Prévia do material em texto
O PROCESSO DE EXECUÇÃO EFETIVO: DISPOSITIVOS E FERRAMENTAS À DISPOSIÇÃO DOS SUJEITOS DO PROCESSO PARA A OBTENÇÃO DA SATISFATIVIDADE EXECUTIVA Thomaz Mendonça Faria RIO DE JANEIRO 2022 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS FACULDADE DE DIREITO Thomaz Mendonça Faria O PROCESSO DE EXECUÇÃO EFETIVO: DISPOSITIVOS E FERRAMENTAS À DISPOSIÇÃO DOS SUJEITOS DO PROCESSO PARA A OBTENÇÃO DA SATISFATIVIDADE EXECUTIVA Trabalho de conclusão de curso, elaborada no âmbito da pós- graduação lato sensu em Direito Processual Civil Contemporâneo: Novas Tendências, da Faculdade de Direito Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito à obtenção de título de pós-graduado. RIO DE JANEIRO 2022 2 O Processo de Execução Efetivo: Dispositivos e Ferramentas à Disposição dos Sujeitos do Processo para a Obtenção da Satisfatividade Executiva Thomaz Mendonça Faria1 INTRODUÇÃO A execução é a etapa no processo judicial em que se busca a efetivação do direito que possui uma pessoa. Tal direito pode ter sido reconhecido pelo Poder Judiciário ou por Tribunal Arbitral, em caso de cumprimento de sentença, ou ter sido convencionado em negócio jurídico, em caso de execução de título executivo extrajudicial, desde que, nesse último caso, o título respeite as formalidades previstas em lei. A execução talvez seja a etapa do processo mais esperada pelo credor, pois é nesse momento em que de fato serão tomadas as providencias devidas para a sua pretensão ser satisfeita. É a hora em que se demonstrará se a prestação jurisdicional atendeu aos anseios de quem nela se amparou. A efetividade da prestação jurisdicional é tema de grande preocupação entre juristas e legisladores brasileiros. Na teoria, é de fácil constatação que o direito brasileiro confere à efetividade da prestação jurisdicional o status de direito fundamental, mas a prática ainda demonstra que avanços ainda são necessários. No entanto, pode-se notar, também, relevantes melhorias no processo de execução, as quais são resultantes de novos institutos promovidos pelo atual Código de Processo Civil, tais como a celebração de negócios jurídicos processuais e a possibilidade de aplicação de medidas executivas atípicas pelo magistrado. Além disso, não se pode deixar de mencionar o impacto positivo causado pelo avanço tecnológico do Poder Judiciário, tornando o processo judicial como um todo mais célere e efetivo, além de possibilitar a imediata realização de medidas executivas determinadas pelo magistrado. 1 Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: thomazmfaria@gmail.com 3 Inicialmente, o presente trabalho se debruçará sobre os dispositivos existentes no direito brasileiro, sejam eles legais ou principiológicos, cuja finalidade é assegurar a concretização da justiça e, consequentemente, a pacificação social, resguardando-se os direitos fundamentais do executado, sem, contudo, diminuir a efetividade da execução. Em seguida, serão abordados temas de grande pertinência ao processo de execução, que são o negócio jurídico processual e as medidas executivas atípicas, institutos esses que servem de alternativas disponíveis aos sujeitos do processo para a perseguição da execução efetiva e satisfatória. Por último, também serão feitos comentários e constatações sobre os avanços percebidos no Poder Judiciário em geral, decorrentes do avanço tecnológico impulsionado nos últimos anos, o que acarretou melhorias significativas à execução e, consequentemente, permite uma visão otimista de constante evolução na área para os próximos anos. 1. O DIREITO BRASILEIRO E A EXECUÇÃO EFETIVA 1.1. A efetividade como norma fundamental no ordenamento jurídico brasileiro A efetividade da prestação jurisdicional abarca atributos de grande importância para a solução de conflitos, tais como a celeridade, a adequação, a capacidade de atingir os objetivos reais e, claro, o acesso à justiça garantido a qualquer cidadão. O acesso à justiça é um direito fundamental consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil (CFRB), previsto no artigo 5º, inciso XXXV, transcrito a seguir: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aso estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;2 2 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em 06 de abril de 2021. 4 Além da CFRB, o Código de Processo Civil (CPC) também se atentou à importância de garantir às partes o direito de obter a satisfação integral do mérito, em prazo razoável, e a execução efetiva, conforme se observa no art. 4º abaixo transcrito: Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa3. O dispositivo acima está incluído no capitulo “Das Normas Fundamentais do Processo Civil” e não é para menos: ele prevê os requisitos básicos para uma prestação jurisdicional efetiva e completa, chamando atenção não apenas para a solução integral do mérito, mas também para a atividade satisfativa, a qual é, sem sombra de dúvidas, decisiva ao para as partes que compõem a lide. A respeito disso, são oportunas a seguinte lição do professor Rodrigo Frantz Becker: A concretização da efetividade do processo é, talvez, a maior preocupação do processualista moderno, verdadeiramente comprometido com um processo civil de resultados. A efetividade do processo é corolário da garantia do acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV, da CF) e pode ser conferida também a partir da leitura do princípio da eficiência (art. 37 da CF), dos princípios da duração razoável do processo e da celeridade (art. 5º, inciso LXXVIII, da CF) e da garantia do devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV, da CF)4. Como bem pontuado pelo professor, a efetividade está ligada intrinsecamente a muitas outras normas fundamentais do processo civil e é tema de constante atenção pelos processualistas. O processo “deve dar tudo aquilo e exatamente aquilo que o titular do direito material tenha direito de conseguir”5, e isso somente poderá ser conseguido mediante a prestação jurisdicional efetiva. Em suma, a prestação jurisdicional efetiva é aquela que garante a satisfatividade àquele que possui pretensão justa e lícita, seja ela amparada por dispositivos legais ou principiológicos. 3 Ibidem. 4 BECKER, Rodrigo Frantz. Manual do Processo de Execução dos Títulos Judiciais e Extrajudiciais. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 45. 5 BECKER, Rodrigo Frantz. Manual do Processo de Execução dos Títulos Judiciais e Extrajudiciais. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 46. 5 1.2. Os princípios norteadores da execução efetiva Uma execução efetiva é aquela que leva em consideração as peculiaridades do caso concreto e dos envolvidos, buscando ao máximo satisfazer o direito do exequente sem causar prejuízos excessivos ao executado. Em muitos casos, a mera aplicação fria da letra da lei é insuficiente para se alcançar uma execução efetiva. É por isso que existem os princípios, os quais possuem a finalidade de servirem como norteadores ao processo de execução, ao oferecerem regras de interpretação dos dispositivos legais e até meios supletivos de aplicação em caso de eventuais lacunas na lei. Como bem ponderaram Marco Felix Jobim e Eduarda da Fonseca Viera6, os princípios “possuem uma posição fundamental no momento de interpretação e aplicaçãoretiraria o princípio do sistema do CPC e, por isso, violaria o postulado hermenêutico da integridade, previsto no art. 926, CPC. Não bastasse isso, essa interpretação é perigosa: a execução por quantia se desenvolveria 61 ROQUE, Andre Vasconcelos. Em busca dos limites para os meios executivos atípicos: até onde pode ir o Art. 139, IV do CPC/2015. In: TALAMINI; Eduardo; MINAMI, Marcos Youji. (Org.) Medidas executivas atípicas. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 741. 62 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. v.5. 7ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 106. 63 ROQUE, Andre Vasconcelos. Em busca dos limites para os meios executivos atípicos: até onde pode ir o Art. 139, IV do CPC/2015. In: TALAMINI; Eduardo; MINAMI, Marcos Youji. (Org.) Medidas executivas atípicas. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 741. 32 simplesmente de acordo com o que pensa o órgão julgador, e não de acordo com o que o legislador fez questão de, exaustivamente, pré-determinar64. 3.2. A jurisprudência do STJ sobre as medidas executivas atípicas Em julgado proferido em 2020 (REsp 1.864.190 - SP), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que, para a adoção dos meios executivos atípicos, o juiz deve estar atento a alguns pressupostos, como (i) a existência de indícios mínimos de que o executado possua o patrimônio necessário para pagamento e (ii) o esgotamento dos meios típicos estabelecidos para a satisfação de crédito. Segue transcrita abaixo a ementa do julgado: RECURSO ESPECIAL. RESCISÃO DE CONTRATO DE FRANQUIA. CONDENÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA CONTRATUAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ART. 536, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO, EM TESE. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA SUA APLICAÇÃO. 1. Cumprimento de sentença iniciado em 15/2/2018. Recurso especial interposto em 14/10/2019. Autos conclusos à Relatora em 7/5/2020. 2. O propósito recursal é definir se as medidas executivas atípicas postuladas pelo exequente são passíveis de adoção pelo juiz condutor do processo. 3. O acórdão recorrido não se manifestou acerca do conteúdo normativo do art. 536, parágrafo único, do CPC/15, circunstância que impede a apreciação da insurgência quanto ao ponto. 4. O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). 5. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. 6. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. 7. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 8. Situação concreta em que as circunstâncias definidas neste julgamento não foram devidamente sopesadas pelos juízos de origem, sendo de rigor – à vista da impossibilidade de serem revolvidas questões fático-probatórias em recurso especial – o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau para que se proceda a novo exame da matéria. RECURSO ESPECIAL PROVIDO65. 64 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. v.5. 7ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 107. 65 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.864.190 – SP, Relator: Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 19 de junho de 2020. Disponível em: . Acesso em 17 de julho de 2021. 33 Importa ressaltar que a relatora ministra Nanci Andrighi ponderou, ainda, que, embora o juiz tenha o poder-dever de determinar medidas adicionais para o cumprimento de ordem judicial, não pode determinar qualquer modalidade executiva indiscriminadamente, sem balizas ou meios de controle efetivos. Deve o magistrado, portanto, respeitar os pressupostos acima mencionados, além de esclarecer, por decisão fundamentada, a adequação, a necessidade e a razoabilidade da medida executiva adotada. Importa frisar que as medidas executivas indiretas não são incompatíveis com o princípio da patrimonialidade, já abordado no presente trabalho. Isso porque as medidas executivas atípicas não possuem a finalidade de substituírem a dívida patrimonial do executado. Confira-se, a propósito, a explanação dada pela ministra Nanci Andrighi no julgado acima: Todavia, não se pode confundir a natureza jurídica das medidas de coerção psicológica, que são apenas medidas executivas indiretas, com sanções civis de natureza material, essas sim capazes de ofender a garantia da patrimonialidade, por configurarem punições em face do não pagamento da dívida. A diferença mais notável entre os dois institutos enunciados é a de que, na execução de caráter pessoal e punitivo, as medidas executivas sobre o corpo ou a liberdade do executado têm como característica substituírem a dívida patrimonial inadimplida, nela sub-rogando-se, circunstância que não se verifica quando se trata da adoção de meios de execução indireta66. Em relação à retenção ou suspensão de passaporte ou carteira de habilitação, a Quarta Turma do STJ firmou precedente no sentido de que é ilegal e arbitrária decisão que determina tais medidas executivas sem fundamentação e sem observação do contraditório (RHC 97.876 - SP). Nesses casos, o STJ reconhece a utilização de habeas corpus como remédio constitucional apto a questionar esse tipo de decisão, já que as medidas adotadas visam à limitação da liberdade de locomoção do devedor. Segundo o relator ministro Luis Felipe Salomão, embora as medidas executivas indiretas tenham como finalidade a maior efetividade da tutela jurisdicional, as regras 66 Ibidem. 