelem um comportamento involuntário ou reflexo. É, portanto, um estímulo incondicionado (OLIVEIRA, 2020, p. 332). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 19 O condicionamento respondente ocorre quando o estímulo eliciador de um comportamento respondente é pareado com outro estímulo, fazendocomo que a resposta passe a ser eliciada, agora, frente ao estímulo pareado (OLIVEIRA, 2020, p. 332). A salivação, por exemplo, (comportamento respondente) frente ao estímulo alimento poderia ser condicionada de forma que a salivação pudesse ser eliciada por outros estímulos diferentes do alimento, tal como um sinal luminoso, desde que juntamente com o alimento fosse apresentado tal estímulo luminoso. Dessa forma, em um momento posterior, apenas a apresentação da luz eliciaria o comportamento de salivação, sem se fazer necessária a apresentação do alimento (OLIVEIRA, 2020, p. 332). Com Skinner (1904-1990), surge o que conhecemos por behaviorismo radical, termo que designa a Ciência do Comportamento. O autor se dedica ao estudo das respostas e observa que há um outro tipo de relação entre o organismo e seu ambiente o que ele irá chamar de comportamento operante, sendo este distinto do comportamento respondente. Já o comportamento operante é o comportamento voluntário e inclui tudo aquilo que fazemos e que tem efeito sobre nosso mundo exterior, ou seja, que operam nele. Este comportamento visa obter o efeito desejado ou evitar uma consequência indesejada (OLIVEIRA, 2020, p. 332). Assim, enquanto que o comportamento respondente é controlado por um estímulo antecedente (S-R), o comportamento operante é controlado por suas consequências – estímulos que se seguem à resposta (R-S) (OLIVEIRA, 2020, p. 332). A partir daí, formula-se o modelo de análise do comportamento, o fundamento para a descrição das interações organismo-ambiente: S – R – S (estímulo antecedente) (resposta) (estímulo consequente) Portanto, tem-se, primeiramente, um comportamento que responde a um estímulo do ambiente, o qual, por sua vez, inevitavelmente levará a uma consequência ainda não aprendida. Num segundo momento, a resposta será dada já objetivando a consequência, pois, agora, é conhecida pelo indivíduo por intermédio da experiência anterior (OLIVEIRA, 2020, p. 332). HUMANISMO Como os psicólogos humanistas veem a personalidade, e qual era seu objetivo ao estudar a personalidade? Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 20 Na década de 1960, alguns psicólogos da personalidade mostraram-se insatisfeitos com a negatividade da teoria freudiana e a psicologia mecanicista do behaviorismo de B. F. Skinner (MYERS; DEWALL, 2019, p.470). Indo em direção contrária à do estudo de Freud sobre motivações básicas de pessoas “doentes”, os psicólogos humanistas voltaram sua atenção para o modo como as pessoas “saudáveis” se esforçam por obter autodeterminação e autorrealizacão. Em contraste com a objetividade científica do behaviorismo, eles estudaram as pessoas por meio de suas experiências e sentimentos relatados por elas mesmas (MYERS; DEWALL, 2019, p.470). Dois teóricos pioneiros – Abraham Maslow (1908-1970) e Carl Rogers (1902-1987) – propuseram a perspectiva de uma terceira força com ênfase no potencial humano (MYERS; DEWALL, 2019, p.470). A perspectiva humanista encara a personalidade com um foco no potencial para o crescimento pessoal saudável (MYERS; DEWALL, 2019, p.470). A autorrealização de acordo com Maslow, uma das necessidades psicológicas essenciais que surge após as necessidades físicas e psicológicas básicas terem sido atendidas e a autoestima ser alcançada; a motivação para realizar o potencial do indivíduo (MYERS; DEWALL, 2019, P.470). ABRAHAM MASLOW E A PESSOA AUTORREALIZADA Maslow propôs que somos motivados por uma hierarquia de necessidades. Se nossas necessidades fisiológicas são atendidas, ficamos preocupados com segurança pessoal; se atingimos um senso de segurança, buscamos então amar, ser amados e amar a nós mesmos; com nossas necessidades de amor satisfeitas, buscamos autoestima. Tendo alcançado a autoestima, finalmente buscamos a autorrealização (o processo de realizar nosso potencial) e de autotranscendência (significado, propósito e comunhão para além do eu) (MYERS; DEWALL, 2019, p.470). Maslow (1970) desenvolveu