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INTRODUÇÃO À MULTIMODALIDADE 
Contribuições da Gramática Sistêmico-Funcional 
Análise de Discurso Crítica 
Semiótica Social 
 
 
CONSELHO EDITORIAL 
 
André Lúcio Bento (UnB) 
Angela B. Kleiman (Unicamp) 
Célia Magalhães (UFMG) 
Claudia Gomes Paiva (Cefor - Câmara dos Deputados) 
Dina Maria Martins Ferreira (UECE) 
Edna Cristina Muniz da Silva (UnB) 
Josenia Antunes Vieira (UnB) 
Maria Carminda Bernardes Silvestre (ESTG-IP Leiria-Portugal) 
Maria José Coracini (Unicamp) 
Milton Chamarelli Filho (UFAC) 
Pedro Henrique Lima Praxedes Filho (UECE) 
Regina Celan (PUC/SP) 
Regina Célia Pagliuchi da Silveira (PUC/SP) 
 
 
 
 
Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO À MULTIMODALIDADE 
Contribuições da Gramática Sistêmico-Funcional 
Análise de Discurso Crítica 
Semiótica Social 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2015
Copyright © Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
 
 
Revisão 
Carmen Lucia Prata da Costa 
Denise Silva Macedo 
 
Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica 
Elizabete Nepomuceno Raiol Lopes 
 
Design da capa 
Newton Scheufler 
 
Imagem da capa 
Paul Klee Revisitado (arte digital de Newton Scheufler) 
 
 
Apoio 
Centro de Pesquisas em Análise de Discurso Crítica 
da Universidade de Brasília – CEPADIC 
 
 
Catalogação na Publicação (CIP) 
_____________________________________________________ 
V657i Vieira, Josenia. 
 Introdução à Multimodalidade: Contribuições da 
Gramática Sistêmico-Funcional, Análise de Discurso 
Crítica, Semiótica Social/ Josenia Vieira e Carminda 
Silvestre. – Brasília, DF: J. Antunes Vieira, 2015. 
 170 p. ; 21 cm 
 ISBN: 978-85-9093183-6 
 
 1. Linguística. 2. Análise de Discurso. I. Vieira, 
Josenia. II. Silvestre, Carminda. III. Título. 
CDD 410 
_____________________________________________________ 
 
SUMÁRIO 
 
APRESENTAÇÃO 7 
 
1ª PARTE – GLOBALIZAÇÃO, TECNOLOGIAS E 
LINGUAGENS (Josenia Vieira) 
1. Globalização e tecnologias: uma perspectiva multimodal da 
linguagem 15 
1.1 A questão da representação do significado 16 
1.2 Discurso e globalização 22 
1.3 A construção híbrida do discurso 30 
Conclusões 38 
 
2ª PARTE – MULTIMODALIDADE E EVENTOS DE 
LETRAMENTO (Josenia Vieira) 
2. A multimodalidade nos eventos de letramento 43 
2.1 A análise multimodal em ação 45 
2.2 Escala de detalhes 48 
2.3 A ação dos elementos tipográficos na construção do 
sentido 50 
2.4 O Valor multimodal da impressão 56 
2.5 O Discurso das cores e a questão cultural 58 
2.6 A representação multimodal dos atores sociais 62 
2.7 A sintaxe visual: dando forma à composição 66 
Conclusões 71 
 
3ª PARTE – DISCURSO E METÁFORAS VISUAIS 
(Josenia Vieira) 
3. O papel das metáforas visuais no discurso 75 
3.1 A imagem da palavra 78 
3.2 A construção de metáforas visuais no discurso 79 
3.3 Metáforas visuais: os novos agentes multimodais 81
3.4 Multimodalidade ─ como trabalhar essas semioses? 
E para que fim? 84 
 
4ª PARTE – MULTIMODALIDADE E LITERACIA 
(Carminda Silvestre) 
4. Literacia multimodal 95 
 
 
5ª PARTE – MULTIMODALIDADE: CONTRIBUTO PARA 
UMA LITERACIA MULTIMODAL 
(Carminda Silvestre) 
5. Contributos para uma literacia multimodal 113 
5.1 A localização das entidades no espaço 116 
5.2 O mapeamento das emoções nos sistemas semióticos 
verbal e visual 124 
5.3 Linguagem verbal e visual: relações de complementaridade dos 
sistemas semióticos 131 
 
6ª PARTE – GÉNERO E MULTIMODALIDADE 
(Carminda Silvestre) 
6. O género como elemento multimodal da actividade 
humana 141 
6.1 Narrativa visual: o interplay entre modo e estruturas 
esquemáticas 143 
6.2 O Interplay entre modo e estruturas esquemáticas: o caso 
do filme de animação “O dia em que o Sr. Raposo...” 145 
Conclusões 160 
 
REFERÊNCIAS 163 
 
SOBRE AS AUTORAS 170 
 
APRESENTAÇÃO 
 
 
 
Sabemos hoje que a centralidade da linguagem reside 
fundamentalmente no fato de que o conhecimento passa pelo uso 
da linguagem. Reside também no pressuposto de que o conteúdo 
do conhecimento não pode ser dissociado da linguagem por 
meio da qual este é veiculado, bem como da forma como é 
construído. Assim, forma e função não podem ser separadas. O 
que pretendemos realçar é que a significação não reside apenas 
no âmbito do linguístico, mas também na maneira como a 
usamos em contexto. Com o advento da sociedade visual da qual 
fazemos parte, esse conhecimento é construído não só pela 
linguagem verbal (oral ou escrita), mas também pelas linguagens 
nos seus diferentes modos. 
Ao longo da história social, cultural e política têm sido 
produzidos recursos semióticos por meio dos quais atribuímos 
sentido às realidades interior e circundante, interagimos e 
criamos os nossos textos. As necessidades sociais, culturais e 
políticas têm levado o homem a procurar novas formas e 
tecnologias de comunicação, bem como novas teorias de 
linguagem. 
No campo das teorias de linguagem, o entendimento da 
linguagem distancia-se do preconizado no início do século XX. 
Esse entendimento se inscreve em quadro teórico sustentado por 
uma visão funcional da linguagem que considera que o sistema 
linguístico é modelado pelas funções a que serve. A linguagem 
verbal (no seu modo oral ou escrito), em particular, é um sistema 
de significação que interage com outros sistemas de significação 
8 Introdução à Multimodalidade 
como, por exemplo, a linguagem corporal, o espaço (como 
sistema de significação) e a linguagem visual. Nessa relação, a 
linguagem verbal constrói significados em contextos de situação 
e de cultura específicos. Em suma: multimodalidade é a 
designação para definir a combinação desses diferentes modos 
semióticos na construção do artefato ou evento comunicativo. 
Neste livro, a Gramática Sistêmico-Funcional, a 
Semiótica Social e a Análise de Discurso Crítica, 
enquadramentos teóricos aqui usados para o estudo da 
Multimodalidade, partilham entre si uma perspectiva de 
linguagem como constructo social, em que linguagem e 
sociedade se modelam de formas bidirecionais, ou seja, a 
linguagem modela a sociedade e é modelada por esta. 
A Análise de Discurso Crítica, como abordagem 
linguística, transporta para o domínio social e político questões 
de desigualdade, identificando estruturas de dominação e 
promovendo o questionamento da materialização do poder e 
como esse é exercido, mantido e reproduzido discursivamente 
nas organizações sociais. Por outro ângulo, a Semiótica Social 
muda o enfoque linguístico para o recurso semiótico para 
descrever, interpretar e explicar como as pessoas produzem 
artefactos ou eventos comunicativos e como os interpretam em 
contextos de situações e/ou práticas específicas. Em vez de 
analisar os diferentes modos semióticos per se, devido às 
características intrínsecas de cada um dos sistemas, devido às 
suas sistematicidades ou regras, essa abordagem integra os 
modos pesquisando os recursos semióticos dos diferentes 
sistemas organizados e instanciados em textos multimodais. O 
espectro teórico das abordagens acima enunciadas é amplo, 
devido a influências várias de autores canônicos de áreas 
diversas. No entanto, há um autor que é um marco fundamental 
9 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
para as duas abordagens ─ Halliday ─ pela perspectiva semiótica 
social que introduziu no entendimento de linguagem (1978). A 
Gramática Sistêmico-Funcional (1994) é partilhada pelas duas 
abordagens mercê do enquadramento teórico que esta possibilita 
no estudo da linguagem (que excede o estudo da linguagem 
verbal) e, fundamentalmente, da sua relação com outros recursos 
semióticos que são simultaneamente usados na construção de 
significados. 
Cabe registro ainda que a ideia do presente volume 
surgiu de um pós-doutoramento realizado entreas diferentes formações dadas a determinados 
textos multimodais estabelecem elos entre o sentido das palavras 
e a intencionalidade do sujeito-autor. Conforme Kress e van 
Leeuwen (2006 [1996]), os elementos tipográficos podem ser 
classificados também quanto ao peso, à expansão, à curvatura, à 
conectividade, à orientação, à regularidade e aos floreamentos. 
Outra característica da tipografia passível de análise é a 
expansão, aspecto que trata da distribuição das letras no espaço 
do texto multimodal. A inclinação tipográfica, por sua vez, diz 
respeito ao desenho da letra, podendo se aproximar mais da 
escrita manuscrita ou da letra impressa. O uso de letras 
manuscritas na composição do texto multimodal favorece a 
leitura para os sujeitos iniciados no letramento com escrita 
manuscrita. Já os sujeitos-leitores da era informatizada terão 
mais dificuldades para a leitura desses padrões tipográficos. 
52 Introdução à Multimodalidade 
O exemplo, a seguir, da figura 3, testifica o que estamos 
falando sobre letras manuscritas e com floreios. O título do The 
New York Times capitaliza a tradição do jornal, fundado em 
1851. Por certo que os floreios das letras evocam passado mais 
remoto e distante e também remetem ao clássico e ao refinado. 
Então a composição multimodal de sentido, ao lançar mão de 
letras especiais tem o poder de construir e de agregar sentido 
complementar ao texto multimodal da capa desse jornal. 
 
Figura 3: primeira página do New York Times de 12 de 
setembro de 2001 
Fonte: http://spacemelato.blogspot.com/2007 
Vale ressaltar, então, que ao compormos um texto 
multimodal, carecemos dedicar especial atenção à escolha, à 
seleção da fonte de letra a ser usada, bem como ao seu tamanho, 
53 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
pois elas serão extremamente relevantes à construção de sentidos 
complementares. Vejamos algumas das letras possíveis: 
 
Figura 4: exemplos de fontes de diferentes estilos 
 
A análise da curvatura também pode trazer contribuições 
para a leitura dos significados nos textos multimodais. Quanto à 
conectividade, o olhar do pesquisador deverá se fixar no exame 
da conexão ou da distribuição das letras no espaço. Esse é o caso 
de certos poemas em que as letras, na impressão tipográfica, 
assumem conexão particular, característica do gênero poesia. 
Pretendemos ainda examinar outra característica da 
tipografia ─ a orientação ─, responsável pelo estudo da altura e 
da largura da letra. Quanto mais alongada e larga a letra, maior 
perceptibilidade multimodal no momento da leitura. Estão elas 
padronizadas para compor determinada palavra? Com referência 
à padronização, um exemplo pertinente é o do nome de Collor de 
Mello, ex-Presidente do Brasil, retirado do poder após campanha 
nacional levada a cabo por estudantes universitários. No auge da 
crise, foram distribuídos milhares de decalques para colocar nos 
54 Introdução à Multimodalidade 
carros nos quais se lia: CO OR, sendo que as duas letras 
“eles” foram colocadas inclinadas em milhares de decalques para 
significar a queda do Presidente. Além disso, as duas letras 
foram coloridas em verde e amarelo, as cores da bandeira 
nacional do Brasil. 
 
Figura 5: capa do livro de Chico Caruso (1993) 
Fonte: http://www.toplivros.com.br/areas.asp?area=25 
Essa foi a capa da coletânea de discursos de 
materialidade não verbal (charges) sobre o processo de queda do 
Presidente Collor. Nessa capa, o uso das letras inclinadas 
55 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
participa fortemente da construção do sentido de queda do 
Presidente. 
Por último, encontramos, no floreamento da letra, a 
possibilidade de analisá-la quanto ao rebuscamento da escrita 
das palavras. Dependendo da época a ser retratada no texto 
multimodal, o uso desse tipo de letra pode contribuir para a 
construção de marcas de temporalidade. Para a descrição de uma 
época antiga, com reis e rainhas, basta que as letras sejam 
floreadas para que os viewers (leitores multimodais) sejam 
transportados no tempo. 
 
Figura 6: cartaz do filme “As crônicas de Narnia” 
Fonte: http://www.omelete.com.br 
56 Introdução à Multimodalidade 
Em tipo de letra que evoca uma época antiga de fadas, 
bruxas, reis e rainhas, o cartaz do filme As crônicas de Narnia, 
graças à escolha tipográfica das letras, imediatamente transporta 
o leitor para essa época mágica. 
Afora essas questões tipográficas, o leitor carece observar 
igualmente o alinhamento das palavras no texto. As palavras 
podem ser alinhadas à esquerda ou à direita, podem também ser 
justificadas, centralizadas, ou distribuídas livremente sem 
nenhum tipo de regra gráfica. O que importa isso à discussão? 
Importa muito. Segundo a cultura do leitor, esse aspecto pode ser 
valioso na leitura de textos multimodais. Certo professor relatou 
que um de seus orientandos de doutoramento lhe dizia que não 
se sentia confortável ao ler textos acadêmicos americanos com 
alinhamento livre. Para ele, o texto com esse formato não lhe 
passava credibilidade. A questão cultural no exame da questão 
tipográfica, portanto, não deve ser ignorada, pois todos esses 
fatores poderão ajudar ou não na construção de significados 
potenciais na leitura de textos multimodais. 
2.4 O VALOR MULTIMODAL DA IMPRESSÃO 
Pensemos nas possibilidades de impressão de 
determinado texto. Podemos usar papel simples, papel de linho, 
papel brilhante, opaco, colorido, com ilustrações. Bem, a quem 
importa o papel da impressão? A todos nós porque também a 
gramatura e a qualidade do papel, bem como a sua beleza ou 
não, participam da construção multimodal do sentido potencial a 
ser construído pelo viewer (o leitor de textos multimodais), 
conforme Kress e van Leeuwen (2006 [1996]). Imaginemos a 
cena de duas pessoas sendo apresentadas uma a outra. Uma delas 
entrega um cartão de visitas à pessoa que lhe foi apresentada, 
esta lhe agradece, mas mesmo de relance, não ignora a 
57 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
apresentação grosseira do cartão, com impressão sem qualidade, 
no modo econômico, com papel comum. Como podemos ver, 
um cartão em papel de linho, com design adequado, com 
impressão apurada certamente seria um diferenciador positivo 
nessa apresentação. Entretanto as questões ambientais e da 
sustentabilidade têm influenciado fortemente a reutilização e a 
reciclagem de diferentes tipos de papéis, o tem sido um 
diferencial positivo na confecção de cartões pessoais, 
sinalizando que esses usuários contribuem para preservação 
ambiental. Acrescente-se ainda que tal uso não significa 
desprezo da produção gráfica. 
Por esse motivo, ao estudarmos a multimodalidade 
(KRESS e VAN LEEUWEN, 2001), devemos considerar os 
aspectos da cultura do país, sem ignorar a sua extensão territorial 
e as nuances culturais regionais, um mundo de cores e de formas 
a ser identificado e descrito. 
 
Figura 7: exemplos de cartões de visita 
Fonte: http://www.rebelado.com/como/modelo-cartao-de-visita 
58 Introdução à Multimodalidade 
À esquerda, em papel reciclado, o cartão comunica 
principalmente a ideologia de seu portador: os cuidados 
ambientais, além de simplicidade e forte preocupação ecológica. 
À direita, sofisticado cartão de um advogado especializado em 
divórcios, que, por meio de seu cartão de visitas, a sua 
apresentação nos dá a ideia de competência no ofício. 
2.5 O DISCURSO DAS CORES E A QUESTÃO 
CULTURAL 
O discurso das cores liga-se a modos culturais 
específicos. O que faz com que o sujeito do discurso interprete 
culturalmente o discurso da cor primeiro, para depois 
racionalizar o pensamento em um discurso. Portanto, se não 
fosse mais permitido nem o uso de cores, nem o de imagens, 
repentinamente o mundo se tornaria cinza e com outro 
significado, pois as sociedades apresentam características 
multimodais particulares, consoante a cultura nacional. E, ainda 
que existamdiferenças nas preferências multimodais segundo o 
país, é inegável a existência de preferências nacionais. Em 
intento ilustrativo, relatamos a primeira impressão multimodal 
que tivemos de Paris. Chamou-nos particularmente a atenção o 
tom cinza e preto do vestuário das parisienses, em contraste com 
alguns países africanos visitados, em que as cores fortes e 
vibrantes marcavam as vestimentas femininas. 
As modelos africanas vestindo moda africana 
estabelecem contraste ao lado das modelos parisienses, pois 
enquanto as africanas vestem vestidos longos coloridos, com 
cores vivas, como o amarelo ouro, ou o vermelho distribuído em 
estampas criativas, as parisienses vestem preferencialmente 
negro ou nuances de cinza, mas nada distante desses tons 
degradês de preto. 
59 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
 
Figura 8: modelos africanas 
Fonte: http://img212.imageshack.us/f/modaafricana.png 
 
 
Figura 9: Modelos parisienses 
Fonte: entretenimento.r7.com/moda-e-beleza/noticias 
60 Introdução à Multimodalidade 
 
Figura 10 e 11: Vestimentas em diferentes culturas 
Fonte 10: http://www.rnw.nl/portugues/article 
 
 
Fonte 11: http://www.rnw.nl/portugues/article/o-martírio-de-milhões-de-viúvas-na-
índia 
As diferenças culturais aqui são representadas pelos 
vestuários femininos. Na primeira foto, uma noiva vestida de 
vermelho, cor que simboliza alegria e entusiasmo. Na segunda, 
uma viúva hindu veste-se de branco, cor que simboliza energia 
parada, calma e conformismo. 
 
 
61 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
 
 
 
Figura 12: Simulações em obra de Vincent van Gogh, 
Night Café 
Fonte: http://www.spartacusartgallery.com/2010/12/vincent-van-gogh-night-
cafe.html 
Observe as mudanças no clima transmitido pelo quadro 
de Vincent van Gogh, Night Café, na medida em que se altera 
62 Introdução à Multimodalidade 
sua cor. A mudança cromática realizada no primeiro quadro, 
revestido de amarelo intenso, mostra-se quente e original, produz 
clima excitante e irritante, capaz de levar alguém à loucura, é 
substituído a seguir por uma atmosfera calma e triste trazida pelo 
tom azulado. Já a versão em tons de cinza cria atmosfera fria e 
calma. Exercício realizado por Poynter.org. 
2.6 A REPRESENTAÇÃO MULTIMODAL DOS ATORES 
SOCIAIS 
Neste ponto, cabe uma reflexão sobre os atores sociais 
representados pelas imagens, pois a investigação desse aspecto é 
extremamente relevante para o estudo da identidade dos atores 
sociais e também para o exame da construção da identidade, 
realizada principalmente pela interação social com os demais 
atores e pelo modo de representá-los em textos multimodais, 
tanto em imagens isoladas, quanto em interação com outras 
imagens. Obviamente, o modo como representamos os atores 
sociais nas imagens explicita a maneira como o produtor do 
texto multimodal lida e trata das imagens dos atores sociais. Para 
isso, Kress e van Leeuwen (2006 [1996]) legam-nos três 
categorias possíveis para análises multimodais: 1. com relação 
ao olhar; 2. quanto ao ângulo; 3. com referência à distância. 
Aqui neste estudo, vamos examinar apenas a primeira 
dessas categorias, a que se refere ao olhar. O estudo analítico do 
modo de representar o olhar nas imagens dos atores pode ser 
bastante revelador e, ao mesmo tempo, trazer contribuições à 
construção do sentido sensorial, tendo em vista que o leitor do 
texto multimodal estará inclinado a acreditar nas informações 
sobre o ator como resultado da interação ou da quase interação 
estabelecida pelo olhar representado na imagem, já que os 
olhares representados podem tanto oferecer informações quanto 
63 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
solicitá-las. Quando os atores representados nas imagens não 
direcionam seus olhos diretamente ao leitor, não estabelecem 
interação direta com ele. Nessas circunstâncias, a postura do 
leitor é de observador (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006 
[1996]). A seguir, examinaremos a direção do olhar em duas 
imagens. 
 
Figura 13: olhar vetorizado para baixo 
Fonte: http://ego.globo.com/Gente/Noticias 
Nesta figura, os olhos da jovem não se direcionam a um 
interlocutor específico. O seu olhar está voltado para baixo. 
Nessas circunstâncias, não ocorre interação pelo olhar. 
Aproveitando a mesma imagem, ressaltamos também o vestido 
usado pela moça, o qual constitui mais um exemplo de cores e 
de estampa que representa uma preferência cultural. As estrelas 
sobre o fundo azul simbolizam a bandeira dos Estados Unidos. 
64 Introdução à Multimodalidade 
 
Figura 14: Vetorização direta do olhar 
Fonte: http://1.bp.blogspot.com 
Ainda quanto ao olhar, nesta figura, a vetorização do 
olhar da jovem dentro da água foca diretamente um ator 
participante do cenário do discurso. O seu olhar estabelece 
interação direta. 
 