34 constitucionais não podem ser afastadas, em especial a restrição injustificada de direitos individuais67. A Primeira Turma do STJ, por sua vez, fixou o entendimento de que medidas atípicas como apreensão de passaporte são desproporcionais e inadequadas em sede de execução fiscal (HC 453.870 – PR). De acordo com o voto no então ministro Napoleão Nunes Maia Filho, o Estado já é “superprivilegiado” em sua condição de credor, por dispor de varas especializadas para a condução das execuções fiscais, de corpo de procuradores voltado exclusivamente para essas causas e uma lei própria para regular o procedimento (Lei nº 6.830/190). Desse modo, a aplicação de medidas atípicas aflitivas pessoais, como a suspensão de passaporte, “resulta em excessos”68. Por fim, outro entendimento do STJ que merece ser ressaltado, desta vez da Segunda Turma, é o de que é possível a determinação de medidas atípicas no cumprimento de sentença condenatória por improbidade administrativa (REsp 1.929.230 – MT). Segundo o relator ministro Herman Benjamin, os parâmetros construídos pela Corte, em especial pela Terceira Turma (vide REsp 1.864.190 – SP), para a verificação davalidade de medidas atípicas de execução, são adequados também em cumprimento de sentença em ação de improbidade, a fim de tutelar a moralidade administrativa e o patrimônio público69. 3.3. Os princípios da execução e os limites da tutela executiva atípica 67 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus nº 97.876 – SP, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 14 de fevereiro de 2019. Disponível em: . Acesso em 17 de julho de 2021. 68 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 453.870 – PR, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho – Primeira Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 15 de agosto de 2019. Disponível em: . Acesso em 17 de julho de 2021. 69 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.929.230 – MT, Relator: Ministro Herman Benjamin – Segunda Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 01 de julho de 2021. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2046756&num_ registro=202001657560&data=20210701&peticao_numero=-1&formato=PDF. Acesso em 17 de julho de 2021. 35 Como já abordado no presente trabalho, a execução no direito brasileiro é pautada por princípios que visam proteger a dignidade da pessoa do executado, sem que se comprometa a efetividade do processo. Nesse contexto, a adoção de meios executivos atípicos, assim como com qualquer medida tomada pelo juiz no curso da execução, deve primeiramente estar em consonância com os diversos princípios presentes no ordenamento jurídico, incluindo os princípios da dignidade da pessoa humana, do contraditório, da patrimonialidade, da proporcionalidade e da menor onerosidade. À vista disso, o FPPC firmou entendimento, em seu enunciado 396, de que as medidas executivas atípicas podem até ser determinadas de ofício pelo juiz, devendo, entretanto, ser observado o disposto no art. 8º do CPC, dispositivo esse que enfatiza a importância da proteção à dignidade da pessoa humana e da observância à proporcionalidade e à razoabilidade pelo juiz ao aplicar o ordenamento jurídico. Sendo assim, não pode o juiz perder de vista que os meios executivos atípicos a serem empregados deverão ser razoáveis e proporcionais ao título executivo e ter a finalidade exclusiva de compelir o executado a cumpri-lo, sem que o mesmo seja excessivamente onerado nesse processo ou que receba punição que o impeça de cumprir voluntariamente a sua obrigação. Além disso, como as medidas executivas atípicas podem ser aplicadas de ofício, o juiz não fica adstrito a qualquer pedido formulado pela parte, podendo escolher o meio que entender mais adequado e efetivo, desde que sua escolha seja justificada com a fundamentação devida. É pelas razões acima que, dependendo do caso, determinadas medidas executivas atípicas não podem ser aplicadas. Um exemplo é a suspensão da carteira nacional de habilitação de executado que trabalha como motorista profissional, por inadimplemento qualquer. Como o meio executivo empregado significa a privação do próprio sustento do executado, é manifesta a desproporcionalidade e a onerosidade excessiva da medida, sem falar que dificultaria ainda mais o adimplemento da obrigação. Casos como esse demonstram quão fundamental é o contraditório prévio ao estabelecimento de sanções atípicas, conferindo a oportunidade de o 36 executado justificar o porquê de determinada medida não poder ser aplicada e indicar qual seria a mais adequada ao caso. Roque chama atenção para outro critério que deve ser observado pelo juiz: “a adoção do meio executivo atípico não pode implicar o sacrifício do bem jurídico mais relevante”70. Segundo o autor, não seria possível, por exemplo, mandar fechar estabelecimento de uma pessoa jurídica em uma execução fiscal, pois os interesses pecuniários do Estado não prevalecem frente ao princípio da preservação da empresa e à proteção do emprego de seus funcionários71. A esse respeito, vale destacar que o juiz tem a obrigação de fundamentar quais os critérios de ponderação utilizados ao determinar a adoção de medida executiva atípica que comprometa determinado bem jurídico. Tal comando, além de estar insculpido no art. 93, IX, da CRFB, o qual dispõe do princípio constitucional da motivação das decisões, também se encontra no art. 489, § 2º, do CPC, cuja a redação está a seguir transcrita: Art. 489. [...] § 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas que fundamentam a conclusão72. Há, ainda, outros limites à adoção de medidas executivas atípicas, decorrentes de princípios que regem o ordenamento jurídico brasileiro. Roque, de forma clara e precisa, resumiu alguns dos principais limites que devem ser observados pelo juiz: Sintetizando, portanto, podem ser estabelecidos os seguintes limites para a utilização dos meios atípicos na execução, independentemente da natureza da obrigação: (i) não se pode adotar meio executivo proibido pela lei; (ii) a utilização do meio executivo não pode acarretar impossibilidade do cumprimento voluntário da obrigação; (iii) o meio executivo escolhido não pode implicar sacrifício do bem jurídico mais relevante; (iv) o meio executivo empregado deve passar no teste de proporcionalidade (considerados os seus subprincípios – adequação, vedação do excesso e 70 ROQUE, Andre Vasconcelos. Em busca dos limites para os meios executivos atípicos: até onde pode ir o Art. 139, IV do CPC/2015. In: TALAMINI; Eduardo; MINAMI, Marcos Youji. (Org.) Medidas executivas atípicas. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 744. 71 Ibidem. 72 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em 06 de abril de 2021. 37 proporcionalidade em sentido estrito); e, por fim (v) o meio executivo utilizado não pode implicar prejuízo a terceiros73. 3.4. Questionamentos à efetividade gerada pelo advento dos meios executivos atípicos Por mais que, ao menos na teoria, a implementação de meios executivos atípicos seja um importante aliado à garantia da efetividade da execução, ainda há dúvidas sobre se, de fato, houve progressos expressivos na prática. Dierle Nunes e Tatiane Costa de Andrade são dois exemplos de autoras que questionam a efetividade que teria sido causada pela aplicação dos meios executivos atípicos. Primeiramente, elas chamam atenção para o fato de que não há registro de qualquer monitoramento metodologicamente estruturado dos resultados das medidas atípicas determinadas pelos juízes74. Acrescentam, ainda, o seguinte: Há que se ter em conta, ainda, que até agora, não se teve notícia de nenhum estudo empírico de amplo espectro que demonstre que o uso das medidas executivas atípicas nas execuções de obrigações pecuniárias com base no art. 139, IV, do CPC, desde o início da vigência do CPC/2015, tenha de fato contribuído para o aumento da efetividade das execuções. Os estudos existentes atestam a baixa absorção da técnica75. Sendo assim, não haveria como ter noção do real impacto causado pelo advento do atual CPC, mais especificamente quanto às normas que autorizam a utilização de meios executivos atípicos, ao procedimento executivo. Para reforçar esse posicionamento, as autoras explicam que, ao se observar os dados publicados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Relatório Justiça em Números, verifica- se que não ocorreram mudanças de grande relevância nos resultadosnegativos constantes nos dados de litigiosidade do Poder Judiciário brasileiro de 2016 até 201876, fato esse que significaria a inexistência, até então, de qualquer revolução silenciosa da execução no Brasil. 73 ROQUE, Andre Vasconcelos. Em busca dos limites para os meios executivos atípicos: até onde pode ir o Art. 139, IV do CPC/2015. In: TALAMINI; Eduardo; MINAMI, Marcos Youji. (Org.) Medidas executivas atípicas. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 748. 74 NUNES, Dierle; ANDRADE, Tatiane Costa de. Recuperação de Créditos: a virada tecnológica. Belo Horizonte: Expert, 2021, p. 21. 75 NUNES, Dierle; ANDRADE, Tatiane Costa de. Recuperação de Créditos: a virada tecnológica. Belo Horizonte: Expert, 2021, p. 22-23. 76 Ibidem. 38 Entretanto, por mais que não tenha havido mudanças significativas nos primeiros anos após o advento do atual CPC, o Relatório Justiça em Números de 2021 demonstra uma ligeira melhora na resposta do Poder Judiciário durante a execução, por mais que historicamente o seu acervo esteja abarrotado de demandas executivas. A propósito, vale destacar o seguinte trecho do relatório: Os dados mostram que, apesar de ingressar no Poder Judiciário quase duas vezes mais casos em conhecimento do que em execução, no acervo a situação é inversa: a execução é 32,8% maior. Os casos pendentes na fase de execução apresentaram uma clara tendência de crescimento do estoque entre os anos de 2009 e 2017 e permanece quase que estável até 2019. O aspecto positivo é que o estoque de execução pendente foi reduzido em 8,6% em 2020 em relação ao ano anterior, demonstrando maior eficiência na baixa do estoque executivo77. Nesse seguimento, as tabelas abaixo, extraídas do Relatório Justiça em Números de 2021, demonstram com mais clareza que, a partir de 2019, o número de execuções finalizadas aumentou, ultrapassando, inclusive, o número de novas execuções, fato inédito desde 2009. Confira-se78: 77 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2021. Brasília: CNJ, 2021, p. 169. 78 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2021. Brasília: CNJ, 2021, p. 171. 39 O presente trabalho não tem como finalidade cair na armadilha de analisar os números acima de forma simplista, a ponto de afirmar, mesmo com poucas informações e dados sobre o tema, que o uso dos meios executivos atípicos contribuiu diretamente para o desafogo do Poder Judiciário. Tampouco pode-se afirmar, a priori, que tais resultados indiquem o aumento da satisfatividade das execuções no país. No entanto, os gráficos acima chamam atenção e demonstram indícios de melhorias no Poder Judiciário, que podem ter sido, sim, causada pelo atual CPC e por suas normas que conferem mais flexibilidade procedimental e alternativas diversas com vistas a se obter a satisfatividade, bem como pelos constantes avanços tecnológicos implementados no âmbito do Poder Judiciário, assunto esse que será tratado no próximo capítulo. 