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LEGISLAÇÃO CONTEMPORÂNEA E DIREITOS DA PESSOA COM TEA Tatiana Takeda 1 Sumário 1. A inclusão escolar do aluno autista ............................................................................................ 2 2. O preconceito e a discriminação para com o aluno autista ........................................................... 5 3. O direito à “Tríade” da Inclusão Escolar .................................................................................... 8 3.1 Capacitação Docente .......................................................................................................... 8 3.2. Profissional de Apoio Escolar .............................................................................................. 14 3.3 Adaptação Curricular ........................................................................................................... 18 4. Considerações Finais ................................................................................................................... 20 5. Referências Bibliográficas .......................................................................................................... 23 2 O Aluno Autista e o Direito à “Tríade” da Inclusão Escolar Tatiana Takeda1 1. A inclusão escolar do aluno autista A inclusão é uma forma de se estabelecer condição de respeito à diversidade e de manutenção da diferença para que a igualdade seja promovida. De acordo com Carloni e Silva (2019, p. 11), “a inclusão é um processo em que todos devem ter condições de participar plenamente da sociedade, tendo garantidas as possibilidades e os acessos a tudo o que a coletividade construiu historicamente”. A inclusão busca o rompimento da barreira do preconceito/discriminação à diversidade, somada à construção de valores democráticos que prezam pela isonomia, ou seja, pela busca por um tratamento que viabilize a todos as oportunidades. Os resultados deste rompimento também geram uma intersecção entre pessoas que produz uma via de mão dupla em que toda a sociedade se beneficia. De acordo com Porto e Garatini (2018, p. 243), é: Importante esclarecer que a inclusão social é uma via de mão dupla, ou seja, a sociedade passa por um processo de mudança para receber e conviver com as pessoas com deficiência por meio da adaptação de seus sistemas e, ao mesmo tempo, estas pessoas se preparam para utilizar ou aprender a desenvolver suas melhores habilidades exercendo assim um efetivo papel na sociedade, que lhes é de direito. “É então, um processo bilateral no qual tanto a pessoa ainda excluída, quanto a sociedade, buscam equacionar problemas, buscar soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos”. 1 Tatiana de Oliveira Takeda é: Advogada; Professora do Curso de Direito da PUC Goiás e de Pós- graduações; Assessora de Conselheiro no TCE/GO; Membro e Gestora de comissões de defesa dos direitos da pessoa com deficiência; Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento; Pós-graduada em Direito Educacional, Direito da Criança, Juventude e Idoso, Direito Civil e Processual Civil, Ensino Estruturado para Autistas e em outras áreas do Direito; Colaboradora, Autora e Coautora de livros e cartilhas; Administradora do perfil em rede social “Direito e Inclusão”. 3 Por sua vez, a inclusão escolar é uma situação que tem por objetivo incluir a pessoa com deficiência (ou a que necessita de apoio) no ambiente escolar. Não se pode aceitar que uma criança com dificuldade de aprendizado fique no canto da sala fazendo um desenho, alheia à aula e separada dos colegas. Esta criança, assistida ou não por um acompanhante de apoio escolar (a depender do caso), deve estar cercada de profissionais capacitados e ter seu currículo adaptado de modo a lhe proporcionar o desenvolvimento de suas potencialidades e acarretando um aprendizado satisfatório, respeitando-se sempre suas necessidades. Por ser pessoa com deficiência (artigo 1º, § 2º, da Lei no 12.764/2012), o estudante autista é um aluno de inclusão e, em regra, carece de ensino que foque nas suas habilidades cognitivas, funcionais e de comunicação para que sua independência e autonomia sejam viabilizadas. O direito à educação é garantido constitucionalmente e educar não é simplesmente manter um aluno dentro da escola, mas sim proporcionar o aprendizado a este indivíduo. Educação é um direito social e educar é ensinar de forma a garantir o aprendizado. Como bem diz Vieira (2017, p. 225): O direito fundamental à educação básica ocupa posição central no ordenamento constitucional e de sua realização depende o alcance dos princípios e objetivos fundamentais do Estado brasileiro estabelecidos pela Constituição. Desse modo, a proteção e efetivação do conteúdo do direito à educação básica tal como delineado pela Constituição de 1988 constitui pressuposto de realização e consolidação do Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal de 1988 (CF/1988) é clara, no artigo 208, inciso III, que o “dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”2. Ou seja, o aluno com deficiência possui direito a ser atendido segundo as suas necessidades junto às escolas. No entanto, a realidade da maioria dos alunos na condição de “incluídos” não é das melhores, tendo em vista que a inclusão “de verdade” não tem sido a regra, ou seja, um grave atentado ao direito constitucional à educação. 2 Como o texto constitucional é de 1988, o legislador constituinte utilizou o termo “portadores”. No entanto, este termo não é mais utilizado, sendo que quando há referência a este público utiliza-se o termo “pessoa com deficiência”. 