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EDUCAÇÃO E SOCIOLOGIA UNIDADE I Introdução à Sociologia e Educação Ana Maria Abdul Ahad Educação e Sociologia 3 Apresentação A educação e a sociologia estão interligadas, pois a educação requer, de muitas maneiras, as relações e transformações sociais; deste modo, a sociologia estuda como o sistema educacional influencia e é influenciado pelos contextos históricos, econômicos, sociais e culturais de seu povo. Neste sentido, esta disciplina foi dividida em três unidades de ensino: 1. Introdução à sociologia e educação; 2. A escola como meio de reprodução das relações sociais; 3. Educação Crítica. Introdução à Sociologia e Educação 4 Introdução Nesta unidade, vamos estudar o que é sociologia, compreendendo seu papel como ciência que analisa as estruturas e dinâmicas sociais, além de sua função histórico-social. Também abordaremos a educação sob a perspectiva sociológica, considerando-a como um fenômeno social complexo e interdependente. Exploraremos como a educação, longe de ser um processo isolado, é profundamente influenciada por fatores sociais, culturais e econômicos, sendo parte de um sistema que reflete as relações de poder e a organização social de uma época. Além disso, entenderemos como a sociologia contribui para a análise crítica dos processos educacionais, ao investigar como a educação pode tanto reproduzir as desigualdades sociais quanto atuar como agente de transformação. Objetivos da Aprendizagem Ao final do conteúdo, esperamos que você seja capaz de: • Compreender a sociologia e sua função histórico-social. • Pensar a relação entre educação, sociedade e cultura sob a perspectiva das condições historicamente determinadas. • Conhecer os principais teóricos da sociologia clássica na educação. 5 O que é Sociologia? A consolidação do capitalismo e a organização social, política e econômica que se formou em seu entorno colaboraram para o surgimento da sociologia, no século XIX. O momento histórico de sua origem traz, em seu bojo, interpretações antagônicas para esta ciência, pois “[...] para alguns representa uma poderosa arma a serviço dos interesses dominantes, para outros ela é a expressão teórica dos movimentos revolucionários” (Martins, 1985, p. 7). A sociologia, contudo, é a ciência social que estuda a sociedade e suas estruturas, o comportamento e as interações humanas, os fenômenos sociais, tais como: desigualdade, violência e educação. Ela investiga esses fenômenos sociais buscando compreender a vida em seus contextos sociais, já que esses aspectos são inseparáveis. As relações humanas só podem ser plenamente entendidas à luz dos fatores históricos, sociais e econômicos que as moldam. Ao explicar a complexidade dos fenômenos sociais que emergiram no contexto pós- capitalista, essa ciência moderna do século XIX contribui para o desenvolvimento de uma consciência crítica e de um olhar reflexivo sobre os desafios enfrentados pela sociedade contemporânea. Assim, a sociologia torna-se uma ferramenta essencial para a compreensão e transformação do mundo social. Aspecto Histórico-social A ascensão do capitalismo põe, definitivamente, fim ao sistema econômico do período medieval, o feudalismo, e consolida a modernidade. As rápidas transformações ocorridas não apenas nas relações econômicas e sociais, mas também na política e na cultura – a partir do século XVIII, com a Revolução Francesa (formação da República) e a Revolução Industrial na Inglaterra (invenção do motor a vapor e combustão) – são tão radicais e abruptas, que marcam, historicamente, a origem da sociologia. Observe, no quadro a seguir, as principais diferenças entre a economia feudal e a capitalista, a fim de que possamos entender as transformações ocorridas no mundo entre a transição do período feudal e a idade moderna, que levou ao nascimento da sociologia como ciência. 