4. O AVANÇO TECNOLÓGICO DO PODER JUDICIÁRIO E AS FERRAMENTAS DISPONÍVEIS PARA O AUMENTO DA EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO 4.1. A Justiça Digital Nas últimas décadas, os magistrados, bem como os advogados e as demais instituições colaborativas à Justiça, entendem que é de extrema importância o avanço tecnológico do Poder 40 Judiciário, para que o seu funcionamento ocorra de forma mais célere, barata, inclusiva e efetiva. Em razão disso, paulatinamente o Poder Judiciário começava, nas últimas décadas, a oferecer serviços e funcionalidades eletrônicas, tais como forma de contato com as serventias e os gabinetes por e-mail, embora ainda precária, e, em especial, a gradativa transformação de processos físicos em eletrônicos. No entanto, o grande catalisador para a implementação tecnológica robusta no Poder Judiciário nos últimos anos foi, como não poderia deixar de ser, a necessidade. A situação calamitosa que o mundo experimentou - e ainda experimenta – em razão da pandemia do COVID-19, comprometeu diretamente a funcionalidade da Justiça no Brasil no estado em que se encontrava. Tornou-se necessária, portanto, uma reinvenção do Poder Judiciário, a fim de que pudesse permanecer em funcionamento, respeitando todos os protocolos sanitários e cuidados necessários no período. As mudanças foram significativas e melhoraram a qualidade do serviço prestado pelo Poder Judiciário e permanecem até hoje, como legado positivo deixado em um momento tão difícil experimentado pela comunidade como um todo. Entre as novas funcionalidades oferecidas pelo Poder Judiciário, está a implantação do Juízo 100% Digital, instituído pela Resolução do CNJ nº 34 de 9 de outubro de 2020. O Juízo 100% Digital confere a possibilidade de todos os atos processuais serem exclusivamente praticados por meio eletrônico e remoto, incluindo as audiências e sessões de julgamento que podem ocorrer por videoconferência. Não só as partes e os advogados não precisam mais se deslocar para os fóruns para praticarem atos que podem ser feitos de casa ou do escritório, mas a própria comunicação do Poder Judiciário melhorou, tanto internamente, entre setores diversos, quanto externamente, com outras instituições, dispensando-se ofícios e outras formas de comunicação em papel, bem como o uso do assoberbado serviço de correspondências do país. Vale destacar as seguintes considerações contidas no Relatório Justiça em Números de 2021 do CNJ sobre o avanço tecnológico do Poder Judiciário: 41 Essa medida promove maior tramitação de processos em meio eletrônico, aumento da celeridade e da eficiência da prestação jurisdicional por meio do uso de tecnologia e permite que os serviços prestados presencialmente por outros órgãos do Tribunal, como os de solução adequada de conflitos, cumprimento de mandados centrais de cálculos, tutoria e outros, possam ser convertidos à modalidade eletrônica79. É importante ressaltar que, logicamente, o Juízo 100% Digital é facultativo às partes, pois, como se sabe, o país ainda vive a lamentável realidade de que nem todos os brasileiros possuem acesso adequado à internet. Para dar continuidade aos avanços gerados pelo Juízo 100% Digital, foi criado o Programa Justiça 4.0, o qual possui como finalidade a prestação de serviços judiciários mais eficientes, eficazes e acessíveis à sociedade. Segundo os canais oficiais de comunicação do CNJ, tal programa “torna o sistema judiciário mais próximo da sociedade ao disponibilizar novas tecnologias e inteligência artificial”80. O referido programa serviu como outro catalisador para novas transformações e melhorias no funcionamento do Poder Judiciário. Para se ter ideia, em razão desse programa, foram desenvolvidos três modelos de inteligência artificial que agilizam o preenchimento automatizados de dados dos processos judiciais, de acordo com cada tipo de documento, com acurácia acima de 85%81. Também merece destaque a instituição do Balcão Virtual, que serve como um canal de atendimento ao público disponibilizado pelas unidades jurisdicionais, em alternativa ao atendimento presencial. Como se percebe, a Justiça Digital veio para ficar e otimizou consideravelmente as ações do Poder Judiciário em geral, sendo tal fato, sem dúvida, relevante para o aumento da efetividade das execuções. 79 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2021. Brasília: CNJ, 2021, p. 16. 80 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça 4.0. Disponível em: . Acesso em 02 de março de 2022. 81 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça 4.0 completa um ano com avanços na inovação tecnológica do Judiciário. Disponível em: . Acesso em03 de março de 2022. 42 4.2. SisbaJud: uma importante ferramenta de auxílio à execução O avanço tecnológico no Poder Judiciário e das instituições auxiliares e/ou conveniadas contribuiu para aumentar as ferramentas à disposição do exequente e também do juiz - já que este também é interessado pela satisfatividade da execução - para os auxiliarem na busca pelos bens penhoráveis e recursos financeiros que muitas vezes são ocultados pelo executado. Uma das principais ferramentas é o Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário – SisbaJud, que foi desenvolvido pelo CNJ em parceria com o Banco Central e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. O SisbaJud é uma plataforma eletrônica com finalidade de rastreamento e bloqueio de ativos de devedores com dívidas reconhecidas pela Justiça. Veio para substituir integralmente o antigo BacenJud, apresentando novas funcionalidades para dar mais celeridade ao cumprimento das decisões judiciais. Com o SisbaJud, é possível ao juiz a consulta on-line dos relacionamentos bancários do devedor com as instituições financeiras. Além disso, tanto a emissão de ordens judiciais de quebra de sigilo bancário e de penhora quanto as suas respostas passaram a ser integralmente eletrônicas, o que torna o procedimento muito mais simples, efetivo e ágil. O Poder Judiciário, agora, além de ter acesso aos resultados da quebra do sigilo bancário do devedor em tempo real, pode consultar os seguintes documentos e informações relativas ao devedor: (i) os extratos bancários, (ii) extrato de conta de FGTS, (iii) extrato do PIS, (iv) faturas de cartão de crédito, (v) contratos de câmbio, (vi) contrato de abertura de conta, e (vii) cópia de cheques82. O SisbaJud possibilitou o cumprimento automatizado das ordens judiciais, diferentemente da época em que BacenJud era utilizado, quando, por vezes, eram necessárias semanas, ou até meses, para o atendimento das instituições financeiras às determinações do juízo, tempo esse mais do que suficiente para qualquer executado de má-fé tomar medidas a 82 MIGALHAS. SisbaJud: novo sistema de penhora online já funciona de maneira independente. Disponível em : . Acesso em 04 de março de 2022. 43 fim de ocultar ou esvaziar o seu próprio patrimônio, impedindo, assim, a satisfação do crédito do exequente. Outra importante mudança trazida pelo SisbaJud é a funcionalidade comumente chamada de “teimosinha”. Com a “teimosinha”, a busca por dinheiro nas contas bancárias do executado passou a ser feita de forma automatizada por até 30 dias seguidos, o que é um grande avanço em relação às buscas que eram feitas anteriormente, cuja duração era de 24h, devendo cada busca, ainda, ser renovada por meio de novo pedido do executado e nova ordem judicial às instituições bancárias. Evidentemente, a “teimosinha” não garante eficácia de 100% no cumprimento de ordens de penhora, mas é inegável o aumento da probabilidade de êxito quando comparadas ao modelo antigo do BacenJud, já que é muito mais fácil para o executado manter uma conta judicial vazia por espaço de tempo tão curto como o de 24h. Além do SisbaJud, as ferramentas existentes para auxílio ao Poder Judiciário e para o exequente são inúmeras, muitas delas com a finalidade de investigação patrimonial do executado e de criar barreiras a eventuais tentativas de ocultação ou dilapidação patrimonial. São algumas delas: (i) Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – SREI, (ii) Restrições Judiciais Sobre Veículos Automotores - RenaJud, (iii) Sistema de Informações ao Judiciário - InfoJud, (iv) dossiê integrado da Receita Federal, (v) Sistema Integrado de Informações da Aviação Civil - SACI, (vi) Sistema Nacional de Cadastro Rural - SNCR, e (vii) Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias - SIMBA. As ferramentas tecnológicas disponíveis são diversas, e a expectativa é que se desenvolvam cada vez mais com o avanço tecnológico progressivo no Poder Judiciário, de modo a tornar a execução no Brasil cada vez mais eficiente e satisfativa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por todo o exposto no presente trabalho, é inegável os avanços do direito brasileiro e do Poder Judiciário como um todo quando se trata da busca pela efetividade da execução. 44 São diversas as alternativas dadas às partes para que elas mesmas ditem os rumos que querem seguir e para que estabeleçam um denominador comum que garanta a viabilidade do pagamento do crédito, sem, contudo, prejudicar o devedor desnecessariamente. Destaca-se, nesse sentido, o instituto dos negócios processuais, o qual permite a flexibilização procedimental da execução, com vistas à eliminação da burocracia ou de eventuais outras barreiras que possam atrapalhar o pagamento do valor pleiteado pelo exequente. Não havendo consenso entre exequente e executado e percebendo o juiz que o devedor não demonstra qualquer intenção de colaborar com a satisfação do credor, há a possibilidade de coagir o executado ao adimplemento, por meio das medidas executivas atípicas, instituto esse autorizado pela lei processual brasileira. Para aplicação das medidas executivas atípicas, é muito importante que o advogado do exequente seja proativo e investigue quais providências podem ser tomadas para “convencer” o devedor que é melhor pagar logo o que deve, resguardando-se, contudo, os direitos deste previstos pelo ordenamento jurídico pátrio. Além das medidas executivas atípicas, não se pode perder de vista os meios tradicionais de se garantir a satisfatividade da execução: a penhora e a expropriação. Tais institutos hoje são mais efetivos do que nunca graças aos avanços tecnológicos experimentados pela sociedade e, em especial, pelo Poder Judiciário. São diversas as ferramentas tecnológicas que permitem a localização de bens do executado e impossibilitam a dilapidação proposital de seu patrimônio, tornando muito mais difícil qualquer movimento no sentido de fraude à execução. Logicamente, ainda há muito a ser melhorado, mas a conclusão que se chega no presente trabalho é que os avanços relativos ao procedimento de execução no Brasil são notáveis e entusiasmantes, fato que permite um olhar otimista para os anos que estão por vir e que estimula, cada vez mais, a idealização de novas ferramentas que possam servir à população, para, inclusive, garantir a satisfatividade do processo de execução. 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AURELLI, Arlete Inês. Análise e limites da celebração de negócios jurídicos processuais na execução por título extrajudicial e/ou cumprimento de sentença. In: MARCATO, Ana et al. (Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017. BECKER, Rodrigo Frantz. Manual do Processo de Execução dos Títulos Judiciais e Extrajudiciais. Salvador: JusPodivm, 2021. BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2021. Brasília: CNJ, 2021. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça 4.0. Disponível em: . Acesso em 02 de março de 2022. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça 4.0 completa um ano com avanços na inovação tecnológica do Judiciário. Disponível em: . Acesso em 03 de março de 2022. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 453.870 – PR, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho – Primeira Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília,15 de agosto de 2019. Disponível em: . Acesso em 17 de julho de 2021. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus nº 97.876 – SP, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão – Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 14 de fevereiro de 2019. Disponível em: . Acesso em 17 de julho de 2021. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.864.190 – SP, Relator: Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 19 de junho de 2020. Disponível em: . Acesso em 17 de julho de 2021. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.929.230 – MT, Relator: Ministro Herman Benjamin – Segunda Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 01 de julho de 2021. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencia 46 l=2046756&num_registro=202001657560&data=20210701&peticao_numero=- 1&formato=PDF. Acesso em 17 de julho de 2021. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 30ª edição. São Paulo: Atlas, 2016. CARVALHO, Juliano Agnus de Souza Carvalho. A efetividade do processo de execução no novo Código de Processo Civil: avançs, inovações e críticas. Disponível em: . Acesso em 13 de março de 2021. CUNHA, Leonardo Carneiro da. A previsão do princípio da eficiência no projeto do novo Código de Processo Civil Brasileiro. Revista de Processo. São Paulo, v. 39, n. 233. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. v.1. 19ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. v.5. 7ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017. Enunciado nº 12 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Disponível em: . Acesso em 08 de agosto de 2021. Enunciado nº 19 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Disponível em: . Acesso em 25 de julho de 2021. FARIA, Marcela Kohlbach de. Licitude do objeto das convenções processuais. In: MARCATO, Ana et al. (Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017. GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2002. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. MIGALHAS. SisbaJud: novo sistema de penhora online já funciona de maneira independente. Disponível em : . Acesso em 04 de março de 2022. MOTTA, Cristina Reindolff da; MÖLLER, Gabriela Samrsla. A abertura hermenêutica das cpnvenções processuais à execução: pela busca da satisfatividade da tutela do direito material. In: MARCATO, Ana et al. (Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017. NUNES, Dierle; ANDRADE, Tatiane Costa de. Recuperação de Créditos: a virada tecnológica. Belo Horizonte: Expert, 2021. 47 ROQUE, Andre Vasconcelos. Em busca dos limites para os meios executivos atípicos: até onde pode ir o Art. 139, IV do CPC/2015. In: TALAMINI; Eduardo; MINAMI, Marcos Youji. (Org.) Medidas executivas atípicas. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020. TARZIA, Giuseppe. O contraditório na execução da sentença civil: as defesas do executado. Orientador: Prof. Pedro Miranda de Oliveira. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2015. In: BECKER, Rodrigo Frantz. Manual do Processo de Execução dos Títulos Judiciais e Extrajudiciais. Salvador: JusPodivm, 2021. TEMER, Sofia; ANDRADE, Juliana Melazzi. Convenções Processuais na execução: modificação consensual das regras relativas à penhora, avaliação e expropriação de bens. In: MARCATO, Ana et al. (Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017. THEODORO JÚNIOR, Humberto et al. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2015. VAUGHN, Gustavo Fávero et al. Um paralelo entre os negócios jurídicos processuais e a arbitragem. Disponível em: . Acesso em 25 de maio de 2021. VIERA, Eduarda da Fonseca; JOBIM, Marco Felix. A efetividade das medidas expropriatórias na execução de títulos extrajudiciais sob a análise do princípio da menor onerosidade para o executado. Disponível em: . Acesso em 16 de dezembro de 2020. WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e meios consensuais de solução de conflitos. In: ALMEIDA, Rafael Alves et al. (Organizadores). Tribunal Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2012.da norma jurídica a fim de melhor concretizar o direito”. Confere ao princípio, portanto, a importante função de adequar o direito ao caso concreto, valendo-se de suas premissas norteadoras. Não é à toa que o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), no Enunciado nº 370/2015, classificou princípio como norma processual fundamental. Feitas tais considerações, cabe agora expor alguns dos princípios processuais que merecem destaque em se tratando de efetividade da execução. 1.2.1. Princípio da efetividade Não há como se falar em execução efetiva sem abordar o princípio da efetividade, o mais importante norteador de qualquer execução. Tamanha a sua importância que Becker a considera, em vez de princípio, como elemento essencial e informador da execução7. O princípio da efetividade está diretamente atrelado ao devido processo legal, pois, como bem pontua Freddie Didier, “processo devido é processo efetivo”8. Esse princípio, como 6 VIERA, Eduarda da Fonseca; JOBIM, Marco Felix. A efetividade das medidas expropriatórias na execução de títulos extrajudiciais sob a análise do princípio da menor onerosidade para o executado. Disponível em: . Acesso em 16 de dezembro de 2020. 7 BECKER, Rodrigo Frantz. Manual do Processo de Execução dos Títulos Judiciais e Extrajudiciais. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 45. 8 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. v.5. 7ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 65. 6 o nome já sugere, visa à condução da execução até a satisfação total do direito previsto no título executivo. É fazer com que a jurisdição executiva cumpra o papel que dela se espera. Do princípio da efetividade se entende que a prestação jurisdicional efetiva não é aquela que apenas reconhece o direito de uma das partes, mas que também oferece meios capazes, sendo eles coercitivos ou não, de propiciar a integral satisfação de tal direito ao seu titular. Nas palavras de Marcelo Lima Guerra, o direito da efetividade consiste “na exigência de um sistema completo de tutela executiva, no qual existem meios executivos capazes de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor de tutela executiva”9. Como bem observa Juliano Carvalho, a finalidade desse princípio é “tornar eficazes e eficientes as regras regentes do processo civil, das quais se valem as partes na busca da prestação jurisdicional”10. Nesse sentido, ensina Leonardo Carneiro da Cunha que a efetividade se relaciona “com o cumprimento das normas jurídicas: uma norma é efetiva quando seja cumprida por seus destinatários. A efetividade é, então, uma medida de realização concreta dos efeitos calculados in abstrato na norma jurídica”11. Logo, a execução deve ser conduzida de modo que as normas processuais atinjam seus propósitos. Nesse ponto, é importante destacar os conceitos de eficiência, eficácia e efetividade ponderados por José dos Santos Carvalho Filho, ao ensinar sobre os princípios fundamentais que regem a Administração Pública. Para o brilhante autor, efetividade não pode ser confundida com eficiência e com eficácia, pois, enquanto a eficiência possui relação com o “modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa”12 e a eficácia “com os meios e 9 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2002, p. 102.In: DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 65. 10 CARVALHO, Juliano Agnus de Souza Carvalho. A efetividade do processo de execução no novo Código de Processo Civil: avançs, inovações e críticas. Disponível em: . Acesso em 13 de março de 2021. 11 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A previsão do princípio da eficiência no projeto do novo Código de Processo Civil Brasileiro. Revista de Processo. São Paulo, v. 39, n. 233, p. 67. 12 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 30ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, p. 85. 7 instrumentos utilizados pelos agentes”13, a efetividade, por sua vez, “é voltada para os resultados obtidos”14. A partir de tais conceitos, é perfeitamente possível o Poder Judiciário providenciar uma execução eficiente e eficaz, porém não efetiva, quando todas as medidas executivas são aplicadas diligentemente pelo juízo e, mesmo assim, não é alcançada a satisfatividade da pretensão do exequente. Para esclarecer melhor como o princípio da efetividade orienta a execução, Didier explica: Mais concretamente, significa que: a) a interpretação das normas que regulamentam a tutela executiva tem de ser feita no sentido de extrair a maior efetividade possível; b) o juiz tem o poder-dever de deixar de aplicar uma norma que imponha uma restrição a um meio executivo, sempre que essa restrição não se justificar como forma de proteção a outro direito fundamental; c) o juiz tem o poder-dever de adotar os meios executivos que se revelem necessários à proteção integral de tutela executiva.15 Por força do princípio da efetividade, ao juiz compete proporcionar meios para que se obtenha, ao máximo, a efetividade da tutela, por meio de medidas como previsão de multa ao executado, execução provisória, sanção ao devedor que age deslealmente, entre outros. Nesse sentido, o art. 797 do CPC dispõe que a execução se realiza no interesse do exequente. Assim como todo princípio, o da efetividade do processo não é absoluto e deve ser aplicado de forma que não comprometa outros direitos fundamentais, especialmente as garantias que possuem os executados. Entretanto, como pontuado por Didier no item “b” da transcrição acima, o princípio da efetividade permite o afastamento de normas que imponham uma restrição a um meio executivo quando essa restrição, por si só, não se justificar. Vai depender da análise do caso concreto e do bom senso do juiz. 13 Ibidem. 14 Ibidem. 15 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. v.5. 7ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 66. 8 Desse modo, a aplicação do princípio da efetividade não deve ser tolhida por normas garantidoras quando estas não estiverem sendo invocadas com o intuito de proteção a algum direito fundamental. Essa constatação é bastante pertinente, pois permite que a execução não se torne engessada e que a atuação do juiz não seja regida tão somente pelo que diz a lei. Assim sendo, a aplicação do princípio da efetividade pressupõe uma análise abrangente do caso concreto, devendo ser feita ponderação dos direitos fundamentais aparentemente conflitantes e, assim, coibir qualquer pretenso abuso de direito, tanto por parte do exequente quanto do executado. 1.2.2. Princípio da cooperação Sustentado pelos princípios do devido processo legal, da boa-fé processual, do contraditório e do respeito ao autorregramento da vontade no processo16, o princípio da cooperação é fundamental para se obter resultado útil em qualquer execução, pois é responsável por fazer que que as partes assumam um comportamento colaborativo ao longo do processo, fazendo com que haja cooperação e lealdade entre elas, mesmo ocupando posições contrárias na lide, e, claro, com o juiz também. Seguindo a lógica colaborativa adotada no CPC atual, o princípio da cooperação passou a ser expressamente positivado na lei processual, no art. 6º, com a seguinte redação: Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva17. Como bem pontuaram Larissa de Freitas Couto Barreiros, Túlio Macedo Rosa e Silva e Adelson Silva dos Santos “a tônica do artigo 6º é justamente um novo ponto de vistaprocessual, privilegiando o diálogo entre todas as partes para que a prestação jurisdicional seja entregue de maneira mais justa e célere”18. A ideia do dispositivo acima é a criação de um cenário propício 16 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. v.1. 19ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 141. 17 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em 06 de abril de 2021. 18 O escopo do princípio da cooperação no código de processo civil. 