4 De acordo com Belizário Filho e Lowenthal (2014, p. 134): A educação é a base de toda construção social, intelectual, de interação e crescimento individual. Se a criança for estimulada a descobrir seu potencial desde cedo, as dificuldades deixam de persistir em tudo o que ela faz, ela precisa de novos desafios para aprender a viver cada vez mais com autonomia, e não há lugar melhor do que a escola para que isso se concretize. O acesso de crianças com TEA à rede regular pode promover grandes avanços em seu desenvolvimento nos processos de ensino-aprendizagem, socialização e inserção ao meio social, principalmente quando contamos com profissionais capacitados nas escolas e o auxílio de uma equipe multidisciplinar (Carvalho 2009). No que pese esta relevância, é muito comum deparar-se com negativas “veladas” de matrícula, discriminação, bullying, professores sem capacitação, ausência de acompanhantes de apoio escolar e inexistência de adaptação curricular nas escolas. Acerca da realidade da maioria das instituições de ensino regular, Takeda (2019, p. 103) dispõe que: Em contrapartida, surge a concorrência de mercado entre as instituições da rede privada e a má gestão da Administração Pública, que investe de modo insuficiente nas instituições de ensino públicas, muito embora tenha dado o primeiro passo com a criação do programa de inclusão. De um lado, impera a ambição das instituições privadas ao visar que “seus” alunos se habilitem para cursos superiores renomados ou mesmo sejam inseridos em cargos notáveis dentro do mercado de trabalho, sobrevindo uma inversão de valores no meio educacional contemporâneo de modo a revelar intenso preconceito e discriminação velada com a diversidade. Por outro lado, as escolas públicas possuem notória dificuldade para proporcionar aprendizagem eficaz para o aluno de comportamento típico, quanto mais para aquele que exige intenso investimento no processo educacional inclusivo. Além disso, a aquisição de instrumentos ou profissionais facilitadores para a inclusão responde a burocracias e procedimentos muitas vezes moroso Aose ter a sua inclusão escolar negada, ou seja, seu direito à educação rejeitado, o aluno que tem o direito de ser incluído não somente está sendo preterido nesta 5 seara, como também passa a ter a sua dignidade ofendida. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (artigo 1º, inciso III, da CF/1988) é o esteio de todos os demais princípios que cuidam dos Direitos Humanos e, bem assim, dos Direitos das Pessoas com Deficiência. De acordo com Quaresma e Guimaraens (2001, p. 402/403): A dignidade da pessoa humana é princípio intimamente vinculado ao Estado Democrático de Direito, no qual o ser humano é tido como sujeito, e sujeito ativo, como fim em si mesmo, sendo inadmissíveis quaisquer discriminações e quaisquer exclusões de qualquer ordem. Deste modo, o aluno autista, nos moldes da Carta Magna, não pode ter sua inclusão escolar negada por estar resguardado por princípios e direitos fundamentais e sociais que estão acima de quaisquer ações discriminatórias ou regras oportunistas que venham a tentar impedir o seu direito de aprender. É preciso a disseminação da consciência de que é inadmissível uma situação em que a Educação não seja colocada como prioridade e que as práticas discriminatórias em relação aos alunos com deficiência mantenham mecanismos de exclusão que acabam por criar uma “pseudoinclusão”. Para Belizário Filho e Lowenthal (2014, p. 136): Promover a inclusão significa, sobretudo, uma mudança de postura e de olhar acerca da deficiência. Implica quebra de paradigmas, reformulação do nosso sistema de ensino para a conquista de uma educação de qualidade, na qual, o acesso, o atendimento adequado e a permanência sejam garantidos a todos os alunos, independentemente de suas diferenças e necessidades. Demais disso, não é excessivo ressaltar que a responsabilidade por essa inclusão escolar é de todos aqueles que fazem parte do cenário educacional (gestores, poder público, familiares, professores, comunidade), de modo que a discussão possa ser maximizada e levada a todos os municípios brasileiros. 2. O preconceito e a discriminação para com o aluno autista O artigo 3º, inciso IV, da CF/1988 possui como um dos seus objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, 6 cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Mais adiante, no seu artigo 206, inciso I, estabelece a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola”, como um dos princípios para o ensino e, garante, como dever do Estado, a oferta do atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (artigo 208). Todavia, apesar do rol de direitos elencados na CF/1988 e em vasta legislação infraconstitucional (Lei Brasileira de Inclusão, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, “Lei do Autista”...), existem diversos casos de instituições de ensino que se recusam a cooperar com a inclusão escolar por não entender ser sua a obrigação de prestar assistência especializada e necessária à inserção e permanência do aluno autista no ambiente escolar. Em razão de tal situação e tantas outras que menosprezam as potencialidades das pessoas com deficiência, há de se destacar que o aluno autista é uma potencial vítima de preconceito e discriminação. Preconceito é aquilo que está dentro do indivíduo e a partir do momento que ele coloca aquele sentimento “para fora”, ou seja, torna-se uma ação, tem-se a conduta consubstanciada na discriminação. Segundo Madruga (2016, p. 97), “a proibição da discriminação é princípio universal na legislação de direitos humanos e presente em grande parte dos documentos internacionais e leis e constituições dos Estados, a começar pela Declaração Universal de 1948 (art. 2º)”. Diante da necessidade de combate à discriminação, a Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência), dispõe