Figura 15: Revista Veja, edição de 23 de março de 1988 
Fonte: http://fre akshowbusiness.com/page/111/?s 
65 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
 
Figura 16: Edição extra de outubro de 1992 
Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/discovirtual/galerias/imagem 
Nesses dois exemplos de capa da revista Veja, a primeira 
enaltece o então Governador de Alagoas, Fernando Collor de 
Mello. O quadro ao fundo do retrato ajuda a construir a imagem 
de heróico caçador de marajás, reforçada posteriormente na 
campanha eleitoral para Presidente. A segunda, uma edição extra 
da revista que noticia o impeachment, traz a imagem do político 
em posição desfavorecida, sem olhar diretamente para o leitor. 
Ao contrário, quando o olhar do ator representado na 
imagem interpela o leitor, torna-o coparticipante da ação 
multimodal. Logo, essa modalidade de representação do olhar 
será mais adequada às propagandas que envolvem vendas, oferta 
de serviços ou solicitação de apoio. A direção do olhar, 
66 Introdução à Multimodalidade 
entretanto, nem sempre se enquadra nessas categorias. Um olhar 
perdido no horizonte pode levar à conclusão de que o ator social 
representado está introspectivo ou em estado de momentânea 
melancolia. De qualquer modo, o exame do olhar no texto 
multimodal será de muita valia para a construção do sentido do 
discurso. 
2.7 A SINTAXE VISUAL: DANDO FORMA À 
COMPOSIÇÃO 
Na articulação dos componentes que dão corpo à sintaxe 
visual, a composição trata do modo como as semioses se 
articulam no texto visual como resultado da combinação de 
semioses verbais com semioses visuais, representadas pelas 
formas de linguagem e de imagens, articuladas com os atores 
presentes na composição multimodal. 
Desse modo, a composição para se estabelecer também 
se combina com a modalidade que estabelece o plano de frente e 
o de fundo. No caso de a composição dar destaque à imagem que 
aparece em primeiro plano da composição visual, essa será a 
principal característica do plano de frente, que pode ser 
composto por uma imagem maior ou por cores mais fortes que 
ocuparão a parte central da composição. Ao contrário do plano 
de fundo, cuja característica principal é preencher o fundo com 
cores neutras ou com figuras que não chamem a atenção 
demasiada do observador. O estudo da composição compreende, 
portanto, a investigação do modo como as múltiplas semioses se 
articulam na sintaxe visual, com o intuito de revelar as 
ideologias e as relações de poder ocultas nas ingênuas posições 
ocupadas pelas semioses na composição multimodal. 
Vale lembrar que a classificação da sintaxe visual, 
atribuída à combinação de imagens nos textos multimodais, não 
67 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
obedece a princípios de linearidade, como os seguidos pela 
escrita, porquanto a sintaxe visual ora articula-se por processos 
associativos ou metafóricos, ora por padrões metonímicos, que 
estabelecem certa relação de sentido pela posição de 
contiguidade ocupada pelas imagens. Se certo anúncio está 
tratando de louças para banheiros, por exemplo, é provávelque 
utilize lado a lado, para compor o anúncio, certos objetos usados 
em banheiros, como uma pia, ao lado de uma banheira, próxima 
a um vaso sanitário. Os objetos serão distribuídos, obedecendo 
às posições de contiguidade. 
Já se o reclame estiver tratando de tolhas felpudas e 
macias, o processo para construir o sentido será o associativo, 
devendo evocar algo macio que não deverá necessariamente 
estar presente na composição, mas que, por meio de processo 
associativo, trará à lembrança o objeto usado como referência à 
ideia de maciez. 
A gramática do design visual de Kress e van Leeuwen 
(2006 [1996]) dá-nos três critérios para analisar a sintaxe visual 
dos textos multimodais: saliência, valor da informação e 
enquadramento. Saliência, conforme a definição da gramática do 
design visual de Kress e van Leeuwen (2006 [1996]), é o aspecto 
visível ao primeiro olhar do leitor para o texto. Portanto, a 
saliência da composição é vista em primeiro plano e participa 
ativamente da construção da sintaxe visual. Serve também como 
ponto de partida para o estabelecimento de articulações 
secundárias com outros componentes composicionais. A 
saliência pode ser construída de diversas modos: pelo uso de 
cores, de ícones, do tamanho das letras ou das imagens; pela 
posição do texto verbal e pelo plano de frente. Todos esses 
aspectos da saliência desempenham papel relevante na 
determinação do significado complexo e no significado potencial 
68 Introdução à Multimodalidade 
da composição. Por fim, a categoria de saliência faz com que 
haja projeção de certos elementos, chamando a atenção para 
determinadas partes da composição. Os elementos utilizados têm 
o claro intuito de atrair a atenção do espectador para diferentes 
aspectos da composição, como a localização em primeiro ou 
segundo plano; o tamanho relativo da imagem; o contraste em 
cores; as diferenças de nitidez entre outros aspectos. Ver análise 
dessas questões na parte 4 deste livro. 
O critério referente ao valor da informação trata 
especificamente da leitura do texto visual com base 
primeiramente no contexto social, no mundo externo, para só 
depois se concentrar nos aspectos internos do texto. O ato de 
localizar os valores da informação na composição contribuem 
para a articulação nos vários espaços da composição. Por essa 
razão, é impossível ignorar a relevância para a leitura do texto 
visual da relação do contexto social com as práticas sociais. 
Já o critério do enquadramento busca estudar o 
direcionamento do foco da lente ao captar a imagem que pode 
tanto ser dado pela saliência quanto pelo jogo de sombra e luz ou 
ainda pela captação do ângulo do olhar dos atores representados 
no texto visual, pois o elemento que antecede deve se combinar 
com o que sucede, estabelecendo uma relação contínua de 
construção de significado. Então, se o enquadramento é tido 
como um critério de sintaxe visual, é indispensável que 
possamos perceber o que é mostrado na sintaxe do texto. O 
enquadramento, denominado como framing por Kress e van 
Leeuwen (2006 [1996]) significa a presença ou a ausência de 
estratégias de enquadramento, criadas com o propósito de 
estabelecer divisões que podem facilitar ou dificultar a 
articulação no espaço destinado à composição. 
69 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
Afora os critérios já discutidos, Kress e van Leeuwen 
(2006 [1996]) levantam ainda quatro outras modalidades de 
análise para a composição multimodal: a localização direita e 
esquerda na página (dado e novo), conforme mostrado na parte 
4. Essa orientação direita-esquerda mostra a expectativa do que é 
esperado que o leitor leia. A informação dada, já conhecida, 
deve aparecer ao lado esquerdo do texto e a informação nova 
deve se situar à direita, conforme Halliday (1985). Essa é a 
regra, mas quando examinamos o emprego dessa categoria em 
propagandas em revistas e em outras fontes midiáticas, logo nos 
damos conta quão inconsistente é o seu uso pelas agências de 
publicidade, sendo frequente a presença de anúncios que fazem 
exatamente o oposto do que recomenda a gramática visual. 
Na categoria do eixo da verticalidade, topo e pé de 
página (ideal-real), a orientação de cima para baixo mostra o que 
pode ser tomado como real e como ideal. Aquilo que aparece ao 
pé da página, na parte inferior, é o que deve ser tomado como 
real e o que aparece acima, no topo, deve ser considerado como 
o ideal. O eixo vertical trata, portanto, do real e do ideal. A parte 
inferior da página (bottom) comumente é a parte mais 
informativa e prática, colocando em evidência o real; a parte 
superior (top) costuma fazer um apelo às emoções e mostra, de 
modo geral, o ideal. As relações dado-novo e real-ideal 
mostram-se altamente produtivas já que podem estruturar tanto 
as composições textuais, concebidas somente com semiose 
verbal, como composições com diferentes semioses que incluem 
texto verbal e imagem. 
70 Introdução à Multimodalidade 
 
Figura 17: Propaganda de xampu 
Fonte: http://blogdotrapa.blogspot.com/2009/02/propaganda.html 
Este anúncio publicitário explora a conhecida imagem do 
cantor Ney Matogrosso em uma propaganda de shampoo e de 
seu conjunto musical (Secos & Molhados). O anúncio posiciona 
à direita o novo, no caso, a imagem de três frascos de xampu. Ao 
mesmo tempo as imagens dos xampus estão localizadas na parte 
inferior da página, indicando um produto real. A obervação da 
imagem do cantor revela que essa imagem do cantor, está à 
esquerda, pois constitui uma informação dada, velha, isto é, já 
conhecida, ao mesmo tempo que ocupa a parte superior da 
página, o lugar do ideal. No centro da página, ocupando um 
lugar de saliência, está o nome do shampoo: SHAMPOO NEY 
MATOGROSSO. Logo abaixo do nome recomenda: para 
cabelos secos e molhados, em clara alusão ao nome de seu 
conjunto musical. 
Quanto à análise da categoria centro e periferia, deve ser 
identificada a organização hierárquica das imagens que 
71 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
compõem o texto multimodal, as semioses e a direção em que a 
composição modulada é apresentada em segmentos (triptych), 
comumente usados em murais, panteões e trípticos. Essa 
categoria, que distribui as semioses no centro-periferia da 
composição, mais a composição triptych, mostram as relações de 
importância nessa modalidade composicional, principalmente 
com relação ao movimento do olhar. Desse modo, concluímos o 
exame das principais categoriais de análise das composições 
multimodais dadas por Kress e van Leeuwen (2006 [1996]). 
CONCLUSÕES 
O propósito desta parte foi apresentar aspectos teóricos 
que possam auxiliar no estudo do texto multimodal e, desse 
modo, contribuir para o avanço das pesquisas em 
multimodalidade. À luz da discussão levada a efeito, fazemos 
considerações que reforçam as posições teóricas e práticas 
defendidas sobre o uso dos textos multimodais em diferentes 
eventos sociais. 
Assim, é impossível relegar a segundo plano o que Kress 
e van Leeuwen (2006 [1996]) dizem ao afirmar que qualquer 
texto escrito é multimodal, composto por mais de um modo de 
representação. Normalmente, todo o texto carrega outras formas 
de representações, além do modo verbal, que não podem ser 
ignoradas porque desempenham relevante papel na construção 
do sentido. Por fim, nenhum modo semiótico deve ser visto 
isoladamente, pois eles complementam-se no momento em que o 
sentido é composto, fazendo com que o discurso participe da 
construção das representações da realidade, estabeleça relações 
sociais, crie e reforce as identidades sociais (FAIRCLOUGH, 
1992). 
72 Introdução à Multimodalidade 
Por fim, não podemos ignorar que o sentido do texto é 
estabelecido pelas diferenças ou semelhanças existentes entre a 
imagem e o contexto social nas diversas culturas. Além disso, 
todas as dimensões semióticas carecem de serem desenvolvidasem práticas textuais multimodais em todos os gêneros textuais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DISCURSO E METÁFORAS 
VISUAIS 
3ª PARTE 
 
 
 
 
 
75 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
3. O PAPEL DAS METÁFORAS VISUAIS NO 
DISCURSO 
 
Josenia Vieira 
 
 
 
Por meio do estudo das metáforas visuais presentes no 
discurso, pretendemos investigar a multimodalidade, um dos 
principais efeitos dos meios eletrônicos, que acrescentam ao 
texto novas linguagens integradas com tipos diferenciados de 
letras, cores e luz, além de movimento e som, tornando-o mais 
rico pelo uso de metáforas visuais e de designs gráficos 
especiais. 
Essas mudanças ensejaram o surgimento de uma 
linguagem multimodal híbrida, construída com palavras e 
imagens, fruto da criação da nova geração de designers gráficos. 
Eles lidam com esses múltiplos recursos semióticos, 
multiplicando cada vez mais esse hibridismo que tende a se 
tornar dominante. Como resultado, podemos dizer que a 
linguagem hegemônica deste século reside no uso de variadas 
semioses, característica da linguagem multimodal. 
Dizem os artistas que a poesia é mais visual do que a 
música e a linguagem verbal e que o poeta é uma espécie de 
designer da linguagem. Assim, a rápida e crescente viragem do 
discurso para o visual, mais do que nunca nos aproxima desse 
modo de pensar, tornando-nos coletivamente novos poetas da 
pós-modernidade. Desse modo, a poesia concretista trouxe à 
baila a discussão do caráter visual da linguagem ao antecipar as 
modalidades de representação da linguagem nos modos visuais, 
76 Introdução à Multimodalidade 
gestuais, hoje manifestos também nos discursos de diferentes 
gêneros, presentes no artístico e no publicitário entre outros. 
Não podemos ignorar a força da imagem, hoje viva na 
palavra e no discurso, corporificando-se na linguagem 
contemporânea. Em consequência, os discursos apresentam-se 
profundamente marcados pelo visual, sendo impossível dissociar 
a imagem do discurso, pois o uso dos computadores e dos 
avançados programas gráficos ensejam aos novos designers da 
linguagem infindáveis possibilidades de construir criativos 
discursos visuais. Assim, o papel da imagem faz mais do que dar 
vida ao discurso, pois ao colori-lo, provoca afetividade e 
emoção, direcionando a atenção do leitor ao propósito do 
discurso. 
Em se tratando do uso de imagens, muitas vezes, 
utilizam-se fotos de personalidades ou de artistas famosos para 
atrair consumidores. A esse respeito, Barthes (1978, p. 43) 
declara: 
Nesse deserto lúgubre, me surge, de repente, tal foto; 
ela me anima e eu a animo. Portanto, é assim que devo 
nomear a atração que a faz existir: uma animação. A 
própria foto não é nada animada, mas ela me anima: é 
o que toda aventura produz. 
Portanto, é esse lado da emoção e do afeto que devemos 
levar para o trabalho com o visual, com a fotografia e com a 
linguagem visual, fazendo com que elas sejam mais do que uma 
ilustração, que sejam fonte de conhecimento, de memorização, 
mas sobretudo fonte de construção de representação de sentido. 
Para a marketização de certos produtos no mundo da 
publicidade, é frequente o uso de fotografias de famosos em 
anúncios milionários. Examinaremos, a seguir, um exemplo do 
77 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
emprego de foto do conhecido ator cinematográfico, George 
Clooney, em um anúncio da Nespresso. Nessa proposta, em 
tentativa deliberada de ignorar a fama do ator, o anúncio 
enquadra a imagem de um cafezinho como o tópico de maior 
relevância na propaganda, mas, de fato, a Nespresso está 
vendendo o cafezinho por meio da metáfora visual construída 
sobre a imagem do artista e mesmo que o discurso verbal diga: 
Nespresso. Que mais? Quem tem Nespresso não precisa nem do 
Clooney. A bem da verdade, a intenção publicitária é de que a 
imagem do ator venda o café, pois ele constitui o conhecido, a 
informação dada. Assim, o propósito do reclame é que, por 
processo associativo, os consumidores passem a desejar as 
preferências de Clooney, no caso o café Nespresso. 
 
Figura 18: Anúncio do Nespresso 
Fonte: http://www.tottalmarketing.com 
78 Introdução à Multimodalidade 
Nesse sentido, a utilização desse tipo de publicidade nos 
mercados tem sido usada amplamente tanto para a apresentação 
de produtos novos, como para a oferta de produtos na mídia 
impressa, como jornais e revistas. Para a ilustração do assunto, 
as ideias apresentadas devem se transformar em imagens e 
devem permitir ao mesmo tempo a visualização de aspectos 
particulares dos sentidos construídos. Esse é um dos usos 
frequentes da fotografia nas práticas dos mercados 
consumidores. 
Em razão disso, o emprego de fotos como agente fixador 
das informações para vendas agrega elementos, como cor e 
volume, que facilitam a memorização. Do mesmo modo, o 
detalhamento, como a visualização por meio de fotografias e de 
imagens, aprofunda pormenores, sendo também possível usar a 
fotografia para documentar a pesquisa social. Além desses usos, 
sugerimos que o próprio discurso da linguagem fotográfica seja 
objeto de discussão. Assim, ressaltamos a importância do estudo 
da fotografia na vida diária dos mercados porque o 
conhecimento da fotografia como linguagem permite que o 
sujeito se situe melhor no mundo de hoje, no qual crianças e 
jovens são apresentados à linguagem da fotografia desde cedo. 
Tais experiências concretas com fotos trazem mudanças nas 
práticas sociais, fazendo com que os eventos contemporâneos 
sejam intensamente fotografados. 
3.1 A IMAGEM DA PALAVRA 
Ao fazermos referência à linguagem verbal, entendemos 
que há apenas duas modalidades: a falada e a escrita, ignoramos 
as mudanças profundas do discurso atual que se manisfesta por 
múltiplas semioses. Mas, com a sofisticação cada vez maior da 
imprensa e da publicidade, novas possibilidades abriram-se aos 
79 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
novos usos visuais do alfabeto que incluem desde a variação de 
fontes até aos novos tipos gráficos. Recentemente, o uso 
revolucionário dos meios eletrônicos acrescentaram novos tipos 
de letras, de cores e de luzes ao discurso multimodal, além de 
movimentos, como nos vídeo-textos, por exemplo, tornando a 
escrita mais rica pelo uso dos computadores e dos criativos 
designs gráficos. 
Essas mudanças favoreceram o surgimento de um 
discurso híbrido, construído pela combinação de palavras e de 
imagens, fruto da criação da nova geração de designers gráficos, 
que lidam com letras, palavras e imagens, multiplicando cada 
vez mais essa linguagem híbrida que tende a se tornar 
dominante. Como resultado, podemos dizer que a linguagem 
hegemônica deste século não reside apenas na imagem, nem na 
palavra, mas no uso híbrido de várias semioses. 
3.2 A CONSTRUÇÃO DE METÁFORAS VISUAIS NO 
DISCURSO 
Como vimos, é constante a criação de campanhas 
publicitárias firmadas no uso de imagens de artistas ou de obras 
famosas. Aqui, para efeito de análise, utilizaremos a imagem de 
uma obra de arte conhecida ─ A Mona Lisa ─ em um anúncio da 
Bom Bril. Essa propaganda se direciona às donas de casa, 
possíveis e potenciais compradoras desses produtos. 
Alegoricamente, o garoto-propaganda da Bom Bril transforma-
se em uma Mona Lisa, dona de casa. Usa óculos, sem nenhum 
adereço, com cabelo em desalinho, como seria o usual às 
milhares de mulheres do lar em momentos de atividade 
doméstica, as verdadeiras consumidoras que efetivamente 
poderão comprar o produto oferecido, o amaciante Mon Bijou. O 
anúncio, desse modo, constrói uma expressiva metáfora visual 
80 Introdução à Multimodalidade 
que toma como referência básica essa obra universalmente 
conhecida de Leonardo Da Vinci. 
 
Figura 19: Mona Lisa da Bom Bril 
Fonte: http://direitobemfeito.wordpress.com/2010/11/17/bombril-e-mona-lisa/ 
O anúncio pretende vender o amaciante Mon Bijou,para 
isso construiu um texto multimodal (KRESS e VAN 
LEEUWEN, 2006 [1996]) por meio da combinação de recursos 
semióticos de diferentes linguagens que servem como matéria 
prima na construção de processos metafóricos (VAN 
LEEUWEN, 2005; FAIRCLOUGH, 2003; LAKOFF e 
JOHNSON, 2002 [1980]). Chamamos atenção para o modo 
como o discurso do anúncio incorpora certos traços da obra 
original, como o cabelo, a roupa, a postura e, principalmente, o 
sorriso da Mona Lisa, características emprestadas à musa da 
81 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
Bom Bril no intuito de vender o produto. No anúncio, atrás da 
figura da Mona Lisa, aparece o logotipo da Bom Bril, ocupando 
posição relevante e central, servindo de pano de fundo à versão 
publicitária da obra de arte. Assim, o incontestável valor artístico 
do quadro de Da Vinci legitima o produto Mon Bijou, fazendo 
com que inúmeras semioses participem da construção discursiva 
do anúncio, como as cores branca e vermelha da Bom Bril. 
Já o valor metafórico é construído no anúncio pelo 
recurso semiótico visual, representado por Moreno no papel de 
Mona Lisa, e pela representação do produto propriamente dito, 
que conjugado com o verbal, é colocado em lugar privilegiado à 
frente da composição multimodal do anúncio: MON BIJOU 
DEIXA A SUA ROUPA UMA PERFEITA OBRA-PRIMA. 
Assim, o produto Mon Bijou da Bom Bril, semelhantemente à 
Mona Lisa de Da Vinci, é, para as consumidoras brasileiras, uma 
perfeita obra prima em forma de amaciante. De igual modo, os 
três amaciantes, colocados à esquerda no anúncio, são 
considerados como informação conhecida, tratado como 
informação velha, a informação nova aqui é o fato de o 
amaciante da Bom Bril ser uma obra-prima. 
3.3 METÁFORAS VISUAIS: OS NOVOS AGENTES 
MULTIMODAIS 
Os textos multimodais, por meio das metáforas visuais 
frequentes nos anúncios publicitários, têm se tornado 
importantes agentes dos mercados consumidores, pois 
contribuem para o aumento das vendas nos espaços internáuticos 
e também nos espaços midiáticos e televisivos. A cor, o traço e a 
imagem fortalecem a conexão entre os diversos recursos 
semióticos, gerando nova gama de discursos multimodais. 
Assim, uma tese, um livro ou mesmo um texto após receberem 
82 Introdução à Multimodalidade 
enquadramento multimodal tornam-se diferentes, com muito 
mais poder de comunicação. Entretanto, a fala não apresenta 
cores, nem imagens, mas, em contrapartida, o tom de voz, os 
gestos e as expressões faciais podem agir como recursos 
multimodais, pois sempre que levantamos ou baixamos a voz 
ocorre uma certa modalização do discurso. 
No campo dos anúncios publicitários, com características 
multimodais, há produções, como outdoors, placas, publicidade 
em revistas e em jornais nos quais o uso de certos recursos 
semióticos faz parte do gênero multimodal, mas, por serem 
utilizados de modo mais frequente como recursos ilustrativos, no 
entanto, abrem espaço para outro tipo de composição textual no 
qual os elementos multimodais, como a imagem e as cores, 
fundem-se em composições textuais multimodais, cuja principal 
característica é apoiar a sua composição em várias linguagens 
semióticas, para depois serem incorporados pelo discurso da 
sociedade contemporânea. 
Assim, se repentinamente não fosse mais permitido o uso 
de cores e de imagens na produção textual, certamente o mundo 
se tornaria cinza, e nós não o apreciaríamos mais, pois fazemos 
parte de uma sociedade multimodal. E, ainda que hajam 
preferências multimodais, segundo o país, considerando que 
cada cultura tem as suas escolhas, ainda assim a sociedade seria 
multimodal. A esse respeito, podemos dizer que cada nação 
desenvolve caraterísticas marcantes que definem uma identidade 
nacional. Assim, cada vez que estamos em um dado país, 
chamam-nos a atenção certas características da cultura nacional. 
Nesse sentido, o uso abundante do cinza e do preto pelas 
parisienses marcam a cidade luz, Paris, enquanto no continente 
africano saltam aos olhos as cores fortes e vibrantes, traço 
83 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
distintivo das vestes tanto de homens quanto de mulheres da 
África. 
Costumamos observar também as construções e as cores 
de cada país: alguns são brancos, como Portugal e Grécia, 
outros, ocre-escuro, como o Reino Unido e Espanha. Nesse 
particular, em Israel, Jerusalém, a cidade sagrada, é toda 
revestida com uma pedra creme, levemente brilhante, sendo 
proibido o uso nas edificações de outro material que não aquele. 
Então, cada país incorpora à sua identidade nacional cores 
definidas por suas culturas. Logo, as preferências individuais 
nessa área são condicionadas também culturalmente, agregando 
a essas escolhas forte carga semântica e ideológica. 
Gostaria de reportar ainda dois fatos ligados a cores. O 
primeiro é que no Brasil nenhuma brasileira se sentiria bem em 
um evento festivo com um vestido verde e amarelo, cujas cores 
pertencem à bandeira nacional; já nos Estados Unidos não é 
incomum o uso das cores da bandeira americana em roupas e 
adereços masculinos e femininos. Outro fato que mencionamos, 
a título de ilustração, é o de uma festa de casamento em Portugal 
na qual toda a decoração do evento festivo e a cor do vestido da 
noiva ou eram pretos ou em nuances próximas a essa cor, que, 
embora tanto na cullura portuguesa quanto na brasileira, de 
modo geral, essas cores simbolizem tristeza e morte, nunca a 
alegria de casamentos. Mas, ainda que essa não seja uma prática 
social comum nesses Países, mesmo assim pode ocorrer por 
conta de um estilista de moda específico, sem refletir, portanto, a 
integralidade da cultura nacional. Por essa razão, os recursos 
multimodais, quando usados na publicidade, devem considerar 
não apenas as preferências pessoais e as empresariais, mas 
também aquelas que subjazem às identidades sociais formadas 
culturamente em determinados grupos e nações. 
84 Introdução à Multimodalidade 
3.4 MULTIMODALIDADE ─ COMO TRABALHAR 
ESSAS SEMIOSES? E PARA QUE FIM? 
Considerando que qualquer texto com imagem pode se 
transformar em fenômeno semiótico complexo, devemos indagar 
sobre as consequências ideológicas que esse tipo de construção 
provoca, porquanto vários sentidos se articulam até a completa 
construção simbólica. Os exemplos de construção de marcas e de 
logotipos mostrados a seguir ilustram os procedimentos 
semióticos que acontecem em nosso mundo contemporâneo. 
Esses processos se tornam naturalmente interessantes, tanto do 
ponto de vista das semioses que participam dessa construção, 
quanto do ideológico, mas carecem de algum tipo de teoria para 
explicar como os textos e as imagens agem nesses produtos na 
disputa pelos mercados. Para isso, vamos examinar como é 
construída uma publicidade da famosa e cara marca de carro: 
Audi. 
 
Figura 20: Anúncio da Audi 
Fonte: Revista Telva, maio de 2008 
O que inusitadamente chama a atenção neste anúncio da 
Audi é o fato de ser um comercial para a venda de carros, sem, 
85 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
no entanto, apresentar carros no texto publicitário. Passemos ao 
anúncio. No primeiro plano, há um imenso e forte céu azul, com 
nuvens brancas que tomam todo o espaço publicitário. O detalhe 
interessante é que as nuvens brancas recortam no azul o contorno 
dos mapas da América do Sul e do Norte e também o da Europa. 
E só. Nada mais. Não há outras imagens a não ser o logotipo da 
Audi, formado por quatro anéis entrelaçados que figuram bem ao 
pé da página, ressaltado apenas pelo nome Audi, em vermelho, à 
extrema direta do anúncio. À esquerda, um pouco mais acima, o 
discurso verbal, a frase: 
 
DESCUBRA OUTRO MUNDO, 
AUDI CABRIO 84. 
 