9 ao desfecho satisfativo do processo, conferindo a obrigação a todos os sujeitos do processo de praticarem cada ato processual com essa finalidade. O atuar do juiz, portanto, também deve ser conduzido pelo princípio da cooperação. A figura do magistrado não deve apenas ser a de mediadora do processo, mas também a de propositora de soluções e meios probatórios úteis e efetivos, sempre observando a imparcialidade que é própria de sua posição, além de coibir quaisquer atos protelatórios pretendidos pelas partes. Logo, pode-se afirmar que o órgão jurisdicional está inserido no rol dos sujeitos do diálogo processual, não sendo um mero espectador da lide. Didier prossegue afirmando que os deveres de cooperação, que devem ser seguidos pelos sujeitos do processo (partes e órgão jurisdicional), são os de esclarecimento, lealdade e de proteção. Confira-se: Vejamos algumas manifestações desses deveres em relação às partes: a) dever de esclarecimento: os demandantes devem redigir a sua demanda com clareza e coerência, sob pena de inépcia; b) dever de lealdade: às partes não podem litigar de má-fé (arts. 79-81 do CPC), além de ter de observar o princípio da boa-fé processual (art. 5º, CPC); c) dever de proteção: a parte não pode causar danos à parte adversária (punição ao tentado, art. 77, VI, CPC: há responsabilidade objetiva do exequente nos casos de execução injusta, arts. 520, I, e 776, CPC). Mas também em relação ao órgão jurisdicional é possível visualizar a aplicação do princípio da cooperação. O órgão jurisdicional tem o dever de lealdade, de resto também consequência do princípio da boa-fé processual, conforme já examinado. O dever de esclarecimento consiste no dever de o tribunal se esclarecer junto das partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo, para evitar decisões tomadas em percepções equivocadas ou apressadas. Assim, por exemplo, se o magistrado estiver em dúvida sobre o preenchimento de um requisito processual de validade, deverá providenciar esclarecimento da parte envolvida, e não determinar imediatamente a consequência prevista em lei para esse ilícito processual (extinção do processo, por exemplo). Do mesmo modo, não deve o magistrado indeferir a petição inicial, tendo em vista a obscuridade do pedido ou da causa de pedir sem antes pedir esclarecimentos ao demandante – convém lembrar que há hipóteses em que se confere a não advogados a capacidade de formular pedidos, o que torna ainda mais necessária a observância desse dever. O dever de esclarecimento não se restringe ao dever de o órgão jurisdicional esclarecer-se junto das partes, mas também o dever de esclarecer os seus próprios pronunciamentos para as partes. É certo que esse dever decorre do dever de motivar, que é uma das garantias processuais já consolidadas ao longo da história. O dever de motivar contém, obviamente, o dever de deixar claras as razões da decisão. Essa 10 circunstância não impede, porém, que se veja aqui também uma concretização do princípio da cooperação já positivada.19 Como não poderia deixar de ser, a cooperação entre os sujeitos do processo se dá não apenas na fase de conhecimento, mas também na execução. É o que o próprio CPC indica quando prevê, ao executado, o dever de indicar bens à penhora, (art. 74, V, CPC), ou de apresentar o valor que reputa devido, ao impugnar o valor da execução (art. 525, §4º, CPC). O princípio da cooperação é corolário do tão consagrado princípio da boa-fé, previsto no art. 4º, III, da CRFB, pois a cooperação entre os sujeitos do processo nada mais é do que uma das tantas manifestações de comportamento ético no processo. Particularmente em relação à execução, o CPC dispõe, em seu art. 774, caput, sobre as hipóteses de atos atentatórios à dignidade da justiça praticados pelo executado, e o parágrafo único do mesmo artigo prevê a possibilidade de fixação de multa pelo juiz como punição ao executado pela prática de tais atos. Talvez na fase de execução que mais seja necessária a incidência do princípio da cooperação. Não apenas para garantir a efetividade da execução e a satisfação do exequente, mas também como forma de se evitar medidas expropriatórias e/ou coercitivas que poderiam ser evitadas caso houvesse uma relação colaborativa entre os sujeitos do processo. 1.2.3. Princípio do autorregramento da vontade das partes Ninguém melhor para garantir a efetividade da execução do que as próprias partes em conjunto. É por essa razão que, na execução, incide o princípio do autorregramento da vontade das partes, o qual é muito valorizado no direito processual brasileiro atual. Decorrente do princípio da cooperação, o princípio do autorregramento da vontade é o resultado de um processo de evolução do direito processual, que passou a promover a solução de conflitos por meio de métodos alternativos ao tradicional, deixando de enxergar, assim, as decisões judiciais como principal instrumento para tal. 19 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. v.1. 19ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 144-145. 11 Para Theodoro Júnior, Dierle Nunes e outros, a evolução do direito processual brasileiro permitiu a adoção de um modelo processual comparticipativo/cooperativo entre os sujeitos. Merece destaque o seguinte ensinamento: Para que o processo de fato mereça o qualificativo de democrático/justo, e se torne real o clima de colaboração entre o juiz e as partes, a nova lei impõe uma conduta leal e de boa-fé, não só dos litigantes, mas também do magistrado, a quem se atribuíram os deveres de esclarecimento, de diálogo, de prevenção e de auxílio para com os sujeitos interessados na correta composição do conflito, criando-se um novo ambiente normativo contrafático de indução à comparticipação (em decorrência dos comportamentos não cooperativos)20. A construção desse modelo processual comparticipativo/cooperativo possibilitou o surgimento, na doutrina brasileira, de um expressivo movimento em favor do autorregramento das partes, seja porque se trata de uma forma de manifestação do direito fundamental à liberdade, como defende Didier21, ou porque a consensualidade exprime o direito ao acesso à justiça, conforme leciona Kazuo Watanabe, in verbis: Pode-se afirmar assim, sem exagero, que os meios consensuais de solução de conflitos fazem parte do amplo e substancial conceito de acesso à justiça, como critérios mais apropriados do que a sentença, em certas situações, pela possibilidade de adequação da solução à peculiaridade do conflito, à sua natureza diferenciada, às condições e necessidades especiais das partes envolvidas. Trata-se, enfim, de um modo de se alcançar a justiça com maior equanimidade e aderência ao caso concreto22. Com o advento do atual CPC, a autocomposição entre as partes passou a ocupar um lugar de destaque entre os métodos de solução de conflitos. Segundo Cristina Reindolff da Motta e Gabriela Samrsla Möller, a autocomposição “denota uma ampliação da abertura do diálogo e da manifestação subjetiva dos litigantes”23, sendo“uma alternativa possível para resolver a morosidade que prejudica a quem utiliza o poder judiciário”24. 20 THEODORO JÚNIOR, Humberto et al. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 82. 21 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. v.1. 19ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 149. 22 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e meios consensuais de solução de conflitos. In: ALMEIDA, Rafael Alves et al. (Organizadores). Tribunal Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2012, p. 88-89. 23 MOTTA, Cristina Reindolff da; MÖLLER, Gabriela Samrsla. A abertura hermenêutica das cpnvenções processuais à execução: pela busca da satisfatividade da tutela do direito material. In: MARCATO, Ana et al. (Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 85 24 Ibidem. 12 Não são poucos os dispositivos do CPC que estimulam o autorregramento da vontade, tais como: (i) o art. 200, que reafirma a produção imediata de efeitos dos atos negociais das partes, independentemente de deferimento ou homologação judicial; (ii) o art. 3º, §3º, que estimula a busca pela solução consensual da lide; (iii) os arts. 165 a 175, que tratam sobre mediação e conciliação; e (iv) o art. 190, que trata da cláusula geral de negociação processual. Especificamente sobre a execução, o CPC também traz dispositivos visando à promoção do autorregramento da vontade. Nele, há previsão de (i) força executiva aos acordos extrajudiciais homologados pelo juízo (art. 515, III, § 2º, CPC), (ii) realização de convenções processuais típicas em sede de execução, tais como a escolha consensual de depositário- administrador (art. 866), acordo das partes sobre o valor do bem que dispensa avaliação (art. 871, I, CPC), a pré-indicação de bem penhorável preferencial (art. 848, II, CPC), e, por fim, (iii) a cláusula geral de negociação atípica (art. 190, CPC) aplicável em qualquer fase do processo. As convenções processuais são uma importante ferramenta para garantia da efetividade da execução com a colaboração mútua entre as partes, evitando-se procedimentos que sejam burocráticos, custosos e desnecessários no caso concreto. A matéria relativa às convenções realizadas na execução será abordada com mais profundidade no capítulo seguinte. 1.2.4. Princípio do desfecho único O objetivo da execução é cumprir o que determina o título executivo. Essa é a regra. Em razão disso, o processo executivo deve ser conduzido exclusivamente para que seja alcançada tal finalidade, a fim de garantir a satisfatividade da execução. Em tese, partindo-se dessa premissa, qualquer desfecho do processo sem a realização concreta do direito substancial será indesejado. A respeito disso, pontua Becker: Em verdade, na prática, a consequência mais indesejada do processo de execução é o arquivamento dos autos ante a inexistência de bens penhoráveis do devedor, o que, definitivamente, vai de encontro com os ideais ora debatidos25. 25 BECKER, Rodrigo Frantz. Manual do Processo de Execução dos Títulos Judiciais e Extrajudiciais. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 95. 13 Certamente, é uma derrota para o exequente e para a Justiça como um todo quando a execução se encerra contra a vontade do primeiro, por não terem sido encontrados bens do executado que pudessem satisfazer o crédito contido no título executivo ou, ao menos, tornar viáveis quaisquer medidas de coação adotadas pelo juízo contra o executado. Entretanto, nem sempre quando a execução se encerra sem o efetivo cumprimento do título executivo significará que a Justiça fracassou e que o exequente se frustrou. Não se pode deixar de considerar que, no processo, antes de tudo, são as pessoas (partes e o juiz) as protagonistas. Assim como em qualquer relação interpessoal, não há como prever os desdobramentos que possam ocorrer ao longo do tempo, pois podem haver mudanças na forma de pensar e até nos interesses de cada pessoa que faz parte da relação, sendo possível que o prosseguimento da execução passe a ser indesejado pelo próprio exequente. Sendo assim, nem sempre o exequente terá interesse em concretizar execução. Um exemplo é quando ele opta pela desistência da execução para tão somente poupar o executado ou por razões diversas e alheias ao processo. Tal hipótese é uma manifestação do princípio do autorregramento das partes, princípio esse, como se sabe, promovido pelo atual CPC. Logo, não se trata de execução frustrada, muito pelo contrário: a adequação do caminho em que a execução foi guiada - nesse caso para o seu desfecho prematuro, em atendimento à vontade do exequente - é uma forma de se obter a satisfatividade. Como já mencionado neste trabalho, Carvalho Filho ensina que a efetividade está relacionada com os resultados obtidos. Logo, não há como negar a efetividade da execução extinta pela espontânea vontade do exequente – desde que seja legítima-, tendo em vista que a sua pretensão, que se alterou ao longo do processo, foi devidamente atendida. Em outras palavras, trata-se de execução efetiva sem propriamente ter sido concretizada, o que é uma clara relativização do princípio do desfecho único. 1.3. Os princípios de proteção ao executado 14 Assim como há princípios que norteiam a execução para que seja cumprido o título executivo, também há aqueles que visam à proteção do executado, impedindo que a execução tome rumo em direção diversa à finalidade que lhe é própria (a satisfatividade) e que contrarie as normas gerais do Direito. Em outras palavras, a proteção do executado serve para humanizar o processo de execução. 