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Sistemática Biológica Prof. Dr. Marcel Gustavo Hermes Fundamentos de Biogeografia Histórica Disciplina Recente e com pouca tradição Biogeografia O que é a biogeografia? Estudo dos padrões de distribuição de plantas e animais no tempo e espaço, juntamente com o estudo dos fatores que causaram esses padrões. Objetivo inerente a qualquer estudo é responder a questão fundamental: “Por que os táxons estão distribuídos onde eles se encontram hoje?” (Platnick & Nelson, 1978, p. 1) Padrões de distribuição biótica... E B C F D A ... para padrões de relações entre as áreas... ... com base na inferência de processos (tais como a vicariância através da deriva continental). A biogeografia é uma das disciplinas mais complexas da biologia comparada. Ele consome tempo, depende profundamente de trabalho sistemático bem feito e está relacionada a muitas outras áreas: geologia, geografia, paleontologia, biologia molecular e ecologia. Biogeografia como disciplina... Os primórdios da biogeografia remontam às primeiras investigações teológicas sobre as plantas e animais. Até o séc. XVIII: Noé levara em sua arca 7 casais de cada espécie de animais puros e um casal de impuros. Aberta a arca, os animais “cresceram e se multiplicaram”. Considerada a primeira “teoria” biogeográfica. A “teoria” tem problemas. Teria Noé transportado todas as espécies criadas no Jardim do Éden ou só os vertebrados terrestres de fecundação cruzada? Santo Agostinho (354‐430) ‐ De Civitate Dei (A cidade de Deus). Para ele, todas as espécies criadas foram transportadas por Noé. Surge um outro problema à “teoria”. Como os animais incapazes de voar / nadar chegaram às ilhas? Segundo Santo Agostinho, ‐ alguns chegaram às ilhas por seus próprios meios; ‐ transportados em canoas pelo homem; e ‐ os que não se encaixavam em nenhuma das categorias... ... foram transportados por ANJOS! Ideias perduraram por mais de mil anos, até as... ... grandes navegações. Grande impacto da descoberta pelos europeus de animais e populações humanas no hemisfério Sul. Como explicar animais e homens longe do Velho Mundo? Resposta: Platão. Ele afirmou a existência, além de Gibraltar, de uma grande ilha, a Atlântida, que teria afundado no mar. Seria, portanto, uma ponte intercontinental, que permitiria a colonização do Novo Mundo. Padre Joseph d’Acosta (1540‐1600): Atlântida é um mito. Ele medira o Atlântico com uma corda (!) e nunca chegara ao fundo. O oceano deveria ser mais raso e cheio de ilhas. d’Acosta postulou a existência de um estreito entre América do Norte e Ásia, que foi descoberto no século XVII (Bering). Falseia uma hipótese com base em um experimento controlado! Carolus Linnaeus (1709‐1778) Abordagem moderna para a sistemática e biogeografia. Deus fala à humanidade através do mundo natural. Todas as coisas vivas originaram‐se em uma montanha alta no Paraíso, uma ilha situada abaixo do Equador. Carl Linnaeus (1707‐1778) abandona a idéia da arca de Noé. Primeiro a dar importância às localidades dos espécimes. “Espécies diferentes vivem em lugares diferentes”. Organismos criados no Éden. Os de clima frio viveriam no topo das montanhas, os de clima quente, na planícies. 1) há uma pequena área, ou centro, onde as espécies aparecem (criação divina ‐ todas ao mesmo tempo); 2) todas as áreas continentais, exceção feita à uma pequena área, estavam inicialmente submersas. 3) As espécies se dispersam para outras áreas próximas ou distantes, a partir da disponibilidade dessas áreas. Pensamento linneano: centro de origem / dispersalismo. Ideia fundamental de Linnaeus Se duas áreas geográficas diferentes tiverem as mesmas condições físicas, elas devem ser povoadas pelas mesmas espécies. Contrariou Linnaeus. Obra‐magna: Histoire Naturelle (1749‐1804). Questionou a validade científica da terra fixa, das origens paradisíacas e da imutabilidade das espécies. Comte de Buffon (1707‐1788) Comparação entre mamíferos das áreas tropicais do Velho Mundo e do Novo - nem uma única espécie em comum entre eles. África e América do Sul. Onde, de acordo com Linnaeus, deveriam existir espécies iguais, não havia uma única espécie em comum: “lei geral”. Comte de Buffon (1707‐1788) Ideia fundamental de Buffon Se duas regiões forem diferentes, mesmo com climas muitos similares, elas serão habitadas por biotas distintas. Outros chegaram à conclusões semelhantes. Alexander von Humboldt (1769‐1859) – plantas da África e da América do Sul Pierre Latreille (1762‐1833) – insetos da África e América do Sul Georges Cuvier (1769‐1832) – répteis da África