O anúncio é um texto publicitário simples e despojado 
que imediatamente estabelece contato com o leitor. A amplidão 
do céu, recortando os mapas em azul, metaforicamente, significao outro mundo, desconhecido pelos prováveis usuários dessa 
marca de carro. O sentido construído promete, por meio do 
Cabrio 84, a oportunidade para que você descubra esses 
insondáveis mistérios. A categoria multimodal do novo aqui 
(KRESS e VAN LEEUWEN, 2006 [1996]) é representada pela 
marca do carro e, embora já seja conhecida, o que está sendo 
trabalhado efetivamente no anúncio é a marca Audi, trazida 
como o elemento novo. Esse é o produto que o anúncio deseja 
vender: a marca Audi. O tipo de carro ─ Cabrio 84 ─ é colocado 
no lugar da informação já dada, conhecida. O que vemos aqui, 
ou é um erro de construção publicitária, ou a intenção real é 
86 Introdução à Multimodalidade 
trabalhar a marca Audi e não o tipo de carro, o Cabrio 84, pois o 
que é novo, em termos de informação, é dado como informação 
já conhecida, e o que é considerado informação já dada, 
conhecida, é dada como nova. Daí a necessidade de os 
publicitários conhecerem a teoria da multimodalidade para que 
os anúncios atinjam os seus objetivos: vender o produto. Nesse 
sentido, a obra Reading Images de Kress e de van Leeuwen 
(2006, [1996]) estabelece diferentes categorias para trabalhar a 
multimodalidade nesse tipo de discurso, o que nos permitem 
aproveitar ao máximo cada imagem em uso no discurso 
publicitário. 
Outra construção referente às marcas que também merece 
exame especial é o caso das joias Switzer, empresa portuguesa 
do ramo joalheiro, que utilizava inicialmente esse nome para 
nominar a empresa, porém gradualmente esse nome foi 
incorporando valores simbólicos, transformando-se na marca e 
no logotipo da empresa. Tais casos requerem uma análise 
multimodal para que possamos compreender os mecanismos 
envolvidos nessas construções multimodais. Ademais, 
considerando que as marcas de empresas são textos discursivos e 
como tal se tornam objetos de estudo extremamente necessários, 
especialmente porque ao serem usados produzem sentido. 
Nomes, nesses casos, deixam de ser meros nomes para se 
tornarem ─ marcas de produtos. 
Com o intuito de conhecermos mais essa marca, 
examinaremos uma chamada comercial dessa marca, divulgada 
para seus clientes pela internet. 
87 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
 
Figura 21: Press release das Joias Switzer ─ Portugal 
Fonte: recebido por internet em maio de 2008 
No texto, destaca-se, em primeiro plano, um belíssimo 
anel de pérolas, que, por ser incomum, excede às expectativas. A 
peça compõem-se de seis pérolas de diferentes cores, com 
invulgar brilho e forma, além de possuir original design. De 
forma particular, sobre o anel incide uma luz branca, como se 
viesse do céu, sendo essa imagem reforçada pelo discurso 
verbal, à esquerda: SIMPLESMENTE DIVINO. Então, a leitura 
metafórica será de que ao comprar joias Switzer a cliente terá 
uma joia com atributos divinos, com pureza e leveza de formas. 
A metáfora construída pelo comercial da Switzer é a de que seu 
anel possui beleza divina. 
Se olharmos, entretanto, as teorias sobre o assunto, nos 
damos conta de que há um descompasso entre as teorias que 
envolvem esses sistemas semióticos e os estudos do modo como 
eles operam. O motivo é que linguistas comumente se interessam 
mais por textos verbais, todavia a sociedade visual que está 
sendo construída, muda rapidamente e, ao mesmo tempo, cada 
vez mais cobra de nós conhecimentos profundos e determinados 
sobre essas mudanças. 
88 Introdução à Multimodalidade 
Pela amplitude do tema, não pretendemos exaurir as 
categorias que compõe o texto multimodal, desenvolvidas 
especialmente na década passada ao abrigo da Teoria 
Multimodal (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006 [1996]) e da 
Análise de Discurso Crítica (FAIRCLOUGH, 2003; 2006). 
Contudo, vale ressaltar que os princípios da teoria multimodal 
direcionam como tais principíos podem ser usados não só na 
publicidade, mas também em outras áreas, como a educação, por 
exemplo, transformando-se em porta-voz das ideologias 
contemporâneas. 
A respeito dessas possibilidades de uso da Teoria 
Multimodal, Kress e van Leeuwen discutem a função ideacional 
representada por meio de imagens e a atuação dos processos 
interacionais por meio de atores e de circunstâncias relevantes. A 
função interpessoal é tratada em termos de “interpelação”, 
representada por meio do olhar, do ângulo etc, e a função 
composicional é tratada por meio de enquadres, de linhas 
paralelas, verticais, horizontais, diagonais, e assim por diante 
(para mais detalhes teóricos, para o estudo do design, da 
produção e da distribuição do discurso, ver Kress e van Leeuwen 
2006 [1996]). Essas categorias de análise da Teoria Multimodal 
tratam do modo como os textos multimodais devem ser 
construídos para cooperarem entre si, como os discursos são 
produzidos e como são colocados à disposição dos consumidores 
em contextos sociais e culturais específicos. 
O estudo mostra a importância de focarmos nossa 
atenção nas metáforas visuais representadas nos textos 
multimodais como defendem Kress e van Leeuwen (2006 
[1996]) e nos textos multissemióticos, como trata Vieira (2007), 
cujos argumentos principais são de que os textos 
contemporâneos caminham a passos largos para uma 
89 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
composição multimodal e de que desse fato a atividade 
publicitária, artística e educacional não pode fugir. Frente a essas 
mudanças concretas, é impossível não aderir à multimodalidade, 
aos textos híbridos compostos com múltiplos recursos 
semióticos, construídos com base em metáforas visuais, e, em 
decorrência, os sujeitos que não souberem lidar com a linguagem 
visual, com a multimodalidade, estarão sujeitos à exclusão 
social. Para esse fato, chamam atenção Kress e van Leeuwen: 
[...] Acreditamos que a comunicação visual está se 
tornando um campo cada vez menos de especialistas e 
cada vez mais crucial à comunicação pública. Isso 
inevitavelmente leva ao surgimento de novas regras, 
mais formais de ensino. Não ser letrado em 
comunicação visual poderá acarretar sanções sociais. 
Dominar o chamado letramento visual será uma 
questão de sobrevivência especialmente nos locais de 
trabalho (2006 [1996], p. 13). 
Sabemos que todo o sujeito é capaz de ler imagens 
porque possui competência específica para realizar essa 
modalidade de leitura, entretanto uma educação favorável à 
realização de uma leitura multimodal pode contribuir para 
acelerar e para desenvolver os processos de leitura de textos 
multimodais. Assim, quando a leitura de imagens é precedida 
pela escolaridade necessária, tal preparo contribui para o 
desenvolvimento de estratégias de leitura de textos multimodais, 
visando à compreensão eficiente e à habilidade específica para 
lidar com mídias concebidas com diferentes tecnologias. Tais 
conhecimentos certamente contribuirão para o aprimoramento de 
habilidades específicas para a leitura do sentido construído entre 
os diversos recursos semióticos usados de modo integrado nos 
textos multimodais. 
90 Introdução à Multimodalidade 
Vale lembrar que a cultura de nossa sociedade visual tem 
se mostrado extremamente sensível ao apelo da imagem, a qual 
por si só promove o avanço na leitura e na interpretação dos 
sentidos, pois a conjunção do significado com as várias semioses 
que compõem a multimodalidade é um processo motivador que 
traz para as atividades publicitárias ou pedagógicas a riqueza de 
uma linguagem desenvolvida de maneira significativa 
principalmente a partir no século XX. 
Esse novo design do discurso esteve durante muito tempo 
distanciado da linguagem dos mercados, das artes e da educação, 
mais pela resistência ao uso da imagem e pelo desconhecimento 
por parte dos especialistas dessas áreas das teorias sobre as 
linguagens multissemióticas do que por outros motivos 
concretos. Embora muitos desses estudiosos utilizem imagens, 
não enfatizam, na prática profissional,o estudo e a construção de 
textos multimodais ou a leitura deles. 
Assim, no que toca às informações visuais, deve-se 
mencionar o modo como elas foram concebidas e os critérios 
estéticos utilizados em sua produção. Também deve ser levada 
em conta a identificação do autor e a do processo usado por ele 
na organização e na combinação das imagens, do modo como 
recortou a cena, o que colocou como central e a maneira como 
organizou e utilizou a iluminação. 
No que concerne às informações textuais do texto 
multimodal, deve ser observado se contribuem para que o 
consumidor do texto compreenda aquilo que vê, com base nos 
discursos verbais e visuais colocados a sua disposição. De igual 
modo, deve-se prestar especial atenção às informações 
contextuais relacionadas ao ato criador da imagem, assim como 
às intenções do autor. 
91 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
Em razão da imersão da sociedade em um mundo visual, 
alicerçado em avançada tecnologia que influencia as formas de 
interação, passíveis de mudança segundo as tecnologias usadas 
pela sociedade, devemos prestar atenção ao modo de interagir 
das pessoas já que são diretamente influenciadas pelo 
desenvolvimento tecnológico. Em razão disso, muitos conceitos 
deverão ser revistos. 
O primeiro conceito a carecer revisão é o de letramento, 
que deve englobar tanto o letramento visual quanto o letramento 
midiático, pois o conceito de letramento, referente à habilidade 
de ler e de escrever como resultado de uma prática social, 
tornou-se insuficiente para cobrir todas as formas de 
representação do conhecimento presentes em nossa sociedade, 
pois para que o sujeito seja considerado letrado nos dias atuais 
deverá ser capaz de construir sentidos em diferentes discursos, 
usando múltiplas fontes de linguagem. 
Não devemos desconsiderar que os recursos tecnológicos 
utilizados na construção dos gêneros discursivos motivam uma 
função retórica na construção de sentidos, haja vista que 
observamos o aumento cada vez maior da combinação de 
aspectos visuais com os de escrita. Certamente não podemos 
ignorar o fato de que vivemos em uma sociedade da informação 
cada vez mais visual e de que a representação por meio de 
imagens produz textos especialmente construídos que revelam as 
nossas relações com a sociedade e com o que ela representa. 
Assim é que o letramento visual se relaciona diretamente 
com o modo como as sociedades se organizam e, 
consequentemente, com o modo de organização dos gêneros 
textuais. Se lembrarmos, por exemplo, das pinturas das cavernas 
que registravam a história daquela comunidade, logo nos 
92 Introdução à Multimodalidade 
daremos conta de que aquela sociedade e que seus membros 
sabiam como ler e interpretar aqueles desenhos. 
Por fim, devemos prestar atenção às culturas que, de 
modo geral, possuem sistemas de comunicação visual 
específicos, marcados pela ideologia e pela cultura, lembrando-
nos sempre de que as grandes obras medievais representam para 
nós verdadeiros compêndios visuais que muito têm a nos ensinar 
sobre a política, a religião, os costumes e os valores desse tempo. 
Portanto, saber ler metáforas visuais em textos multimodais no 
mundo globalizado é possuir a chave do mundo dos sentidos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MULTIMODALIDADE 
E LITERACIA 
4ª PARTE 
 
 
 
 
 
95 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
4. LITERACIA MULTIMODAL 
 
Carminda Silvestre 
 
 
O conceito de literacia, na sua aceção tradicional, está 
associado à capacidade cognitiva para ler e escrever e, 
fundamentalmente, está relacionado a esta capacidade no uso da 
linguagem no seu modo verbal escrito. 
Em contextos educativos, os materiais pedagógicos 
centram-se essencialmente na linguagem oral e escrita. Sempre 
que os professores usam materiais audiovisuais, tais como a 
televisão, filmes ou outro meio, estes tendem a ser explorados no 
âmbito do conceito tradicional de linguagem: como um meio de 
veicular informação, uma mensagem, limitando o seu papel no 
texto como um suporte ilustrativo da linguagem verbal. 
Em contextos educativos, os materiais pedagógicos 
centram-se essencialmente na linguagem oral e escrita. Sempre 
que os professores usam materiais audiovisuais, tais como a 
televisão, filmes ou outro meio, estes tendem a ser explorados no 
âmbito do conceito tradicional de linguagem: como um meio de 
veicular informação, uma mensagem, limitando o seu papel no 
texto como um suporte ilustrativo da linguagem verbal. 
Hoje, a linguagem verbal, nos seus modos oral e escrito, 
continua a ter um papel central na vida das pessoas e o sistema 
educativo não é exceção a esta realidade. No âmbito da 
comunicação, como resultado da evolução das novas 
tecnologias, têm sido integrados outros modos de comunicar, 
para além da linguagem verbal, conforme referido na parte 1. 
Embora a linguagem verbal, na sua forma impressa, se tenha 
96 Introdução à Multimodalidade 
tornado uma forma privilegiada de veicular o conhecimento 
através dos tempos, nas últimas décadas, juntamente com o 
modo visual, este modo tem se convertido em co-modo. A 
palavra impressa no jornal, na revista, articula-se com a imagem 
ou com a fotografia; o livro escolar ou académico já não é 
apenas um texto constituído pela palavra escrita, mas um texto 
multimodal, em que a palavra escrita interage com gráficos, 
quadros, tabelas, desenhos, imagens, na construção de 
significados. Os produtores de texto fazem escolhas deliberadas 
relativamente ao uso dos modos de representação e a respetiva 
articulação de forma a construir os seus textos multimodais. No 
entanto, embora se verifique uma crescente coexistência dos 
diversos modos semióticos, os modos visuais continuam a ser 
ignorados como elementos constitutivos de significado. A leitura 
parcial de um texto multimodal apenas na sua vertente de 
linguagem verbal escrita revela-se insuficiente numa sociedade 
que se caracteriza pela emergência do modo visual. Repare-se, 
por exemplo, nos textos publicitários da Benetton em que a 
ausência da linguagem verbal escrita é total, para além do 
logótipo da marca, conforme mostra a figura 22. 
Cumpre clarificar que o conceito de texto aqui usado é o 
da perspetiva de Halliday (1989). Para este autor, nome 
fundamental da Linguística Sistémico-Funcional (GSF), e seus 
seguidores nas áreas da Semiótica Social, Análise Crítica do 
Discurso, para enunciar apenas algumas abordagens ao estudo da 
linguagem, o conceito desvia-se do seu sentido tradicional, 
sendo definido como uma unidade de significação materializada 
através de uma porção de linguagem usada para fins de 
comunicação num contexto de situação. 
 
97 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
 
Figura 22: Texto publicitário da Benetton 
Fonte: http://www.ocorvo.com.br/?cat=9 
Podemos definir texto, provavelmente na sua forma 
mais simples, por linguagem que é funcional. Por 
funcional, queremos dizer simplesmente que é a 
linguagem que realiza alguma tarefa em determinado 
contexto, por oposição a palavras ou frases isoladas 
que poderei escrever no quadro […]. Assim qualquer 
excerto de linguagem em uso que faz parte de um 
contexto de situação, poder-lhe-emos chamar de texto. 
Este pode ser tanto oral como escrito, ou em qualquer 
outro modo de expressão. (HALLIDAY, 1989, p. 10, 
tradução nossa.) 
A referência a outros modos de expressão que não seja 
apenas a linguagem verbal, escrita ou oral, sugere o 
entendimento de linguagem verbal como um sistema semiótico 
de entre uma diversidade de outros sistemas semióticos que 
constituem os vários recursos disponíveis na comunicação. 
98 Introdução à Multimodalidade 
Assim, o termo linguagem abarca não apenas a aceção da 
linguagem humana, mas as várias linguagens naturais e 
convencionais existentes como recursos comunicativos que 
coocorrem e interagem na construção da produção desentido. 
Portanto, quando usamos o conceito de linguagem, este inclui 
amplas e variadas formas de comunicação naturais e 
convencionais que abrange a linguagem verbal, mas também a 
linguagem de outros sistemas semióticos como a moda, a 
culinária, as formas, os sons, o espaço ou até a linguagem do 
silêncio, para referir apenas alguns. 
O texto multimodal é, por conseguinte, uma unidade de 
significação, constituída pelos recursos semióticos dos diversos 
sistemas escolhidos pelo produtor de texto, num contexto de 
situação, para determinados fins comunicativos. 
Deste modo, a necessidade de adequar o conceito de 
literacia aos avanços tecnológicos, nomeadamente ao uso da 
internet ou às imagens que predominam no espaço público e 
privado, como parte integrante do habitat do homem pós-
moderno, é urgente e primordial, pois é no âmago dessas 
linguagens que pesquisamos o desenvolvimento do conceito. 
Não queremos com isto depreciar a linguagem verbal, mas 
somente reclamar um espaço para o estudo de outros sistemas 
semióticos na sua relação e articulação com a linguagem verbal 
no ato comunicativo. A exclusividade da linguagem verbal oral e 
escrita como única forma de conhecimento é determinada por 
condicionalismos históricos alicerçados no saber analítico que a 
linguagem verbal possibilita, como o recurso à metalinguagem, 
por exemplo, permitindo a legitimação consensual e institucional 
de que esse saber é o fundamental, negligenciando a importância 
dos saberes e potencialidades das linguagens não verbais 
99 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
enquanto elementos necessários à inclusão do conceito de 
literacia perspetivado de forma semiótica. 
Pelo que acabámos de dizer, intui-se que o conceito de 
literacia, na sua aceção tradicional, revela-se um conceito que 
requer alguma reflexão e uma redefinição para fazer face à 
realidade de hoje. Já em 1965, num congresso dos Ministros da 
Educação, a Unesco sugeriu que a literacia deveria ser entendida 
não como um fim em si, mas deveria ser entendida como uma 
forma de preparar o indivíduo para a vida, nas suas vertentes 
social, cívica e económica e, neste sentido, no contexto da 
educação, deveria ir para além do ensino da leitura e da escrita 
(McARTHUR, 1998, p. 357). Nesta perspetiva, o conceito deixa 
de ser direcionado para um fim, isto é, um produto, para passar a 
ser entendido como “uma forma de preparar o indivíduo para a 
vida”, ou seja, um processo. Desta forma, o entendimento do 
conceito parece orientar-se para uma efetiva participação do 
indivíduo nos processos sociais. Estamos perante uma 
ressemantização, ou seja, uma mutação semântica de um estado 
“ser literato” para um processo em desenvolvimento “construir-
se literato”; o enfoque deixa de ser o conhecimento para passar a 
ser a atividade. Assim, quando falamos em literacia informática 
não queremos apenas significar a capacidade para ler e escrever, 
mas a capacidade de envolvimento na atividade de comunicar 
através deste artefacto: o computador. Por conseguinte, as 
mudanças sociais resultantes das inovações tecnológicas que 
perpassam a sociedade exigem uma aprendizagem permanente e 
uma adaptação contínua a novas formas de comunicação. 
Contudo, e apesar da redução semântica do conceito 
tradicional às necessidades do momento, a língua portuguesa 
tem se acomodado às novas realidades recorrendo a 
modificadores como nas expressões “literacia informática”, 
100 Introdução à Multimodalidade 
“literacia económica”, “literacia financeira”, “literacia visual”, 
entre outras, expandido, desta forma, o domínio semântico do 
conceito. Em muitos dos casos, a expressão parece dissociada do 
conceito tradicional de ler e escrever, abrangendo antes a 
integração de competências como a leitura de números, gráficos, 
imagens entre outras competências integradas numa cultura. No 
entanto, estas expressões remetem para a necessidade do 
conhecimento básico nas diferentes áreas de aplicação. Em 
resultado da expansão do conceito e da sua natural saturação, a 
clarificação e delimitação do seu uso no contexto deste trabalho 
é fundamental. Assim, passamos de imediato a clarificar o 
contexto no qual este é usado. 
Autores como Kress e van Leeuwen (2006 [1996], p. 15), 
Luke (2000, p. 73), Unsworth (2001, p. 71) reivindicam a 
necessidade desta articulação de forma a integrar as literacias 
visuais e verbais necessárias a uma aprendizagem crítica das 
crianças à multimodalidade, aos textos multimodais do século 
XXI. Necessitamos, portanto, de uma teoria dos recursos de 
produção de significados. A Semiótica Social, baseada numa 
teoria de linguagem sistémico-funcional, em que os estudos da 
linguagem em uso dentro de um contexto de situação e de um 
contexto de cultura, vem possibilitar analisar os vários sistemas 
semióticos, como a linguagem verbal, a linguagem visual, a 
linguagem gestual, etc, permitindo analisá-los de um ponto de 
vista gramatical. 
O enfoque do presente trabalho, porém, reside na 
inclusão dos modos de significação visual, oral, espacial, gestual 
e linguístico na escrita e a respetiva articulação dos diferentes 
modos. Isto significa que todos os elementos provenientes de 
sistemas semióticos diversos que coocorrem nos textos 
multimodais podem ser analisados, relacionados uns com os 
101 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
outros e interpretados em termos das escolhas feitas entre os 
recursos semióticos disponíveis e em termos das suas 
contribuições para a função social e comunicativa do texto. O 
significado do texto não é, por conseguinte, produzido 
unicamente por um único modo, mas pela composição dos 
diversos elementos. Por outras palavras, no presente capítulo 
pretendemos explorar sobre a necessidade da redefinição do 
conceito no sentido de nele integrar as necessidades básicas 
constitutivas de textos multimodais. Neste pressuposto, o 
entendimento de literacia circunscreve-se ao: (i) tratamento do 
conceito na sua relação com a linguagem; (ii) uso do conceito 
num enquadramento teórico da linguística ─ o estudo teórico da 
linguagem como forma de a compreender. 
Como Hasan (1996, p. 379) refere, a definição do 
conceito tem como primórdio a capacidade para compreender o 
princípio da representação. A linguagem é um dos meios 
através dos quais os pensamentos, ideias e sentimentos são 
representados. Esta competência consiste em relacionar 
qualitativamente diferentes tipos de fenómenos ─ uma expressão 
e um conteúdo ─ de forma que a significação de um seja 
compreendida em termos do outro. Para tornar mais clara esta 
asserção passaremos a explicar que a literacia visual pressupõe a 
capacidade de “ver” e “compreender” um fenómeno como 
representativo de outro, nomeadamente a sua representação 
escrita. A capacidade de relacionar a expressão, significante, e o 
conteúdo, significado, desta forma é uma condição necessária ao 
uso de qualquer sistema semiótico. Definindo o primórdio de 
literacia como a capacidade para compreender e construir o 
sentido num sistema de significação possibilita ao conceito uma 
variedade de praxis semióticas. 
102 Introdução à Multimodalidade 
Assim, um signo não se limita à linguagem verbal, ou 
seja, ao signo linguístico. Os modos de representação gráfica 
podem incluir a linguagem verbal no seu modo escrito, sob a 
forma de letras, palavras, frases ou sob a forma de números. Para 
além desta forma de representação, outras formas como, por 
exemplo, o desenho, a fotografia ou a pintura são representadas 
sob a forma de linguagem visual. O uso de um lenço ou um 
tecido branco como forma de acenar é interpretado como um 
sinal de paz. O artefacto, tecido de cor branco, constitui o 
significante, isto é, a materialidade do signo cujo significado é o 
sinal de paz na comunicação interpessoal em contexto de 
conflitualidade. O modo usado para a expressão deste significadoé 
a linguagem corporal, embora o sistema da cor seja fundamental 
para a interpretação desse significado. São amplamente 
conhecidos os exemplos de recursos semióticos em contextos de 
comunicação intercultural. Para além deste recurso semiótico 
como sinal de paz, temos um outro gesto, como o exemplo da 
figura 23 ou ainda no âmbito de um outro sistema semiótico, a 
imagem, a pomba branca da figura 24. Assim, em três sistemas 
semióticos como a cor, o gesto e a imagem encontramos signos 
ou recursos semióticos representativos de paz. 
 