1.3.1. Princípio da dignidade da pessoa humana Classificada pela CRFB como um dos fundamentos da República, no art. 1º, caput, III, o princípio da dignidade humana está presente em todos os ramos do Direito, inclusive no Direito Processual Civil. Em síntese bem apartada, os direitos fundamentais previstos na CRFB, complementados com os diversos direitos previstos infraconstitucionalmente, foram estabelecidos justamente para proteger a dignidade das pessoas. Indubitavelmente, esse princípio tem o poder de orientar todas as situações jurídicas que possam acontecer. Não há como, no Direito Brasileiro, pelo menos na teoria, um fato jurídico manifestamente contrário à dignidade da pessoa humana ocorrer licitamente. Isso decorre da constitucionalização do direito infraconstitucional, que, segundo Luís Roberto Barroso, “consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados”26, o que torna a Carta Magna “não apenas parâmetro de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor de interpretação de todas as normas do sistema”27. Logo, imperioso admitir que a dignidade da pessoa humana, inserida no Título Dos Princípios Fundamentais da CRFB, orienta toda a ordem jurídica pátria. Nesse sentido, acrescenta Gilmar Ferreira Mendes que é o princípio da dignidade que “demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça”28, além de 26 BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 363. 27 Ibidem. 28MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 140. 15 inspirar os “típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à integridade física e íntima de cada ser humano”29. De certa forma, o processo que respeita os direitos processuais serve como mecanismo assegurador da dignidade das partes durante o litígio, já que,por meio dele, é garantida a oportunidade, em prazo pré-determinado, a cada uma delas de se manifestarem, de se defenderem e de produzirem provas de seus pretensos direitos. É, também, por meio do processo que pode ser prolatada decisão judicial imparcial, levando-se em consideração todos os elementos apresentados aos autos. Como na execução ocorrem medidas expropriatórias, é imprescindível que todos os atos praticados não se distanciem do princípio da dignidade, do contrário o executado poderia sofrer danos irreparáveis e desnecessários, contrariando a lógica de paz social que é perseguida pela Justiça. Em outras palavras, a execução não pode deixar de ser humanizada e não pode ser conduzida desenfreadamente pelo juiz a pedido do exequente, como se não houvesse uma outra pessoa, detentora de direitos, no polo passivo. É por essa razão que o Direito prevê uma série de garantias ao executado, por meio de princípios de suma importância, dos quais alguns serão abordados a seguir, ressaltando-se que todos eles são corolários do princípio da dignidade da pessoa humana. 1.3.2. Princípio do contraditório Um dos direitos fundamentais consagrados pela CRFB é o direito ao contraditório em processo judicial ou administrativo, previsto em seu art. 5º, LV. No CPC, também, em seu art. 10, está previsto o direito às partes de terem oportunidade de se manifestarem antes de qualquer decisão do juiz, mesmo que se trate de matéria que deva ser decidida de ofício, em qualquer grau de jurisdição. É importante frisar que os dispositivos acima não limitam o direito ao contraditório apenas à fase de conhecimento, sendo, portanto, necessária a garantia de tal direito também na 29 Ibidem. 16 fase de execução, a fim de que o executado possa se defender adequadamente à execução pretendida pelo exequente. A propósito, Didier destaca o contraditório como um importante mecanismo de instauração de um diálogo entre os sujeitos do processo. Confira-se: Como se vê, o contraditório vai além da bilateralidade de audiência e da garantia de conferir às partes iguais oportunidades. Ele exige a instauração de um diálogo no processo entre o juiz e as partes. Além da necessidade de dar ciência às partes dos atos a serem realizados no processo e das decisões ali proferidas, impõe-se conferir à parte a oportunidade de contribuir com o convencimento do juiz no tribunal30. O executado tem o direito de se manifestar previamente sobre qualquer matéria que deva ser decidida pelo magistrado, tendo à sua disposição os procedimentos típicos, previstos expressamente na legislação (impugnação ao cumprimento de sentença e embargos à execução), e os atípicos (exceção de pré-executividade, entre outros). Entretanto, as defesas que podem ser oferecidas na execução possuem diferenças em relação às da fase de conhecimento. Segundo, Didier, “a aplicação do contraditório na execução não se faz com a mesma intensidade do processo ou da fase de execução”31. Isso porque as defesas das quais dispõem o executado são limitadas às matérias que podem ser oferecidas pelo executado, conforme dispõe o CPC, em seus arts. 525, no caso de cumprimento de sentença, e 917, em embargos à execução. A esse respeito, Giuseppe Tarzia define o contraditório na execução como parcial e atenuado: parcial por ser limitado a alguns temas e atenuado porque é manifestado por meio de modos rápidos e informais32. Embora a manifestação do contraditório na execução não seja igual à manifestação no processo de conhecimento, não há como negar que o princípio do contraditório deve ser 30 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. v.5. 7ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 76-77. 31 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. v.5. 7ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 78. 32 TARZIA, Giuseppe. O contraditório na execução da sentença civil: as defesas do executado. Orientador: Prof. Pedro Miranda de Oliveira. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2015. In: BECKER, Rodrigo Frantz. Manual do Processo de Execução dos Títulos Judiciais e Extrajudiciais. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 87. 17 aplicado em ambos os casos. Ao executado é garantido o direito manifesto de ter a oportunidade de se pronunciar sempre que o juiz for tomar alguma providência, já que é parte fundamental do processo. 1.3.3. Princípio da patrimonialidade O princípio da patrimonialidade deriva do art. 789 do CPC. De acordo com esse artigo, o devedor responde pelo cumprimento da obrigação através de seus bens presentes e futuros. Em regra, a execução não recairá sobre a pessoa. Tal princípio não é absoluto, como a própria parte final do art. 789 dispõe. A prisão civil por inadimplemento voluntário e inescusável de pensão alimentícia é um exemplo de relativização da patrimonialidade, já que, nessa hipótese, tal punição recairá diretamente sobre a pessoa do devedor, conforme previsto no art. 5º, LXVII, da CRFB e art. 528, § 3º, do CPC. 1.3.4. Princípio da proporcionalidade A fim de resguardar e promover a dignidade da pessoa humana, o art. 8º do CPC prevê que o juiz deve observar a proporcionalidade ao aplicar os dispositivos legais existentes. Isso também vale na seara da execução. Dessa forma, numa execução, é necessário que o julgador tome decisões que não penalizem exagerada e injustamente qualquer uma das partes, sobretudo o executado, cuja esfera patrimonial poderá ser invadida. Nas palavras de Didier, “num juízo de proporcionalidade, é preciso relativizar a ordem para que se sacrifique o mínimo possível os direitos de ambas as partes, tentando harmonizá-los da melhor maneira”33. Logo, uma execução conduzida pelo juízo de proporcionalidade não poderá impor sacrifício ao executado exageradamente superior ao benefício concedido ao exequente. 1.3.5. Princípio da menor onerosidade 33 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. v.5. 7ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 83-84. 18 Considerado por parte da doutrina como subprincípio da proporcionalidade34, o princípio da menor onerosidade está positivado no art. 805 do CPC, o qual dispõe que “quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”35. A ideia é que se evite que a execução seja direcionada para finalidades diversas à satisfação do título executivo, como na eventualidade de o exequente pretender onerar excessivamente o executado por puro revanchismo. Como bem pondera Becker, o princípio da menor onerosidade se deve “a razões humanitárias, de equidade, em respeito a valores fundamentais do ser humano, como a vida, saúde e moradia, evitando o abuso ou o mero capricho do credor”36. Assim, na hipótese de haver mais de uma alternativa para se alcançar o adimplemento do título executivo, sendo todas elas hábeis a garantir o mesmo resultado útil à execução, não há porque o juiz escolher aquela que prejudique mais o executado. Nesse caso, o executado possui o direito de optar pela alternativa que lhe seja menos onerosa, desde que comprove que não haverá qualquer prejuízo à pretensão do exequente. Tal princípio se trata, portanto, de uma verdadeira limitação à tutela executiva. 1.4. A falsa antinomia entre a execução efetiva e os princípios que protegem o executado É bem verdade que os princípios que resguardam o executado muitas vezes impõem restrições ao resultado da execução pretendido pelo exequente. Entretanto, é falsa a afirmação de que tais princípios seriam contrapostos à ideia de execução efetiva. O Direito e a Justiça são instrumentos pelos quais se busca a pacificação social de forma imparcial e ética, não podendo eles atenderem às pretensões de quem quer que seja a qualquer 34 ROQUE, AndreVasconcelos. Em busca dos limites para os meios executivos atípicos: até onde pode ir o Art. 139, IV do CPC/2015. In: TALAMINI; Eduardo; MINAMI, Marcos Youji. (Org.) Medidas executivas atípicas. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, v. 11, p. 742. 35 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em 06 de abril de 2021. 36 BECKER, Rodrigo Frantz. Manual do Processo de Execução dos Títulos Judiciais e Extrajudiciais. Salvador: JusPodivm, 2021, p.99. 19 preço. Logo, uma execução que satisfaz a pretensão do exequente, em detrimento de todas os direitos que garantam dignidade ao executado, está longe de alcançar a sua finalidade precípua. Uma execução verdadeiramente efetiva é aquela que alcança a pacificação social, por meio do equilíbrio entre a satisfatividade do exequente e o respeito às garantias previstas ao executado, evitando-se, assim, a inércia ou qualquer ato tirano por parte do Estado. É por essa razão que os princípios descritos neste trabalho, bem como diversos outros constantes em lei, doutrina e jurisprudência, devem ser apreciados e ponderados pelo magistrado – e também pelas partes - ao praticarem quaisquer atos relativos à execução. 2. AS CONVENÇÕES PROCESSUAIS NA EXECUÇÃO O princípio ao autorregramento da vontade, a promoção aos meios alternativos de solução de conflitos e as mudanças trazidas pelo atual Código de Processo Civil, em especial a cláusula geral de negociação atípica, prevista em seu art. 190, possibilitaram a realização de convenções processuais no âmbito do processo de execução, com vistas a torná-lo mais eficaz ao exequente e menos lesivo ao executado. As convenções processuais são atos realizados voluntariamente com a finalidade de criar, modificar ou extinguir situações jurídicas processuais37, podendo ser praticados por duas ou mais pessoas. Em outras palavras, é a faculdade que as partes de um litígio possuem de realizarem negócio processual sobre a forma em que o processo será conduzido, observando-se as peculiaridades do caso concreto. Quando uma parte, sozinha, decide criar, modificar ou extinguir situações jurídicas processuais, ela celebra um negócio jurídico processual unilateral. Como já demonstrado no capítulo anterior deste trabalho, o atual CPC prevê a possibilidade de celebração de convenções processuais na execução, garantindo às partes a alternativa de se esquivarem de um procedimento engessado e prejudicial aos seus interesses. 37 VAUGHN, Gustavo Fávero et al. Um paralelo entre os negócios jurídicos processuais e a arbitragem. Disponível em: . Acesso em 25 de maio de 2021. 