6 Diferenças fundamentais entre feudalismo e capitalismo FEUDALISMO CAPITALISMO Relações de trabalho Servil Assalariado Base do sistema econômico Terra Dinheiro Classe dominante Nobreza Burguesia Classe trabalhadora Servos Proletariado Tipo de produção Artesanal Industrial Espaço Rural Urbano Sistema político Governo descentralizado Governo central Cultura Teocentrismo Antropocentrismo Fonte: elaborada pela autora (2024). Assim, com a mudança no modo como a sociedade organizava-se em torno do trabalho e, ainda, com o surgimento de novas classes sociais, seguido do desenvolvimento de novas ciências e técnicas, urbanização e industrialização, novas formas de pensar e agir também emergiram. As ciências, até então existentes, não conseguiam explicar todos os questionamentos humanos e a crise social instalada implicaram na inauguração da sociologia, cujo “conhecimento científico é historicamente situado” (Foracchi; Martins, 1977, p. 1). A Sociologia como Abordagem Científica da Sociedade Como já mencionado anteriormente, a sociologia pode ser definida como uma ciência elitista e conservadora, mas também como reformista e revolucionária. No primeiro caso, a interpretação da vida social pode significar a manutenção de privilégios, contudo, no segundo caso, pode ser uma tentativa de aprimorar as relações de trabalho em torno do sistema capitalista. Podemos concluir, portanto, que a sociologia explica a vida social que emerge no capitalismo, mas que o critica também, na tentativa de que sobrevivamos a ele, é o caso da sociologia aplicada: “investigação especial dos problemas sociais e dos efeitos possíveis que eles comportarem ou das modalidades de intervenção racional que forem admitidas pela sociedade” (Lakatos, 1990, p. 25). 7 Karl Mannheim (1972, p. 24) classifica a sociologia em seis áreas distintas, a saber: Sociologia Sistemática Explicação das condições, fatores e efeitos dos fenômenos sociais. Sociologia Descritiva Investigação dos fenômenos sociais em condições reais. Sociologia Comparada Estudo de padrões, categorias, similaridades estruturais. Sociologia Diferencial Características sociais em um dado campo histórico. Sociologia Geral Fundamentos lógicos e conceitos teóricos fundamentais da explicação sociológica. Sociologia Aplicada Estuda os fatos sociais e propõe reformulações. Esta última é comumente utilizada para reformular o sistema de educação, por exemplo. Mannheim teve que se refugiar na Grã-Bretanha, quando o Partido Nacional Socialista (nazista) assumiu o poder. Curiosidade 8 O Positivismo de Auguste Comte Auguste Comte (1798-1857) nasceu na França, era filósofo e professor universitário. Dedicou-se a pensar a sociedade cientificamente. No início dos seus estudos, denominou tal ciência de Física Social, e somente, a partir de 1839, passou a nomeá-la sociologia (do latim societas = sociedade + do grego logos = estudo), por isso, é considerado o pai dessa ciência, cujo semblante podemos conferir na imagem a seguir: Augusto Comte Fonte: Wikimedia Commons (2024). #pratodosverem: imagem em preto e branco de um homem sentado. A sociologia, segundo Comte, não deveria ocupar-se apenas da análise dos fatos sociais, mas “propor normas de comportamento, seguindo a orientação resumida na famosa fórmula positivista: ‘saber para prever, a fim de prover’” (Lakatos, 1990, p. 42). Três princípios pautaram os estudos de Comte acerca da nova ciência: • Priorizar o todo sobre as partes: o fenômeno social deve ser apreciado em seu contexto (época, história etc.). • O progresso dos conhecimentos é inerente à sociedade humana: a acumulação de conhecimentos e experiências leva ao progresso social das gerações. • O homem é sempre o mesmo em sua constituição biológica. 