Figura 23: Símbolo da paz como recurso semiótico 
do sistema da linguagem gestual 
Fonte: http://excluidosnageral.blogspot.com/2010 
103 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
 
Figura 24: A pomba branca (de Picasso) como símbolo de paz 
no sistema semiótico visual 
Fonte: http://symbolom.com.br/wp/?cat=30 
O termo “recurso semiótico” é usado para referir as 
ações, materiais e artefactos que usamos para fins 
comunicativos, quer produzidos fisiologicamente como, por 
exemplo, as cordas vocais, os músculos usados nas expressões 
faciais ou gestos, quer tecnologicamente, por exemplo, a caneta 
e a tinta ou o software do computador, que sob formas 
combinadas e organizadas se constituem como recursos. Van 
Leeuwen (2005, p. 3) adota esta terminologia em oposição ao 
termo “signo” por considerar que os recursos semióticos têm um 
potencial de significação, baseados nos seus usos passados, 
conjuntos de potencial semiótico baseados nas suas 
possibilidades de uso, que poderão ser atualizados em contextos 
sociais concretos em que os seus usos estão subjacentes a formas 
de regime semiótico. Assim, o conceito de signo, no seu 
entendimento saussureano constituído por significante e 
significado, parece ter um caráter mais estático, implicando de 
104 Introdução à Multimodalidade 
que um signo está para algo em vez de algo. O significante é a 
materialidade do signo, isto é, o som ao dizermos a palavra 
“cão” ou o conjunto de letras “c ã o” materializadas no papel e o 
significado é o conceito mental a que se refere. A relação entre o 
meu conceito de cão e a realidade física dos cães é a significação 
─ a minha maneira de conferir significado à palavra, de a 
compreender. Esta relação tem de ser interpretada em contextos 
culturais específicos. Na língua portuguesa, por exemplo, o 
significante “rapariga” ao ser pronunciado de forma oral através 
dos sons que resultam da junção de “r a p a r i g a” tem um 
significado diferente quer estejamos a usar o PE (Português 
Europeu) ou o PB (Português do Brasil). No primeiro caso 
significa menina, moça, jovem, e no segundo, dependendo da 
região do Brasil, pode significar uma menina de comportamento 
socialmente pouco aceitável. O significado não está no objeto, 
pessoa ou palavra. Somos nós que o construímos, que o fixamos 
pelo sistema da representação. Este é construído e fixado pelo 
código ou, se quisermos generalizar, pelos diferentes sistemas 
semióticos. 
Um exemplo simples ilustrativo de como as linguagens 
funcionam como sistemas de representação é o código das 
estradas. Os semáforos, por exemplo, máquina que assinala 
através de diferentes cores de forma sequenciada, vermelho, 
amarelo e verde, a proibição de passagem, cautela na passagem 
de veículos ou pedestres e permissão de passagem. As cores em 
si mesmas não representam parar ou avançar, pois estas não têm 
qualquer significado fixo. 
105 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
 
Figura 25: Semáforos 
Fonte: http://emdurb.blogspot.com/2010/12/emdurb-da-continuidade-implantacao-
de.html 
 
 
Figura 26: Sinal de stop do código das estradas 
Fonte: http://pt.fotolia.com/id/27229158 
A arbitrariedade da cor como sistema de representação é 
aqui ilustrada pelo uso do luto como sistema simbólico. O preto 
é usado no mundo ocidental, conforme figura 27, o branco é 
usado em países africanos e alguns países árabes, o azul é usado 
no Irão, o vermelho é usado em algumas etnias de África do Sul, 
como representado na figura 28. 
106 Introdução à Multimodalidade 
 
Figura 27: Cor preta como símbolo do luto para a cultura 
ocidental 
Fonte: http://www.elpais.com/recorte 
 
Figura 28: Cor vermelha como expressão do luto numa etnia na 
África do Sul 
Fonte: http://danny111.spaceblog.com.br/r26395/Moda-e-Estilo/ 
No âmbito dos sistemas convencionais, como são os 
signos aqui assinalados, incluímos a escrita. A escrita não 
emerge como um outro modo de expressão da linguagem a par 
com a linguagem oral. Historicamente a escrita é um sistema 
107 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
semiótico que emerge da necessidade de mapear a fala e as 
figuras, isto é, um modo de representação visual. 
Os exemplos de signos inseridos em sistemas semióticos 
não se restringem aos acima enunciados, estes vão desde sistema 
semióticos naturais, como são a forma e a cor das nuvens como 
sinais de mau tempo ou de bom tempo, como são o caso das 
figuras 29 e 30. 
 
Figura 29: Nuvens indiciam temporal 
Fonte: http://www.fotoplatforma.pl/pt/fotos/2550/ 
 
Figura 30: Nuvens indiciam bom tempo 
Fonte: http://www.umaquariana.blogspot.com/2011/02/dia-limpo.html 
108 Introdução à Multimodalidade 
Naturalmente que não podemos interpretar um signo de 
forma fragmentada; a interpretação do signo na sua relação com 
outros signos, os tipos de relações estabelecidas e a 
contextualização são determinantes para a interpretação. Por 
conseguinte, tanto o contexto comunicacional da interação como 
o contexto situacional são fundamentais. O signo tem significado 
apenas num contexto com outros signos e a significação ocorre 
sempre em contexto de uma situação social. 
No plano da representação, o que Halliday (1994, p. 179) 
na sua teoria de linguagem classifica de metafunção ideacional, 
está relacionado com a construção da experiência, ou seja, a 
linguagem como uma teoria da realidade, como um recurso para 
refletir sobre o mundo. Usamos a linguagem para representar, 
falar sobre a nossa experiência no mundo, nomeadamente o 
mundo físico e mental, para descrever eventos e estados, para 
além das entidades neles envolvidos. Por outras palavras, os 
recursos semânticos ideacionais constroem o mundo circundante 
e o mundo interior. Os fenómenos da nossa experiência são 
construídos como unidades de significação que podem ser 
nivelados em hierarquias e organizados em redes de tipo 
semânticos. As unidades de significação são estruturadas em 
configurações de funções (papéis) de diferentes níveis na 
hierarquia (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2006 [1999], p. 
11). Inscrita nesta metafunção como modo de significação, 
podemos explorar, por exemplo, como uma oração constrói a 
experiência através da categorização e a sua configuração numa 
imagem, como explicaremos de forma pormenorizada na parte 5. 
Na teoria de linguagem de Halliday (1994) para além da 
metafunção ideacional referida, existem ainda a metafunção 
interpessoal e a metafunção textual. Na metafunção interpessoal, 
a linguagem como praxis da intersubjetividade, usamos a 
109 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
linguagem como recurso para interagir com os outros, para 
estabelecer e manter relações com estes, influenciar o seu 
comportamento, expressar o nosso ponto de vista sobre o 
mundo, provocá-los ou mudá-las. Ao usarmos a linguagem como 
discurso, na construção dos significados ideacionais e 
interpessoais, organizamos a nossa mensagem de forma a fazer 
sentido. Esta é a metafunção textual. A linguagem como um 
recurso semiótico da realidade entendida como um processo 
(discurso) ou como um produto (texto). 
No âmbito das preocupações de Kress e van Leeuwen 
(2006 [1996], p. 15) acerca das necessidades de integrar novas 
competências nas escolas e universidades e de fornecer literacia 
visual, este livro pretende explorar instrumentos de análise 
possibilitadores de uma literacia multimodale fornecer uma 
maior compreensão da interface entre os diferentes elementos 
que constituem os textos multimodais (escrito, oral, visual, entre 
outros). Todos conhecemos o impacto que as imagens têm nos 
valores, crenças, opiniões e comportamentos dos indivíduos e 
testemunhamos o crescente domínio deste território como texto. 
Deste modo, a necessidade de conferir atenção aos significados 
visuais na sua relação com os significados linguísticos expressos 
nos textos multimodais são requisitos fundamentais de forma a 
desenvolver competências críticas de leitura dos textos. Assim, a 
literacia não implica apenas a vertente tradicional da capacidade 
cognitiva de ler e escrever, mas envolve também o processo, a 
vertente da atividade referida anteriormente, e a participação no 
discurso, componente que queremos enfatizar a da participação e 
da resistência como forma de emancipação e de fortalecimento 
dos sujeitos no ato de aprendizagem da cidadania. Neste último 
sentido, a nossa proposta articula-se com o conceito de literacia 
tal como Halliday (1996, p. 357) o apresenta em que ser literato 
110 Introdução à Multimodalidade 
não implica apenas participar no discurso de uma sociedade de 
informação, mas resistir-lhe, defendermo-nos e defender os 
outros contra o discurso tecnologizante antissemântico e 
antidemocrático. Para isso, mais do que nunca, necessitamos de 
conhecer como a linguagem funciona, como a gramática na sua 
perspetiva sistémica de léxico-gramática interage com a 
tecnologia para alcançar os seus efeitos. 
No sentido de Kress e van Leeuwen (2006 [1996]), 
assume-se aqui que as imagens não são meras ilustrações dos 
textos; estas têm a sua própria gramática na construção de 
significados e, por conseguinte, estas devem ser entendidas 
como um recurso semiótico no processo/produto do nosso 
sistema semiótico: a linguagem visual. Neste pressuposto, 
iremos explorar alguns exemplos para mostrar a estruturação do 
visual na sua articulação com a linguagem verbal, identificando 
como os elementos são composicionalmente agrupados e 
simultaneamente identificar padrões de linguagem usados de 
forma sistematizada na construção do nosso universo social. 
Assim, a teorização aqui subjacente implica sempre 
compreender, isto é, descrever, analisar e explicar a experiência 
humana de modo a identificarmos um padrão e porventura 
perceber as razões pelas quais as pessoas comunicam como 
comunicam, encontrando maneiras de compreender a atividade 
humana de uma forma que os próprios humanos a possam 
reconhecer. 
 
 
 
 
MULTIMODALIDADE: 
CONTRIBUTOS PARA UMA 
LITERACIA MULTIMODAL 
5ª PARTE 
 
 
 
 
 
113 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
5. CONTRIBUTOS PARA UMA LITERACIA 
MULTIMODAL 
 
Carminda Silvestre 
 
 
 
Partindo do pressuposto de que existe a necessidade de 
incorporar novos conceitos e teorias da linguagem para fazer 
face a um mundo cada vez mais visual, teremos de recorrer a 
instrumentos analíticos capazes de responder às questões 
levantadas por uma realidade social que se tem vindo a 
reconfigurar perante os avanços tecnológicos, nomeadamente ao 
uso da internet ou ao crescente número de imagens que imperam 
no espaço público e privado. A nova realidade requer uma 
aprendizagem de multiliteracias em que modos de comunicação 
não se circunscrevem à linguagem verbal e o entendimento desta 
se configure de uma forma abstrata. Assim, como entidades 
propiciadoras de fazer sentido do mundo, as escolas e 
universidades têm de incorporar novas ferramentas para 
fortalecer os cidadãos. Neste contexto, o professor tem um papel 
fundamental na seleção e construção de materiais para 
desenvolver as competências dos alunos nas multiliteracias. 
A partir de dois livros de literatura infantojuvenil, o 
presente capítulo explora os sistemas semióticos verbal e visual 
e as suas relações. Deste modo, definimos como objetivos gerais 
(i) mostrar que a Semiótica Social, baseada numa teoria da 
linguagem sistémico-funcional, da linguagem em uso dentro de 
um contexto de situação e de um contexto de cultura, permite 
trilhar percursos de leitura de diferentes sistemas semióticos 
como são a linguagem verbal no seu modo escrito e a linguagem 
114 Introdução à Multimodalidade 
visual na forma de desenho para criança que se articulam na 
produção do texto multimodal, i.e., uma unidade de significação 
constituída pelos recursos semióticos dos sistemas verbal e 
visual escolhidos para os fins comunicativos em apreço; (ii) 
mapear caminhos de desenvolvimento na leitura de imagens. No 
âmbito destes propósitos gerais, foram definidos os seguintes 
objetivos específicos: a) identificar como as imagens localizam 
as entidades no espaço; b) identificar a correlação dos dois 
sistemas semióticos (imagem e escrita); c) mapear as emoções 
nas imagens; d) identificar as correlações das emoções em textos 
multimodais; e) explorar as relações dos dois sistemas 
semióticos, circunscrevendo a análise na função de 
complementaridade. 
O livro que só queria ser lido é o título do livro escrito 
por José Jorge Letria, eminente escritor português de literatura 
infantojuvenil, e ilustrado por Daniel Silva (fig. 31). Este livro 
constitui o corpus da análise das duas primeiras subpartes: a 
localização das entidades no espaço e o mapeamento das 
emoções nos sistemas semióticos verbal e visual. 
É um livro catalogado como sendo literatura 
infantojuvenil para um público-alvo cuja idade se propõe acima 
dos 8 anos. Como resumo, temos a história de um livro que teve 
o seu tempo, que esteve na moda, que passou de mão em mão, 
que teve leitores apaixonados e que depois acabou na prateleira 
do esquecimento e da solidão, alimentando apenas o sonho de 
voltar a ser lido. Na sua solidão, teve por companhia uma velha 
máquina de escrever, também ela condenada ao esquecimento. 
Juntos, foram encontrando formas de ultrapassar a tristeza de se 
sentirem sozinhos. 
115 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
 
Figura 31: Capa do livro (visual e verbal) 
Fonte: http://www.bertrand.pt/catalogo 
Na procura de esbater as fronteiras que delimitam os 
diferentes sistemas semióticos (escrita e visual) pretendemos dar 
resposta às perguntas: “Como é que as imagens localizam as 
entidades no espaço?”; “Como é que padrões de dois sistemas 
semióticos interagem na produção de significados?”; “Como são 
mapeadas as emoções nas imagens?”; “Como estão as 
representações dos dois sistemas semióticos relacionados no 
texto multimodal?”. Colocadas as questões, passaremos, assim, a 
analisar em primeiro lugar a localização das entidades no espaço 
e, de seguida, derivaremos para o mapeamento das emoções 
como representação. Paralelamente, procuraremos dar resposta 
ao tipo de relações estabelecidas entre os sistemas semióticos na 
produção de significados. 
116 Introdução à Multimodalidade 
5.1 A LOCALIZAÇÃO DAS ENTIDADES NO ESPAÇO 
O entendimento de linguagem verbal é de um sistema 
semiótico de entre uma diversidade de outros sistemas 
semióticos que constituem os vários recursos disponíveis na 
comunicação. Assim, o termo linguagem abarca não apenas a 
aceção da linguagem humana, mas as várias linguagens naturais 
e convencionais existentes como recursos comunicativos que 
coocorrem e interagem na construção da produção de sentido, 
como foi referido anteriormente, na parte 4. 
Esta análise enquadra-se, portanto, na Semiótica Social 
(HODGE e KRESS, 2006 [1988]; KRESS e van LEEUWEN, 
2006 [1996]; KRESS, 1997, 2003) e na Gramática Sistémico-
Funcional (GSF) de Halliday (1994, 1985), uma teoria de 
linguagem, cuja visão tem sido expandida e aplicada a outros 
recursos semióticos por inúmeros seguidores. No seguimento de 
Kress e Van Leeuwen (2006 [1996], 2001), Kress (2003), 
Iedema (2003), Baldry (2000), Baldry e Thibault (2006), 
O’Halloran (2004), para enunciar apenas alguns2008 e 2009, na 
Escola Superior de Tecnologia e Gestão, do Instituto Politécnico 
de Leiria, em Portugal, pela Doutora Josenia Vieira, da 
Universidade de Brasília (UnB), pós-doutoramento 
acompanhado pela Doutora Carminda Silvestre, da instituição 
portuguesa. Do trabalho realizado pelas autoras, foi selecionada 
a parte cujo fio condutor possibilitasse uma unidade para o 
estudo da multimodalidade, objeto de estudo pouco 
desenvolvido em Língua Portuguesa e com publicação exígua 
nesse idioma. Dessa constatação e do trabalho conjunto resultou 
a obra, escrita em Português do Brasil (PB) e em Português 
Europeu (PE), coexistência propositada de forma a ficar 
marcado o respeito pelas duas variedades de língua, suprimindo, 
desse modo, qualquer possibilidade de colonização linguística de 
uma das variedades. 
Quer por essa razão, quer pelos seus títulos, quer ainda 
pelos seus conteúdos, as seis partes do livro podem parecer uma 
colectânea de ensaios sobre tópicos vagamente relacionados 
entre si. No entanto, a estrutura do livro é bastante intricada, com 
duas vias de investigação, uma que começa no primeiro capítulo 
com enfoque na pesquisa da multimodalidade na publicidade e a 
outra que começa no capítulo quatro com a pesquisa em literacia 
10 Introdução à Multimodalidade 
(letramento) multimodal aplicada às artes em geral, aqui 
apresentada por meio da literatura infanto-juvenil e do filme de 
animação. 
A parte 1 começa por focar questões teóricas sobre 
multimodalidade ─ globalização e tecnologias: uma perspectiva 
multimodal da linguagem ─, resultante das mudanças sociais, 
políticas e econômicas, e evidencia como essas transformações 
afetam a linguagem. A parte 2 ─ a multimodalidade nos eventos 
de letramento ─ insere estudos multimodais voltados aos eventos 
de letramento e apresenta possibilidades para proceder à análise 
multimodal. A parte 3 ─ o papel das metáforas visuais no 
discurso ─ explora a metáfora visual aplicada a textos artísticos 
e publicitários, mostrando as potencialidades desse recurso 
discursivo na construção e na manutenção das ideologias. Na 
parte 4 ─ literacia multimodal ─ é equacionado o conceito de 
literacia na perspectiva tradicional, trazendo para a discussão 
vários conceitos que estão reconfigurados à luz da realidade 
presente. A parte 5 ─ contributos para uma literacia multimodal 
─ articula a teoria e a prática pela apresentação de excertos com 
análise de sintaxe visual, análise semântica de metáforas 
conceptuais e de relações de complementaridade dos modos 
semióticos verbal e visual. Na parte 6 ─ o gênero como 
elemento multimodal da atividade humana ─, exploramos o 
gênero textual como outra categoria analítica relacionada com o 
modo. A análise é feita com base em uma narrativa visual 
mediada por um filme de animação. Desenvolvemos a análise de 
forma a mostrar que o gênero nunca é formalmente independente 
das tecnologias ou dos processos de mediação, e dos modos que 
constituem o gênero. 
As partes constituem o todo, que traz à evidência o 
objetivo geral do livro: a necessidade do estudo da 
11 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
multimodalidade e da literacia multimodal pelas diferentes áreas 
(da educação às artes, dos contextos acadêmicos às profissões) e 
do seu uso como ferramenta fundamental para a criação e para a 
interpretação dos textos multimodais da contemporaneidade. 
Não menos interessante, vale ressaltar o outro objetivo, o 
contributo para a maior consciência do papel central que o 
discurso desempenha nas transformações políticas, econômicas e 
culturais da sociedade e as implicações que essas acarretam no 
quotidiano das diferentes áreas da vida em sociedade. 
 
As autoras 
 
 
 
 
 
 
GLOBALIZAÇÃO, 
TECNOLOGIAS E LINGUAGENS 
1ª PARTE 
 
 
 
 
15 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
1. GLOBALIZAÇÃO E TECNOLOGIAS: UMA 
PERSPECTIVA MULTIMODAL DA LINGUAGEM 
 
Josenia Vieira 
 
 
 
Esta parte, sob o título “Globalização e tecnologias: uma 
perspectiva multimodal da linguagem”, tem como principal 
intuito discutir a linguagem no universo da globalização sob a 
influência das novas tecnologias, cuja interferência é diretamente 
visível na reorganização das práticas sociais e dos gêneros 
discursivos. Tal fato enseja relevantes mudanças, assinaladas 
pelo surgimento de textos multimodais, marcados pela presença 
de múltiplas semioses em sua composição. 
A mudança da linguagem frente às tecnologias e à 
globalização é tratada como reconfiguração em Vieira (2004, p. 
7) e em Ormundo (2007, p. 116) e como multissemióticos em 
Vieira (2007, p. 3). Mas foi Poster (1995, 1996, 2000) quem 
inicialmente percebeu características no discurso capazes de 
provocar a reconfiguração da linguagem. Para isso, centrou sua 
discussão no modo de organizar a informação. Poster (2000) 
defende que os sistemas de comunicação eletrônica sejam 
tratados como linguagens que determinam a vida social de todos 
os indivíduos nos eventos sociais, econômicos, políticos e 
culturais. A sua tese geral concentra-se na forma como a 
informação circula e a ela atribui a responsabilidade pela 
reconfiguração da linguagem. 
Atualmente, os sistemas de comunicação eletrônica são 
considerados linguagens determinantes na vida dos sujeitos e dos 
16 Introdução à Multimodalidade 
grupos sociais e, segundo Poster, os meios e as formas de 
comunicação determinam as relações de poder e de dominação 
nas sociedades contemporâneas. Daí a tese de Poster (1996) 
recair sobre o modo de informação como sendo o principal 
responsável pelas mudanças e pela reconfiguração da linguagem, 
fato que estabelece estreita ligação entre linguagem e 
globalização, ambas sujeitas a profundas alterações motivadas 
pelas tecnologias da comunicação. Em face disso, o propósito 
deste capítulo é examinar como a globalização, juntamente com 
o advento da sociedade da informação e da sociedade em rede, 
usuárias de ferramentas tecnológicas, reconfiguram a linguagem, 
agregando-lhe múltiplas formas multimodais para a 
representação do significado no discurso. 
1.1 A QUESTÃO DA REPRESENTAÇÃO DO 
SIGNIFICADO 
A discussão da representação do significado ancora-se 
em alguns princípios teóricos da Análise de Discurso Crítica 
(ADC) (FAIRCLOUGH, 1989, 1992, 2003a, 2006; 
CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999) e pela Teoria 
Multimodal do Discurso, (TMD) (KRESS e VAN LEEUWEN, 
2001, 2006 [1996]) e (VAN LEEUWEN, 2005). Para a 
abordagem do tema “Globalização e tecnologias: uma 
perspectiva multimodal da linguagem”, colocamos em destaque 
a questão da representação no discurso. Chouliaraki e Fairclough 
(1999, p. 42) atribuem a mudança de significado à interação 
midiática, motivada pela natureza textualmente mediada da vida 
social contemporânea. Nessa perspectiva, esses linguistas 
consideram o discurso escrito como um discurso mediado 
porque, segundo eles, contribui para aumentar o distanciamento 
espaço-temporal entre os agentes do discurso. Acresce dizer 
17 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
ainda que um evento discursivo que migra de um domínio social 
para outro carrega o caráter simbólico da primeira representação 
e, ao ser reutilizado em outro contexto social, em outro espaço, 
terá a seu dispor um leque de possibilidades para a nova 
simbolização agora midiatizada. 
Por essa razão, o evento discursivo escrito já não 
representa exatamente o fato real, pois já se tornou uma 
representação de outro discurso anteriormente representado, 
tornando-se assim uma segunda ordem de representação mais 
complexa do que a primeira. Então, cada vez que certo evento 
discursivo é mediado por diferentes tecnologias é, do mesmo 
modo, objeto de nova representação, ao que denominamos 
reconfiguração ou recontextualização do discurso, fato que 
agrega cada vez mais complexidade a essas representações. Caso 
semelhante repete-se com o discursonomes, este 
trabalho inscreve-se numa teoria em que a linguagem verbal não 
é entendida como um fenómeno isolado. Este permite analisar 
como os diferentes recursos são ressemiotizados e interagem na 
produção de sentido. Apresentado o quadro teórico, passaremos 
de imediato para a análise das entidades localizadas no espaço. 
Sabemos que a forma como colocamos os objetos no 
espaço e as relações estabelecidas entre si envolve o 
reconhecimento da existência de relações simétricas e 
assimétricas. Nas relações assimétricas entre o objeto que 
queremos colocar e o objeto em relação ao qual o queremos 
posicionar, há escolhas que têm de ser feitas. As relações 
assimétricas podem ser criadas em relação à posição, à ordem, à 
117 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
distância, ao tamanho ou outros tipos de relações. A entidade, o 
participante representado da história (livro), é colocada na 
página como um recurso semiótico que juntamente com outros 
recursos semióticos possibilitam um potencial de significações, 
especificando possibilidades de caminhos de leitura. 
Como referimos anteriormente, o termo “recurso 
semiótico” é usado para referir as ações, materiais e artefactos 
que usamos para fins comunicativos, quer produzidos 
fisiologicamente pelas cordas vocais quando falamos, quer pelos 
músculos usados nas expressões faciais ou gestos, quando 
comunicamos pela linguagem corporal, quer a folha em branco, 
o lápis e a tinta, quando desenhamos, quando ilustramos, que, 
sob formas combinadas e organizadas, constituem-se como 
recursos. 
No uso destes recursos, e como referimos acima, há 
escolhas que têm de ser feitas. A noção de escolha é crucial na 
Semiótica Social. Todos os elementos provenientes de sistemas 
semióticos diversos que ocorrem na construção de um texto 
multimodal podem ser analisados, relacionados uns com os 
outros e interpretados em termos das escolhas feitas entre os 
recursos semióticos disponíveis e em termos das suas 
contribuições para a função social e comunicativa do texto. 
O título do livro O livro que só queria ser lido é uma 
metáfora ontológica ─ O LIVRO É UM SER VIVO ─ 
(LAKOFF e JOHNSON, 2002 [1980]) denominam este tipo de 
metáfora de “personificação”. Como ser vivo, o livro tem 
sentimentos, emoções, que são exploradas, sendo como metáfora 
um tributo ao livro e à leitura, que expressam uma verdade 
essencial: os livros partilham as nossas vidas e são parte da 
aventura para o conhecimento. 
118 Introdução à Multimodalidade 
Os recursos semióticos usados são as imagens e a 
linguagem verbal escrita. O livro não é o único participante 
representado da história, mas é o mais importante ─ o 
protagonista. Como tal, é localizado na capa, assumindo o seu 
nível de importância. 
Iremos neste passo da análise focar a nossa atenção na 
organização do texto. Van Leeuwen (2005) denomina o layout 
de composição que, no caso da capa, materializa a metafunção 
textual (HALLIDAY, 1994), na terminologia da GSF. Nesta 
metafunção, a linguagem é usada para relatar aquilo que é 
escrito ou ilustrado, para mencionarmos apenas os recursos 
inscritos nos dois sistemas semióticos aqui tratados (a linguagem 
verbal escrita e a linguagem visual). Isto envolve a linguagem na 
organização do próprio texto. Relembramos que o entendimento 
de texto aqui usado é o de Halliday (1989), em que este é 
assumido como uma unidade de significação materializada por 
uma porção de linguagem para fins comunicativos num contexto 
de situação, qualquer que seja o sistema semiótico no qual este é 
expresso. 
Em termos de composição, ou para usarmos a 
terminologia da GSF, na metafunção textual, as noções de 
centro, margem, direita, esquerda, em cima ou em baixo são 
dimensões da nossa experiência espacial, mas a aquisição e a 
interiorização de valores positivos e negativos constituem 
extensões metafóricas semiotizadas nos diversos sistemas 
semióticos. Estas noções são determinadas culturalmente. 
Assim, a página impressa é um espaço visual da organização 
textual. Na figura 28 (capa), os dois sistemas semióticos estão 
organizados de forma a construir uma unidade de significação. A 
proeminência visual é dada ao livro localizado à esquerda na 
primeira prateleira. 
119 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
Quando falamos ou escrevemos começamos com algo 
que é “dado”, algo já conhecido ou já mencionado de forma que 
o nosso interlocutor possa passar para o “novo”, para o 
conhecimento que o locutor quer introduzir. 
Considerando a estrutura da informação, a organização 
espacial do livro e a sua relação com as prateleiras mostra que 
este está localizado no espaço do “dado”, i. e., conhecido, tanto 
no sistema semiótico visual como no sistema semiótico verbal, 
materializando a ordem da esquerda para a direita. É o elemento 
visual mais destacado. O mesmo é verdadeiro para o título, como 
vemos no quadro 1. 
 