em seu artigo 4º, § 1º, que: Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas. A partir do momento que a conduta do agente (pessoa que discrimina) é encaixada no artigo 4º, § 1º, há de se aplicar o artigo 88 da mesma norma que, por sua vez, dispõe que “praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência” enseja pena de até 5 (cinco) anos e multa. Calha destacar que, conforme ensina Lopez (2020, p. 72): “Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer 7 diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de “adaptação razoável” que, por sua vez, significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. E no contexto escolar? O que é discriminar o aluno autista? Continua sendo a conduta tipificada no artigo 4º, § 1º, da Lei nº 13.146/2015 e passível das penas insertas no artigo 88 da mesma norma. Trata-se por discriminação do aluno autista, no ambiente escolar: negar adaptação curricular, dificultar a matrícula; excluir o aluno das atividades recreativas; negar acompanhante de apoio que possua condições/capacitação de ser “ponte” entre o aluno e o professor regente; dentre outras questões que se enquadrem no artigo 4º, § 1º, da Lei nº 13.146/2015. Adaptar o currículo é adequar o sistema de ensino/aprendizagem do aluno com deficiência. Através da flexibilização do currículo o aluno passa a ter condições de aprendizado na medida de suas habilidades e dificuldades. Como bem ressalta o legislador na Lei nº 13.146/2015 (artigo 28), deve existir um apoio individualizado, bem como medidas que foquem nas peculiaridades do indivíduo. Negar condições de aprendizado é discriminar a pessoa com deficiência em face da sua deficiência. A Constituição Federal determina que as crianças e adolescentes têm direito à educação e educar é ensinar. Não basta a permanência do aluno na escola. O indivíduo precisa alcançar o objetivo maior da educação que é o aprender. Ter esse direito negado é constranger o aluno. Calha citar o artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) por dispor que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. O tratamento vexatório e o constrangedor impõem vergonha ou humilhação ao menor e isto configura um atentado à dignidade desta pessoa. 8 Quando a inclusão escolar é negada ao aluno autista (ou qualquer outro em situação de inclusão) configura-se o constrangido em razão de um tratamento diferente do que é dado a outro aluno que não seja de inclusão pelo fato daquele ser um discente considerado diferente dos demais e que, assim o sendo, demanda mais ações da escola e isso não é bem quisto. Cada aluno autista é um caso concreto e, para que possa auferir aprendizado precisa ser incluído da forma apropriada, sendo que a adaptação do currículo, em regra, será a mais importante das ferramentas de inclusão escolar. Há de se destacar também que parte dos alunos não consegue acompanhar o ritmo doprofessor regente, de modo que seu aprendizado torna- se comprometido. Deve-se acrescentar que parte deste público sequer consegue permanecer sentado no banco da escola por mais de uma hora, razão pela qual necessita da intervenção de um acompanhante de apoio que a Lei nº 13.146/2015 chama de “profissional de apoio escolar”. Nos últimos anos, a problemática acerca da necessidade ou não de um acompanhante ou profissional de apoio escolar (que tomarei a liberdade de chamar de “professor de apoio”) para as crianças/adolescentes pertencentes ao processo inclusivo tem sido uma tônica amplamente discutida por famílias, educadores, gestores e defensores dos direitos individuais e coletivos. Demais disso, ressalte-se que sem a capacitação docente, ou melhor, de todo o corpo de funcionários (ou servidores) da instituição de ensino, dificilmente se chegaria à inclusão escolar plena e verdadeira dos alunos, pois para que a adaptação curricular seja feita e aplicada da forma apropriada os profissionais envolvidos precisam estar devidamente formados para desempenhar tal mister. 3. O Direito à “Tríade” da Inclusão Escolar Ao dispor sobre os elementos necessários à verdadeira inclusão escolar, toma-se a liberdade de denominá-los de: Tríade da Inclusão Escolar. Tratam-se de três elementos fundamentais para que a inclusão do aluno autista ou com deficiência intelectual seja realmente ofertada pelas escolas: a) Capacitação Docente; b) Profissional de Apoio Escolar; c) Adaptação Curricular. A seguir, tratar-se-á de cada um deles. 3.1. Capacitação Docente Para que o professor consiga lidar com o público de inclusão, por óbvio, precisa de treinamento específico. Ocorre que os alunos da educação inclusiva 9 possuem repertório diferenciado e devem ser tratados e avaliados segundo suas próprias dificuldades e habilidades. Quando se fala dos alunos autistas, em especial, calha salientar que possuem necessidades diferentes entre si, vez que nenhum autista é igual ao outro. Desta maneira, para ter condições de ensinar, adaptar tarefas, fazer o Plano de Ensino Individualizado (PEI), saber lidar com os comportamentos problema, ter decisões apropriadas no dia a dia da socialização deste aluno com os demais (e tantas outras questões rotineiras), o professor precisa de capacitação tanto inicial como continuada. A Lei no 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), conforme explica Mendes (2018, p. 95), dispõe que “no artigo 59 aparece especificada a necessidade de se prover formação para os dois tipos: o professor regente da classe comum e o do atendimento especializado”. Por oportuno, ao dispor sobre a LDB, Mendoza (2017, p. 116) expõe que: É importante reiterar que esta Lei apresenta pontos de extrema valia, uma vez que reforça acerca da Educação Especial enquanto modalidade de ensino. Toda Lei se traduz em uma