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REPORTAGENS | Controle ensaiado País possui poucos laboratórios acreditados pelo Inmetro, e soma problemas com equipamentos, aferição e resultados. Saiba o que exigir na hora de contratar a empresa de serviços tecnológicos Por Luciana Tamaki É Norma para qualquer construção que seja feito o controle tecnológico do concreto estrutural. Seja ele misturado na obra ou dosado em central, devem ser feitos os mesmos ensaios, que hoje são principalmente de abatimento (slump) e resistência à compressão. Quando o concreto comprado é usinado, o papel da concreteira é prover o produto especificado. À construtora cabe a verificação de que o que ela comprou foi realmente recebido. "Os ensaios podem ser feitos em todos os caminhões ou, então, a cada 20 caminhões pode ser coletado material de dois ou cinco", conta Arcindo Vaquero Y Mayor, consultor técnico da Abesc (Associação Brasileira das Empresas de Serviço de Concretagem). É importante que as respostas sejam rápidas o suficiente para que, no caso de uma não conformidade, seja possível investigar se houve falha ou se é preciso tomar alguma providência em relação à estrutura. Na contratação de um laboratório, são vários os tipos de proposta comercial. A construtora pode contratar a diária ou o período mensal do laboratorista, que faz os ensaios no estado fresco e molda os corpos de prova. Os ensaios especiais, como de exsudação, são cobrados à parte. "O laboratorista também confere os dados da nota fiscal, mas nunca vai falar se o concreto pode ou não ser utilizado. Isso é decisão do engenheiro da obra", avisa Maurício Marques Resende, gerente técnico do laboratório de construção civil da Falcão Bauer. Nesse laboratório, é solicitado ao responsável por liberar o uso do concreto que assine um relatório, pois "é muito comum virem cobrar o laboratório, mas não é o laboratório que libera", explica Juliana de Carvalho, gerente de Qualidade, Segurança, Meio Ambiente e Saúde da Falcão Bauer. Quando a obra é grande ou em local afastado, ou quando assim se desejar, pode ser montado um laboratório no próprio canteiro. Nesses casos, geralmente são feitos ensaios mais simples, como de compressão, granulometria de agregados e água de amassamento, para verificar se a água disponível pode ser utilizada. Formalização da competência técnica Na hora de contratar um laboratório, "a primeira coisa a se verificar é a A equipe deve ser bem treinada; os laboratórios acreditados têm seus funcionários monitorados pelo Inmetro O adequado capeamento dos corpos de prova é um dos cuidados essenciais para o resultado correto do ensaio acreditação pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), que é o reconhecimento formal de que o laboratório tem competência", diz Arnaldo Battagin, gerente técnico dos laboratórios da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland). Para fazer parte da acreditação do Inmetro, o laboratório precisa demonstrar capacitação técnica e cumprir as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Uma série de auditorias comprova se as normas estão sendo seguidas, como de rastreabilidade dos resultados e sistema de identificação e confidencialidade de resultados. Deve ser estabelecida uma rotina de ensaios paralelos, ensaios interlaboratoriais e treinamento interno. Os funcionários laboratoristas são monitorados por meio de questionamentos e acompanhamento da execução dos ensaios. "Se não houver acreditação", continua Battagin, "pode-se verificar se o laboratório tem um sistema de qualidade implantado, como ISO 9001. Na falta disso, deve-se exigir que o laboratório comprove eficiência, como por um programa interlaboratorial com algum outro laboratório de referência, como da ABCP, IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) ou outro laboratório acreditado". Todos os laboratórios que fazem parte da rede brasileira de laboratórios de ensaios (credenciados pelo Inmetro) têm programas interlaboratoriais. O ensaio é coordenado por um dos laboratórios, que prepara e distribui as amostras aos demais. Cada laboratório faz seu ensaio e produz um relatório com o registro dos resultados e sua análise, enviado ao Inmetro, que analisa a curva dos resultados. "É muito difícil para uma pessoa que não é da área de laboratórios fazer a auditoria e verificar todas as questões técnicas", conta Juliana. "A maior confiabilidade é a NBR 17.025. Se na região não há nenhum laboratório acreditado, realmente é preciso fazer uma visita, verificar o treinamento dos técnicos", diz Juliana. Maurício Resende completa dizendo que "é recomendável também verificar se os equipamentos estão calibrados, qual é a capacidade da prensa, visitar a câmara úmida, verificar como é feito o capeamento dos corpos de prova, e mesmo se há equipamentos em