9 Assim, concluiu que qualquer sociedade evolui “da mesma maneira e no mesmo sentido”, passando por três estágios, o que ele chamou “lei dos três estados”: • Estado teológico ou fictício: as explicações religiosas ou mitológicas; • Estado metafísico ou abstrato: compreender a essência, as causas e finalidades dos fenômenos; • Estado positivoou científico: análise racional – observações e experimentações empíricas. Comte foi o responsável pelos primeiros esforços para delimitar o campo de estudo da Sociologia. Foi profundamente influenciado pelos grandes acontecimentos de sua época, como o desenrolar da Revolução Francesa e a crescente Revolução Industrial. Curiosidade Educação sob a Perspectiva Sociológica A educação é um fenômeno fundamentalmente humano. Trata-se do processo de humanização, segundo o qual o ser humano passa do estado biológico e natural, para o estado cultural. Neste último estágio, o ser humano acessa os conhecimentos acumulados pela humanidade, os comportamentos e valores já estabelecidos, os símbolos e signos da língua vernácula. Assim, o ser humano se humaniza em contato com outros seres humanos, num processo de “vir-a-ser” cíclico e infinito (Saviani, 2005). Este fenômeno cultural, comumente chamado de educação, é responsável pela transmissão cultural entre as gerações e ao longo dos tempos históricos, de forma que a sociologia e a educação estão intrinsecamente conectadas, haja vista a “socialização, cultura, e, especialmente, o aparecimento da escola enquanto instituição social” (Kruppa, 1994, p. 22). A função social da educação foi um tema bastante discutido na modernidade e, neste material de estudo, abordaremos as análises dos sociólogos clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 10 A Educação como Fenômeno Social A escola consolidou-se como espaço que acolhe e abriga as gerações, exercendo a função de transmitir conhecimentos, saberes, comportamentos, linguagens etc. O aprendizado não é milagre, requer dedicação, foco, disciplina e horas de estudos. Mas não precisa ser algo chato, a seguir podemos ver crianças aprendendo de forma lúdica. Crianças aprendendo com brincadeira direcionada Fonte: Plataforma Deduca (2024). #pratodosverem: crianças em roda, segurando um pano circular, com brinquedos em cima. Então, vejamos um panorama histórico acerca da educação. A educação primitiva era caseira, informal, passada de pai para filho no seio familiar, a fim de ajustar a criança ao ambiente social e natural. Na Grécia antiga, vemos o auge da cultura ocidental, contudo a educação era excludente, pois era acessível aos cidadãos da pólis (homens, livres, proprietários de terra), e reforçava a dominação sobre as demais classes sociais e sobre outros povos. No período medieval, embora a educação fosse autoritária, dominada pela Igreja e dogmas cristãos, a educação tornou-se artigo escolar. A educação renascentista, elitista, aristocrática e voltada ao burguês, deixa de ser autoritária e promove o antropocentrismo, que ressalta a importância da inteligência 11 humana para o entendimento do mundo. Na modernidade, após a Revolução Francesa, o ser humano busca o aperfeiçoamento das técnicas, das artes e dos saberes, a educação torna-se científica e passa por grandes transformações. Para saber mais sobre este tema, acesse o link disponível aqui. Saiba mais Funções da Educação: Socialização e Transmissão de Cultura Com o poder da burguesia, nasce também a necessidade de socializar, educar, disciplinar, disseminar valores, normatizar regras e, porque não dizer, controlar a massa proletária. Diversos autores, como Althusser, Bourdieu, Establet e Baudelot, que veremos mais adiante, consideram que a escola é um importante instrumento para transmissão da ideologia dominante, portanto, está a serviço da visão de mundo da burguesia. Eles iniciaram a teoria crítico-reprodutivista, um movimento intelectual que se desenvolveu nos anos de 1960 e 1970 na Europa, que tratou de pensar a educação baseada em seus condicionantes sociais. “A denominação “reprodutivista” deve-se ao fato de que suas análises chegaram à conclusão de que a função básica da escola é educar seus alunos a partir da reprodução dos conhecimentos e condições impostas pela burguesia dominante” (Camargo et al., 2017, p. 224). Embora a escola seja o