e América do Sul Augustin P. de Candolle (1778‐1841) Seu ensaio de 1820 é essencial para entender o período entre Buffon e Darwin. Candolle dividiu o ensaio em 3 partes: 1) a influência de elementos externos; 2) a relação entre elementos externos e o estudo das estações; 3) o estudo das habitações. A biogeografia ecológica é o estudo das estações enquanto a biogeografia histórica é o estudo das habitações. Estações ‐ causas físicas ainda em operação; Habitações‐ em parte por causas geológicas não mais atuantes. Lyell refutou o modelo linneano: 1) não havia existido um oceano universal. Havia fósseis de plantas terrestres nos estratos mais antigos; 2) desde a primeira aparição de terra firme, ocorreram muitas substituições de plantas e animais – extinções. O uniformitarismo de Charles Lyell (1797‐1875) A biogeografia foi fundamental para Darwin. A distribuição explicada por descendência com modificação e centros únicos de origem com migrações e colonizações dos indivíduos. Darwin rechaçava ideias que admitiam que as biotas das regiões biogeográficas eram autóctones – associada à invariabilidade das espécies, criações especiais e design divino. A distribuição orgânica e a origem das espécies Dispersões geravam as áreas de endemismo. Distribuição orgânica: migração (dominantes) junto com modificação subsequente e a multiplicação de novas formas. Dispersão sobre uma geografia estável, com subsequente isolamento e posterior diferenciação. As áreas de endemismo eram compostas por diversos elementos com distintas histórias de dispersão, i.e., por espécies provenientes de lugares e tempos diferentes. Alfred Russell Wallace Na Amazônia, Wallace encontrou espécies de mariposas distintas em áreas próximas, que compartilhavam condições de topografia, clima e solo. Distribuição não mostrava relação direta com as condições físicas. Viagem à Malásia de 1854‐1862. Wallace primeiro advoga por um modelo expansionista, depois passa a defender o modelo permanentista. A lei de Wallace “A atual distribuição geográfica da vida sobre a Terra deve ser resultado de todas as mudanças prévias, tanto da superfície da Terra quanto dos seus habitantes” Explicar os fenômenos do mundo mediante leis naturais. Nesse período, Wallace considerava improváveis as migrações transoceânicas. Para que sua “lei” fosse válida, seria necessário recorrer à conjectura de que os continentes estiveram unidos! Descontinuidades: porções terrestres desaparecidas (pontes). Grandes mudanças na superfície terrestre. Regiões biogeográficas de Wallace No final do século XIX, aceitava‐se que: ‐ espécies iguais ocorrem em áreas diferentes; ‐ as áreas aplicam‐se tanto para animais quanto para plantas; ‐ existem regiões biogeográficas ou áreas de endemismo; e ‐ as áreas relacionam‐se umas com as outras. Principal pergunta da biogeografia no início do século XX: “Como se pode determinar o ‘centro de origem’ usando a evolução e a dispersão comoagentes causais da distribuição?” Critérios para a definição de centros de origem: ‐ a área com a maior diversidade ou de número espécies; ‐ a área em que a forma mais primitiva ocorre; ‐ a área na qual os fósseis mais antigos são encontrados. Hipóteses dispersionistas não descrevem uma teoria geral da história da terra mas narrativas individuais para cada grupo. Divorciada da história da terra. On the origin of continents and oceans (1915) Suspeitou que os continentes se moviam lateralmente ‐ semelhança das costas dos continentes do Atlântico Sul Vislumbra a Pangea, um único supercontinente que, durante o final do Paleozóico, englobava todas as terras emersas atuais. Alfred Wegener (1880‐1930) Ideia fundamental de Wegener Os continentes estiveram unidos em uma época do passado e posteriormente derivaram de maneira similar à uma balsa sobre o piso oceânico, até finalmente alcançarem sua posição presente. Pangea Evidências paleoclimáticas Rochas permocarboníferas: indicação de glaciação. Estrias nas rochas pela passagem de blocos de gelo – América do Sul, sul da África, Austrália e Índia – proximidade do pólo antigo. As regiões que passaram por glaciação permocarbonífera se situariam ao redor desse pólo. Cachoeira do Sul, RS Salto, SP Faunas Permo‐Triássicas similares nos continentes que formaram o Gondwana Mesossauros do Permiano do Paraná (formação Irati, Brasil) e do Permiano de Karoo (formação Whitehill, África do Sul) Com a deriva continental surge uma explicação alternativa à dispersão para explicar a distribuição das espécies: VICARIÂNCIA! A vicariância prediz que os táxons em duas (ou mais áreas) e as barreiras entre