quantidade suficiente para a quantidade de ensaios". Para Battagin, quando o laboratório não tem acreditação, pode-se, sim, concluir que sua qualidade fica aquém do desejado. "Já chegou um problema de concreto no Nordeste em que o projetista pensava em demolir a obra, mas era o resultado do ensaio que estava errado. O laboratório não cumpria o mínimo, como deixar as faces dos corpos de prova paralelas", conta ele. Ensaios mais pedidos Os ensaios mais comumente solicitados são os de abatimento (slump) e resistência à compressão. O abatimento é feito no estado fresco, no recebimento do concreto. Ainda no estado fresco também são bem procurados os ensaios de exsudação, tempo de pega, ar incorporado, massa específica e reconstituição do traço, que verifica se o teor de cimento está como especificado. Já a resistência à compressão, feita no estado endurecido, mede a resistência mínima e estima o fck, por ruptura dos corpos de prova. O ensaio é delicado, e até a velocidade da compressão da prensa influencia nos resultados. Ensaios especiais, como de permeabilidade, são cobrados separadamente Se a construtora não encontrar laboratório acreditado na região, um dos itens a ser exigido é a câmara úmida "Para algumas estruturas exige-se que se meça o módulo de elasticidade", conta Eduardo Serrano, presidente da Abratec (Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Construção Civil) e da EPT. Podem ser elas: pontes, viadutos, obras de concreto protendido, pontes em balanços sucessivos, e mesmo algumas edificações. "Essa informação é necessária quando é preciso associar resistência e deformação", conta Serrano. "O módulo de elasticidade é importante para casos de desforma, para verificar se os parâmetros coincidem com os do calculista. Eles são determinados por idade, a 24 horas, três dias, sete dias e 28 dias, dependendo da necessidade do cliente para cada caso de desforma", diz Maurício Resende. "Algumas construtoras escolhem realizar o ensaio de módulo em lajes alternadas. Essa é uma propriedade essencial, porque determina a flecha da laje e da viga", acrescenta ele. Outros ensaios Em obras especiais há outras exigências para o concreto. "Obras de metrô, que são subterrâneas e estão em contato com o lençol freático exigem ensaios de impermeabilidade, além de resistividade elétrica", explica Serrano. "Há ensaios específicos de durabilidade, feitos no estado endurecido: penetração de água sob pressão, massa específica e absorção de água por capilaridade, pedidos para obras de infraestrutura, como metrô e pontes", explica Resende. "Essas estruturas ficam mais tempo submersas." Pisos industriais, com pavimento de concreto com fibras de aço, necessitam de ensaio de tenacidade (feito por flexão), e também podem ser feitosensaios de retração, variação do comprimento do concreto e tração por compressão diametral, que verifica a resistência à tração do concreto de forma indireta, por compressão diametral. No geral, ainda para pisos industriais, normalmente se verifica "o traço no laboratório, as características do traço, os materiais, a exsudação, o tempo de pega e a retração", conta Resende. Novas demandas Além dos resultados, está crescendo uma demanda por uma análise mais técnica dos ensaios. "Tem que haver laboratórios que conheçam o que fazem, que saibam dar um bom resultado de suas atividades, e não simplesmente escrever o resultado", argumenta Arcindo. Essa interpretação seria um serviço incorporado. "É a grande tendência do controle tecnológico. Não tanto para ensaios mais simples, como resistência à compressão, mas para aqueles que exigem certa análise", afirma Juliana de Carvalho. Ela completa: "Quem solicita esse tipo de ensaio são especialistas, e eles querem ter esse 'diálogo' a mais". Para essa interpretação de resultados, é necessário que o laboratorista tenha conhecimento do contexto da obra, da onde é a amostra, para que vai ser utilizado etc. No recebimento do concreto, o teste de abatimento avalia a trabalhabilidade do material Rastreabilidade é fundamental para que o resultado do ensaio seja atrelado ao local em que o concreto foi aplicado Eduardo Serrano explica que a construtora tem que saber o que comprar. "Se, por exemplo, foi definido concreto de fck 25 MPa, mas no meio do caminho surgem outras questões, como o transporte do concreto por 200 m do caminhão até o local da aplicação, então o concreto tem que suportar esse desafio do transporte. É uma propriedade totalmente diferente que precisa ser agregada ao concreto. Nesse caso, a compra foi errada, foi especificada uma coisa mas são necessárias duas", conta o engenheiro. E quem assessora isso é o tecnologista, um engenheiro que tem a especialidade da tecnologia do concreto. "Esse profissional pode estar na praça, como consultor, dentro da empresa, como um consultor