O livro que só queria ser lido 
Dado Novo 
Quadro 1: Título do livro 
 
Esta ordem não é, portanto, restrita à linguagem verbal. A 
ressemiotização ao nível da linguagem visual também segue esta 
direção. A atenção é concentrada no primeiro elemento, o livro. 
Esta informação (dado) é normalmente localizada no início da 
oração. A outra informação (novo) é o enfoque da mensagem, 
aquilo que o torna especial, único: que só queria ser lido. A 
localização da impressão das letras segue a ordem estrutural 
horizontal da esquerda para a direita, mas graficamente a escolha 
feita é a ordem hierárquica vertical descendente (de cima para 
baixo), seguindo a orientação de alongamento (elongation) 
vertical, como Kress e van Leeuwen (2006 [1996], p. 57) 
120 Introdução à Multimodalidade 
classificam, em que o mais importante está em cima. Esta última 
escolha é da responsabilidade de um terceiro elemento do 
processo: o designer gráfico. Em segundo lugar, o facto de o 
livro estar posicionado na primeira prateleira, quando estão 
pintadas mais prateleiras, sugere uma construção hierárquica da 
imagem, sugerindo a orientação da página como uma ordem 
vertical descendente. 
De facto, a localização da identidade no espaço é 
sugerida pelo sistema semiótico verbal que coocorre com o 
sistema visual, como mencionado na página 7 do referido livro 
“Era o caso deste livro, que encontrara o seu pouso certo numa 
prateleira alta de uma estante colocada ao lado da secretária, 
onde agora era rei e senhor o computador”. O leitor, pelos 
exemplos dados, percebe padrões de semelhança da linguagem 
verbal e da linguagem visual. Contudo, a localização espacial do 
livro é expressa verbalmente num contexto mais amplo do que a 
visual. Circunscrevendo a análise a este tópico específico, o 
apagamento da imagem, parece ser uma estratégia semiótica em 
que a redução existe por questões de gestão do espaço. O tipo de 
relações entre os dois sistemas semióticos não se restringe ao 
enunciado. Relações de expansão, de projeção, entre outros (para 
um maior desenvolvimento, ver UNSWORTH, 2006), poderão 
ser estabelecidas. Por conseguinte, a organização espacial das 
entidades podem ser descritas linguisticamente de variadas 
maneiras, expressando cada uma delas as escolhas do escritor. O 
mesmo é verdadeiro para as imagens. A organização espacial é 
uma escolha que o ilustrador faz de forma a representar esta 
vertente semiótica do texto num processo de ressemiotização e, 
por conseguinte, de produção de significado. 
Iedema (2003) considera o uso deste conceito 
(ressemiotização) consistente na sua aplicação aos textos 
121 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
multimodais por duas razões: (i) esboça como os sistemas 
semióticos são traduzidos de um sistema para o outro como 
processos sociais; (ii) questiona o porquê de um sistema 
semiótico ser mobilizado em vez de outro para concretizar algo 
em tempos específicos. 
No âmbitoda Gramática Sistémico-Funcional, a 
metafunção ideacional assume que qualquer sistema semiótico 
tem de ter a facilidade de comunicar acerca da representação do 
mundo interior ou exterior. Na linguagem verbal, a organização 
da oração realiza os significados ideacionais, a representação dos 
tipos de processos e dos participantes associados. De acordo com 
Halliday e Matthiessen (2006 [1999], p. 52) uma imagem é uma 
representação da experiência na forma de uma configuração, 
consistindo num processo, com participantes fazendo parte desse 
processo e de circunstâncias associadas. Acrescentam que há 
inúmeros tipos de processos no universo não semiótico, mas que 
estes são construídos semioticamente de acordo com a forma 
como os participantes são configurados num reduzido número de 
processos tipo: ser, fazer, sentir e dizer. 
Se analisarmos de forma mais próxima a representação 
linguística, conforme o quadro 2, identificaremos duas entidades 
envolvidas no processo. O livro não é o único participante da 
história. É o mais importante, mas existe a máquina de escrever 
que sofre do mesmo problema ─ ser relegada para um segundo 
plano ─ já que agora o computador é rei e senhor. Os processos 
relacionais são aqueles que codificam significações estabelecidas 
por relações de ser. Este tipo de processo envolve o 
estabelecimento de uma relação entre dois termos. Neste caso, as 
duas entidades representadas são o livro e a máquina de 
escrever. A relação estabelecida entre estas duas entidades é a de 
posse. Isto é codificado no processo. O livro é o possuidor, 
122 Introdução à Multimodalidade 
“tinha” o processo, é um processo possessivo atributivo, e “a 
máquina de escrever” o atributo, o possuído. De facto, o livro, 
objeto não humano antropomorfizado, é representado ao longo 
da história fundamentalmente como experienciador e portador 
cujas emoções e relações são expostas. Por outro lado, a 
representação visual dos dois participantes segue a estrutura do 
sistema semiótico verbal, como pode ser observado no quadro 2. 
(Linguagem verbal) 
A única companhia com que 
o livro podia contar era a de 
uma velha máquina de escrever 
 que já tivera, naquela casa, a 
sua época e a sua utilidade. 
(Representação dos 2 sistemas 
semióticos) 
possuidor ─ verbo relacional ─ 
possuído 
(Linguagem visual) 
 
Fonte: O livro que só queria ser lido 
O alongamento horizontal (KRESS e van LEEUWEN, 
2006 [1996]) é realizado visualmente pela colocação do livro no 
local do “dado”, a informação considerada familiar para o leitor 
e que serve de ponto de partida da oração, ao passo que a 
máquina de escrever é colocada na posição do “novo”, a 
123 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
informação até ao momento desconhecida para o leitor, 
materializando o local do atributo possuído. 
Uma possível relação das entidades no espaço em termos 
de localização seria colocar o livro na estante e a máquina de 
escrever na secretária. Seguindo tanto a ordem da posição como 
a de relação, o livro é posicionado à esquerda da máquina, sua 
companheira de infortúnio. O livro materializa assim a posição 
da esquerda, enquanto a máquina fica na posição da direita. 
Especificando este tipo de relação espacial entre as duas 
entidades (livro e máquina), o livro é percecionado como tendo o 
papel do “dado” na imagem, à semelhança do que acontece com 
a linguagem verbal [O livro tinha como companheira uma 
máquina de escrever]. Deste modo, quando comparamos os dois 
sistemas semióticos, nas suas funções de criação de significados, 
a orientação da localização das entidades no espaço segue a 
direção da esquerda para a direita (tanto na frase como na 
imagem). 
A localização das entidades no espaço pode ser descrita 
linguisticamente de variadas maneiras, cada uma expressando as 
escolhas do escritor. O mesmo é verdadeiro para as imagens. A 
organização espacial das imagens é resultante das escolhas que o 
ilustrador faz para representar os recursos deste sistema 
semiótico num processo de correlação na articulação da 
produção de significados. 
Seguindo tanto a relação da posição como da ordem, o 
livro é posicionado à esquerda da prateleira: tem uma posição 
experienciador enquanto a máquina de escrever é posicionada à 
direita. Quando especificamos o tipo de relação espacial entre as 
duas entidades (livro e máquina de escrever) encontramos um 
padrão espacial comum nos dois sistemas semióticos. A 
124 Introdução à Multimodalidade 
estrutura espacial da imagem é organizada de forma similar à 
estrutura verbal, criando proposições significativas em termos de 
sintaxe visual. Assim, ao compararmos os dois sistemas 
semióticos na construção de significados, ambos seguem a 
orientação da esquerda para a direita da frase. 
As máquinas de escrever são, na generalidade, maiores 
do que os livros, seguindo a condição de assimetria no que se 
refere ao tamanho. A organização espacial destas duas entidades 
é aqui representada como relativamente simétrica em termos de 
tamanho, seguindo, uma configuração de amigável simetria 
relacional. 
5.2 O MAPEAMENTO DAS EMOÇÕES NOS SISTEMAS 
SEMIÓTICOS VERBAL E VISUAL 
Nesta parte da análise, pretendemos mostrar o 
mapeamento das emoções, isto é, como é que as emoções estão 
representadas no texto multimodal, e procurar identificar os 
diferentes sentimentos linguístico, pela análise da Atitude 
(MARTIN, 2008), e pela da imagem, pela análise da metáfora 
conceptual (LAKOFF e JOHNSON, 2002 [1980]). As relações 
destes dois sistemas semióticos, linguagem verbal do modo 
escrito e imagem, são identificadas e explicadas. A análise é 
circunscrita no âmbito dos significados representacionais ou, 
para usarmos um termo da GSF, no da metafunção ideacional 
(HALLIDAY, 1994). 
Como tem vindo a ser evidenciado, a linguagem é um 
sistema semiótico pelo qual os pensamentos, ideias e 
sentimentos são representados numa determinada cultura. A 
imagem, ou o sistema semiótico visual, é outro modo por meio 
do qual os pensamentos, ideias e sentimentos são representados 
nessa mesma cultura. O modo escrito é o modo privilegiado na 
125 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
educação pelo qual construímos a realidade e fazemos sentido 
dela, mas sendo as imagens outro modo, elas também 
representam conceitos, ideias e sentimentos. Por conseguinte, a 
linguagem não é um sistema isolado de comunicação, mas exige 
referência a outros sistemas na construção de sistemas de 
significação. 
A metáfora como conceito também é multimodal no 
sentido de que pode ser usada noutros sistemas semióticos para 
além do verbal. Lakoff e Johnson (2002 [1980]) trazem à 
evidência que este recurso cognitivo é um mecanismo básico na 
compreensão da experiência, da nossa compreensão do mundo. 
O livro é apresentado como uma metáfora conceptual 
ontológica, como referido anteriormente, em que este objeto 
físico constituído por papel, constrói-se como um ser humano, 
com todas as experiências, sentimentos, motivações que só aos 
humanos é possível viver, percecionar e sentir. Por meio da 
personificação do livro, entidade não humana, este passa a ser 
apresentado em termos humanos, termos esses que podemos 
entender com base nas nossas próprias experiências, 
comportamentos, emoções e motivações. 
Polarizadas entre tristeza e alegria, a maior parte das 
emoções enunciadas ao longo da história estão mapeadas em 
sentimentos circunscritos na esfera do pólo negativo, tais como 
tristeza, esquecimento, abandono e solidão. As emoções são 
representadas linguisticamente pelo uso de várias realizações 
léxico-gramaticais. O livro começa com “Era uma vez um livro 
triste”. O adjetivo é por natureza um modificador do substantivo 
e “triste” é o modo de ser do “livro triste”. 
Martin (2008), no estudo da “atitude”, defende que o 
“afeto” se refere aos recursos usados para construir as reações 
126 Introduçãoà Multimodalidade 
emocionais. Registam os sentimentos positivos e negativos, isto 
é, se nós nos sentimos tristes ou felizes, confiantes ou ansiosos. 
Estes sentimentos são localizados tanto linguisticamente como 
em imagens, como vamos passar a analisar. 
Ao considerarmos a linguagem corporal como um modo 
de comunicação ou configurarmos esse modo como discurso, 
isto é, como uma prática social, a configuração de algumas 
propriedades (braços, pernas e olhos projetados para baixo, 
vetorizadas de forma descendente) mostram que a imagem do 
livro expressa tristeza. As diferentes partes do corpo 
identificadas (ver quadro 3) são percecionadas de forma 
consistente com características (gestos) que agrupados 
constituem a configuração de propriedades que têm sido 
instanciadas pelas propriedades de frequência e de tempo nas 
nossas perceções do mundo. Estas propriedades constituem os 
padrões de comportamento adotados pela comunidade e, por 
conseguinte, fazem parte das nossas próprias práticas (HASAN, 
2004, p. 18). O papel da metáfora orientacional é aqui um 
instrumento analítico fundamental na instanciação da “atitude” 
nas imagens. 
As metáforas orientacionais (LAKOFF e JOHNSON, 
2002 [1980]) constituem um instrumento de orientação físico-
espacial fundamental na compreensão da realidade desencadeada 
pelo esquema de imagens que lhe estão subjacentes. Esta 
metáfora organiza todo o sistema de conceitos em relação a um 
outro. A orientação espacial pode se realizar em diferentes 
direções (para cima; para baixo; frente; trás etc). Um exemplo 
típico desta metáfora é FELIZ É PARA CIMA e TRISTE É 
PARA BAIXO, que se manifesta em enunciados como, por 
exemplo, “estou a sentir-me em baixo”, “ele está na mó de 
baixo”, “ela anda de rastos”, “estamos num alto astral”, “ando 
127 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
nas nuvens”, “estou no céu”. As locuções prepositivas “para 
cima de” e “para baixo de” são exemplos amplamente 
divulgados como propiciando associações que estão ligadas a 
preconceitos negativos relacionados com a locução “para baixo 
de” e ideias opostas em relação a “para cima de”. Refira-se, no 
entanto, que a orientação é determinada por esquemas cognitivos 
determinados por culturas específicas. Apresentamos a título de 
exemplificação a diferença entre a língua portuguesa e o 
mandarim. Em português, expressamos o tempo passado, em 
termos de configuração linear, na direção horizontal “trás” e o 
futuro na direção “frente”. Em mandarim, o passado assume a 
direção “frente” (gian) e o futuro, por oposição, assume a 
direção “trás” (hou). Nesta língua o tempo “passado” também 
pode ser representado na direção vertical “cima” (shang) e o 
futuro na direção vertical “baixo” (xia), direção não considerada 
no português. 
 
Partes do corpo 
(imagem) 
Partes do corpo 
(descrição) 
Linguagem verbal: 
atitude 
 
Olhos: 
olhar direcionado 
para baixo 
Era uma vez um livro 
triste. 
 
Ombros / braços: 
direcionados para 
baixo 
Sentiu-se ainda mais 
só, triste e esquecido o 
pobre livro. 
 
Pernas: 
direcionadas para 
baixo; não hirtas 
Porque me sinto muito 
só e triste… 
Quadro 3: representação de tristeza 
 
128 Introdução à Multimodalidade 
Retomando a metáfora orientacional usada no livro em 
análise, o quadro 4 mostra, por outro lado, através de algumas 
características da imagem, significados opostos. Sabendo que 
esta é a última imagem do livro, podemos concluir que este tem 
um final feliz. O livro está aberto. Os braços e as pernas estão 
vetorizados para cima. Os olhos estão completamente abertos 
direcionados para cima. A configuração da linguagem corporal é 
a representação de emoções de reconhecimento e glória, estado 
que é polarizado como sendo a expressão da felicidade. 
 
E se houvesse na casa uma 
tabela dos mais procurados, 
como há nas livrarias, o livro 
teria ficado várias semanas 
seguidas no primeiro lugar, sem 
rival à vista. E bem merecia esse 
momento de reconhecimento e 
consagração. 
Quadro 4: Última imagem do livro (reconhecimento e 
consagração) 
As diferentes partes do corpo do livro, identificadas no 
quadro 4, são percebidas como consistentes com determinadas 
características (gestos) que, agrupados, dão uma certa 
configuração das propriedades da representação de emoções 
positivamente avaliadas. Como foi referido anteriormente, estes 
gestos têm sido instanciados através da frequência e do tempo 
nas nossas perceções do mundo. Essas perceções constituem 
padrões de comportamento adotados pela comunidade e, deste 
modo, são parte integrante das nossas práticas, como as 
ilustrações parecem expressar. A coarticulação e interseção dos 
129 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
dois sistemas semióticos contribuem para a produção da 
construção de significados. 
Partes do corpo 
(imagem) 
Partes do corpo 
(descrição) 
Linguagem verbal: 
atitude 
 
Olhos: 
olhar direcionado 
para cima 
E bem merecia 
esse momento de 
reconhecimento e 
consagração. 
 
Ombros / braços: 
direcionados para 
cima 
Sentiu-se ainda mais 
só, triste e esquecido 
o pobre livro. 
 
Pernas: cruzadas 
direcionadas para 
cima 
 
Quadro 5: representação de reconhecimento e consagração 
(felicidade) 
 
Os padrões de linguagem corporal identificados no 
quadro 5 constituem padrões de ressemiotização da linguagem 
verbal que o ilustrador escolheu para representar as emoções 
aqui verbalizadas como as polarizadas de forma positiva. Deste 
modo, consideramos a hipótese de que as relações entre as 
características visuais das imagens e as da linguagem verbal 
escrita estão materializadas por meio de metáforas visuais que 
encontram relações de complementaridade metafórica no 
instrumento analítico da “avaliação”. 
130 Introdução à Multimodalidade 
Em forma de conclusão, o modo como apreendemos o 
mundo está subordinado a categorizações. A linguagem verbal é 
um modo de percecionarmos e expressarmos essa realidade. 
Outros sistemas semióticos existem que ocorrem como outros 
modos de expressarmos essa mesma realidade. 
Esperamos ter mostrado também que o quadro teórico da 
Avaliação das práticas sociais, neste caso concreto, de parte de 
práticas sociais que constituem o discurso, mais especificamente 
o afeto ─ atitude associada à emoção ─ indica uma visão 
positiva ou negativa dos atores envolvidos nos processos, bem 
como as metáforas conceptuais (LAKOFF e JOHNSON, 2002 
[1980] permitem analisar os recursos semióticos constitutivos 
dos textos multimodais. Fornecem também instrumentos 
analíticos conducentes a uma multiliteracia e, neste caso 
específico, na leitura de imagens, bem como a articulação dos 
diferentes sistemas semióticos usados no nosso dia a dia. Este 
quadro teórico permite, como o tem demonstrado a investigação 
recente em áreas, como o cinema (O’HALLORON, 2004), 
cartoons (SANZ, 2008) por oposição à semiótica, no seu início, 
quando eram procuradas as articulações linguísticas da 
linguagem visual, tendo se refletido, por isso, sobre as 
pontencialidades da arte, em geral, como linguagem. Apenas nos 
anos 80, Massironi (2010 [1982]) desenvolveu de forma 
aprofundada a análise do desenho partindo do quadro teórico da 
psicologia (perceção de imagens) e da semiologia (produção de 
sinais). Em conformidade com o exposto, defendemos que este é 
um passo metodológico a desenvolver no sentido de uma maior 
compreensão de formas contemporâneas de comunicação. 
O livro que só queria ser lido privilegia o modo escrito. 
Nem tudo o que é escrito é materializado pelo uso de imagens, 
podem existir ações, atores, circunstâncias que são submetidos a 
131 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
um apagamento (redução visual). No entanto, as relações 
existentes entre estes dois sistemas semióticos não se esgotam 
neste exemplo. Por outro lado, foram encontrados padrões de 
semelhanças entre osdois sistemas semióticos, nomeadamente 
no que se refere à localização do valor da informação, no âmbito 
dos significados composicionais, verificando-se os mesmos 
padrões de organização dos sistemas como são as orientações de 
cima para baixo e da esquerda para a direita ditadas pelas 
normas da escrita ocidental. 
5.3 LINGUAGEM VERBAL E VISUAL: RELAÇÕES DE 
COMPLEMENTARIDADE DOS SISTEMAS SEMIÓTICOS 
Como tem sido explorado nos diferentes capítulos, no 
âmbito do estudo da multimodalidade, a linguagem verbal e a 
linguagem visual não são tomadas como sistemas semióticos 
isolados cuja função deste último seria meramente decorativa, 
ilustrativa ou decorativa. Entendemos o texto multimodal como 
uma unidade de significação em que os produtores de texto 
fazem escolhas de forma a construírem um produto com um 
propósito comunicativo pelo uso desses sistemas (para um maior 
desenvolvimento, ver 6ª parte, sobre género). 
Assim, para respondermos à pergunta ─ Qual o tipo de 
relação estabelecida entre a linguagem visual e a linguagem 
verbal? ─, iremos analisar um pequeno excerto de um livro nos 
modos verbal e visual. Com base em O Pardal de Espinosa, 
escrito por José Jorge Letria e ilustrado por Daniel Silvestre 
Silva, iremos focar a nossa atenção sobre o tipo de relação 
complementar estabelecido entre os dois sistemas semióticos, 
questão brevemente aflorada no ponto anterior. 
132 Introdução à Multimodalidade 
O livro infanto-juvenil é a história de um dos mais 
importantes filósofos do século XVII, Espinosa, polidor de 
lentes, de profissão, que se dedicou a ideais de liberdade. 
Espinosa estabelece uma relação de amizade com um pardal, 
testemunha do seu labor diário e do seu modo de vida, a quem o 
filósofo explica a sua perceção do mundo. Sendo um texto 
ficcionado, a biografia de Espinosa é construída pela tecitura de 
valores, possibilitando aos pequenos leitores o contacto com um 
grande vulto da filosofia europeia. 
Os produtores de texto ─ escritor e ilustrador ─, 
reconstruíram o contexto histórico e cultural de forma exímia, 
embora recorrendo a recursos diferentes determinados pelos 
modos semióticos. O sistema semiótico visual aqui analisado é a 
ilustração, forma artística resultante de uma elaboração cognitiva 
desenvolvida e mediada pela linguagem verbal, como 
demonstrámos no capítulo 5. Conforme Massironi (2010 [1982], 
p.15) refere, o desenho tem sido historicamente tratado como um 
instrumento dócil do qual todos se podem servir, mas que nunca 
ninguém sentiu a necessidade de analisar para compreender o 
seu funcionamento, o que o diferencia de outros, e para explicar 
a sua ampla disponibilidade na absorção de funções 
comunicativas diversas. 
Em conformidade com esta constatação e com as 
preocupações da Semiótica Social, reiteramos a ideia de que a 
linguagem visual, em sentido lato, tanto como processo ou como 
produto, tem potencialidades nas suas várias expressões e 
articulações que carecem de mais investigação. 
Roth et al. (2005), com base num estudo desenvolvido a 
partir de livros de ciências, propõem quatro funções para as 
relações entre linguagem verbal e imagens: (i) decorativa 
133 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
(imagens normalmente colocadas no início do capítulo sem 
referência ao texto principal); (ii) ilustrativa (capta e descreve o 
que o leitor deve ver); (iii) explicativa (dá uma explicação ou 
classificação do que é representado); (iv) complementar (fornece 
conteúdos proposicionais não explicitados no texto verbal). Com 
base na classificação (iv), função complementar, iremos analisar 
esta função com vistas a apresentar uma reformulação do 
entendimento do tipo de relação existente entre os sistemas 
semióticos verbal e visual e com o intuito de avançar no estudo 
das relações intersemióticas dos dois sistemas. 
No âmbito da metafunção ideacional da linguagem 
(HALLIDAY, 1994), esta é usada para organizar, compreender e 
expressar as nossas perceções do mundo físico e interior, como 
referido em diferentes pontos deste volume. A 
complementaridade ideacional em textos multimodais refere-se 
ao tipo de relação estabelecida pelos conteúdos proposicionais 
(aquilo que é representado) em linguagem verbal e linguagem 
visual. Embora podendo diferir, os conteúdos são 
complementares, o que significa que o contributo dos dois 
sistemas expressa mais do que cada um dos sistemas semióticos 
considerados isoladamente. 
No excerto, a seguir, as relações de complementaridade 
são estabelecidas pelos dois sistemas semióticos. Os dois 
sistemas tecem relações de expansão entre si, isto é, o sistema de 
expansão existe tanto na linguagem verbal como na linguagem 
visual, conforme iremos demonstrar no quadro 6. 
 