tentativa de mudança. Para tanto, solicita participação coletiva e espera que o professor se modifique e tenha a capacidade de entender e compreender o universo do aluno com o qual interagirá. Com olhos nesta necessária capacitação, convém citar o que Mendes (2018, p. 101) tem a dizer acerca de um alerta sobre uma comum formação pormenorizada de professores para lidar com esse público: A tônica atual na formação de professores de Educação Especial está em cursos de curta duração, majoritariamente em instituições de Ensino Superior privadas, que, embora respondam aos interesses de se obter uma mão de obra supostamente especializada, com menos custos e em curto espaço de tempo, têm contribuído para a proliferação de cursos de especialização de baixa qualidade no país, para o déficit permanente de professores com formação na área, com o crescente aumento de professores praticamente leigos assumindo funções docentes junto ao público-alvo da Educação Especial. Tais cursos são ofertados por instituições de Ensino Superior sem que haja nenhuma avaliação para autorização, reconhecimento e aprovação. Assim, não há exigências relacionadas com a titulação e especificidades de formação de seus docentes, não há vínculo direto com a pesquisa e não 10 instrumentos externos qeu avaliem a qualidade do curso ofertado. Além de uma formação que nem sempre é a que se espera e que tenha a real condição de formatar um profissional adequado àquela função, a realidade da educação inclusiva brasileira ainda é prejudicada, segundo Tibyriçá e D’antino (2018, p. 101), por uma “falta de consenso da academia acerca de como deve ser a formação desses professores". Há uma forte discussão entre a formação ideal. No que pese a discussão, há de se destacar que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é um microssistema jurídico com base principiológica própria e cria mecanismos de amparo e proteção à criança e ao adolescente. Com relação à criança com deficiência pode-se destacar os seguintes dispositivos: Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; (...)Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; Os artigos 53 e 54 do ECA asseguram ao aluno, sendo criança ou adolescente que é, o direito de acesso e permanência na escola, do direito de ser respeitado pelos educadores e o direito ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. Deste modo, compreende-se que o legislador, preocupado com as particularidades dos alunos, dispôs acerca da necessidade de promover condições para que o discente possa estar e permanecer na escola de forma a alcançar o aprendizado. Quando é destacado no inciso II que o aluno tem o direito de ser respeitado por seus educadores, percebe-se que o professor tem que estar preparado para lidar com todos os tipos de alunos, sempre com olhos à harmonia e devidas cautelas sociais. Quanto ao artigo 54, o texto é muito claro ao eleger a rede regular de ensino como ambiente educacional preferencial, o que lhe imputa o dever de preparo para recepcionar esse público. Para que tais dispositivos do ECA sejam cumpridos é importante que o corpo docente da instituição de ensino esteja devidamente capacitado para lidar 11 com as demandas dos alunos, inclusive os com deficiência. Com status de Emenda Constitucional (Decreto no 6.949/2009), a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, conforme explica Mendes (2018, p. 102): Ao determinar que todos os professores devem ser capacitados para atender a diversidade educacional, não exime a necessidade de formação específica do professor da Educação Especial. Assim, a compreensão da necessidade de capacitação abrangente não pode extinguir ou restringir o conjunto de saberes e profissionais necessários à Educação Especial, assentando-se tudo na premissa de que basta a formação do professor da sala de aula comum. Diante desta formação específica, a Lei no 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão), que é um “filhote” da Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, vez que foi inspirada nesta, traz em seu artigo 28 que é direito do aluno com deficiência: II - aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena; V - adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituiçõesde ensino; IX - adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência; X - adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado; XI - formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio; Veja o quanto o legislador foi contundente ao estabelecer situações e condições que devem ser oferecidas ao aluno de inclusão e, para isso, o professor deve estar devidamente capacitado para ter expertise nas demandas do dia a dia. 12 Não é demais dar destaque ao que Mendes (2018, p. 104) diz à respeito da atual fragilidade na formação dos professores que vivenciam ou vivenciarão a inclusão de alunos com deficiência: Concluindo, podemos considerar que um dos principais obstáculos na construção de uma escola brasileira mais inclusiva, na atualidade, reside na fragilidade da política de formação de professores. Apenas com a determinação legal de que União, Estado e Municípios venham a garantir melhor qualificação, e valorização, dos professores, com foco na formação inicial pública e de qualidade na área, para não ter que se proverem políticas emergenciais e aligeiradas posteriormente, mas sem deixar de prover ampliação nas oportunidades de formação continuada, será possível garantir de forma efetiva a implantação de uma Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva. Demais disso é relevante destacar que o professor, além de possuir proficiência, também precisa ter conhecimento que promova a criação de estratégias efetivas para ensinar. Ao dispor acerca das Práticas