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CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS Prezado(a) aluno(a)! Nessa aula, veremos que envolvimento do Serviço Social no processo de organização e mobilização das massas significa que os assistentes sociais, enquanto trabalhadores, podem promover e reforçar a organização social e a luta coletiva, dado o carácter altamente contraditório das suas intervenções profissionais. Isto significa analisar como pode atuar. Os trabalhadores devem entender o propósito da intervenção. A perspectiva de estreitar a relação do Serviço Social no Brasil com a mobilização e organização da ação pública está vinculada à construção de um projeto ético- político profissional. Tais projetos tiveram, como um dos elementos centrais de seu desenvolvimento, a força política e organizativa de inúmeras lutas, movimentos e organizações de trabalhadores na sociedade civil desde o final dos anos 1970. Bons estudos! AULA 2 – ASSISTENTE SOCIAL E OS PROCESSOS DE MOBILIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO POPULAR 2 RELAÇÃO DA PROFISSÃO DO ASSISTENTE SOCIAL COM OS PROCESSOS DE MOBILIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO POPULAR: OS DESAFIOS As transformações no mundo do trabalho e as configurações postas às políticas sociais no âmbito das contrarreformas colocam tensões à criação de mediações teórico‐políticas e operativas ao projeto ético-político do Serviço Social brasileiro. Em sua condição de trabalhador assalariado, o assistente social vivencia a flexibilização das relações de trabalho e da precarização do emprego. Além disso, a centralidade da assistencialização no campo da proteção social vem operando uma mudança no significado social da ação profissional, circunscrevendo-a na órbita da administração da miséria, subtraindo, assim, sua dimensão intelectual. Segundo Iamamoto (2006, p. 68), os assistentes sociais têm nas suas intervenções profissionais uma dimensão de apoio material que se estrutura através da prestação de serviços, prestações, etc., e também uma dimensão que é imaterial e influencia o modo de vida e de pensamento dos sujeitos que suporta. Ao fazê-lo, ele também influencia a sociedade como um profissional voltado para as áreas de conhecimento, valores, comportamento e cultura, e o impacto real que intervém na vida de dos sujeitos. Em outras palavras, a intervenção profissional em aspectos ideológicos e políticos pode facilitar a introspecção e levar a mudanças na forma como as pessoas pensam, sentem e vivem, o que pode levar a processos de resistência e luta coletiva. Embora a condição de assalariamento limite as condições do exercício profissional, este comporta uma relativa autonomia, que depende da correlação de forças na dinâmica da luta de classes e que se expressa de forma diferenciada nos espaços ocupacionais (IAMAMOTO, 2008, p. 214-220). Discutir o envolvimento do Serviço Social no processo de organização e mobilização das massas implica que os assistentes sociais, como trabalhadores, possuem o potencial de estimular e fortalecer a organização social e a luta coletiva, apesar das contradições presentes em suas intervenções profissionais. Para tal, é necessário analisar a maneira como esses profissionais podem agir e compreender o propósito de suas intervenções. A estreita relação entre o Serviço Social no Brasil e a mobilização e organização da ação pública está relacionada à construção de um projeto ético-político profissional, que tem como um dos principais elementos de desenvolvimento a força política e organizativa de inúmeras lutas, movimentos e organizações de trabalhadores na sociedade civil desde o final dos anos 1970. Essa força política foi incorporada e assimilada pelos setores progressistas da profissão em suas demandas e reivindicações, tanto teórica quanto operacionalmente. Coube ao protagonismo destes segmentos progressistas as transformações no conteúdo do processo formativo dos assistentes sociais; a reformulação dos princípios e valores do nosso Código de Ética; a densidade teórica e qualificada da produção acadêmica e do debate teórico-político; a solidez político-organizativa e classista de nossas entidades representativas. O fortalecimento das diretivas do projeto profissional, especialmente nas condições atuais que lhe parecem tão adversas, depende tanto do avanço das organizações e