principal espaço de disseminação da ideologia dominante, conforme os autores supracitados, é inegável a sua função social, seja atuando na transmissão de educação formal e sistematizada para o desenvolvimento das habilidades e técnicas necessárias à vida pessoal e profissional, seja para o ensino dos valores éticos e morais do cidadão. https://sites.google.com/site/geacufrjpublico/textos-basicos/do-ensino-a-aprendizagem 12 Função social da escola Fonte: Plataforma Deduca (2024). #pratodosverem: sete pessoas de costas, abraçadas. Assim, apesar da sua origem ligada às classes dominantes, a escola pode ser um espaço de luta e, portanto, tem potencial transformador, que navega entre a ideologia e a contra-ideologia. Teorias Sociológicas na Educação: Marx, Durkheim e Weber Karl Marx (1818-1883), no decorrer do século XIX, afasta-se da filosofia e dedica-se à compreensão e análise crítica acerca do homem que emergiu na sociedade capitalista, a fim de explicar a vida social a partir do modo de produção. 13 Karl Marx Fonte: Plataforma Deduca (2024). #pratodosverem: imagem em preto e branco de um homem de terno, sentado, com cabelos e barbas brancas. O materialismo histórico de Marx entende que a humanidade está submetida à produção material de seu tempo e a sociedade organiza-se em torno dos meios de produção. No edifício social, elaborado por ele, a base do edifício é formada pela economia vigente (nível econômico), a superestrutura (nível jurídico-político) tem a função, que reverbera na família, religião, artes etc., de promover o sucesso e a manutenção da infraestrutura e, ainda, é responsável por disseminar a ideologia (ideias e costumes sociais) da classe dominante, a mesma que comanda a infraestrutura e subjuga a superestrutura, ou seja, tem a função de manter o status quo. Marx acreditava que a educação faz parte da superestrutura e, portanto, também está a serviço da classe dominante, a burguesia capitalista. Significado de status quo: estado atual de algo ou estado anterior a uma alteração. Atenção 14 Durkheim (1858-1917) acredita que as ações humanas são influenciadas pelo meio, portanto, existe uma consciência coletiva (ideias e crenças) que reverberam em nossas ações individuais. Tal como um corpo biológico, a sociedade é organizada em partes e cada um exerce uma função no organismo social. A educação, para ele, é um fato social que tem a função de adaptar os mais jovens às regras já existentes na sociedade, assim, “o homem que a educação deve realizar em nós não é o homem tal como a natureza o criou, mas sim tal como a sociedade quer que ele seja” (Durkheim, 1978, p. 107). Weber (1864-1920) tem como objeto de estudo a “ação social” e não a estrutura social, e acredita na responsabilidade do ser humano, assim, o foco da sociologia deve estar no indivíduo e não na sociedade, pois o que ocorre na sociedade é a soma das ações individuais. Para saber mais sobre este tema, acesse o link disponível aqui. Saiba mais https://www.researchgate.net/publication/293389783_Teorias_classicas_da_Sociologia_contribuicoes_de_Durkheim_Weber_e_Marx_para_o_pensamento_sociologico 15 Conclusão Nesta unidade, vimos a função histórico-social da sociologia e, também, analisamos a educação sob o prisma da sociologia. Pudemos compreender o nascimento desta ciência a partir da sociedade capitalista e analisar como o modo de produção burguês fomentou sua iniciação. Ao observar a educação, comprovamos que se trata de um fenômeno absolutamente humano e que tem uma função social importante e bem definida. Conhecemos ainda os principais teóricos da sociologia clássica e suas contribuições para as análises da educação. Contudo, não foi possível esgotar o assunto neste material de estudo, então, esperamos que tenha sido apenas o ponto de partida motivador de sua jornada pela Educação e Sociologia. 16 Referências CAMARGO, R. M. B.; FONTANA, G.; LEMES, J. L.; BRENNER, C. E. B. 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