20 Nesse sentido, Cristina da Motta e Gabriela Samrsla Möller destacam a importância da maleabilidade do procedimento a fim de potencializar a efetividade da execução. Confira-se: As convenções processuais, sobretudo, devem ser aplicadas a fase executórias do processo civil pois a satisfatividade do ato se dá pelo adimplemento, de modo que o negócio jurídico processual tem condão de potencializar a busca desse fim. A satisfatividade processual se dá de forma plena, junto ao cientificismo processual acentuando a construção de um processo sincrético, deixando seus procedimentos maleáveis38. O legislador não possui a capacidade de regular e prever todas as situações fáticas de cada caso. Na execução, sobretudo, por ser a fase processual em que mais se necessita da colaboração do executado, as peculiaridades do caso concreto são determinantes para que seja alcançada a satisfatividade. Por mais que o Estado tenha o poder de invadir a esfera patrimonial do executado, por vezes a satisfatividade obtida não se equipararia ao cenário no qual o executado tivesse colaborado espontaneamente, principalmente quando for caso de cumprimento de obrigação de fazer/não fazer. E, em muitas ocasiões, haveria maior colaboração do executado se os termos do cumprimento da obrigação prevista no título executivo fossem menos custosos e mais adequados à condição em que ele se encontra. Sendo assim, é interessante haver uma margem de abertura à negociação procedimental da execução entre as partes, para que seja possível a estas encontrarem uma forma de garantir a satisfatividade da execução em termos mais condizentes à condição atual do executado. Por exemplo, as partes poderiam convencionar sobre a flexibilização de prazos processuais, com a fixação de calendário processual (art. 191 do CPC), ou sobre a possibilidade de serem inaplicadas regras legalmente previstas que em nada contribuiriam ao caso concreto, como a impossibilidade de parcelamento do valor executado em cumprimento de sentença (art. 916, § 7º, do CPC). 2.1. As hipóteses de convenções processuais previstas no atual CPC 38 MOTTA, Cristina Reindolff da; MÖLLER, Gabriela Samrsla. A abertura hermenêutica das cpnvenções processuais à execução: pela busca da satisfatividade da tutela do direito material. In: MARCATO, Ana et al. (Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 94-95. 21 O atual CPC, visando à promoção do autorregramento da vontade das partes, prevê diversas matérias que podem ser objeto de convenção processual ou até de negócio processual unilateral, sendo algumas concernentes à execução. Tais acordos são classificados como negócios jurídicos processuais típicos, pois estão previstos em lei. Um exemplo de negócio processual unilateral está contido no art. 775 do CPC, que prevê o direito do exequente de desistir de toda a execução ou de apenas alguma medida executiva. O exequente tem o direito de optar pela desistência, por entender que a execução ou a medida executiva em curso não lhe seja útil, ou por não mais desejar intentar contra o executado, seja lá qual for o motivo. Afinal de contas, a satisfatividade é obtida não necessariamente pela execução bem sucedida, mas, sobretudo, pela pacificação social. Também é negócio jurídico processual unilateral o direito previsto no art. 816, o qual prevê a possibilidade de o exequente, em caso de não cumprimento pelo executado, optar pela satisfação da obrigação à custa do executado ou por perdas e danos. Exemplos de convenções processuais na execução são encontrados com facilidade no CPC. Um dos mais conhecidos é a eleição de foro competente, constante no título executivo, para processamento da execução, conforme disposto no art. 781, I, do CPC. Outro exemplo bastante famoso é a hipótese de sucessão de uma das partes em razão de alienação de objeto litigioso. Nos termos no art. 109, §1º, do CPC, o adquirente poderá requerer seu ingresso no polo passivo da demanda, mas somente ocorrerá a sucessão processual se houver consentimento de quem figurar no ativo, no caso de execução, o exequente. Por fim, não se pode deixar de mencionar a possibilidade de (i) dispensa de avaliação de bem quando uma das partes concordar com a estimativa oferecida pela outra, de acordo com o art. 871, I, do CPC, (ii) substituição de bens penhorados, prevista na leitura em conjunto dos arts. 849 e 853; e (iii) ajuste quanto à forma de administração e escolha do depositário, em casos quando houver penhora sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como semoventes, plantações ou edifícios em construção, conforme art. 862, § 2º, do CPC. 2.2. A aplicação da cláusula geral de negociação processual na execução 22 Em relação à abertura negocial dada às partes para a flexibilização do procedimento, talvez o maior avanço trazido pelo atual CPC esteja no art. 190, caput, a cláusula geral de negociação processual, a qual autoriza a celebração de convenções processuais atípicas. Art. 190. Versando o processosobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.39 Nos termos do dispositivo acima, as convenções processuais atípicas podem tratar sobre qualquer mudança no procedimento que seja desejada pelas partes, mesmo não havendo previsão legal para tal, desde que o objeto do acordo admita autocomposição. Trata-se de um avanço no direito processual brasileiro, porque, com a previsão da cláusula geral de negociação processual no CPC, reconhece-se que o Direito não é capaz de acompanhar a evolução social e tampouco é possível tipificar e exaurir todas as situações jurídicas possíveis. Nem haveria motivo para tal, pois, além de excessivamente trabalhoso, a busca pela tipificação de todos os cenários jurídicos certamente não produzirá a mesma satisfatividade que poderia ser obtida por meio da autonomia dos litigantes. Afinal, não há alguém melhor para defender a eficácia da execução do que as próprias partes, quando estão inclinadas a isso. O juiz, nesse caso, se limitará ao controle de validade da convenção celebrada, devendo recusar o seu cumprimento em caso de nulidade, inserção abusiva em contrato de adesão ou quando uma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade, conforme dispõe o parágrafo único do art. 190, a seguir transcrito: Art. 190. [...] Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.40 39 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em 06 de abril de 2021. 40 Ibidem. 23 Além disso, as convenções processuais produzem efeitos imediatos, dispensando-se, em regra, a homologação do juiz, de acordo com o art. 200 do CPC: Art. 200. Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais41. Cumpre ressaltar que, evidentemente, não se pode celebrar convenção processual simulado ou em fraude à lei, em atenção aos artigos 167 e 166, VI, do Código Civil, tampouco é possível abrir mão de representação processual, já que comprometeria a capacidade postulatória de um ou de todos os celebrantes. No caso, além da nulidade do negócio processual, é possível que as partes sejam condenadas por litigância de má-fé42. As convenções processuais, como quaisquer negócios processuais, devem, também, seguir os requisitos de validade previstos no art. 104 do Código Civil, quais sejam: (i) agente capaz; (ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; (iii) forma prescrita ou não defesa em lei. Cumpre ressaltar que a forma das convenções processuais é, em regra geral, livre, já que não há quaisquer previsões ou proibições na lei a esse respeito, reforçando-se, assim, o autorregramento da vontade das partes como forma consagrada pelo CPC de resolução de controvérsias. Para Arlete Inês Aurelli, também seria impossível a celebração de convenção processual que atente contra as normas fundamentais e os direitos e garantias constitucionais. No dizer da autora, “é um rematado absurdo o entendimento de que seria possível estabelecer negócio jurídico processual para permitir a escolha de juízes, no processo”43, pois, segundo ela, esse entendimento “viola os princípios do devido processo legal e do juiz natural”44. 41 Ibidem. 42 FARIA, Marcela Kohlbach de. Licitude do objeto das convenções processuais. In: MARCATO, Ana et al. (Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 362. 43AURELLI, Arlete Inês. Análise e limites da celebração de negócios jurídicos processuais na execução por título extrajudicial e/ou cumprimento de sentença. In: MARCATO, Ana et al. (Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 48. 44 Ibidem. 24 Respeitados os limites legais, as partes podem convencionar sobre inúmeras questões procedimentais, a fim de otimizar o processo conforme o caso concreto. Não é diferente na execução, sendo possível exequente e executado entrarem em acordo para que o cumprimento do título executivo seja viável e ocorra de forma amigável. A esse respeito, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) manifestou-se pela admissibilidade de diversas convenções processuais atípicas aplicáveis à execução, tais como pacto de impenhorabilidade, acordo para a não realização de execução provisória, entre outros. Confira-se o Enunciado nº 19, in verbis: Enunciado nº 19: (art. 190) São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário- administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal. (Grupo: Negócio Processual; redação revista no III FPPC- RIO, no V FPPC-Vitória e no VI FPPC-Curitiba).45 Importante pontuar que o enunciado acima apresenta rol exemplificativo de convenções processuais atípicas, podendo existir muitos outros acordos envolvendo questões procedimentais distintas. Cristina da Motta e Gabriela Möller citam mais alguns exemplos de convenções processuais aplicáveis na execução, tais como acordo para a indicação do bem penhorado, acordo para escolha do meio expropriatório, entre outros. Confira-se: É possível, para além das hipóteses acima delineadas, convenção sobre o valor da caução a ser depositada em caso de pedido de suspensão; formas pré-formuladas de satisfação do crédito – que elidiriam outras formas a serem efetivadas pelo juiz; acordo para a indicação do bem penhorado (substitui-se, deste modo, a alienação coativa pela alienação consensual do bem); acordo para escolha do meio expropriatório; acordo para a indicação do leiloeiro e acordo para a extinção total ou parcial da execução (já prevista no art. 826 do CPC/15, configurando forma de negócio jurídico processual típico); convenção sobre o local de propositura da demanda (a execução pode ser proposta no foro de domicílio do executado, no foro 45 Enunciado nº 19 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Disponível em: https://diarioprocessualonline.files.wordpress.com/2020/05/enunciados-forum-permanente-processualistas-civis- fppc-2020-atualizado.pdf>. Acesso em 25 de julho de 2021. 25 de eleição prevista no título, bem como no foro da situação dos bens executados (art. 781, I).46 Para Arlete, é possível relativizar disposições do CPC, como a proibição da penhora excessiva, prevista no art. 831, de modo que seja avençada entre as partes a possibilidade de um bem de valor superior ao crédito executado ser penhorado e leiloado, mesmo havendo outrosbens no patrimônio do devedor47. Entretanto, no seu entender, não haveria possibilidade de se celebrar convenções processuais que atentem contra normas fundamentais do próprio CPC. Por exemplo, a proibição da penhora inútil, prevista no art. 836, não poderia ser afastada, pois a penhora de um bem em que o produto seja suficiente apenas para custear os gastos da própria execução seria uma afronta ao exercício regular da jurisdição48. 2.3. Convenções processuais relativas à penhora, avaliação e expropriação Grande parte das convenções processuais previstas no CPC regula matérias que tratam tanto do processo de conhecimentos como da execução, como o estabelecimento de calendário processual (art. 191). Entretanto, o CPC regula também convenções processuais sobre matérias específicas da execução, como a penhora, a avaliação e a expropriação. A penhora, avaliação e expropriação são atos de extrema importância em um processo de execução, pois não raramente a pretensão do exequente somente é obtida por meio deles. Sendo assim, não há como não se cogitar a possibilidade de celebração de convenções processuais relativas a tais atos executórios. Em relação à penhora, é possível a celebração de convenção processual quanto à ordem de preferência dos bens a serem penhorados, alterando-se, assim, a ordem prevista no art. 835, caput, do CPC. 46 MOTTA, Cristina Reindolff da; MÖLLER, Gabriela Samrsla. A abertura hermenêutica das cpnvenções processuais à execução: pela busca da satisfatividade da tutela do direito material. In: MARCATO, Ana et al. (Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 105. 47 Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 362. 47AURELLI, Arlete Inês. Análise e limites da celebração de negócios jurídicos processuais na execução por título extrajudicial e/ou cumprimento de sentença. In: MARCATO, Ana et al. (Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 61. 