lutas das classes subalternas, quanto da vontade majoritária do campo profissional (NETTO, 2004). A atuação profissional nos processos de mobilização e organização popular é considerada uma importante oportunidade para a profissão participar das lutas sociais e, assim, fortalecer o projeto ético-político do serviço social. No entanto, na conjuntura pós-década de 1990, o sujeito e o papel do assistente social passaram por um processo de afastamento de outros complementos institucionais nas organizações sindicais e seus movimentos sociais. O que costumava ser considerado uma tendência de alta na década de 1980 agora está enfrentando uma reversão. Observamos uma contradição no processo de constatação, uma vez que a década de 1990 é marcada pela consolidação do projeto ético-político da profissão, que estabelece uma ligação política e profissional com as lutas das classes subalternas. No entanto, a produção teórica da profissão sobre as organizações, movimentos e lutas sociais, bem como sobre a relação da profissão com esses espaços, é escassa a partir dessa década. Além disso, há poucos relatos sistemáticos de experiências de intervenção profissional com as organizações, movimentos e lutas sociais. Segundo Iamamoto (2008, p. 461), “a área temática de menor investimento na pesquisa refere-se aos ‘conflitos e movimentos sociais, processos organizativos e mobilização popular’, o que é motivo de preocupações”. De acordo com Marques (2010), em um período de treze anos, entre 1995 e 2008, foram publicados 162 trabalhos nos Anais dos CBAS e do ENPESS, entretanto, apenas 3% desses trabalhos abordavam o tema dos movimentos sociais. Além disso, dentre esse pequeno conjunto, apenas 6% relatavam experiências de intervenção profissional junto aos movimentos sociais. Entre os anos de 1994 a 2012, a temática dos movimentos sociais foi abordada nos cursos de Serviço Social de diversas universidades públicas federais e estaduais, estando presente em 36 diretórios de pesquisa, 87 projetos de pesquisa e 23 projetos de extensão. Na pesquisa, destaca- se a análise sobre a relação entre políticas públicas e as lutas sociais, refletida a partir das práticas de gestão participativa, associativismo, planejamento estratégico, controle social e organização popular. Na formação profissional, é possível identificar a existência de projetos de extensão voltados para os movimentos sociais urbanos, do campo (especialmente o MST), quilombolas, indígenas, de mulheres e LGBT. As ações desenvolvidas incluem assessoria na formação política por meio de palestras, oficinas, dinâmicas de educação popular, assembleias comunitárias e fóruns, bem como informações técnicas, como estudos socioeconômicos, visando potencializar os processos de auto- organização em torno das condições de vida e trabalho desses movimentos (ABRAMIDES, DURIGUETTO, MARQUES et al., 2013, p. 197-199). De acordo com Iamamoto (2004, p. 47), é possível identificar uma falha na atuação profissional no que se refere à intervenção em organizações, movimentos e lutas sociais que são criados e geridos pela classe trabalhadora, bem como a ausência de conexões consistentes com seus movimentos sociais autônomos. As experiências de inserção nesse contexto são, em sua maioria, restritas a atividades extensionistas em algumas universidades públicas. Marques (2010) destaca que, dentre os trabalhos do ENPESS e CBAS pesquisados, apenas 3% abordam os movimentos sociais e, dentro desse percentual, apenas 6% apresentamexperiências de intervenção profissional junto a eles. Essas intervenções se concentram em assessorias ao movimento sindical, rural, urbano, conselhos de direitos e lutas por políticas públicas, realizadas por meio de programas de pesquisa, estágio e extensão, como cursos, oficinas e produção de materiais didáticos. As experiências relatadas revelam resultados positivos para a formação profissional, para a função pública das universidades e para a própria organização dos movimentos e lutas sociais. Particularmente em relação ao acúmulo das produções teóricas, podemos constatar algumas tendências problemáticas de referenciais teórico-metodológicos desenvolvidos no âmbito da relação da profissão com as organizações, movimentos e lutas sociais: • forte incorporação das premissas teóricas pós-modernas e a decorrente leitura fragmentada/focalizada das lutas sociais14 e/ou tratamento