134 Introdução à Multimodalidade 
 
Quadro 6: Excerto do livro O Pardal de Espinosa 
 
Na sua relação de complementaridade, a linguagem 
verbal através de relações de expansão dos conteúdos semânticos 
1. Linguagem verbal 
Todas as manhãs, o velho pardal cumpria o seu ritual. 
Pousava no parapeito da janela, observava o homem arqueado 
sobre as lentes, no interior do quarto, e depois batia levemente 
com o bico no vidro. Dando-se conta da sua presença, o homem 
levantava-se da mesa de trabalho, abria a janela e colocava 
sobre o parapeito pedaços de pão, de carne e de queijo que o 
arisco pardal depois ia transportando até ao local onde tinha as 
suas crias. 
2. Linguagem Visual 
 
135 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
dos seus recursos semióticos permite estabelecer relações 
sequenciais mediadas pelos seguintes processos materiais: 
O homem levantava-se da mesa de trabalho, abria a 
janela e colocava sobre o parapeito pedaços de pão, de 
carne e de queijo que o arisco pardal depois ia 
transportando até ao local onde tinha as suas crias. 
A linguagem verbal permite-nos construir pela 
representação um quadro mais alargado no que diz respeito aos 
processos. Considerando as características do sistema semiótico 
visual, as representações dos processos pelas imagens são 
simplificados comparativamente à possibilidade da 
complexidade de representação do sistema verbal. A 
representação visual pode ser realizada pela representação 
narrativa, que descreve os participantes numa ação, ou pela 
representação conceptual, esta de natureza estática em que os 
participantes são apresentados em termos de essência, como eles 
são, em termos de classe, estrutura ou significado. 
Nesta representação narrativa, processo transacional 
unidirecional, temos Ator (Espinosa) e a Meta (o pardal) 
interligados por um vetor (materializado pela orientação do olhar 
do ator e da sua linguagem corporal inclinada para o pardal, ou 
seja, a reta). Ao compararmos este processo da narrativa visual 
com os processos verbais destacados a itálico no excerto acima, 
verificamos que há uma ressemiotização do verbal em que a 
maioria dos processos são agregados. Por outro lado, os recursos 
semióticos visuais estabelecem relações de espaço mediadas pela 
localização das entidades e outros recursos semióticos no 
espaço. 
Sabemos que o espaço comunica. Conforme Svorou 
(1993, p. 8) refere, é da nossa natureza localizar objetos em 
136 Introdução à Multimodalidade 
relação a outros objetos, de uma forma relativista. O ato de 
localizar um objeto para efeitos comunicativos implica a 
existência de elementos que desempenham um papel 
fundamental. Parafraseando uma ideia anteriormente expressa, o 
posicionamento dos objectos e o estabelecimento de relações 
entre si envolve o reconhecimento de relações (as)simétricas 
inscritas num espaço específico. Essas escolhas constroem 
sempre significados associados a cada uma das diferentes 
possibilidades materializadas pelo produtor de texto. Deste 
modo, as relações assimétricas podem ser de natureza vária, indo 
além daquela aqui analisada, como temos vindo a referir. Para 
alémdos significados construídos pelo espaço, são usados outros 
recursos semióticos visuais que nos permitem encontrar a 
expansão dos conteúdos semânticos em relação à linguagem 
verbal, como é o exemplo do moinho de vento característico dos 
Países Baixos, colocado na paisagem, visualisado através da 
janela aberta. Outros exemplos de expansão visual poderão ser 
dados, como é o caso do vestuário da época. De facto, o 
potencial de significado de textos multimodais é expandido 
quando comparado com textos constituídos apenas por um 
sistema semiótico. 
Recursos semióticos 
linguísticos de complementaridade 
(expansão). 
Recursos semióticos visuais 
de complementaridade (expansão). 
Relações sequenciais mediadas 
pelos processos. 
Relações de espaço mediadas pela 
localização das entidades no espaço. 
Quadro 7: Diferentes recursos semióticos 
137 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
A análise aqui apresentada confirma a hipótese de que o 
recurso a diferentes modos transmite detalhes ou nuances que 
são omitidos apenas por um dos modos de representação. 
Em forma de conclusão, e articulando com as conclusões 
anteriormente apresentadas, fica claro, na contemporaneidade, os 
modos semióticos disponíveis por meio dos quais os produtores 
de texto podem fazer as suas escolhas são muitos, graças à 
sociedade de informação, ao seu funcionamento em rede e aos 
avanços tecnológicos. Os sistemas, modos e recursos semióticos 
são selecionados, organizados e integrados no processo de 
produção de texto de forma a maximizar o potencial da criação 
de significados e os seus efeitos, pelo que a literacia multimodal 
se reveste de importância fundamental para o desenvolvimento 
da aquisição de competências possibilitadoras de um 
empowerment dos cidadãos nas diversas áreas profissionais e 
pessoais, conforme explanado na parte 2. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GÉNERO E 
MULTIMODALIDADE 
6ª PARTE 
 
 
 
 
 
141 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
6. O GÉNERO COMO ELEMENTO MULTIMODAL DA 
ATIVIDADE HUMANA 
 
Carminda Silvestre 
 
 
 
O conceito de género apresenta nuances na sua 
formulação em consequência de perspectivas resultantes dos 
enquadramentos teóricos onde o conceito é estudado (O’ 
HALLORAN, 2004). O enfoque teórico determina, assim, a 
forma como definimos o conceito. 
Na classificação do género, há três vertentes que são 
recorrentes para essa tipificação: o conteúdo, a forma e a função 
(cf. Van LEEUWEN, 2005). Por exemplo, os contos de fadas 
são classificados de acordo com o conteúdo; no caso do quarteto 
de cordas, a abordagem da forma é determinante para a sua 
classificação. A forma de expressão do quarteto de cordas, 
qualquer que seja a música tocada, é classificada em 
conformidade com a composição da forma de expressão; o texto 
publicitário é classificado em conformidade com a função do 
texto, ou seja, o propósito do ato comunicativo ─ vender 
produtos ou serviços. Existe, assim, alguma fluidez na 
classificação, mas apesar dessa ausência de rigidez 
classificatória, as pessoas, regra geral, reconhecem as 
convenções de género. Estamos perante um campo em que a 
diversidade de classificação é grande como também são as 
abordagens teóricas aos géneros textuais. 
A análise do género aqui desenvolvida é 
fundamentalmente guiada por Martin (2008). Encontramos em 
142 Introdução à Multimodalidade 
Martin (1984, p. 25) uma definição do conceito de género que 
interessa registar: “A genre is a staged, goal-oriented, purposeful 
activity in which speakers engage as members of our culture”. 
Aqui o género é considerado uma atividade, orientada para um 
objetivo, com um propósito comunicativo. Nesta definição, a 
referência de que o género é faseado implica que este seja 
constituído por diferentes etapas que levam o produtor de texto, 
pelas escolhas dos recursos semióticos (léxico-gramaticais ou 
visuais), a alcançar o seu objetivo geral, isto é, a função 
comunicativa. 
A abordagem da Gramática Sistémico-Funcional e da 
Semiótica Social ao género segue a perspetiva da função do 
texto nos seus múltiplos contextos, ou seja, aquilo que as pessoas 
fazem com os textos. Assim, as diferentes estruturas ─ início, 
meio e fim ─ são importantes na construção do ato 
comunicativo. 
 O género tem sido encarado como mutável resultante de 
alterações das variáveis de registo6 (campo, relações e modo). 
Para Martin (1992), o género (contexto de cultura) é instanciado 
mediante escolhas das variáveis de registo (contexto de situação) 
associando-as a partes específicas da estrutura esquemática e 
usando a linguagem, isto é, os recursos semióticos em 
conformidade. Deste modo, a partir da categoria género textual, 
especificamente da narrativa, pretendemos mostrar que a escolha 
do modo implica a construção de significados diferentes. De 
forma sucinta, podemos afirmar que o recurso a diferentes 
modos é igual a diferentes significados textuais, ou seja, 
 
6
 As variáveis de registo são o campo (a natureza da prática social ─ o que 
está a acontecer), as relações (quem está envolvido), o modo (o papel 
desempenhado pela linguagem), responsáveis pela configuração textual. 
143 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
significados que medeiam os significados ideacionais e os 
interpessoais em textuais, como passaremos a explicar ao longo 
do ponto seguinte. 
6.1 NARRATIVA VISUAL: O INTERPLAY ENTRE MODO 
E ESTRUTURAS ESQUEMÁTICAS 
A presente parte do livro pretende explorar o conceito de 
narrativa visual com base numa animação (a partir de desenho) 
com recurso ao modo visual (linguagem visual) e apoio sonoro 
(para-linguagem). Enquadrado numa abordagem da Semiótica 
Social, iremos mostrar que a escolha do modo vai determinar as 
estruturas esquemáticas do género narrativo resultante da 
escolha do modo no qual o género é realizado. Por modo, 
queremos significar o papel da linguagem, ou seja, a natureza do 
meio pela qual os significados são construídos. 
De acordo com a categorização proposta por Bordwell e 
Thompson (2001), os filmes são classificados em ficção, 
documentário, experimental e animação de acordo com a 
natureza do filme e a forma como o material foi escolhido. Os 
autores acrescentam que os filmes têm uma forma básica ou um 
sistema de relações entre as partes que podem ser classificados 
de narrativa, categórico, retórico, abstrato e associativo. O 
corpus em análise, de acordo com essa proposta, inscreve-se no 
filme de animação na forma narrativa. 
O corpus é constituído por um filme de animação, O Dia 
em que o Sr. Raposo…, realizado por alunos da Escola Superior 
de Arte e Design, das Caldas da Rainha (ESAD.CR). Andreia 
Páscoa, João Cabaço e Daniel Silva foram responsáveis pelo 
desenho, som e animação; Hugo Guerra, pela montagem. 
Realizaram este trabalho no âmbito da disciplina de Animação, 
144 Introdução à Multimodalidade 
do 5º ano do curso de Artes Plásticas, no ano letivo de 2003-
2004. 
Trata-se de um remake, em versão humana, da fábula O 
corvo e a raposa. A fábula, que remonta ao séc. VI a.C. e é 
atribuída a Esopo, conhece a notoriedade que hoje lhe 
asseguramos com La Fontaine (1621-1695), que se terá 
inspirado naquele autor da Antiguidade (bem como em fabulistas 
italianos do Renascimento) para compor esta e as restantes 
fábulas que integram os diversos livros dos volumes que 
compõem a sua famosa recolha. É sabido que La Fontaine se 
serve de Animais para instruir os Homens, como ele próprio diz 
na Dedicatória da obra que oferece ao Delfim (o primogénito de 
Luís XIV). Mas a versão de O corvo e a raposa que a equipa de 
estudantes da ESAD.CR trouxe para o cinema de animação 
elimina os animais da sua trama mantendo, no entanto, o 
propósito moral recebido da tradição, tanto grega e renascentista, 
quanto a que o séc. XVII francês nos legou pelopunho direto de 
La Fontaine. Ou seja, no final da história que acompanhamos em 
versão animada, a lição clássica que atravessou séculos e chegou 
incólume aos dias de hoje permanece a mesma e vem ao de 
cima: a lisonja leva à perda de quem se deixa lisonjear. 
Porém, a graça e a novidade deste remake residem em 
dois fatores principais: primeiro, no facto de a moral da fábula 
ser protagonizada por um casal de idosos (de quem não se 
esperam senão atos moralmente irrepreensíveis), ele no papel de 
raposa7 (ainda que sem a malícia explícita desta) e ela no de 
corvo (exibindo uma ponta de mal disfarçada afetação), e, 
 
7
 O nome da personagem não engana: ele é o Sr. Raposo, deixando 
adivinhar, nos atos que pratica, todo o programa de ação da velha raposa 
da fábula. 
145 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
segundo, no achado feliz de ser uma dentadura a ocupar o lugar 
do queijo na versão tradicional, simbolizando este objeto (por 
relação metonímica com o queijo e de forma bem icónica) o 
desejo básico de comer e o meio prático de o satisfazer, e dando 
forma quase caricatural ao problema pessoal do Sr. Raposo que, 
por falta de dentes, sofre por não poder mastigar os alimentos. 
No âmbito do trabalho que realizamos, importa estudar 
tanto textos canónicos como aqueles produzidos por pessoas não 
especializadas, cujos produtos (textos) foram aceites, 
interpretados e consumidos. Dessa forma, podemos analisar e 
compreender como funciona a linguagem naquilo que se 
constitui como individual e único, mas, simultaneamente, 
fazendo parte do género. 
6.2 O INTERPLAY ENTRE MODO E ESTRUTURAS 
ESQUEMÁTICAS: O CASO DO FILME DE ANIMAÇÃO 
“O DIA EM QUE O SR. RAPOSO…” 
Em termos de orientação espacial das imagens no espaço 
textual (filme de animação), as imagens, constituídas por frames, 
seguem o esquema da esquerda para a direita, à semelhança da 
escrita na narrativa. O óbvio desta asserção é-o apenas no âmbito 
da cultura ocidental. No mundo árabe, por exemplo, a orientação 
espacial das imagens é materializada de forma inversa, ou seja, 
da direita para a esquerda, à semelhança da direção da sua 
escrita. 
Como referido anteriormente, a abordagem da Semiótica 
Social ao género focaliza a função dos textos nas interações 
sociais, no que as pessoas fazem com os textos. Neste 
pressuposto, as sequências das estruturas “princípio-meio-fim” 
ajudam a ordenar as práticas comunicativas. As sequências das 
ações comunicativas estão enquadradas em práticas sociais que 
146 Introdução à Multimodalidade 
contêm outros elementos como, por exemplo, atores, tempo, ou 
local, entre outros. Perguntas como “o que acontece aqui?”, 
“quem são os atores?”, “quem é responsável pela ação?”, “quem 
sofre a ação?”, “onde?”, “quando?” são algumas das questões 
colocadas mais frequentemente na narrativa. Por conseguinte, na 
análise da narrativa visual em estudo iremos dar respostas a estas 
questões pela leitura das frames, consideradas importantes no 
âmbito das estruturas esquemáticas e no avanço da história. 
Antes de passarmos para a análise, lembramos que 
Labov, citado por van Leeuwen (2005, p. 125-6), apresenta as 
diferentes fases da narrativa como género na seguinte sequência: 
(i) o resumo, que inicia a história e contém um sumário ou 
indicação do tópico para atrair a atenção do leitor; (ii) a 
orientação, que introduz o cenário ─ quem está envolvido, 
quando, onde ─ e o acontecimento, que faz avançar a história. 
Elementos de orientação podem ocorrer mais tarde na história, 
quando novas pessoas, locais e coisas são introduzidas; (iii) a 
complicação, que é o acontecimento que constitui o âmago da 
história; (iv) a avaliação, que pode ocorrer em vários momentos 
da história, quando o produtor de texto responde a questões 
como, por exemplo, “por que razão devemos achar isto 
interessante?”; (v) a resolução, que fornece o acontecimento 
final da história; (vi) a coda, que não ocorre sempre, mas que 
move do tempo da história para o tempo de a contar e fornece a 
sua relevância aos leitores. 
Uma das questões a considerar na narrativa visual é 
identificar se as estruturas esquemáticas constitutivas da 
narrativa se aplicam ao modo visual. Considerando as estruturas 
propostas por Labov, das seis fases, há três que são obrigatórias 
para podermos considerar a narrativa como género e sentirmos a 
existência de uma apropriação do produtor de texto que vai ao 
147 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
encontro das nossas expectativas e daquilo que conhecemos do 
mundo: a orientação, a complicação e a resolução. Assim, para 
falarmos em narrativa visual temos de identificar as estruturas 
obrigatórias e as estruturas facultativas, que poderão variar. 
Embora o filme de animação seja um texto dinâmico por 
natureza, a metodologia de análise usada é a de um texto 
estático. Em termos metodológicos, iremos recorrer à paráfrase 
do texto multimodal, que interpretamos do modo visual, pois 
essa paráfrase ajuda-nos a percorrer as frames que compõem o 
filme e a recontar, a partir destas e de forma mais desenvolvida, 
a sua história. Vamos recorrer a ela como meio de facilitar o 
comentário à estrutura narrativa da história e à evolução 
cronológica dos principais acontecimentos nela ocorridos (a 
reconstituição da sequência de ações). 
A primeira parte da animação é dedicada à orientação. 
Esta é constituída pelo cenário (setting) de um bairro típico, que 
poderá ser Lisboa antiga (fig. 32), com as suas casas 
encavalitadas umas nas outras, ruas estreitas, escadarias, praças, 
miradouros e uma população envelhecida, em que os homens 
têm como ponto de encontro as praças ou pequenos jardins para 
jogarem às cartas e as mulheres, de forma mais individualizada, 
se dedicam às tarefas domésticas, de portas e janelas bem 
abertas. Tanto homens como mulheres coabitam com gatos e 
pombos nestes bairros populares, que vão alimentando ao sabor 
da sua solidão compassiva. 
 
148 Introdução à Multimodalidade 
 
Figura 32: Bairro típico de Lisboa antiga 
 
A par do cenário, a narrativa tem as suas personagens. O 
Sr. Raposo, personagem principal da história, nomeado através 
do título do filme de animação, faz parte dessa população 
envelhecida, com poucos recursos económicos. O Sr. Raposo 
desloca-se todos os dias ao mesmo miradouro para, 
solitariamente, apanhar sol enquanto tenta mordiscar umas 
bolachas. Ele tem por única companhia os pombos daquele local, 
que acorrem em bando ao seu encontro para comerem as 
bolachas que o Sr. Raposo não consegue mastigar por falta de 
dentição. 
A narrativa visual trata fundamentalmente de ações. 
Como tal, os processos usados são predominantemente materiais 
(verbos de fazer) e comportamentais (verbos de comportamento) 
para mostrar o que está a acontecer (ver quadro 8). Halliday 
149 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
(1994) através da categoria da transitividade, na qual o falante 
manifesta a sua experiência do mundo (metafunção ideacional da 
linguagem), classifica os tipos de processos em materiais, 
mentais, verbais, relacionais, comportamentais e existenciais. O 
estudo da transitividade permite-nos, pela oração (unidade básica 
de análise da léxico-gramática), analisar a representação de 
quem faz o quê, a quem, e as respetivas circunstâncias. 
 
Figura 33: O Sr. Raposo dá comida aos pombos 
 
A forma que dá origem ao enredo é a série de sequências 
em que a motivação do Sr. Raposo se constrói com base nas 
semelhanças e repetições, diferenças e variação da conhecida 
fábula A raposa e o corvo. A personagem principal caminha até 
ao miradouro e tenta levar à boca as suas bolachas. Só depois de 
várias tentativas inglórias para mastigar, ele resolve dá-las aos 
pombos. Nesta frame, os participantes são o Sr. Raposo (ator) e 
150 Introdução à Multimodalidade 
os pombos (alvo). No processomaterial (fazer), o ator é a pessoa 
ou objeto que pratica a ação, enquanto o alvo é quem (pessoa ou 
objeto) é atingido pela ação. Neste processo, temos um alvo pelo 
que o processo é denominado ação transaccional unidirecional. 
Em processos materiais em que o alvo é inexistente, estes são 
classificados de ação não transacional. 
 
Figura 34: O Sr. Raposo está triste por não ter dentes para 
comer as bolachas 
 
A estrutura esquemática que institui a complicação é 
constituída pela consciência que o Sr. Raposo tem em relação à 
sua triste condição: a de um velho desdentado, incapaz de 
saborear umas simples bolachas. 
Um dia, o Sr. Raposo é arrancado da tristeza em que está 
mergulhado (fruto da sua desconsolada condição de desdentado) 
pelo cantarolar de uma voz feminina (fig. 35). 
151 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
 
Figura 35: O Sr. Raposo ouve alguém cantar 
Seguindo o som daquela voz maviosa é surpreendido pela 
visão de uma velhota que sacode o tapete à janela (fig. 36). 
 
Figura 36: Sr. Raposo caminha em direção ao local 
de onde ouve cantar 
152 Introdução à Multimodalidade 
Cabe aqui fazer um parêntesis para lembrar que a nossa 
intenção é mostrar como esta narrativa visual tem um esquema 
constituído por estruturas esquemáticas obrigatórias, fazendo das 
ausentes as estruturas esquemáticas opcionais. A variação é 
determinada nas escolhas feitas pelo produtor de texto 
relativamente ao modo. Assim, escolhido o modo, urge 
determinar quais as estruturas obrigatórias, quais as opcionais, 
quais as estruturas que podem ocorrer mais de uma vez ao longo 
do texto, qual a ordem fixa e a ordem variável das respetivas 
estruturas. Importa referir também que a paráfrase ajuda-nos a 
trazer à evidência um aspeto que não deverá ser esquecido 
quando se trata de observar narrativa em filme. Recontando a 
história com base na sucessão de imagens em “frames”, é mais 
difícil esquecer que o efeito da tridimensionalidade criado dentro 
do mundo da história é obtido tanto por meio de linhas, cores, 
ângulos, formas, etc. (que têm como quadro de referência o jogo 
de claro/escuro bidimensional criado no espaço do ecrã) como 
por meio de um sistema de sons (palavras, música e ruídos) que 
sofrem transformação tanto no mesmo referido espaço do ecrã 
como na relação dos objetos entre si no interior da história. Este 
último ponto é particularmente importante na narrativa em 
causa, já que ela joga na ausência de palavras, na opção explícita 
de eliminar do universo do narrado a linguagem verbal. Em 
alternativa, aposta na criação de um discurso “articulado” por 
sons vocais indiscerníveis, e em música, cujo efeito para o 
sentido geral da história advém da articulação entre intensidade 
(pitch) e contraste auditivos. É portanto preciso ouvir para se 
perceber o que se passa no plano da diegese desta animação e, 
nesse sentido, o som nesta narrativa visual animada levanta 
também questões de narração (ou de discurso narrativo), que, 
153 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
sendo fundamental para a criação de significado, não será 
analisado no presente estudo. 
O Sr. Raposo aproxima-se, ouve a canção que a senhora 
canta e aplaude (fig. 37). 
 
Figura 37: O Sr. Raposo lisonjeia a autora da cantoria 
 
Repara na sua bela dentadura. O Sr. Raposo encontra na 
autora da cantiga, a segunda personagem do enredo (uma 
senhora também idosa, provavelmente viúva e sozinha), uma 
fonte de inspiração para ultrapassar aquilo que é o seu problema 
e que constitui a complicação do enredo. Assim, lisonjeia a 
senhora, pedindo-lhe para cantar mais e mais alto. Tomada de 
brio e vaidade, a velhota canta mais alto e tanto e tão mais alto 
que, boca aberta, inadvertidamente deixa cair a dentadura da 
janela abaixo (fig. 38). 
154 Introdução à Multimodalidade 
 
Figura 38: Cedendo aos elogios, a senhora canta alto 
Nesse momento, o Sr. Raposo vê a oportunidade que não 
pode perder: apodera-se da dentadura da mulher e coloca-a na 
sua própria boca (fig. 39). 
 
Figura 39: O Sr. Raposo apanha a dentadura 
155 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
A resolução foi materializada por meio da dentadura da 
senhora que caiu, enquanto cantava, e imediatamente apropriada 
pelo Sr. Raposo. 
 