Baseadas em Evidência (PBE), Nunes e Shmidt (2019) são assertivos: O conhecimento curricular é representado por um conjunto de programas delineados para ensinar tópicos específicos, mediante o uso de materiais instrucionais diversos. Envolve aqueles conhecimentos que permitem ao professor elaborar, adaptar e aplicar propostas pedagógicas, reconhecendo a sequência que deve ser dada ao conteúdo e o nível de complexidade das atividades/tarefas. Na perspectiva cognitivista de Shulman (1986), é primordial que o docente não apenas seja proficiente na disciplina que leciona, como também conheça estratégias efetivas para ensiná-la. Destaca-se aqui o aspecto formativo o professor, mais especificamente o acesso que teve (ou não) em sua formação aos conteúdos do campo não somente da educação, mas também da educação especial. Os cursos de licenciatura plena em educação especial incluem, em sua grade curricular, conhecimentos que expõem os alunos ao desenvolvimento de alternativas teórico- metodológicas em práticas inclusivas, forjando as bases do conhecimento curricular propostas por Shulman. Por fim, o conhecimento do contexto educacional traz uma perspectiva ecológica para a compreensão das particularidades 13 sociais e culturais do cenário escolar. Isso implica conhecer não apenas o microssistema, composto pelo grupo de alunos em sala de aula, mas também o mesossistema, que envolve a dinâmica administrativa da escola e aspectos relativos à gestão, além do macrossistema, constituído pelas particularidades sociais e culturais da comunidade onde a instituição está alocada (SHULMAN, 1986). (...) Por fim, é preciso valorizar o protagonismo docente manifesto no conhecimento estratégico. É na ação inovadora do professor que, levando em conta as variáveis situacionais, são ajustadas, modificadas e criadas novas estratégias. Diferentemente do preconizado no paradigma linear, a comunidade científica deve auxiliar o professor a sistematizar esse novo conhecimento, considerando sua validade e abrangência. Tal dinâmica favorece que esse novo saber, após empiricamente testado, seja armazenado na forma de proposições. (...) A escolarização de educandos com autismo em classes regulares tem se mostrado desafiadora, demandando do professor o conhecimento e a incorporação de estratégias interventivas que se mostrem eficazes. Embora as agências internacionais de pesquisa estejam avaliando e selecionando práticas cientificamente validadas, como as PBE, estudos indicam que elas ainda são pouco conhecidas e/ou empregadas pelos docentes nos contextos escolares. Esse cenário revela a distância entre o desenvolvimento de pesquisas e sua apropriação pelo professor. Vale destacar, em virtude da precária formação docente e das próprias políticas educacionais, que esse fenômeno é ainda mais crítico no contexto nacional. Deste modo, como capacitação inicial, é indispensável que sejam ofertados pelas universidades cursos de licenciatura nesta área em ascensão, bem como que seja a educação inclusiva objeto de disciplinas nas licenciaturas de todas as áreas. Acrescentando-se a isso o incentivo a capacitações continuadas que contemplem carga horária suficiente e qualidade no conteúdo que disponham sobre o público em cotejo, em especial aos autistas que padecem de estratégias baseadas na análise do seu comportamento (evidência científica) no ambiente escolar. 14 3.2. Profissional de Apoio Escolar No caso dos autistas, a Lei nº 12.764/2012 (Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista) já previu a questão do “acompanhante especializado”. O parágrafo único do artigo 3º dispõe que “em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do artigo 2o, terá direito a acompanhante especializado”. Bem antes de tal norma entrar em vigor, a Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) já havia previsto a figura dos profissionais especializados no artigo 59, quando faz menção aos “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns”. Posteriormente, em decorrência da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, que deu ensejo ao Decreto nº 6.949/2009, ficou estabelecido no artigo 24, item 2, “c”, “d” e “e” que são direitos: adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas; as pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena. Veja-se que o legislador já estava convencido da importância de um “professor de apoio” desde então, dada a necessidade de inclusão efetiva. Grande parte dessas crianças não consegue aprender sem alguém ao seu lado, lhe esclarecendo pormenorizadamente o que o professor regente está, de forma de difícil entendimento para o aluno com algum tipo de transtorno ou deficiência, explicando. Inclusão escolar é fazer com que essa criança/adolescente com deficiência permaneça dentro da sala de aula, com os demais colegas, com o auxílio e recursos necessários à sua aprendizagem. No que pese o fato de existir legislação suficiente para dar embasamento jurídico ao direito de ter um “professor de apoio”, as pessoas com deficiência receberam da Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão) mais um dispositivo que dispõe acerca do objeto em tela. O artigo 28 vem acompanhado de diversos incisos, dentre eles destaca-se: V - adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais,vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os 15 interesses do estudante com deficiência; XI - formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio; XVII - oferta de profissionais de apoio escolar. A Lei nº 13.146/2015, chamando o “professor de apoio” pelo termo “profissional de apoio escolar”, veio confirmar o quanto é importante a presença dessa figura no sistema inclusivo de qualquer tipo de escola. No entanto, ainda pairam dúvidas