eles são da mesma idade. O ancestral das espécies atuais é mais velho que a barreira. A separação entre as áreas (e populações) tem a mesma idade. A congruência depende da freqüência com que fatores comuns afetam a evolução e a distribuição de 2 ou mais grupos. A1 A2 A3 A Paralogia População única 1º vicariância quebra a pop. da A. Sul 2º vicariância: disjunção total A dispersão sempre prediz que a barreira precede o aparecimento dos táxons. Essas hipóteses não são fáceis de se testar porque elas são propostas separadamente para cada grupo de organismos. A A1 A2 A3 y z y w v vicariância dispersalismo Terra e vida evoluem conjuntamente. Interesse em classificar áreas do globo em termos da sua história geológica e biótica. Grande contribuição: tempo é central para a compreensão da relação entre forma e espaço. León Croizat (1958, 1964) Os métodos contemporâneos partem do paralelismo tridimensional de León Croizat: espaço, tempo e forma. Espaço, tempo e forma sintetizam o processo evolutivo. Esses conceitos podem ser considerados absolutos (independentes do referencial) ou são relativos? Pai da sistemática filogenética. Revolução na classificação mas visão tradicional, darwiniana, sobre o espaço. Espaço era um conceito absoluto, independente das relações bióticas. Willi Hennig (1950, 1966) HENNIG (1950, 1966) FORMA: sistemática filogenética; TEMPO: filogenia; ESPAÇO: dispersão. NELSON & PLATNICK (1981) Síntese da sistemática de Hennig e a panbiogeografia de Croizat. Biogeografia de vicariância: método para classificar áreas em termos de cladogramas gerais de áreas. Relações entre áreas baseavam‐ se em relações filogenéticas. Norman Platnick NELSON & PLATNICK (1981) FORMA: biologia comparada; TEMPO: ontogenia, filogenia e paleontologia; ESPAÇO: padrões de distribuição disjuntas (vicariantes). Hoje, aceita‐se que: BIOGEOGRAFIA HISTÓRICA versa sobre classificação de áreas com relação às coordenadas biológicas e espaciais, e não sobre dispersão ou cenários históricos individuais para cada grupo de organismos. Forma, tempo e espaço são conceitos relativos! CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM BIOGEOGRAFIA ÁREA DE DISTRIBUIÇÃO É a área habitada por uma espécie. Reconhecida em um mapa como a superfície que encerra o conjunto das localidades nas quais a espécie foi coletada. A áreas de distribuição de uma espécie ou táxon podem se caracterizar em termos do seu tamanho, características geográficas e continuidades. Áreas de distribuição são SIMPÁTRICAS ou ALOPÁTRICAS. Modelos matemáticos para prever a distribuição potencial de um táxon, baseado nos registros de coleta. ALOPATRIA – Distribuição disjunta Supõe uma separação total entre as áreas de distribuição. Quando duas ou mais áreas ocupadas por um mesmo táxon (ou relacionados) estão separadas entre si por uma distância que excede a capacidade normal de dispersão ou disseminação do mesmo. A disjunção geográfica é representada por barreiras geográficas que produzem isolamento reprodutivo no caso de populações de uma mesma espécie. Distribuição disjunta de Ficus abutilifolia Distribuição disjunta de 3 espécies relacionadas Distribuição disjunta do tapir (anta) SIMPATRIA Implica na sobreposição entre as áreas de distribuição, com uma gama contínua de variações. De três tipos: a) HOMOPATRIA: sobreposição total entre um par de áreas (a área de distribuição A é igual a B) b) ENDOPATRIA: a relação entre duas áreas A e B é tal que A é um subconjunto de B (ou vice‐versa). c) ALELOPATRIA: significa que duas áreas são diferentes mas sua intersecção não é vazia. As áreas A e B podem ter sido alopátricas e o estado de alelopatria é recente. Espécie – Unidade Básica da Sistemática Área de Endemismo – Unidade Básica da Biogeografia Área de Endemismo Área de Endemismo é uma região geográfica com a distribuição de dois ou mais táxons monofiléticos que exibem congruência filogenética e distribucional, e que possuem seus respectivos grupos próximos acontecendo em outras regiões definidas do mesmo modo. Área de Endemismo Táxons alocrônicos – pseudocongruências! Para se determinar áreas de endemismo: Método das QUADRÍCULAS Utilizar um mapa quadriculado no qual se desenham as células onde se encontram as localidades da espécie. O estabelecimento da escala é importante, que depende da disponibilidade de dados e do seu refinamento. PAE – Análise parcimoniosa de endemicidade Kernel PAE NDM O problema das quadrículas Para se determinar áreas de endemismo: Províncias Biogeográficas da América Latina Morrone 2006
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