suas ideias estudando pessoas saudáveis e criativas em vez de casos clínicos complicados. Ele baseou sua descrição de autorrealização em um estudo de pessoas que pareciam notáveis por terem levado uma vida rica e produtiva – entre eles Abraham Lincoln, Thomas Jefferson e Eleanor Roosevelt (MYERS; DEWALL, 2019, p.471). Maslow relatou que essas pessoas tinham em comum certas características: aceitavam-se tal como eram e tinham consciência de si mesmas; eram francas e espontâneas, afetuosas e solícitas e não se deixavam afetar pela opinião dos outros. Seguras por saberem quem eram, seus interesses eram centrados nos problemas, e não em si mesmas (MYERS; DEWALL, 2019, p.471). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 21 Elas concentravam suas energias em uma determinada tarefa, a qual viam como sua missão na vida. A maioria desfrutava de poucos relacionamentos íntimos em vez de muitos relacionamentos superficiais. Muitas foram movidas por grandes experiências pessoais ou espirituais que vão além da consciência comum (MYERS; DEWALL, 2019, p.471). Essas, segundo Maslow, são qualidades adultas maduras, qualidades que se encontram nas pessoas que aprenderam o suficiente sobre a vida para serem compassivas, para terem superado seus sentimentos confusos em relação aos pais, para terem descoberto sua vocação, para terem “adquirido coragem bastante para serem impopulares, para não se envergonharem de serem abertamente virtuosas etc.” (MYERS; DEWALL, 2019, p.471). O trabalho de Maslow com estudantes universitários o levou a especular que aqueles propensos a se tornar adultos autorrealizados eram simpáticos, solícitos, “particularmente afetuosos com os mais idosos que merecem seu afeto” e “preocupados com a crueldade, a malvadeza e o espírito de gangue encontrados com tanta frequência entre as pessoas jovens” (MYERS; DEWALL, 2019, p.471). TEORIA TRANSPESSOAL Koltko-Rivera (2006), citado por Myers e Dewall, (2019, p.348) afirma que próximo ao final de sua vida, Maslow sugeriu que algumas pessoas também atingem um nível de autotranscendência. No nível da autorrealização, as pessoas procuram realizar seu próprio potencial. Na autotranscendência, as pessoas buscam o significado, o propósito e a comunhão que estão além do self, que é transpessoal (MYERS; DEWALL, 2019, p.348). Abraham Maslow (1970) descreveu essas prioridades como uma hierarquia de necessidades. Na base dessa pirâmide estão nossas necessidades fisiológicas, como as por água e alimento. Somente se estas forem satisfeitas estaremos prontos para satisfazer a necessidade por segurança e, depois, as necessidades exclusivamente humanas de dar e receber amor e de desfrutar de nossa autoestima. Acima disso, Segundo Maslow (1971), está a mais alta das necessidades humanas: a realização do pleno potencial do indivíduo (MYERS; DEWALL, 2019, p.348). A psicologia transpessoal surgiu nos EUA, em 1969, a partir do encontro de Abraham Maslow, Stanislav Grof e outros importantes psicólogos e teóricos. Saudada como a quarta força da psicologia, buscava integrar à psicologia as vivências espirituais e as experiências chamadas “transpessoais”, caracterizadas por um estado de consciência superior, que contém todas as experiências anteriores do indivíduo e prossegue no sentido de conduzir o ser humano em direção à transcendência (PARIZI, 2005, p.109). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 22 Fazendo pontes entre as muitas escolas ocidentais de psicologia e as tradições espirituais do Oriente e do Ocidente, a psicologia transpessoal chegou a ser confundida por alguns críticos com uma abordagem sincrética ou uma nova forma de religião “new age”. Nos dias correntes, seus principais teóricos esforçam- se no sentido de mostrar que se trata de uma abordagem psicológica conseqüente e rigorosamentecientífica, distante da New Age e de práticas ditas “alternativas” ou “holísticas” (PARIZI, 2005, p.109). GESTALT Palavra que provém do alemão e tem um sentido aproximado a ideia de forma. A Gestalt nasceu de uma iniciativa de pesquisadores alemães que se preocupavam com os fenômenos de percepção (OLIVEIRA, 2020, p. 333). Interessava compreender processos psicológicos envolvidos na ilusão de ótica, ou seja, quando um estímulo físico é percebido de