48 Ibidem. 26 Entretanto, a questão fica um pouco mais sensível na hipótese de convenção processual que retire a posição privilegiada dada ao dinheiro na ordem de bens do art. 835, caput e §1º. Isso porque o dinheiro é um bem que, ao ser penhorado, dispensa as fases de avaliação e alienação, tornando o processo executivo mais simples e célere. Logo, se as partes estabelecerem outro bem em posição privilegiada na ordem de penhora, como um imóvel, significará uma oneração a mais ao aparato judiciário. Para Sofia Temer e Juliana Melazzi Andrade49, isso seria fundamento para retirar o objeto convencionado (inclusão de imóvel como o primeiro bem da ordem de penhora) da esfera de disponibilidade das partes, tornando tal acordo ilícito, nos termos da cláusula geral de negociação processual do art. 190, do CPC. No entanto, não há dúvidas de que o restante da ordem de bens prevista no art. 835 possa ser alterado pelas partes, pois não se identifica qualquer impedimento legal para isso. Do contrário, a liberdade de alteração da ordem de bens, com exceção do dinheiro, não seria concedida ao juiz pelo §1º do mesmo artigo, in verbis: Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: [...] § 1º. É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipótese, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.50 Além das convenções sobre a ordem de preferência da penhora, é possível a celebração de pacto de impenhorabilidade de determinado bem, de acordo com o art. 833, I, CPC, ressalvada a hipótese de impenhorabilidade material, como é o caso quando o bem é inalienável51. 49 TEMER, Sofia; ANDRADE, Juliana Melazzi. Convenções Processuais na execução: modificação consensual das regras relativas à penhora, avaliação e expropriação de bens. In: MARCATO, Ana et al. (Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 559. 50 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em 07 de julho de 2021. 51 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. v.5. 7ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 821-822. 27 Também é lícita às partes convencionarem sobre a penhorabilidade de um bem. Segundo Didier, podendo tratar-se de objeto de negociação atípica, nos termos do art. 190 do CPC, ou típica, nos casos envolvendo negócios de garantia real (hipoteca, penhor, anticrese, alienação fiduciária em garantia), nos termos do art. 835, § 3º, do CPC52. Há inúmeras outras possibilidades de acordos relativos à penhora, a depender da criatividade e necessidade das partes. É possível imaginar, por exemplo, a celebração de convenção para que eventuais bloqueios online sejam feitos preferencialmente em determinada conta bancária do executado, ou até mesmo para que sejam previamente estabelecidos limites de bloqueio em cada conta bancária de sua titularidade. Em relação à avaliação dos bens que foram penhorados, também não há impedimentos para a celebração de convenções processuais. Como exemplo, é possível acordar que a avaliação não será feita por oficial de justiça ou por perito avaliador indicado pelo juízo, mas por especialista indicado pelas partes. No art. 871, I, do CPC há outra possibilidade de convenção processual referente à avaliação de bem: a hipótese em que uma das partes aceita a estimativa feita pela outra implica em acordo implícito para dispensa de avaliação. Ademais, são livres as partes para renunciarem previamente o direito de impugnarem laudo pericial e de dispensarem assistência técnica, com vistas à tornar a execução mais célere. Por fim, é plenamente possível as partes convencionarem sobre os meios expropriatórios a serem empregados na execução. Podem elas eleger uma forma prioritária para a expropriação de bens, seja por adjudicação ou alienação por iniciativa particular ou por leilão judicial. Da mesma forma, o procedimento pelo qual será executado o meio expropriatório poderá ser objeto de acordo entre as partes. No caso da alienação, podem elas convencionar sobre o prazo para tal, a forma de publicidade, o preço mínimo, as condições de pagamento, entre outros. 52 Ibidem. 28 Entretanto, Sofia Temer e Julia Andrade pontuam que ficam de fora da esfera de disponibilidade das partes “as prerrogativas legais que digam respeito a terceiros, como credores hipotecários, coproprietários, dentre outros (como as referidas nos arts. 804 e 902), porque as convenções não podem dizer respeito às suas situações fáticas”.53 Mesmo havendo pequenas ressalvas, não há como negar que o processo de execução é terreno fértil para a celebração de convenções processuais, sobretudo em razão da cláusula geral de negociação processual disposta no art. 190 do CPC. Isso significa um grande avanço no direito processual brasileiro, ao conferir as partes o poder de ajustar, consensualmente, o procedimento a ser adotado, para que, assim, o processo sirva efetivamente como instrumento para se garantir a satisfatividade às partes e a efetividade da execução. 3. OS MEIOS EXECUTIVOS ATÍPICOS O art. 139 do CPC prevê uma série de incumbências que podem ser tomadas pelo juiz para que o processo seja conduzido de forma efetiva, como reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça, promover a autocomposição entre as partes, assegurar igualdade de tratamento aos litigantes, entre outras medidas. Este capítulo dará enfoque ao inciso IV do referido artigo, o qual é muito importante para a execução na hipótese em que executado decide não colaborar com a satisfação da pretensão do exequente, já que autoriza o juiz a tomar todas as medidas necessárias para o cumprimento de ordem judicial. A seguir, confira-se a transcrição do dispositivo: Art. 139. O juiz dirigirá o processo conformeas disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub- rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.54 No mesmo sentido, o art. 536 do CPC ressalta a possibilidade de o juiz determinar o que for necessário para cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de 53 TEMER, Sofia; ANDRADE, Juliana Melazzi. Convenções Processuais na execução: modificação consensual das regras relativas à penhora, avaliação e expropriação de bens. In: MARCATO, Ana et al. (Coord.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 564. 54 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em 06 de abril de 2021. 29 fazer ou de não fazer, sendo que, em seu § 1º, o legislador exemplifica algumas das medidas que podem ser tomadas: Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. [...] § 1º – Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.55 Quanto às tutelas provisórias, o caput do art. 297 do CPC garante a possibilidade de sua efetivação pelos meios que o juiz entender adequados: 1 Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.56 Dos dispositivos acima mencionados, extraem-se três expressões que merecem atenção: “todas as medidas” (caput do art. 190), “entre outras medidas” (§ 1º do art. 536) e “medidas que considera adequadas” (caput do art. 297 do CPC). Tais expressões sugerem a possibilidade de o juiz tomar providências que não necessariamente estejam previstas em lei, desde que não sejam ilícitas ou ofendam os preceitos que regem o ordenamento jurídico pátrio. Didier considera esses três dispositivos do CPC como cláusulas gerais processuais executivas, por serem compostos por termos vagos e produzirem efeitos jurídicos indeterminados57. Para o autor, “a existência de cláusulas gerais reforça o poder criativo da atividade jurisdicional”58, já que o órgão julgador “é chamado para interferir mais ativamente na construção do ordenamento jurídico”59. Em síntese, as cláusulas gerais são importantes instrumentos que conferem ao julgador a liberdade para determinar a realização de medidas que melhor se adequem ao caso concreto. 55 Ibidem. 56 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em 06 de abril de 2021. 57 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. v.5. 7ª ed. Salvador. JusPodivm, 2017, p. 102. 58 Ibidem. 59 Ibidem. 30 Os meios de execução atípicos são medidas de coerção indireta e psicológica, impostas pelo juiz, para coagir o devedor a cumprir determinada obrigação. Entre as medidas que vem sendo adotadas pela Justiça, estão a apreensão ou suspensão de documentos do executado, como a Carteira Nacional de Habilitação ou passaporte, restringindo, assim, a sua liberdade de locomoção, e o bloqueio de cartões de crédito e de páginas na internet, que também poderá afetar consideravelmente a rotina do devedor. 3.1. O âmbito de incidência da tutela executiva O enunciado 12 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) é bastante pertinente para discussão sobre a tutela executiva atípica. Antes de tudo, vale conferir a sua redação: Enunciado 12 FPPC: (arts. 139, IV, 523, 536 e 771) A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II. (Grupo: Execução)60 Do enunciado, é possível observar duas conclusões: (i) o inciso IV do art. 139, embora só tenha se referido a ordem judicial, é perfeitamente cabível à execução de título executivo extrajudicial; e (ii) as medidas atípicas devem ser aplicadas subsidiariamente às medidas previstas em lei. Em relação ao ponto (i), o silencio do legislador, quanto à aplicação de medidas atípicas na execução de título extrajudicial, não é interpretado como proibição, mas como autorização, tendo em vista que não se encontra razão alguma que justifique a impossibilidade da aplicação de tais medidas nesse cenário. Pelo contrário, os princípios da efetividade e do desfecho único, os quais direcionam a execução à satisfação da pretensão do credor, servem como endosso à utilização de meios executivos diversos sempre que forem necessários, subsidiariamente aos meios executivos disciplinados em lei. 60 Enunciado nº 12 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Disponível em: . Acesso em 08 de agosto de 2021. 31 A respeito do ponto (ii) acima, a doutrina tem entendido que a atipicidade dos meios executivos é regra geral para a execução de obrigações de fazer, não fazer e dar coisa, mas é excepcional quanto às obrigações de natureza pecuniária6162. Sobre a natureza subsidiária dos meios atípicos em execução por quantia certa e também nas execuções especiais, pontua Andre Vasconcelos Roque: A adoção de medidas atípicas em relação às obrigações de pagar quantia certa fica condicionada à ausência de efetividade dos meios ordinariamente previstos em lei para tal execução (sobretudo a penhora, seguida de avaliação e expropriação, embora o próprio CPC/2015 preveja outros meios executivos, inclusive de natureza coercitiva, que podem ser adotados sem qualquer excepcionalidade, como o protesto da decisão judicial, regulado no art. 517, e a inclusão do nome do executado nos cadastros de inadimplentes, conforme disciplinado no art. 782, § 3º). Nas execuções especiais, como é o caso da que tem por objeto a prestação de alimentos, também a adoção de meios atípicos é excepcional, ainda que a própria lei busque ordinariamente contemplar meios executivos mais enérgicos, como é exemplo eloquente a possibilidade de prisão civil do executado63. A subsidiariedade dos meios atípicos na execução por quantia certa se dá devido ao fato de que os meios executivos diretos - penhora, adjudicação e alienação – os quais se destinam à localização de bens e à satisfação do crédito, já estão previstos em lei, não havendo razão, no entender do legislador, de ser aplicada outra medida executiva sem antes haver tentativa de satisfação do crédito por meio deles. O art. 921, III, do CPC deixa clara a prioridade dada pelo legislador para penhora, adjudicação e alienação quando prevê a suspensão da execução na hipótese em que não forem localizados bens penhoráveis do executado. Para Didier, em se tratando de execução por quantia certa, não há como se dar prioridade aos meios executivos atípicos, pois comprometeria todo o sistema estabelecido pelo legislador sobre esse tipo de execução. Confira-se: O inciso IV do art. 139 do CPC não poderia ser compreendido como um dispositivo que simplesmente tornaria opcional todo esse extenso regramento da execução por quantia. Essa interpretação