Figura 40: O Sr. Raposo está feliz com a sua dentadura nova 
 
Obtido o objeto de desejo, a história termina com o Sr. 
Raposo a regressar às suas rotinas, mas mais feliz por ter 
resolvido o seu problema. Regressa ao banco do jardim para, na 
companhia dos pombos seus amigos, poder, enfim, mastigar e 
engolir as tão desejadas bolachas (fig. 41). 
Visualmente, essa resolução é-nos dada pelo travelling 
inicial e final sobre a cidade ─ deslocamento físico da câmara 
sobre o espaço das ações da personagem, assinalando a 
resolução do seu problema de forma plana e sequencial a fim de 
percebermos que tudo o que vimos não passou de um episódio 
na vida (rotineira) do Sr. Raposo. 
156 Introdução à Multimodalidade 
Figura Linguagem visual (descrição) Classificação 
Estrutura 
esquemática 
1 bairro típico de Lisboa antiga Cenário orientação 
2 
o Sr. Raposo dá comida aos 
pombos 
quem; onde; 
processo 
material 
orientação 
3 
o Sr. Raposo está triste por não ter 
dentes para comer as bolachas 
Processo 
relacional 
complicação 
4 o Sr. Raposo ouve alguém cantar processo mental complicação 
5 
o Sr. Raposo caminha em direção 
ao local de onde ouve cantar 
processo 
material 
complicação 
6 
o Sr. Raposo lisonjeia a autora da 
cantoria 
processo 
comportamental 
complicação 
7 
cedendo aos elogios, a senhora 
canta deixando cair a dentadura 
processo 
comportamental 
resolução 
8 o Sr. Raposo apanha a dentadura 
processo 
material 
resolução 
9 
o Sr. Raposo está feliz com a sua 
nova dentadura 
Processo 
relacional 
resolução 
10 o Sr. Raposo regressa à sua rotina 
processo 
material 
resolução 
Quadro 8: Estruturas esquemáticas da narrativa visual 
157 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
 
Figura 41: O Sr. Raposo regressa à sua rotina, feliz, 
porque já tem dentes para mastigar 
 
Esquematicamente apresentamos o enredo do filme no 
quadro 8, permitindo, desta forma, visualizar as fases 
constitutivas do género visual com a identificação das imagens, a 
legenda correspondente à linguagem visual, o respetivo processo 
e a identificação da fase. 
Uma narrativa puramente no modo visual poderá não 
contemplar todas as estruturas de uma narrativa que recorre aos 
dois sistemas de linguagem ─ verbal e visual, por exemplo. Para 
além do modo, o meio (medium) como este é organizado implica 
uma variação. Uma narrativa verbal escrita ou oral implica 
escolhas que vão determinar a variação relativamente ao pré-
158 Introdução à Multimodalidade 
género8. Também o meio de suporte digital ou suporte papel são 
determinantes no género. Uma narrativa construída para a 
criação de um jogo digital pode determinar uma variedade no 
género, em relação a uma narrativa em suporte papel. 
Como referido anteriormente, e retomando a ideia de que 
o género segue a perspectiva da função do texto nos múltiplos 
contextos (aquilo que as pessoas fazem com os textos), um dos 
objetivos da narrativa é contar uma história que envolve 
personagens integradas num determinado contexto. As diferentes 
estruturas ─ início, meio e fim ─ são importantes na construção 
do ato comunicativo. 
O estudo do modo refere o papel que a linguagem 
desempenha na realização da ação social. Este influencia os 
significados textuais, os significados que ao nível ideacional e 
interpessoal constituem o textual, fazendo da linguagem usada 
uma variante fundamental tanto para o cotexto como para o 
contexto. 
A partir da narrativa visual O dia em que o Sr. Raposo… 
e a fábula A raposa e o corvo, apresentamos de forma sucinta, no 
quadro 9, três dimensões do modo que, alterada uma dessas 
dimensões, contribuirápara uma variedade no género e, 
consequentemente, nas estruturas esquemáticas que o 
constituem, bem como na léxico-gramática usada ou, melhor 
 
8 Swales (1993, p. 61), por exemplo, no seu livro Genre Analysis refere a 
narrativa como um pré-género, definindo-o da seguinte forma “A narração 
(falada ou escrita) opera através de um quadro de sucessões temporais nas 
quais, pelo menos, alguns dos acontecimentos são reacções a 
acontecimentos anteriores. Outras características da narrativa são aquelas 
em que os discursos tendem a ser fortemente orientados para os agentes 
dos acontecimentos descritos, em vez de ser para os próprios eventos, 
sendo a estrutura tipicamente a de ‘um enredo’”. (Tradução nossa). 
159 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
dizendo, nos recursos semióticos. Assim, podemos dizer que em 
ambos os textos (O dia em que o Sr. Raposo… e a fábula A 
raposa e o corvo) o canal usado é gráfico. Outra dimensão do 
modo é o meio. O dia em que o Sr. Raposo… é visual, enquanto 
a fábula é verbal. Esta dimensão vai determinar uma mudança no 
género narrativo. Estamos perante dois sistemas semióticos com 
características e potencialidades diferentes. Por conseguinte, as 
características léxico-gramaticais pelas quais os propósitos das 
fases são realizados na fábula não são iguais às características 
dos recursos semióticos através dos quais os propósitos das 
diferentes fases são realizados na animação. Assim, se for 
introduzida uma mudança nas variáveis canal, meio e papel, a 
linguagem do texto, como produto, necessariamente mudará 
também, contribuindo, dessa forma, para uma variação no 
género. 
Dimensões 
Sr. Raposo 
(narrativa visual) 
A raposa e o Corvo 
(narrativa verbal) 
canal gráfico gráfico/fónico 
meio visual verbal (escrito/falado) 
papel constitutivo ─ contar 
uma história humoristicamente 
constitutivo ─ 
instruir os homens 
Quadro 9: Dimensões do modo 
 
A possibilidade de diversidade de tipos específicos de 
narrativa pode ocorrer, variando cada uma da norma pré-género. 
 
160 Introdução à Multimodalidade 
CONCLUSÕES 
Apesar das fraquezas resultantes de trabalharmos o filme 
de animação, um texto dinâmico, recorrendo a uma metodologia 
de análise de um texto estático, com as inevitáveis omissões de 
outros sistemas semióticos que se articulam na produção de 
significados, acreditamos que o presente trabalho alcançou o seu 
objectivo principal: mostrar como a variável modo é 
determinante na realização das estruturas esquemáticas do 
género narrativa visual. Aqui, as escolhas semióticas estão 
construídas visualmente e com recursos sonoros não verbais. A 
imagem visual é o meio que o produtor de texto usa de forma a 
construir os significados interpretados pelo leitor/espectador. 
Cabe, assim, ao espectador, com base no conhecimento que tem 
do mundo, e perante o enredo, a organização do material no 
filme, criar a história individualmente com base nos dados do 
enredo. 
Em forma de conclusão, e porque trabalhámos o remake 
da fábula A raposa e o corvo, cabe dizer que a felicidade do Sr. 
Raposo foi conseguida à custa da infelicidade alheia. Porém, 
como a vaidade é um vício condenável e foi por causa dela que 
quem não soube resistir-lhe perdeu o que tinha de tão precioso, a 
ação parcialmente reprovável do Sr. Raposo que fica com aquilo 
que lhe não pertence é justificada, e mesmo suplantada pela 
função moral corretora que a sua “transgressão” acaba por 
adquirir no contexto em que ocorre. No entanto, mais do que 
elaborarmos sobre o ensinamento a retirar da história, quisemos 
debruçar-nos sobre a importância do modo na construção da 
narrativa, objetivo principal deste capítulo. As estruturas 
esquemáticas identificadas na análise são constituídas por atores, 
lugares, ações e tempo. As respostas colocadas nas perguntas 
161 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
mais frequentes na narrativa foram mediadas pelas imagens e 
sons mostrando quem fez o quê, a quem. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
163 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
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VIEIRA, J. A.; SILVA, D. E. S. (Orgs.) Análise do discurso: 
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SOBRE AS AUTORAS 
 
JOSENIA VIEIRA 
Pós-doutora em Linguística Aplicada 
pela Universidade de Lisboa (2001) e pelo 
IPL/PT (2008), doutora em Linguística 
pela PUC/RS. Professora Associada 4 do 
Programa de Pós-Graduação em 
Linguística da Universidade de Brasília, 
nos cursos de Doutorado e de Mestrado desde 1991. Suas 
pesquisas concentram-se principalmente em Multimodalidade, 
Análise de Discurso Crítica e Letramento. Orientou mais de 50 
pesquisas entre dissertações de Mestrado e teses de Doutorado. 
Dirige o Centro de Pesquisas em Análise de Discurso Crítica 
(Cepadic). Membro da Asociacíon Latinoamericana de Estúdios 
del Discurso (Aled). É autora de diversos livros, capítulos e 
artigos e também é a editora da revista “Discursos 
Contemporâneos em Estudo”. 
 
CARMINDA SILVESTRE 
Doutorada em Linguística Aplicada 
pela Universidade de Lisboa. Professora 
Coordenadora na Escola Superior de 
Tecnologia e Gestão (ESTG), do Instituto 
Politécnico de Leiria, Portugal. Desenvolve 
trabalho de investigação no âmbito da 
Análise Crítica do Discurso, Semiótica Social e Gramática 
Sistémico-Funcional aplicada ao Discurso Empresarial, Discurso 
da Marca, Educação e Artes. Investigadora no Instituto de 
Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), Portugal. 
 
Neste livro, a Gramática Sistêmico-Funcional, a 
Semiótica Social e a Análise de Discurso Crítica, 
enquadramentos teóricos aqui usados para o estudo 
da Multimodalidade, partilham entre si uma 
perspectiva de linguagem como constructo social, 
em que linguagem e sociedade se modelam de 
formas bidirecionais, ou seja, a linguagem modela a 
sociedade e é modelada por esta.multimodal, pois 
acreditamos que as múltiplas semioses desempenham relevante 
papel na construção dessas camadas de reconfiguração da 
linguagem, tendo em vista que as representações realizadas por 
meio das imagens e das cores, por exemplo, aproximam mais o 
discurso representado da realidade. 
Particularmente Fairclough (2003a), para explicar como é 
construída a representação do significado, emprega a palavra 
mediação com o propósito de marcar o movimento do 
significado de uma prática social a outra, assim como de um 
evento a outro ou de um texto a outro, o que forma um processo 
discursivo complexo. Esses processos, por sua vez, ocorrem em 
redes de textos, sujeitas a transformações em seus contextos 
sociais e culturais, podendo também se tornarem agentes de 
mudanças nas diferentes redes ou domínios sociais da 
linguagem. 
18 Introdução à Multimodalidade 
Já a respeito da representação multimodal do significado 
no discurso, Kress e van Leeuwen (2006 [1996], p. 2) afirmam 
que a representação sígnica é sempre múltipla, negando-lhe, por 
esse princípio, a existência fixa e unívoca do signo. Acreditam 
que os significados são construídos por agentes do discurso de 
modo intencional e não arbitrário e por meio de multissignos, 
que enfeixam uma gama variada de semioses. Desse modo, a 
defesa da Linguística tradicional (que primeiramente se 
identificou com Saussure no século passado, defensor de uma 
Linguística como parte da Semiologia (a ciência geral dos 
signos) seria impossível segundo a proposta de Kress e van 
Leeuwen, pois esses teóricos se alinham com os princípios da 
Sistêmica Funcional de Halliday, marco inspirador da Teoria 
Multimodal. Vejamos no original o que Kress e van Leeuwen 
(2006 [1996]) declaram a respeito da Gramática Sistêmico-
Funcional, desenvolvida por Michael Halliday. Assim dizem: 
É o caso em que nosso ponto de partida tem sido a 
gramática sistêmico-funcional do Inglês, 
desenvolvida por Michael Halliday, embora 
atentássemos para o uso dos aspectos semióticos 
gerais em vez de suas especificidades linguísticas 
como a base para a nossa gramática. Como 
Ferdinand de Saussure havia feito no início do 
século passado, vemos a linguística como parte da 
semiótica, mas não vemos a linguística como a 
disciplina que pode fornecer um modelo pré-
fabricado para a descrição dos modos semióticos 
além da linguagem. (KRESS e VAN LEEUWEN, 
2006 [1996], p. 1)
1
 (tradução nossa). 
 
1
 It is the case that our starting point has been the systemic functional 
grammar of English developed by Michael Halliday, though we had and 
have attempted to use its general semiotic aspects rather than its specific 
19 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
Logo, com as revolucionárias transformações nos 
gêneros discursivos, provocadas pelas tecnologias e pela 
multimodalidade, as práticas discursivas multiplicaram-se e 
passaram a cooperar também para a feição reconfigurada desse 
novo discurso, que se apoiou em muitos aspectos na Sistêmica 
Funcional. Nesse sentido, vale ainda mencionar a incorporação 
aos estudos do discurso do conceito de gramática, capturado da 
Teoria Sistêmico-Funcional em substituição aos conceitos 
tradicionais. A esse respeito, assim se posiciona Halliday: 
A gramática vai além de regras de correção. É um 
meio de representar padrões de experiência... 
Possibilita aos seres humanos construírem uma 
imagem mental da realidade para dar sentido a sua 
experiência sobre o que está acontecendo ao seu 
redor e dentro deles (HALLIDAY, 1985, p. 101) 
2
 
(tradução nossa). 
Concordamos plenamente com Halliday, quando defende 
a gramática de uma língua como sendo mais do que regras de 
correção, devendo ser o meio de representar os padrões culturais 
de experiência, possibilitando ao sujeito do discurso retratar a 
realidade e, sobretudo, atribuir sentido às experiências que 
ocorrem ao seu derredor e também em seu interior. 
 
linguistically focused features as the grounding for our grammar. As 
Ferdinand de Saussure had done at the beginning of the last century, we 
see linguistics as a part of semiotics; but we do not see linguistic as the 
discipline that can furnish a ready-made model for the description of 
semiotic modes other than language (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006 
[1996], p. 1). 
2
 Grammar goes beyond formal rules of correctness. It is a means of 
representing patterns of experience… It enables human beings to build a 
mental picture of reality to make sense of their experience of what goes on 
around them and inside them (HALLIDAY, 1985 p. 101). 
20 Introdução à Multimodalidade 
De posse dessa posição teórica, agregamos ainda a 
proposta de Kress e van Leeuwen, a Teoria Multimodal do 
Discurso, cujo principal alicerce se fundamenta na gramática do 
design visual, apresentada na obra Reading images (KRESS e 
VAN LEEUWEN, 2006 [1996]). Desse modo, acreditamos que 
a Teoria Multimodal do Discurso é capaz de incorporar e de dar 
conta das mudanças na linguagem, provocadas pela globalização 
e pelas novas tecnologias, permitindo-nos tratar do discurso por 
essa perspectiva, conforme as palavras de seus mentores: 
O mesmo ocorre com a gramática do design visual. 
Como as estruturas linguísticas, as estruturas visuais 
apontam para interpretações particulares das formas de 
experiência de interação social. Até certo ponto, estas 
também podem ser expressas linguisticamente. Os 
significados pertencem à cultura, em vez de 
pertencerem a modos semióticos específicos. (KRESS 
e VAN LEEUWEN, 2006 [1996], p.2)
3
 (tradução 
nossa). 
Entendemos que os discursos nas diferentes línguas são 
constituídos em culturas particulares. Logo, só uma abrangente 
imersão cultural permitirá a leitura significativa desses discursos. 
Assim, quando Kress e van Leeuwen dizem que os significados 
pertencem à cultura e não a um modo semiótico específico, 
concordamos plenamente, pois, se no discurso verbal já acontece 
isso, quanto mais quando tratamos de significados construídos 
visualmente. Desse modo, só será possível realizar uma leitura 
produtiva em diferentes modos semióticos se conseguirmos, 
 
3
 The same is true for the grammar of visual design. Like linguistic 
structures, visual structures point to particular interpretations of experience 
forms of social interaction. To some degree these can also be expressed 
linguistically. Meanings belong to culture, rather than to especific semiotic 
modes (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006 [1996], p. 2). 
21 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
efetivamente, realizar uma leitura multimodal completa por meio 
de uma abordagem que contemple tanto a cultura local quanto a 
global. 
Desse ângulo, a Análise de Discurso Crítica, defendida 
principalmente por Fairclough (1992, 2003a, 2006), para quem a 
linguagem é resultado da prática social de um contexto 
globalizado, e pela Teoria Multimodal do Discurso de Kress e 
van Leeuwen (2006 [1996]) e de van Leeuwen (2005), que 
acreditam ser o significado da linguagem representado por outras 
semioses de cunho multimodal, recebemos as condições teóricas 
e práticas para lidar adequadamente com os textos multimodais 
da atualidade, fruto das mudanças provocadas pelas tecnologias 
e pela globalização. 
Para o exame do discurso em uma perspectiva semiótica, 
discutida inicialmente em Fairclough (1992, 2003a, 2003b) e em 
Chouliaraki e Fairclough (1999), encontramos a defesa de que o 
discurso é o reflexo contínuo de práticas sociais e discursivas, 
sujeito permanentemente às mudanças sociais, desempenhando o 
papel de agente duplo de mudança, porque, ao mesmo tempo em 
que é mudado pelo social, também age como agente modificador 
desse mesmo social e, além disso, o discurso estásimultaneamente sujeito às influências das múltiplas semioses, 
presentes nos demais discursos multimodais que nos circundam. 
Portanto, ao examinarmos o discurso por meio dessa vertente 
crítica, temos acesso aos princípios teóricos e às categorias que 
nos permitem analisar o discurso representado nesses múltiplos 
processos e também nas relações estabelecidas com outras redes 
discursivas. 
Desse modo, o conceito de prática discursiva introduzido 
por Fairclough (1992, 1995, 1996, 2006) permite-nos vincular a 
22 Introdução à Multimodalidade 
análise diretamente às formas de produção, de distribuição e de 
consumo de textos e, no caso da globalização e dos modernos 
produtos tecnológicos, podemos ligá-los às novas práticas 
discursivas, que culminam nos discursos multimodais (KRESS e 
VAN LEEUWEN, 2001, 2006 [1996]), cujos aspectos devem 
também, em última instância, ser considerados na Análise de 
Discurso Crítica. 
1.2 DISCURSO E GLOBALIZAÇÃO 
Para dar conta de discutir “Discurso e globalização”, 
temos de apreciar ainda a posição de Fairclough (2000, 2002, 
2006) com relação a discurso e à globalização. Para ele, discurso 
é um dos componentes da globalização, mais do que isso, 
considera-o como parte dela, pois Fairclough considera a 
globalização um processo discursivo extremamente objetivo para 
tratar do mundo real, o qual é descrito nas ciências sociais por 
meio de um discurso com retórica específica, altamente 
representativo da globalização, que costuma ser amplamente 
usado para legitimar as ações e as políticas dos poderes 
hegemônicos e, para isso, emprega argumentos carregados de 
ideologia que contribuem para marcar os limites do domínio e os 
contornos do mapa do poder, sustentados por práticas 
discursivas específicas, compartilhadas por membros das 
comunidades discursivas. 
Consideramos também que Fairclough (2006), ao trazer a 
globalização para o centro da discussão, defende a ideia de que o 
discurso representa a globalização porquanto contribui com 
informações para a sua melhor compreensão. Chama-nos 
atenção também para o fato de que o discurso pode, muitas 
vezes, ser enganoso e mascarar a globalização, o que pode 
confundir e criar errôneas impressões sobre ela. Ademais, a 
23 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
retórica do discurso empregada pela globalização pode construir 
uma visão que pode justificar e também legitimar ações 
particulares tanto de agências sociais como de seus agentes. 
Então, com o advento da globalização, cada vez mais se 
fortalece uma inovadora prática discursiva ─ a 
recontextualização do discurso ─, denominação atribuída por 
Fairclough (2006) ao processo discursivo pelo qual textos 
específicos incorporam outros textos ou agregam seletivamente 
práticas sociais, discursos, gêneros e estilos que com eles se 
relacionam por meio da (de)locação e da (re)locação. Com suas 
pesquisas, Fairclough (2006) concluiu que as mudanças nas 
práticas discursivas ocorrem principalmente por meio da 
recontextualização, que se expressa por intermédio de um 
hibridismo intertextual e interdiscursivo, presente em elementos 
recontextualizados que estabelecem novas articulações 
discursivas, às quais adjungem outros elementos de discursos já 
existentes. Esses, por sua vez, transformam-se em novos modos 
discursivos, agregados aos novos gêneros e estilos do discurso. 
Após esse recorte sobre discurso e globalização, 
retomamos novamente ao ponto de vista de Poster (1996), que 
defende que a linguagem, para se reconfigurar em quaisquer 
práticas discursivas, deve refletir as mudanças decorrentes dos 
usos dos media na comunicação, os quais contribuem para 
estabelecer, divulgar e reproduzir ideologias, capazes de 
sustentar ou de manter desigualdades e injustiças sociais, além 
de revelar as relações de poder presentes no discurso, aspecto 
também defendido por Fairclough (1989). 
Por esse motivo, enquanto Fairclough (2006) acredita que 
a recontextualização ou a delocação do discurso constitui a 
principal fonte de mudança da linguagem, Poster defende que a 
24 Introdução à Multimodalidade 
linguagem está sujeita à reconfiguração no momento que 
determinado evento discursivo é mediado por outro meio, como 
por exemplo, quando um discurso é proferido diante das câmeras 
da TV e depois esse mesmo discurso é colocado na internet ou 
publicado nos jornais do país, ou é caricaturado. A esses casos, 
Poster denomina reconfiguração, mudança a que o discurso está 
sujeito por trocar de mídia para ser distribuído (nessas situações, 
entram em ação outros gêneros discursivos, incluindo-se a 
participação da multimodalidade por meio de múltiplas 
semioses) e Fairclough, por seu turno, trata esse mesmo processo 
─ como delocação ou recontextualização do discurso. 
Decerto qualquer mudança dos media para difundir certo 
evento discursivo pode ser considerada um agente de 
reconfiguração da linguagem, segundo a perspectiva de Poster 
e, ao falarmos em globalização e em mudanças provocadas por 
esse discurso, entramos em sintonia com o proposto por 
Fairclough (2006), que nomeia esses mesmos processos como 
delocação ou recontextualização. Além dessas duas posições, 
vale mencionar o ponto de vista de Iedema (2003), que considera 
esses mesmos fatores de mudança da linguagem como uma 
ressemiotização do discurso, responsável, em última instância, 
pelas combinações híbridas dos textos contemporâneos. Esse 
conceito será examinado mais adiante na 5ª parte do presente 
volume. 
Logo, com as mudanças proporcionadas pela 
globalização, pelas mídias impressas e pela publicidade, 
juntamente com o advento das novas tecnologias para mediar a 
produção do discurso on-line, abriram-se novas possibilidades, 
como a variação e o tamanho dos tipos gráficos, os modernos 
programas para desenho, sem falar dos potentes computadores 
que revolucionaram a escrita não só nos meios eletrônicos, mas 
25 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
também na adesão às novas semioses para a produção do 
sentido. Todo esse sofisticado aparato tecnológico motivou a 
construção de arrojados designs gráficos, e de fotocomposições 
cada vez mais comuns nos e-books e nos fotolivros, que, com o 
elevado número de usuários, tornaram-se cada vez mais 
acessíveis às grandes massas. 
Por tudo isso, as novas tecnologias, associadas aos 
avanços da sociedade da informação, à sociedade em rede 
(CASTELLS, 2003) provocam mudanças aceleradas na 
recontextualização do discurso. E, embora muitos teóricos 
tratem dessas duas sociedades como apenas uma, Cardoso 
(2006) distingue a sociedade de informação da sociedade em 
rede. Vejamos: 
Sociedade de Informação e Sociedade em Rede são 
designações para realidades diferentes e mesmo a sua 
formulação trabalhada num contexto institucional e 
político com objetivos claros de mobilização 
estratégica das sociedades e cidadãos, procurando 
valorizar uma dimensão comum a diversas esferas da 
actividade social. Já a segunda tem por objectivo 
distinguir um modelo de organização social a partir da 
investigação e análise das nossas sociedades nas suas 
dimensões económicas, políticas e culturais 
(CARDOSO, 2006, p. 53). 
Concordamos com Cardoso quando declara que essas 
duas sociedades têm raízes diferentes, sendo a sociedade de 
informação um produto institucional e a sociedade em rede 
resultado de um modelo social de organização, mas para o 
propósito para o qual estamos trazendo estes conceitos, cabe 
reforçar que ambas as sociedades desempenham relevante papel 
para a realização dos novos desenhos do discurso 
contemporâneo. 
26 Introdução à Multimodalidade 
Em face disso, o desenvolvimento dessas duas sociedades 
ensejou saudável discussão sobre o modo como a sociedade se 
adequou às novas práticas de discurso, principalmente após o 
advento da World Wide Web (www), pois o rápido avanço das 
tecnologias passaram a ofereceraos sujeitos e às instituições 
acesso imediato, em tempo real, a páginas on-line, aos softwares 
e a toda sorte de dados, motivando transformações no modo de 
viver das sociedades, cujas práticas e gêneros discursivos 
tiveram de passar por profunda revisão para acompanhar os 
novos tempos. 
Portanto, com a globalização, a revolução tecnológica 
acelerou-se, fazendo com que o mundo globalizado 
reconfigurasse, recontextualizasse não só as relações sociais, 
como também as práticas discursivas que, agora, têm de ser 
capazes de estabelecer comunicação em diferentes mundos com 
diferentes sujeitos, agora organizados em redes, e muitos com 
uma espécie de second life (segunda vida) extremamente ativa 
em mundos digitais. Todas essas mudanças estabeleceram novas 
perspectivas discursivas que já estão em uso em diferentes 
instâncias da linguagem. 
Ademais, devemos mencionar as práticas discursivas 
alimentadas pela internet, considerada uma ferramenta 
contemporânea poderosa tanto para o trabalho, como para o lazer 
e para o estímulo às relações sociais, embora haja muitos críticos 
à internet que a consideram a responsável pelo enfraquecimento 
dos laços afetivos nos relacionamentos humanos, uma vez que 
sujeitos raramente constroem relações pessoais duradouras. 
Conforme Castells (2003, p. 108), os sujeitos ligam-se e 
desligam-se da rede, podendo mudar rapidamente de interesses, 
além de poder esconder ou omitir sua verdadeira identidade, 
todavia, mesmo com esse caráter efêmero da comunicação 
27 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
digital, Castells (2003) defende o ciberespaço como um espaço 
fortalecedor dos laços familiares a distância. Particularmente, 
chamamos a atenção para o fortalecimento dos laços familiares, 
que, graças às conversas virtuais, aos e-mails e às inúmeras 
possibilidades de falar gratuitamente via computador, membros 
de uma mesma família podem compartilhar alegrias e pesares de 
seu dia a dia em todos os espaços globais. 
Tem sido prática frequente famílias inteiras iniciarem-se 
nas práticas digitais e reformularem as suas práticas discursivas 
e, então, serem incluídas no mundo da informação e da 
tecnologia. Às novas práticas discursivas, portanto, deve-se 
imputar o fortalecimento das relações familiares, as quais 
gradativamente tornam-se mais comuns graças ao uso diário de 
ferramentas digitais, fazendo com que vasta gama de sujeitos 
iletrados digitalmente, agora, possam usá-las. Sendo, em 
consequência, grande fator de fortalecimento dos laços a 
distância quer pela prática do uso de e-mails, quer pelo uso das 
redes sociais, com “presença” marcante, apesar da separação 
geográfica. Também Castells (2003), ao analisar um dos efeitos 
da interatividade virtual, chama-nos a atenção para o surgimento 
de novos suportes tecnológicos voltados à sociabilidade, 
traduzido como comunidades virtuais, as quais Castells (2003) 
define como redes de laços interpessoais que proporcionam 
sociabilidade, apoio, informação, senso de integração e 
identidade social. 
Ao fim e ao cabo, todas essas vertiginosas mudanças, 
favoreceram a estabilização dessa linguagem híbrida, construída 
por combinação de palavras, de imagens, de cores, de sons e até 
de movimentos, tudo isso sob a batuta de uma nova geração de 
designers gráficos, cuja mobilidade e facilidade criadora para 
lidar com essas múltiplas semioses multiplicaram cada vez mais 
28 Introdução à Multimodalidade 
o uso dessa linguagem multimodal, que tende a se tornar 
dominante (KRESS eVAN LEEUWEN, 2006 [1996]). 
Esses novos fazedores de signos, ou melhor, esses 
agentes ativos da construção de significados, tornaram-se os 
novos responsáveis pelo sentido e, como bem declaram Halliday 
e Hasan (1989), um texto não é construído de palavras e de 
sentenças, mas de significados, pois se não fosse pelo abundante 
uso da escrita e da imagem, a fala estaria ainda restrita aos 
contextos interacionais face a face. Semelhante hibridismo ao 
que ocorre nas relações entre texto escrito e imagem 
encontramos na linguagem do cinema e da televisão e, 
consequentemente, podemos dizer que a linguagem hegemônica 
deste século não reside apenas no uso da imagem, nem apenas da 
palavra, mas na ocorrência de ambas, na sua hibridização, 
combinadas ainda com outras semioses, gerando textos 
multimodais, conforme passaremos a explicar mais adiante. 
Para a análise dessas mudanças, diante da 
impossibilidade de examinar toda a gama de tecnologias 
envolvidas na produção dos novos discursos, optamos por 
analisar um anúncio publicitário, cuja atenção se centrou 
principalmente no exame da reconfiguração da linguagem 
publicitária e midiática. Os resultados sinalizam para a 
necessidade de avançarmos na investigação da linguagem 
vinculada às inovadoras práticas sociais, à multimodalidade e 
aos aspectos da globalização, pois, ao darmos ênfase à 
linguagem verbal ao longo da tradição dos estudos linguísticos, 
as pesquisas concentraram-se apenas em dois modos de 
linguagem: a fala e a escrita. Então, essa visão reducionista para 
a linguagem retrata somente a percepção linguística e leva-nos a 
negar as múltiplas mudanças do discurso contemporâneo, que 
29 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
tende a uma visão muito mais semiótica, que passa a incorporar 
ao discurso outras semioses que não a fala e a escrita. 
No intuito de explicitarmos mais o que estamos 
defendendo, analisaremos uma peça publicitária na qual 
aplicaremos os princípios dessa proposta, tendo em vista que a 
ADC, ao lado da Teoria Multimodaldo Discurso, são os 
principais enfoques teóricos utilizados para esta análise, pois 
essas teorias oferecem categorias possíveis para analisar certos 
aspectos relacionados aos processos de produção, de distribuição 
e de consumo dos textos, resultantes da construção de uma rede 
complexa de significados sociais, responsáveis pelo significado 
dos discursos contemporâneos, organizados em cadeias de 
gêneros, cuja descrição aprofundada está em Fairclough (2003a, 
p. 31), que descreve como os diferentes gêneros se ligam com 
certa regularidade, ao mesmo tempo que envolvem 
transformações sistemáticas, formadoras de cadeias de gêneros 
que contribuem para as ações que excedem quaisquer diferenças 
provocadas pelo espaço e pelo tempo, pois assim ligam 
diferentes eventos e práticas sociais, em diferentes espaços 
geográficos e em diferentes tempos, sendo esse o traço essencial 
para definir a globalização contemporânea. 
De igual modo, Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 6,) 
propõem uma visão dialética do processo social, em que o 
discurso é um “momento”, entre discurso/linguagem; poder; 
relações sociais; práticas materiais; instituições/rituais e 
crenças/valores/desejos. Cada momento internaliza todos os 
outros ─ para que assim o discurso seja uma forma de poder, 
uma modalidade de formação de crenças/de valores/de desejos 
de uma instituição, de um modo social de relacionamento, uma 
prática material. Inversamente, o poder, as relações sociais, as 
práticas materiais, as instituições, as crenças etc. são, em parte, 
30 Introdução à Multimodalidade 
discurso. A heterogeneidade dentro de cada momento ─ 
incluindo o discurso ─ reflete a sua determinação simultânea 
(overdetermination) por parte de todos os outros momentos. 
Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 6,) a esse respeito declaram: 
Uma visão dialética do processo social em que o 
discurso é um “momento” entre seis: o 
discurso/linguagem, o poder, as relações sociais, 
práticas materiais, instituições/rituais e crenças/ 
valores/desejos. Cada momento internaliza todos os 
outros ─ assim o discurso é uma forma de poder, um 
modo de formação das crenças/valores/desejos, uma 
instituição, um modo de relacionamento social, uma 
matéria prática. Por outro lado, o poder, as relações 
sociais, as práticas materiais, instituições, crenças, 
etc., sãoparte do discurso. A heterogeneidade dentro 
de cada momento ─ incluindo o discurso ─ reflete sua 
determinação simultânea (“sobredeterminação”) por 
todos os outros momentos. (CHOULIARAKI e 
FAIRCLOUGH, 1999, p. 6)
4
 (tradução nossa). 
1.3 A CONSTRUÇÃO HÍBRIDA DO DISCURSO 
É comum o uso dessa linguagem híbrida no discurso 
publicitário, sendo usadas frequentemente obras de artistas 
famosos na construção de apelos publicitários. Neste estudo, em 
que desejamos visualizar o papel da globalização e das 
 