acerca da necessidade deste profissional e de qual é a formação deste agente. A verdade é que a “Lei do Autista” não esclarece quem é o que ela denomina “acompanhante especializado” e coube à Lei Brasileira de Inclusão trazer o conceito que tem sido disseminado. O artigo 3º, inciso XII, da LBI explica que o profissional de apoio escolar é: A pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas; (g.n.) Várias críticas podem ser feitas a este conceito. No entanto, destaca-se o trecho negritado que indica qual o papel principal do profissional em questão. Quando o legislador diz “atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária”, embora tenha pecado ao não inserir o termo “atividades pedagógicas”, fica claro que se está a afirmar que tal apoio deve estar preparado para poder desempenhar o papel mais importante junto ao aluno, ou seja, ser “ponte” entre o discente e o professor regente de modo a proporcionar o que se espera de uma instituição de ensino: o aprendizado. No entanto, há aqueles que se aproveitam de um interpretação equivocada da norma para negar um profissional que tenha condições de ser “ponte de conhecimento” e apenas oferecem o que se pode denominar “cuidador”, ou seja, aquele profissional que é disponibilizado somente para questões ligadas a cuidados básicos como segurança, alimentação e higiene. Insistir em atuar em todas as atividades escolares é, principalmente, proporcionar o objetivo de se estar na escola, ou seja, que o aluno de inclusão, em pleno respeito à sua dignidade, possa, além de permanecer em todos os ambientes da escola, com as adaptações razoáveis quando necessário, aprender o que está em seu currículo adaptado. Existem projetos de lei tramitando na tentativa de deixar esse conceito 16 de profissional de apoio escolar mais claro, mas a leitura parece ser límpida quando entende-se que o objetivo da escola é ensinar e garantir o aprendizado ao aprendizando. Em outros países, como nos Estados Unidos da América, há uma cultura diferente, lá a inclusão é vista como um direito e não um privilégio. Veja-se como Braga-Kenyon, Tibyriçá e Andrade (2018, p. 67-68) explicam a situação do profissional de apoio escolar naquela nação: A presença do acompanhante especializado para auxílio e manejo de crianças com deficiência se tornou um serviço e é aprovado, nos EUA, de modo individualizado. Um aluno que não esteja progredindo na área acadêmica ou comportamental pode receber esse serviço de acompanhante especializado. O serviço é descrito no IEP, e a escola é responsável por contratar e treinar esse profissional. Os profissionais, para que possam atuar como acompanhantes especializados, são capacitados. Essa capacitação é, na maioria das vezes, realizada pelas próprias escolas públicas, conforme programa desenvolvido pelos administradores das escolas, e não por um órgão nacional que aprova a capacitação com conteúdo único e rigoroso. Os profissionais, muitas vezes, recebem treinamento em como manejar problemas de comportamento que requerem intervenção física, sem que necessitem acionar serviços médicos ou de emergência para o uso de medidas restritivas de intervenção. Com relação à formação deste profissional capacitado para saber lidar com os comportamentos problema, Braga-Kenyon, Tibyriçá e Andrade (2018, p. 68) ainda explicam que a análise do comportamento oferece os melhores resultados no processo de ensino-aprendizagem: A Análise Aplicada do Comportamento (ABA) tem sido adotada como a abordagem com melhores resultados no tratamento de indivíduos diagnosticados com TEA. Nos EUA, os serviços de ABA para crianças com TEA são cobertos pelos planos de saúde, que financiam parte ou todos esses serviços. Os seguros de saúde estão criando regulamentos, e um deles é o que profissionais que trabalhem com as crianças com TEA sejam certificados ou RBT. A certificação em RBT é recente; foi estabelecida em 2014. O credenciamento em RBT foi criado por pressão dos seguros de saúde e das escolas públicas, entre outros, que passaram a ter que custear e reavaliar os serviços em ABA que era prestado aos 17 clientes.3 (...) Não existem, ainda, leis que obriguem a escola pública nos EUA a ter um acompanhante terapêutico (AT) com treinamento em ABA para cada um dos alunos com TEA. Porém, várias escolas compraram o currículo de RBT, e há a expectativa de que, daqui a alguns anos, todos os Ats sejam RBTs ou tenham treinamento similar. 3 O RBT (Registered Behavior Technician – Técnico Comportamental Registrado) é um profissional que trabalha sob a supervisão direta de um BCBA-D, BCBA ou BCaBA. Ele é o principal responsável pela aplicação das estratégias de intervenção planejadas pelo BCBA. Ao receber o título de RBT, o profissional está qualificado na teoria e na prática para realizar a aplicação da Terapia ABA. No Brasil, o RBT é o equivalente ao Aplicador Técnico (AT), também chamado de Assistente ou Acompanhante Terapêutico (AT). Nos Estados Unidos existe uma hierarquia promovida pela certificação para analistas do comportamento que vai desde o BCBA-D (profissionais com doutorado), BCBA (profissionais com mestrado), BCaBA (profissionais graduados), até os RBT. No entanto, infelizmente, por enquanto no Brasil está a anos luz da cultura de países desenvolvidos e o suporte humano individualizado em sala de aula é o profissional de apoio escolar. É preciso que este professor seja cada vez mais capacitado de modo a conquistar habilidades que agreguem no conhecimento e promovam o aprendizado efetivo do aluno autista. Há de se deixar claro que não é qualquer criança ou adolescente autista que precisa de um professor de apoio. Há casos em que é dispensável ou mesmo divisível entre alunos de inclusão. Como já aventado no parágrafo