de categorias com acentuado recurso ao ecletismo; • uso frequente de conceitos gramscianos, como hegemonia, cultura e intelectual orgânico, como fundamentos do exercício profissional, pode levar à confusão entre profissão e militância política, uma vez que essas categorias são essenciais para a compreensão da dinâmica das lutas sociais e da disputa de projetos societários; • Enfoque nos espaços institucionais dos conselhos de direitos e da dinâmica de seu funcionamento, desconsiderando movimentos e lutas no campo extra institucional; • recorrência à incorporação da “metodologia” da “educação popular” para a formação e atuação dos assistentes sociais. Constata-se uma não apreensão das diferentes concepções de educação popular (por exemplo, a questão do “basismo”) e a ausência de problematizações da sua transposição direta, como “metodologia”, para a intervenção profissional; • permanência do “messianismo”, que hipertrofia a potencialidade das intenções do sujeito profissional, desconsiderando o estatuto assalariado do trabalho profissional. No âmbito da organização profissional, uma iniciativa importante para fomentar e induzir o debate acerca das organizações, movimentos e lutas sociais e da relação do Serviço Social com e nesses espaços foi a constituição do Grupo Temático de Pesquisa Movimentos Sociais e Serviço Social, pela ABEPSS. 2.1 A necessária relação da ação profissional com as lutas coletivas A efetividade do serviço social na movimentação e organização das pessoas está claramente definida em diversos regulamentos profissionais e diretrizes ético- políticas. Por exemplo, a Lei de Regulamentação Profissional (1993) estabelece que é dever do assistente social assessorar e apoiar os movimentos sociais em assuntos relacionados à política social e à proteção dos direitos civis, políticos e sociais da comunidade. Além disso, o Código de Ética (1993) reconhece o direito dos profissionais de apoiar e/ou participar de movimentos sociais e organizações não governamentais, desde que respeitem a autonomia desses grupos. Essas diretrizes não são apenas diretrizes normativas, mas também sustentam a atuação estratégica e ético-política dos profissionais do setor social. De acordo com Iamamoto (2006, p. 176-7), os profissionais de Serviço Social, atuam diariamente nas relações sociais que permeiam as mais diversas expressões da questão social, tais como a falta de acesso a serviços básicos de saúde, habitação e assistência, bem como em situações de violência e discriminação. Nesse contexto, enfrentamos resistências e inconformismos com as desigualdades sociais. Um dos maiores desafios da intervenção profissional é identificar as diversas formas que essas desigualdades assumem na vida dos sujeitos e fortalecer suas formas de resistência, sejam elas já existentes ou ainda ocultas. Ou seja, é fundamental desvelar as formas de organização e as potencialidades de mobilização e luta presentes nas comunidades e nos movimentos sociais. Essa apreensão pode abrir novos horizontes para a atuação profissional, no sentido de evitar que nossas ações se limitem a fornecer informações que levem à simples adesão dos sujeitos aos programas e projetos institucionais, individualizando o acesso a serviços e políticas e reforçando a perspectiva de subalternização e apassivação. Pelo contrário, pode se oferecer a possibilidade interventiva de trabalhar com os sujeitos na construção de estratégias coletivas para atender às suas necessidades. Isso envolve, por exemplo, estimulá-los a participar de organizações e movimentos sociais ou incentivar a criação desses quando não existem; desenvolver ações de mobilização e organização popular nos espaços em que se atua para viabilizar a participação dos sujeitos no processo de elaboração e avaliação das políticas e dos serviços que ofertados. O mergulho no cotidiano das necessidades e resistências dos trabalhadores, podemos identificar possibilidades programáticas de intervenção junto às organizações e lutas sociais, como associações comunitárias, sindicatos, movimentos pela reforma agrária, moradia, direitos das mulheres, idosos, crianças e adolescentes, entre outros. É possível desenvolver ações de assessoria nessas organizações e lutas, para identificar demandas, discutir e formular estratégias para defesa e acesso aos direitos, estimular a participação desses movimentos em fóruns, conselhos