forma diferente da qual se apresenta na realidade. Em contraponto ao behaviorismo, a Gestalt sustenta que o comportamento deveria considerar aspectos globais, tendo em vista as condições que possam alterar a percepção. Portanto, a relação deve ser a seguinte: Estímulo – Processo de percepção – Resposta Defendem o processo de percepção como essencial para a compreensão do comportamento humano, enfatizando que o comportamento, quando isolado de seu contexto mais amplo, perde seu significado (OLIVEIRA, 2020, p. 333). Os psicólogos da Gestalt afirmavam que, quando os elementos sensoriais são combinados, forma-se um novo padrão ou configuração. Juntemos algumas notas musicais e algo novo — uma melodia ou tom — surge da combinação. Quando olhamos para fora de uma janela, vemos imediatamente as árvores e o céu, e não pretensos elementos sensoriais, como brilhos e matizes, que possam constituir a nossa percepção das árvores e do céu (OLIVEIRA, 2020, p. 334). Os gestaltistas tentaram identificar as regras que governam a forma como as pessoas percebem os estímulos separados e lhes atribuem sentido formando uma unidade. Afirmam que as pessoas extraem significado da totalidade de um conjunto de estímulos e não de um estímulo individual, explicitando a premissa: O todo é distinto da soma de suas partes (OLIVEIRA, 2020, p. 334). Por meio dos fenômenos perceptivos é alcançada a boa forma, ou seja, a compreensão global do evento apreendido. A boa forma é a tendência à restauração do equilíbrio parte-todo, superando a ilusão de ótica (OLIVEIRA, 2020, p. 334). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 23 TEMA DA AULA: Contexto da psicologia na saúde. FONTE BIBLIOGRÁFICA ALMEIDA, Raquel Ayres de; MALAGRIS, Lucia Emmanoel Novaes. A prática da psicologia da saúde. Revista SBPH, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 183-202, dez. 2011. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rsbph/v14n2/v14n2a12.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. BRASIL. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da área de Enfermagem. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. (org.). Profissionalização de auxiliares de enfermagem: cadernos do aluno: instrumentalizando a ação profissional I. 2. ed.[reimpr.] Brasília / Rio de Janeiro: Ministério da Saúde / Fiocruz, 2003. 164 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/profae/pae_cad1.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. CASTRO, Elisa Kern de; BORNHOLDT, Ellen. Psicologia da saúde x psicologia hospitalar: definições e possibilidades de inserção profissional. : definições e possibilidades de inserção profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 24, n. 3, p. 48-57, set. 2004. FapUNIFESP (SciELO). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v24n3/v24n3a07.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. FELDMAN, Robert S. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788580554892/cfi/5 2!/4/4@0.00:23.8. Acesso em: 26 dez. 2019. MYERS, David G.; DEWALL, Nathan C. 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Apesar desse entendimento de que podemos aproximar a psicologia do nosso dia a dia, no campo da saúde é fundamental compreender que a psicologia deve estar ancorada em bases científicas (APA, 2003 apud CASTRO; BORNHOLDT, 2004, p. 49). Por exemplo: A psicologia da saúde analisa a relação entre comportamento e os distúrbios físicos, buscando prevenir e tratar diferentes doenças. Tem como objetivo compreender como os fatores biológicos, comportamentais e sociais influenciam na saúde e na doença (APA, 2003 apud CASTRO; BORNHOLDT, 2004, p. 49). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 24 Psicologia da Saúde como a disciplina ou o campo de especialização da Psicologia que aplica seus princípios, técnicas e conhecimentos científicos para avaliar, diagnosticar, tratar, modificar e prevenir os problemas físicos, mentais ou qualquer outro relevante para os processos de saúde e doença. (CASTRO; BORNHOLDT, 2004, p. 49) Apesar de ser uma área internacionalmente consolidada, ela é recente – remonta a década de 1970 – e, algumas dúvidas sempre cercam referente à diferenciação entre Psicologia da Saúde e a Psicologia Clínica. Em resumo, a Psicologia Clínica centra sua atuação em diversos contextos e problemáticas em saúde mental, enquanto a Psicologia da Saúde dá ênfase, principalmente, aos aspectos físicos da saúde e da doença (KERBAUY, 2002 apud CASTRO; BORNHOLDT, 2004, p. 50). a Psicologia da Saúde, com base no modelo biopsicosossocial1, utiliza os conhecimentos das ciências biomédicas, da Psicologia Clínica e da Psicologia Social-comunitária (Remor, 1999). Por isso, o trabalho com outros profissionais é imprescindível dentro dessa abordagem. [...] O trabalho é multiplicador, uma vez que capacita a própria comunidade para ser agente de transformação da realidade, pois aprende a lidar, controlar e melhorar sua qualidade de vida. (CASTRO; BORNHOLDT, 2004, p. 50) A Psicologia da Saúde não está interessada diretamente pela situação, que cabe ao foro médico. Seu interesse está na forma como o sujeito vive e experimenta o seu estado de saúde ou de doença, na sua relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo (CASTRO; BORNHOLDT, 2004, p. 50). Objetiva fazer com que as pessoas incluam no seu projeto de vida, um conjunto de atitudes e comportamentos ativos que as levem a promover a saúde e prevenir a doença, além de aperfeiçoar técnicas de enfrentamento no processo de ajustamento ao adoecer, à doença e às suas eventuais consequências (BARROS, 1999 apud ALMEIDA; MALAGRIS, 2011, p. 183). A psicologia aplicada a saúde pretende repassar aos trabalhadores em formação noções que lhes possibilitem promover o desenvolvimento de uma postura mais crítica (em relação à profissão), participativa (em relação à equipe e à comunidade nas quais vai estar inserido) e sensível (em relação a todos aqueles que estarão sob seus cuidados) (BRASIL, 2013). Segundo o caderno de estudos “Instrumentalizando a ação profissional I” (BRASIL, 2003), a Psicologia pode ser de grande utilidade para os profissionais de saúde, pois possibilita uma melhor compreensão sobre o modo como, no dia a dia, possam se relacionar com os pacientes. Colocando-os em contato com a dimensão humana da doença, fazendo-os perceber que tratam pessoas, não somente quadros clínicos (p. 142). 1 Modelo biopsicossocial é um conceito amplo que visa estudar a causa ou o progresso de doenças utilizando-se de fatores biológicos (genéticos, bioquímicos, etc), fatores psicológicos (estado de humor, de personalidade,de comportamento, etc) e fatores sociais (culturais, familiares, socioeconômicos, médicos, etc). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 25 Os temas tratados estão sempre referidos à prática profissional do trabalhador da área de enfermagem e às questões dela decorrentes, e sua explanação visa estimular a reflexão sobre seu papel nos âmbitos da dimensão humana e social do trabalho em saúde (BRASIL, 1013). As funções dos profissionais de Psicologia da Saúde estão se expandindo à medida que o campo amadurece. A maioria dos psicólogos da saúde trabalham em hospitais, clínicas e departamentos acadêmicos de faculdades e universidades onde eles podem fornecer ajuda direta e indireta aos pacientes (ALMEIDA; MALAGRIS, 2011, p. 191). A necessidade do trabalho em equipe decorre da constatação de que não se pode conhecer com apenas uma disciplina ou um conhecimento individualizado - seja a Medicina, a Psicologia ou a Enfermagem - todas as intercorrências sobre o sujeito que sofre (BRASIL, 2013). Na forma de trabalho das equipes pode ser: Pluridisciplinares: Na forma de trabalho pluridisciplinar as equipes, constituídas por várias disciplinas, atuam juntas, mas não há troca de informações, não há soma; na verdade, o paciente é dividido entre as várias áreas do saber. Multidisciplinares: Na forma de trabalho multidisciplinar os diversos profissionais trocam idéias e informações sobre suas práticas específicas. Reúnem-se regularmente, debatem pontos de vista e complementam os entendimentos sobre o problema em questão, indo além dos limites restritos a suas profissões: enfermeiros ouvem os pacientes durante seus procedimentos; assistentes sociais interessam-se pela vida emocional de seus clientes e médicos procuram não apenas acertar seus diagnósticos e prescrições, mas interessam-se por todo o contexto em que o cliente está inserido, o que contribui para a continuidade e sucesso do processo