único do artigo 3º da “Lei do Autista”, há de se comprovar a necessidade. Mas como comprovar esta necessidade? A prova cabal para tal necessidade é um relatório médico indicando quais as dificuldades que aquele aluno possui e que ensejam a presença de um profissional de apoio escolar ao seu lado. Relatórios confeccionados por pedagogos, analistas do comportamento e fonoaudiólogos, também possuem um grande peso suplementar na comprovação, pois conseguem esmiuçar ainda mais as peculiaridades do aluno autista em questão, o que é importantíssimo, inclusive, para a produção do Plano de Ensino Individualizado (PEI). Por fim, é extremamente relevante que as famílias tenham a informação de que não é legal cobrar valores adicionais em razão da oferta deste profissional de apoio porque configura discriminação da pessoa com deficiência. Frise-se que é indevida a cobrança de valores adicionais na oferta da inclusão escolar do aluno autista e o artigo 8º da Lei no 7.853/1989 considera como crime esse tipo de conduta. 18 3.3. Adaptação Curricular A adaptação curricular é ferramenta indispensável à inclusão dos alunos com deficiência (principalmente mental/intelectual) ou com dificuldade de aprendizagem.Ela viabiliza a construção de um currículo escolar acessível a todos os educandos, desde o ensino infantil até o superior, à medida que proporciona conhecimento palpável e concreto mediante prévio planejamento com olhos às habilidades de dificuldades do aluno de inclusão. Tal ferramenta é manejada tendo-se por base o aluno e suas respectivas peculiaridades. O artigo 5º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (2006), que em razão da ratificação feita pelo estado brasileiro foi recepcionada no Brasil com status de Emenda Constitucional, dispõe sobre Igualdade e Não-Discriminação em seu § 4º ao afirmar que “as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias”. Calha destacar o comentário de Lopez (2020, p. 133) acerca do assunto: Em termos práticos, essa previsão, que goza de status de emenda constitucional, acaba por garantir que as necessidades educacionais específicas dos estudantes com deficiência que, porventura, se desdobrem na necessidade de ações para apoio individualizadas como adaptações razoáveis em avaliações, materiais e currículos, bem como em ações para acessibilidade ao espaço, não podem ser tomadas como medidas discriminatórias ou privilégios. Ao contrário, devem ser vistas como necessárias ações para equiparação de oportunidades e maximização do desenvolvimento estudantil. Portanto, está expresso no ordenamento jurídico brasileiro que o aluno de inclusão tem suas necessidades específicas e deve ser ofertado com ações individualizadas que contemplem suas habilidades e dificuldades de modo a promover o seu aprendizado. A Lei no 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão) estabelece em seu artigo 27 que: A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades 19 físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem. Diante deste direito à educação inclusiva, a norma em arrimo também indicou uma série de garantias destinadas aos alunos com deficiência no artigo 28, sendo alguns deles: II - aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena; III - projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia; V - adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino; VII - planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva; IX - adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência; X - adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado; XV - acesso da pessoa com deficiência, em igualdade de condições, a jogos e a atividades recreativas, esportivas e de lazer, no sistema escolar; Perceba-se que todas essas garantias aos alunos só são possíveis de serem materializadas mediante uma séria adaptação no currículo do estudante, inclusive para que este possa desfrutar dos momentos de recreação e lazer junto aos demais colegas. Afinal, a adaptação do currículo do aluno de inclusão 20 perpassa por todo o ambiente escolar. Claro que para isso, tanto os professores como os demais funcionários da instituição de ensino devem estar qualificados e cientes de como agir com aquele aluno. A Lei no 12.764/2012 (Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista) não dispôs sobre a inclusão escolar do aluno autista, restringindo-se a estabelecer em seu artigo 3º, inciso IV, alínea “a”, que o autista tem direito a acesso à educação. Diante esta norma, Tibyriçá e D’antino (2018, p. 57) observam que: Portanto, ainda que a Lei 12.764/12 não preveja uma diretriz específica, os princípios norteadores do direito à educação da pessoa com TEA devem considerar, em especial, o previsto na Convenção e na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que garantem o acesso à educação, mas também o aprendizado, evitando-se que tenhamos uma inclusão de “faz de conta”. Além disso, outra preocupação essencial para que se efetive o direito à educação é que sejam disponibilizados apoios que eliminem barreiras a fim de garantir a participação do aluno em igualdade de condições com os demais. Desta forma, verifica-se que o aluno autista padece de condições adaptativas para que consiga auferir conhecimento, não sendo demais relembrar que cada um deles é um ser único, ou seja, não há uma “forma de bolo” para promover o aprendizado e consequente inclusão escolar, pois o grau de suporte vai variar de acordo com a necessidade individual. Todos possuem potencial e podem aprender, porém, este estudante precisa entender o que está sendo ensinado, razão pela qual o ensino individualizado, planejado e estruturado é indispensável. 