e conferências e promover o relacionamento com outros movimentos e organizações de trabalhadores para a troca de experiências e formação de ações conjuntas. Nos espaços dos fóruns, conselhos de direitos, conferências, o assistente social pode contribuir para a discussão das políticas e para a construção de alternativas para suas reivindicações. Ressaltamos, ainda, a importância de socializarmos, nesses espaços, informações acerca das políticas em que atuamos, atribuindo transparência e visibilidade às situações de inexistência, oferta precária ou violação dos direitos. Essa aliança e articulação com as diversas instâncias que representam os interesses populares é uma potencialização de caminhos que fortalecem o protagonismo político das demandas e interesses das classes subalternas nos espaços institucionais em que intervimos (DURIGUETTO, 2012, p. 331-2). Esse conjunto de possibilidades de intervenção nas expressões das desigualdades sociais e de suas resistências sociopolíticas, nos diferentes espaços sócio-ocupacionais, pode nos conduzir a prospectivas teórico-metodológicas, ético- políticas e técnico-operativas para além das políticas que intervimos, o que nos ajuda a enfrentar processos que vêm formando uma cultura profissional que tende a dar primazia à ação prática e aplicada no âmbito imediato e circunscrito aos limites das demandas institucionais posta à profissão. Ou seja, implica em criarmos ações e relações no sentido da promoção e do fortalecimento das organizações e lutas coletivas dos trabalhadores. Essas possibilidades fortalecem o tensionamento do projeto profissional para a sua direção construída pela profissão nos últimos 35 anos. O fortalecimento desta direção do projeto profissional está nos processos já construídos e em construção pelo Serviço Social brasileiro, como no compromisso das entidades representativas da categoria com as pautas de lutas das organizações e do conjunto dos movimentos sociais (campanhas e documentos do conjunto CFESS/CRESS; da ABEPSS, da Enesso); na hegemonia das referências na tradição marxista da produção teórico-acadêmica; no protagonismo político de assistentes sociais em espaços de organização e de lutas sociais, como nos cursos de formação desenvolvidos pelas parcerias entre a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e os cursos de Serviço Social; nos cursos de graduação de Serviço Social da Terra; nas lutas contra o racismo, a homofobia e o patriarcado; nas lutas pela reforma agrária, por moradia, pelo reconhecimento dos direitos das mulheres, idosos, criançase adolescentes, população LGBT, índios(as), negros(as), pessoas com deficiência etc.; na militância em partidos políticos de esquerda, frentes populares, sindicatos por ramos de atividade, entre outros; na participação crítica de assistentes sociais nos conselhos de direitos, fóruns temáticos, conferências etc.; quando lutamos e denunciamos a criminalização da pobreza e das lutas; quando recusamos remoções e intervenções forçadas; quando combatemos as discriminações; quando participamos de mobilizações populares e atos públicos; quando investimos para uma formação profissional pública, presencial e qualificada; quando fortalecemos nossas entidades representativas —ABEPSS, CFESS-CRESS E Enesso. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ABRAMIDES, M. B.; DURIGUETTO, M. L.; MARQUES, M. et al. Relatórios-síntese dos grupos de trabalho e pesquisa: gestão ABEPSS 2013-2014. Revista Temporalis, Brasília, n. 26, p. 183-203, 2013. DURIGUETTO, M. L. Conselhos de direitos e intervenção profissional do Serviço Social. Saúde, serviço social, movimentos sociais e conselhos: desafios atuais. São Paulo: Cortez, 2012. DURIGUETTO, M. L. Movimentos sociais e Serviço Social no Brasil, pós-anos 1990: desafios e perspectivas. Movimentos sociais e serviço social: uma relação necessária. São Paulo: Cortez, p. 177-194, 2014 IAMAMOTO, M. V. As dimensões ético-políticas e teórico-metodológicas no Serviço Social contemporâneo. In: MOTA, A. E. et al. Serviço Social e Saúde. São Paulo: Cortez, 2006. IAMAMOTO, M. V. Renovação e conservadorismo no Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2004. IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche. São Paulo: Cortez, 2008 NETTO, J. P. A conjuntura brasileira: O Serviço Social posto à prova. Serviço Social & Sociedade, n. 79, 2004. F