terapêutico. Interdisciplinares: Outro tipo de atuação é aquele desenvolvido pelas equipes interdisciplinares. Nestas, os métodos e técnicas de determinada disciplina são utilizadas por profissionais de áreas distintas. Esta modalidade é muito comum nos serviços de atenção diária em saúde mental, nos quais os profissionais trabalham em conjunto, atuando de acordo com os procedimentos acertados pela equipe. (BRASIL, 2013) (grifo nosso) Obviamente, a prática nos mostra que o trabalho em equipe é extremamente difícil. Trabalhar em harmonia e de forma integrada, com profissionais de distintas formações, mesmo quando existe um objetivo comum, é muito complicado. Nem sempre conseguimos abrir mão de nossas vaidades profissionais ou encarar as inseguranças que, naturalmente, temos ao compartilhar com o grupo a nossa maneira de trabalhar (BRASIL, 2013). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 26 Entretanto, a superação dessas limitações deve ser um desafio cotidiano para o alcance do objetivo comum: o bem-estar do paciente e a integração da equipe. Uma equipe de trabalho pode organizar-se de diversas maneiras. Essa organização depende de fatores como a definição dos papéis, a distribuição de poder entre os profissionais e a situação (de crise ou rotina) enfrentada pelo grupo. O Técnico em Enfermagem compõe a maior parte da força de trabalho da área da saúde, executando a maioria das ações hospitalares e atenção básica. Gerando a melhor qualidade possível de atendimento ao paciente. Em suma, ele é o responsável por cuidar de pessoas. TEMA DA AULA: A HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA NO BRASIL A História da Psiquiatria no Brasil FONTE BIBLIOGRÁFICA ANDRADE, Rodrigo de Oliveira. Aos loucos, o hospício. Revista Pesquisa Fapesp, São Paulo, v. 19, n. 263, p. 90-94, jan. 2018. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2018/01/090- 093_memoria_263.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. BARROS, Sônia; SALLES, Mariana. Gestão da atenção à saúde mental no Sistema Único de Saúde. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 45, n. 2, p. 1780-1785, dez. 2011. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0080-62342011000800025. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45nspe2/25.pdf. Acesso em: 02 abr. 2020. BRASIL. Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Brasília, DF, 09 abr. 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm. Acesso em: 02 abr. 2020. CASABURI, Luiza Elena. Reforma psiquiátrica e serviços de atendimento em saúde mental e psiquiátrico. In: TAVARES, Marcus Luciano de Oliveira; CASABURI, Luiza Elena; SCHER, Cristiane Regina (org.). Saúde mental e cuidado de enfermagem em psiquiatria. Porto Alegre: SAGAH, 2019. p. 73-92. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595029835/cfi/1 0!/4/4@0.00:41.9. Acesso em: 02 abr. 2020. COSTA-ROSA, Abílio. O modo psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. : um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. In: AMARANTE, Paulo (org.). Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade. subjetividade, saúde mental, sociedade. 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Disponível em: https://inpaonline.com.br/blog/quais-as-diferencas-entre-psiquiatra- psicologo-psicanalista-e-psicoterapeuta/. Acesso em: 02 abr. 2020. LAPS - Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Fundação Oswaldo Cruz. Linha do Tempo: Voltar II Encontro Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental, onde acontece a criação do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em: http://laps.ensp.fiocruz.br/linha-do-tempo/61. Acesso em: 02 abr. 2020. LIMA, Candice Marques. O genocídio de Barbacena: Daniela Arbex revela holocausto que provocou morte de 60 mil pessoas no maior hospício do Brasil. Jornal Opção. Goiânia, p. 1-3. 31 ago. 2013. Disponível em: https://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/daniela-arbex- revela-holocausto-que-provocou-morte-de-60-mil-pessoas-no-maior- hospicio-do-brasil-164209/. Acesso em: 02 abr. 2020 PICCININI, Walmor João; MELEIRO, Alexandrina Maria Augusto da Silva. Aspectos Históricos da Psiquiatria. In: MELEIRO, Alexandrina Maria Augusto Silva (org.). Psiquiatria: estudos fundamentais. Estudos Fundamentais. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. Cap. 1. p. 3-19. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788527734455/cfi/6/ 28!/4/2@0:0. Acesso em: 02 abr. 2020. Tópico 1: Aspectos Históricos da Psiquiatria Sofrer algum tipo de deficiência ou doença mental é um infortúnio que traz consequências terríveis para o paciente. A possibilidade de que a doença seja acompanhada por irrupções de violência complica ainda mais. O “louco” inspira medo e, consequentemente, é vítima de toda sorte de agressões (PICCININI; MELEIRO, 2018). Serdoente mental significa ter uma vida dura, brutal e curta em muitos casos. O estigma, o preconceito e o tabu que o cercam têm atravessado séculos. Compreender a história da psiquiatria e, principalmente, a maneira como a sociedade atua com relação ao doente mental não é tarefa fácil. Primeiramente, vamos estabelecer o que é um psiquiatra (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 3). O psiquiatra é um profissional com formação em Medicina e com especialização em Psiquiatria. Após a faculdade, então, faz residência em instituições de saúde mental, clínicas e hospitais psiquiátricos. Os conhecimentos desta área e especialidade médica concentram-se nos comportamentos que fogem à “normalidade” (INPA, 2019). Toda sociedade tem seu padrão de normalidade, ou seja, o que é considerado aceitável dentro de padrões estéticos, comportamentos e atitudes, dentre outros, para todos os seus membros. Os indivíduos fora da norma são os chamados estigmatizados, porque apresentam alguma característica física, social ou cultural (o estigma) que os diferenciam do restante do grupo. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 28 Segundo Piccinini e Meleiro (2018) os psiquiatras modernos vivem uma situação peculiar. São estimados por muitos e criticados pelos que não reconhecem sua atuação em defesa do doente mental. Conhecer a história é o primeiro passo necessário para compreender como chegamos ao momento atual. Para tanto, convém separar a história da loucura da história da psiquiatria (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 3). O modo como a loucura é vista hoje não é o mesmo de séculos anteriores. O jeito de entender, de tratar, de lidar e de olhar a loucura foi se modificando, como tudo o mais se modificou no mundo: valores, cultura, avanços na área médica, etc. A loucura representa um grande desafio para todos os interessados em estudá-la. Tanto é um desafio que muitas outras áreas do conhecimento se associam ao processo de investigação de seus segredos. Filósofos, sociólogos, antropólogos, neurocientistas e psicofarmacologistas são apenas os exemplos mais notáveis de profissionais envolvidos nesse conflito (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 3). No período clássico (500 a.C. a 500 d.C.), o modelo da Grécia Antiga de doença é de ruptura do equilíbrio interno, concebido de acordo com a visão cósmica. As frases enigmáticas dos loucos aproximam os homens das ordens dos Deuses. Neste período não era controlados ou excluídos sendo transformados em instrumento de mensagens divinas (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 3). Na Idade Média na Europa (500 d.C. a 1500 d.C.), o início do período foi marcado pela Idade das Trevas - mas não é pela falta de energia elétrica, que ainda não havia sido descoberta, e sim devido ao fato de todo pensamento cultural estar ligado às ideias religiosas - fez com que todas as descobertas no campo científico e nos outros campos do conhecimento humano progredissem muito lentamente. A loucura era vista como expressão da força da natureza, como algo não humano, predominaram as concepções morais sob influência do cristianismo, no mundo ocidental. Possessões e caça às bruxas são consequências (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 4). Na Renascença e na Reforma (1450-1700), período da Peste Negra, o pânico das bruxas foi desencadeado pela competição entre católicos e protestantes. A ideia de possessão levou à tortura e à morte de muitos doentes mentais, pois a “demonologia” e a Inquisição impuseram resistência para a aceitação da ideia de que feiticeiros e possuídos sofriam de doença natural (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 4). Esse período foi marcado pelo encarceramento de todos aqueles que não podiam contribuir para o movimento de produção, de comércio ou de consumo de mercadorias. Essa exclusão se dá devido à mudança na relação do homem com o trabalho. Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 29 Foi entre o fim do século XVIII e o início do XIX, com o avanço do conhecimento científico e da consciência social, que a medicina começou a tomar a forma atual. A Revolução Francesa (1789), no plano político, e os avanços científicos relacionados com a Revolução Industrial, no plano econômico, foram as influências mais significativas desse processo (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 6). Há o início do processo de reabsorção dos excluídos: auxílio financeiro e médico em suas próprias casas aos necessitados. Mas, os loucos permaneciam encarcerados: considerados perigosos para o convívio social. O primeiro grande passo para o progresso científico da psiquiatria ocorreu apenas no século XVIII, com os estudos do médico francês Philippe Pinel, o qual instituiu reformas humanitárias para o cuidado com os doentes mentais. Foi quando realmente a assistência aos doentes mentais se tornou médica. Antes do final do século XVIII, a medicina não se interessava em saber o quê e o por quê do que dizia “O louco” (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 6). Surgiu na França, com a reforma patrocinada por Pinel e instituída por Esquirol, e serviu de modelo para as transformações na assistência psiquiátrica de todo o mundo ocidental. A assistência aos doentes mentais se transformou em responsabilidade médica e estatal (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 6). Final do século XVIII, Philippe Pinel difunde uma nova concepção de loucura. Fundamenta a alienação mental como distúrbios das funções intelectuais do sistema nervoso. O cérebro é a sede da mente e na mente se manifesta loucura. O cientista divide os sintomas em classes: mania, melancolia, demência e idiotismo (FELDMAN, 2015). Segundo Feldman (2015) a loucura foi considerada como um desarranjo das faculdades cerebrais, cujas principais causas seriam: Causas físicas: de origem cerebral, como pancada na cabeça, formação defeituosa do cérebro e hereditariedade; Causas morais: consideradas as mais importantes, são as paixões intensas e excessos de todos os tipos. (FELDMAN, 2015) A loucura adquire então o estatuto de doença mental, que requer um saber médico e técnicas específicas, ou seja, nesse momento, fica também constituída a psiquiatria como saber médico, que tem como seus principais representantes Pinel, na França, Tuke na Inglaterra, e posteriormente Esquirol, considerado um dos maiores teóricos dessa primeira escola psiquiátrica - o alienismo (FELDMAN, 2015). Disciplina PSICOLOGIA APLICADA E SAÚDE MENTAL Página 30 Feldman (2015) aponta que o alienismo – para Jean-Étienne Esquirol (1872-1840) - se baseia no entendimento da loucura enquanto desrazão, ou seja, alienação mental. O tratamento vai ser baseado no Asilo, que vai ter, por si só, uma função terapêutica. A organização do espaço asilar e a disciplina rígida vão ser elementos importantes do tratamento, que consiste em confrontar a confusão do louco, sua desrazão, com a ordem do espaço asilar, e com a razão do alienista, que, para tanto, tem que ser uma pessoa de moral inatacável. No século XIX, Dorothea Dix lutou por melhoras nas condições dos locais que abrigavam doentes mentais. O médico alemão Emil Kraepelin foi o primeiro a subdividir as psicoses em dois grupos: psicose maníaco-depressiva (PMD) e esquizofrenia (PICCININI; MELEIRO, 2018, p. 6). No caminho do grande desenvolvimento científico do século XIX, a medicina firmou-se como uma ciência. A psiquiatria veio a se firmar como ciência médica algumas décadas mais tarde. A psiquiatria acompanhou, em ritmo mais lento do que outras especialidades, o desenvolvimento da medicina como ciência. Além disso, segundo Piccinini e Meleiro (2018, p. 6) a história da psiquiatria pode ser vista a partir da influência de alguns países em sua construção. Simplificando, pode-se dizer que a história começou sob a influência da língua francesa; depois, a língua alemã; e, finalmente, a língua inglesa, principalmente da vertente norte-americana. Muitos