4. Considerações Finais O aluno autista é uma potencial vítima de discriminação em qualquer ambiente. Como ele fica, pelo menos, um período do dia na escola é comum que seja alvo de preconceito, discriminação, bullying e capacitismo. A discriminação no ambiente escolar também se materializa pela negativa de direitos relativos à inclusão escolar. Para que o aluno possa exercer o seu direito à educação é necessário que consiga atingir o objetivo de se estar em uma instituição de ensino, ou seja, 21 aprender. No entanto, grande parte do público estudantil autista não aprende, principalmente, aos alunos que necessitam de substancial suporte para poder permanecer no meio escolar, bem como para auferir conhecimento inserto na grade curricular. Geralmente, quando não há aprendizado é porque as ferramentas da inclusão não estão sendo aplicadas. Para que o aluno autista que necessita de substancial suporte possa aprender é preciso que as três ferramentas da inclusão escolar sejam empregadas: a capacitação docente; o profissional de apoio escolar; e a adaptação curricular. É indispensável que os professores estejam devidamente capacitados para que possam manejar e adaptar o currículo do aluno, bem como a presença do profissional de apoio escolar é fundamental para que haja aprendizado. O objetivo mor da educação é aprender e o aluno autista está ali no ambiente para isso, assim como os demais colegas. Além disso, a inclusão da pessoa com deficiência na escola tem um valor pedagógico/moral enorme ao se levar em conta quando ocorre no início da vida acadêmica, a convivência entre crianças, pode ser uma chave importante para que ocorra a construção cultural de respeito às diferenças. Quando o aluno autista é visto como parte daquele meio, restando claro para todos os suportes dos quais precisa, suas habilidades e dificuldades, pode-se evitar que crianças venham a se tornar adultos intolerantes e preconceituosos,ou seja, o contato diário com a pessoa com deficiência pode criar reflexos por toda a vida, tanto no estudante de inclusão como nos demais que estão participando do seu processo inclusivo. O importante é que não só a comunidade escolar, mas toda a sociedade saiba que os alunos de inclusão têm direito de ser inseridos no contexto escolar e devem ser respeitados por todos. Para que isso ocorra, o legislador precisou confeccionar normas que disciplinam a inserção do aluno autista no ambiente escolar. Se for necessário, estas normas deverão ser acionadas. No caso de ausência do reconhecimento pelos gestores escolares de necessidade da oferta de ferramentas que viabilizarão a permanência e aprendizado do aluno de inclusão, não há outra alternativa a não ser a propositura de uma medida judicial, com olhos à efetivação do direito. Essa medida judicial pode ser manejada por um advogado e, caso a pessoa não tenha condições de pagar, é recomendável que procure a Defensoria Pública ou o Ministério Público. Caso existam universidades de Direito no município do interessado, ele pode procurar os “escritórios modelos” para que os professores, com o auxílio dos alunos, entrem com a ação pertinente. Também podem ser feitas ocorrências junto às delegacias, vez que a negativa de inclusão escolar gera um constrangimento que se encaixa perfeitamente no conceito de discriminação em face da deficiência que está descrito no artigo 4º, § 1º, da LBI. 22 Não é demais dizer que a Lei Brasileira de Inclusão instaurou um novo paradigma em termos de inclusão escolar e acredita-se que as mudanças positivas se darão de forma paulatina. No entanto, é necessário que a sociedade esteja atenta para que os Princípios Constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, da Igualdade Material, da Cidadania, da Razoabilidade e da Proporcionalidade sejam respeitados para que os alunos de inclusão sejam realmente incluídos nos ambientes escolares, ou seja, convivam com colegas de forma harmoniosa e respeitosa, permaneçam de forma adequada em todas as áreas da escola e aprendam aquilo que está no seu plano de ensino individualizado. A LBI também alterou a Lei no 7.853/1989 (Lei de Integração da Pessoa com Deficiência) para estabelecer, no artigo 8º, que: Art. 8º. Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa: I - recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência; (...) § 1º Se o crime for praticado contra pessoa com deficiência menor de 18 (dezoito) anos, a pena é agravada em 1/3 (um terço). Portanto, nenhuma escola pode vir a cobrar um plus pela oferta daquilo que está previsto em lei como instrumento inclusivo a se oferecer. Nenhuma das ferramentas da “tríade da inclusão escolar” podem ser objeto de cobrança. Em geral, as normas têm sido esteio para a aplicação dos direitos da pessoa com deficiência. No entanto, espera-se o dia em que não será mais necessário socorrer-se de uma norma legislativa para que a inclusão social e, em particular, a escolar se cumpra. Também o dia em que todos os atores escolares conscientizem- se de que a inclusão não é alternativa, é direito. No momento, está-se a caminhar com passos curtos, sendo necessário lembrar que estes aprendizes são na verdade mestres e que a inclusão é um caminho sem volta! 23 5. Referências Bibliográficas BELIZÁRIO FILHO, José; LOWENTHAL, Rosane. A Inclusão Escolar e os Transtornos do Espectro do Autismo. In: SCHIMIDT, Carlos (org.). Autismo, Educação e Transdisciplinaridade. 1ª ed., 2ª Reimpressão. Campinas (SP): Papirus, 2014. BRAGA-KENYON, Paula; TIBYRIÇÁ, Renata Flores; ANDRADE, Maria América. Acompanhante Especializado no Ensino Regular. In: TIBYRIÇÁ, Renata Flores; D’ANTINO, Maria Eloisa Famá. Direitos das Pessoas com Autismo: Comentários Interdisciplinares à Lei 12.764/12. 1ª ed., São Paulo (SP): Memnon, 2018. 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