interno, ou no laboratório", conta Serrano. Segundo ele, o construtor pode solicitar ao laboratório essa consultoria sobre a qualidade do concreto, que não consta no projeto "ou consta mas quem comprou o concreto não levou em conta", ressalta Serrano. O que é controle tecnológico "A visão que se aplicava no passado de controle tecnológico de concreto, até uns 30 anos atrás era a seguinte: contratava-se o serviço, e um técnico ia à obra verificar se a fôrma estava bem feita e bem presa, olhar a armadura, se a barra estava afastada da fôrma o suficiente para não comprometer a vida útil da estrutura, ele acompanhava o lançamento do concreto, a cura, proteção. A qualidade do concreto não é só resistência, mas também aparência, estabilidade da estrutura. Quem olhava isso no passado era o tecnologista ou laboratorista que ia à obra e, além do concreto, também verificava essas ações prévias. Ao longo do tempo, essas atividades foram sendo excluídas do escopo do laboratório e feitas pelo mestre de obras, estagiário, técnico de edificações. Alguns de fato fazem bem feito, e outros nem tanto, tanto é que hoje vê-se obras novas com armadura exposta, com a viga torta porque a fôrma abriu. Na minha visão, controle tecnológico seria isso tudo. Hoje, o controle tecnológico está restrito a fazer a recepção do concreto e moldar os corpos de prova. Muitas vezes nem a contratação da verificação do controle da resistência é solicitado, o que, a meu ver, é um erro." Eduardo Serrano, presidente da Abratec. Controle nas centrais Em central dosadora de concreto, muitos laboratórios possuem ISO 9000. "Estamos fazendo alguns credenciamentos no Inmetro", conta Arcindo. Tanto os materiais componentes do concreto (areia, cimento, agregados, água e aditivos) como o produto final são ensaiados. "A maioria das concreteiras tem seu laboratório. Chegando na obra, ela também coleta o concreto e faz ensaios para ver como é seu resultado, tanto de trabalhabilidade (slump) como resistência, que são as duas principais características", conta Arcindo. "Então", finaliza Arcindo, "temos a informação do que está entrando (os componentes) e do que está saindo (concreto). Comparamos os resultados para fazer ajustes". Muitas vezes também compensa, para uma empresa, ter um laboratório centralizado. "Muitas vezes a origem do cimento, da areia etc. são os mesmos", diz ele. Discrepâncias Ocasionalmente acontecem disparidades de resultados entre o fornecedor de concreto e o ensaio realizado pela construtora. São muitos os fatores que levam à ocorrência de erros. Os equipamentos, que são delicados, podem não estar calibrados, ou a amostragem pode não ser representativa. Quando o concreto tem uma não conformidade, a primeira providência é questionar se o resultado está mesmo correto. Pode-se confrontar o resultado da central com o de laboratório. "Outra possibilidade é ir à obra e ensaiar para ver se o concreto está mesmo comprometido, utilizando esclerometria ou extração de corpos de prova daquela região. Esse resultado é analisado pelo projetista da obra, que determina as medidas a serem tomadas, como uma prova adicional ou um reforço na estrutura, ou então concluindo que não há problemas e não é necessária nenhuma medida [corretiva]", diz Arcindo. Em muitos casos há erro na moldagem do corpo de prova quando ela é feita pela construtora. "Acho que para o corpo de prova de concreto o erro é mais gritante, porque às vezes quem acaba moldando é o estagiário, ou o motorista do caminhão betoneira, que nem sempre dá a devida atenção para isso", analisa Juliana de Carvalho. "Muitos deles têm bicheira (vazios por falhas no adensamento), são moldados de forma errada, sem a cura feita corretamente no prazo da norma", conta Marcelo Resende. A norma de moldagem do corpo de prova é a NBR 5.738. "Dependendo da fôrma, se 10 cm x 20 cm ou 15 cm x 30 cm, muda a quantidade de camadas e golpes. Em função do abatimento, o número de camadas também muda", avisa ele. Resende conta ainda que grande parte dos erros de ensaio de agregados está na quantidade de material amostrado. "É diferente recolher material da base ou do topo [da montanha de agregado], porque em uma parte tem mais material fino e na outra, o contrário. Muitos erros são devidos à amostragem que não é feita de acordo com a metodologia específica", conta ele. Quando, mesmo assim, o cliente pede o rompimento do corpo de prova, consta no relatório que ele apresentava defeito. "Se não houvesse divergências, se soubéssemos que sempre seria tudo igual, não seria necessário o controle tecnológico", pondera Arcindo. "Acho que temos que encarar a discrepância com tranquilidade, tomar conhecimento da divergência o quanto antes e analisar o que fazer", completa. Fonte: Revista Téchne. Ed. 166
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