4 A dialectical view of the social process in which discourse is one 
‘moment’among six: discourse/language; power; social relations; material 
practices; institutions/rituals; and beliefs/values/desires. Each moment 
internalises all of the others – so that discourse is a form of power, a mode 
of formation of beliefs/values/desires, a institution, a mode of social 
relating, a material practice. Conversely, power, social relations, material 
practices, institutions, beliefs, etc. are in part discourse. The heterogeneity 
within each moment ─ including discourse ─ reflects its simultaneous 
determination (‘overdetermination’) by all of the other moments. 
(CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p. 6). 
31 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
tecnologias nas novas perspectivas multimodais para a 
linguagem, o foco não é o estudo do anúncio publicitário em si, 
mas as mudanças que ocorreram no âmbito da linguagem e do 
discurso, motivadas pela globalização, pelas tecnologias e pela 
multimodalidade. Então, é com este intuito que passamos a 
examinar o uso da Mona Lisa de Da Vinci em uma propaganda 
veiculada na internet. Queríamos inicialmente uma obra de arte 
famosa utilizada em anúncios e, ao buscarmos no Google, 
apareceram mais de vinte Mona Lisas, todas utilizadas na 
composição de significados discursivos de textos publicitários 
presentes em anúncios de dentifrícios, de xampus, até em 
anúncios de joias e de outros luxuosos adereços. Ainda que 
todos os exemplos fossem pertinentes para o propósito, 
examinaremos aqui, a título de ilustração, apenas um caso: A 
Mona Lisa americana. 
 
Figura 1: Mona Lisa americana 
Fonte: http://www.universohq.com/quadrinhos/images/b-mona.jpg 
http://www.universohq.com/quadrinhos/images/b-mona.jpg
32 Introdução à Multimodalidade 
Ao examinarmos as duas Mona Lisas: a do before e a do 
after uma semana nos Estados Unidos, percebemos uma nova 
sintaxe verbal, provocada pelo deslocamento da obra de arte de 
seu espaço local, o museu do Louvre de Paris, ao ser colocada 
lado a lado da Mona Lisa em versão americana, usada em espaço 
global. Esse fato estabelece forte contraste entre as duas Mona 
Lisas, pois a oposição entre os dois quadros acentua de modo 
marcante as diferenças entre ambas. Mas, o que nos chama 
atenção não é apenas o fato de a Mona Lisa italiana, hóspede do 
Louvre, ter se americanizado, tornando-se loira, mais branca, 
com avantajados silicones nos seios, mostrados com 
naturalidade. Também percebemos o preenchimento de seus 
lábios, o nariz mais afilado e o queixo modificado, produto de 
cirurgias plásticas, entretanto o que mais nos chama a atenção se 
liga aos ícones culturais e ideológicos, reveladores da cultura 
americana. Logo, qualquer texto visual pode se transformar em 
fenômeno semiótico complexo, com implicações ideológicas que 
não podem ser ignoradas, considerando-se que há a construção 
de várias camadas de sentido até a realização completa do 
significado. 
Identificamos nas imagens da Mona Lisa, na versão 
before, o cultivo da beleza e da arte da cultura italiana, 
representadas pela obra prima de Leonardo Da Vinci, usada para 
acelerar a venda de certos produtos ou ideias. No caso, a 
ideologia contemporânea, valoriza a beleza líquida, como diria 
Bauman (2003), ou a extrema importância dada ao corpo, nas 
palavras de Giddens (2000). A beleza líquida da mulher da 
modernidade tardia só permanece igual aqui e agora, pois 
amanhã pode estar diferente, o cabelo pode transformar-se em 
platinado, com luzes, alongado, entrelaçado, raspado; a face com 
novo contorno, com botox, implantes e pode até mesmo ter sido 
33 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
submetida a plásticas reparadoras e transformadoras, anunciadas 
agressivamente na mídia televisiva e impressa. A mulher de hoje 
vive uma vida para consumo (BAUMAN, 2009). 
Mas, o que mais nos chama a atenção é a maneira 
caricata como a mulher americana foi representada aqui, 
reveladora dos esteriótipos a que as diferentes culturas estão 
sujeitas. Conforme Dyer (1995), o papel dos esteriótipos é hoje 
comparável ao termo abuso, pois nunca é neutro. Para reforçar 
seu pensamento, Dyer reporta, em seu livro The matter of images 
(1995), ideias de Lippmann (1956, p. 96) das quais nos 
apropriamos neste momento para dizer que um padrão de 
estereótipo, além de não ser neutro, não é apenas uma forma de 
substituição da realidade, nem apenas um atalho. É tudo isso e 
algo mais. É a garantia da nossa autoestima, sendo a projeção 
sobre o mundo do nosso próprio sentido do nosso próprio valor, 
a nossa própria posição e os nossos próprios direitos. Considera 
Lippmann ainda que os estereótipos são altamente cobrados 
juntamente com os sentimentos que a eles estão ligados, pois 
eles são a fortaleza de nossa tradição, e atrás de suas defesas, 
podemos continuar seguros da posição que ocupamos. 
Na verdade, no caso da Mona Lisa americana, o modo 
como um grupo social, ou parte dele, é representado não revela 
exatamente a realidade em si mesma, mas apenas outras formas 
de representações entre tantas outras possibilidades. Dyer (1995, 
p. 3) assim textualmente se posiciona sobre a representação: 
Este território é difícil, eu aceito que um só apreende a 
realidade através de representações da realidade, 
através de textos, discursos, imagens, não há tal coisa 
como o acesso sem mediações com a realidade. Mas 
porque se pode ver a realidade apenas através de 
representações, não se segue que não se vê a realidade 
de todo ─ parcial seletiva, incompleta, de um ponto de 
34 Introdução à Multimodalidade 
vista ─ visão de algo que não é nenhuma visão do que 
por qualquer motivo (DYER, 1995, p. 3) 
5
 (tradução 
nossa) 
Dyer enfatisa que a apreensão da realidade é realizada 
somente por meio de outras representações da realidade, as quais 
podem estar representadas por um texto, um discurso ou uma 
imagem, tomando-se diferentes caminhos para capturar a 
realidade, diferentes atalhos para construir a representação dessa 
mesma realidade, mas essas outras representações não 
conseguem nunca representá-la de maneira completa, total, mas 
somente de um dado ponto de vista. Em face disso, nunca 
realizamos uma representação que já não tenha sido 
representada, daí porque os esteriótipos, além de frequentes, são 
também denunciadores da ideologia, das crenças e também dos 
preconceitos construídos por meio das representações, sempre 
realizadas com base em outras representações, o que faz com 
que a realidade seja falseada ideologicamente, como no caso dos 
esteriótipos. 
Chama-nos também a atenção a ideologia 
contemporânea, veiculada na mídia escrita e falada por meio de 
mega-anúncios de cirurgias plásticas e de outras modalidades de 
serviços estéticos com valores módicos a serem pagos em até 48 
meses. Efetivamente, o fato, ideologicamente, nos revela que 
não estamos passando apenas pela comodificação da linguagem, 
no sentido dado por Fairclough (1991) ou pela reconfiguração da 
 
5 his is difficult territory, I accept that one apprehends reality only through 
representations of reality, through texts, discourse, images; there is no 
such thing as unmediated access to reality. But because one can see reality 
only through representations, it does not follow that onedoes not see 
reality at all. Partial ─ selective, incomplete, from a point of view ─ vision 
of something is not no vision of it whatsoever (DYER, 1995, p. 3). 
35 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
linguagem, como defendem Vieira (2004) e Ormundo (2007), 
mas também pela comodificação da beleza, sendo a estética 
apenas mais um produto de venda às gerações contemporâneas 
tanto femininas quanto masculinas. 
De semelhante modo, o culto à nova estética é um dos 
marcos culturais e ideológicos de nossos tempos líquidos, como 
bem caracteriza Bauman em sua extensa obra. O mundo está 
cada vez menos sólido em seus valores, os quais se tornam mais 
líquidos a cada instante. Assim, a linguagem reconfigurada pela 
sociedade líquida, com valores voláteis e igualmente líquidos, 
constituem as grandes metáforas de nosso tempo. Bauman 
(2003, p. 69) sobre a fragilidade e a liquidez dos compromissos 
nos relacionamentos humanos assim declara: 
A líquida racionalidade moderna recomenda mantos 
leve e condena as caixas de aço. Nos compromissos 
duradouros, a líquida razão moderna vê opressão; na 
união permanente percebe uma dependência 
incapacitante. Esta razão nega direitos aos vínculos e 
liames, espaciais ou temporais… (BAUMAN, 2003, p. 
69) 
Afora a questão ideológica visível na análise da Mona 
Lisa americana, é relevante, para o nosso estudo das 
transformações da linguagem, focalizar a composição textual 
híbrida formada pelas duas imagens contrapostas para que 
possamos então realizar uma leitura mais profunda deste texto 
multimodal, reconfigurado. Desse modo, temos necessidade de 
conhecer a Teoria da Multimodalidade, para que a construção de 
significados dos anúncios atinja os seus objetivos: vender o 
produto. Com esse intuito, a obra Reading images: the grammar 
of visual design, de Kress e van Leeuwen (1996), com segunda 
edição revisada em 2006, estabelece uma gramática visual, que 
36 Introdução à Multimodalidade 
oferece categorias para a análise e a leitura de imagens. Essa 
obra permite que aprofundemos muito mais a leitura de textos 
multimodais, compostos com imagens e outros elementos 
multimodais. 
Desse modo, algumas categorias, como a informação 
nova, colocada à direita, e a velha, à esquerda; saliente e não 
saliente; acima e abaixo, estabelecem valores significativos no 
ato de leitura de imagens em uma perspectiva multimodal. 
Voltando ao anúncio da figura, a categoria trazida como nova 
aqui está diluída, pois como ambas estão justapostas, temos de 
nos guiar exatamente pela imagem que está colocada à direita, 
lugar da informação nova, lugar aqui ocupado pela Mona Lisa 
americana, que é trazida como o elemento novo. Este é o 
produto que o anúncio deseja vender: a beleza americana. Um 
tipo de mulher com traços esteriotipados ao feitio da mulher 
americana. Não é nosso intento aprofundar aqui a Teoria 
Multimodal do Discuso (TMD), que participa da construção do 
texto contemporâneo, multimodal por excelência, desenvolvido 
especialmente na década passada ao abrigo da Análise de 
Discurso Crítica (ADC) e da Linguística Sistêmico-Funcional- 
(LSF). Contudo, ressaltamos que os princípios da Teoria 
Multimodal do Discurso podem ser usados pelos alunos com o 
intuito de torná-los conscientes da enorme importância dessas 
novas práticas de produção do texto multimodal. 
Apesar da relevância das pesquisas voltadas para 
multimodalidade, tem havido um descompasso entre as teorias 
que envolvem esses sistemas semióticos e as que estudam como 
eles operam, pois tais estudos não têm se desenvolvido na 
velocidade que a área necessita. O motivo é que a maioria dos 
linguistas comumente só se interessa por textos verbais, 
entretanto o tipo de sociedade visual que estamos construindo e 
37 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
que vivemos, não apenas está mudando rapidamente, como 
também nos cobra um conhecimento mais consciente e 
determinado sobre essas mudanças, porque o visual, acredita 
Cardoso (2006, p. 117), tem ganho predominância sobre o 
textual, sendo que o único campo em que o texto aparentemente 
ainda predomina é a internet. Fora desse contexto, o que 
predomina é a retórica baseada na cultura visual, uma cultura 
assente na multiplicidade de recursos semióticos utilizados e na 
rapidez da conexão visual. 
E, embora o interesse pela semiótica não seja algo novo, 
haja vista a duradoura aplicação da semiótica peirceana à 
pesquisa em linguagem não verbal, só recentemente tem sido 
usada na aplicação e na sistematização das potencialidades 
descritivas da Linguística Sistêmica. As pesquisas mais 
significativas nessa perspectiva têm sido as investigações de 
Kress e van Leeuwen (2001, 2006 [1996]) entre outros. Os 
modelos de análise semiótica elaborada por eles têm sido usados 
com sucesso em contextos, como em estudos de museus e de 
galerias de arte. 
A boa notícia é que os interesses da Gramática 
Sistêmico-Funcional finalmente se expandiram para outras 
linguagens semióticas. Assim, temos hoje uma análise de 
produção de sentido que considera como essa simbiose 
materializa ideologias nas comunidades discursivas, encarando 
não só a linguagem verbal escrita, mas também as demais 
linguagens. Kress e van Leeuwen (2006 [1996]) discutem a 
função ideacional nas imagens e como os processos 
apresentacionais e transacionais e como os atores e as 
circunstâncias relevantes se realizam na função interpessoal em 
termos da “interpelação” por meio do olhar, do ângulo etc., e a 
função composicional em termos de enquadres, linhas paralelas, 
38 Introdução à Multimodalidade 
verticais, horizontais, diagonais, e assim por diante (para mais 
detalhes, ver Kress e van Leeuwen 2006 [1996]). No livro, 
Multimodal discourse, Kress e van Leeuwen (2001) expandem 
sua visão teórica para as seguintes áreas: design, produção e 
distribuição do discurso. Isso cobre a análise do discurso de 
como textos e imagens são planejados para cooperarem entre si, 
como os discursos são produzidos e como eles são colocados à 
disposição dos consumidores em diferentes contextos sociais e 
culturais. 
CONCLUSÕES 
Por fim, esta parte, que tratou da “Globalização e 
tecnologias: uma perspectiva multimodal da linguagem”, coloca 
em tela o surgimento, a existência de inúmeras práticas 
discursivas, fruto da globalização e das tecnologias digitais, as 
quais são fortemente representadas nos novos gêneros 
discursivos. A prova concreta de sua existência é a 
reconfiguração, ou a recontextualização do discurso, realizada 
por meio das práticas discursivas multimodais mediadas, tanto 
pelas mídias digitais quanto pelas impressas no espaço 
discursivo globalizado. 
À parte as mudanças globais, que exerceram marcante 
influência sobre a linguagem, pertencemos a uma sociedade da 
imagem; somos cidadãos multimodais a ponto de descansarmos 
quando vemos imagens em frente à TV. Somos fruto de uma 
sociedade digital, uma sociedade multimodal. Foi nesse 
favorável contexto que o discurso monomodal encontrou terreno 
fértil para se ressemiotizar e compor os atuais discursos 
multimodais. 
39 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
Por essas razões, as mudanças tecnológicas e midiáticas, 
que estão ocorrendo no mundo, não podem passar despercebidas. 
É relevante que, na qualidade de pesquisadores da linguagem, 
não ignoremos as impactantes mudanças pelas quais passa a 
linguagem. Ignorar essas mudanças é impossível. A sociedade 
necessita com urgência de instituições de ensino que não se 
coloquem à margem do mundo globalizado, necessitamos de 
outras alternativas de letramento, do letramento informacional e 
digital, que possam permitir o pleno exercício da cidadania, mas, 
para isso, devemos oferecer instrumentos que permitam o pleno 
domínio de todas essas tecnologias. Por pertinente, registro a 
opinião de Cardoso: 
(…) a cidadania na sociedade em rede depende 
também dodomínio dos intrumentos que nos 
permitem lidar com os medias como mais uma 
linguagem natural, e do desenvolvimento de uma 
literacia que vá para além de sua definição mais 
tradicional. (CARDOSO, 2006, p. 401) 
Por tudo isso, defendemos que o cidadão deve ser capaz 
de manejar bem as tecnologias, assim como deve saber lidar 
criticamente com os media, pois eles são o primeiro elo entre a 
vida real e o mundo representado e para que esse mesmo cidadão 
alcance o desejável nível crítico deve, como entende Giddens 
(2000), ser altamente reflexivo também no trato dos media, os 
quais desempenham papel extremamente relevante na vida 
moderna atual e no exercício da cidadania. Assim, por meio da 
reflexividade, os sujeitos do discurso têm de tomar decisões, de 
fazer escolhas, e para isso usam as sociedades em redes e as 
sociedades de informação para garantir apoio e suporte para essa 
crítica tomada de decisões. 
40 Introdução à Multimodalidade 
E, como consequência, não só o surgimento dos media e 
das tecnologias e das avançadas redes de informação moldam 
novas reconfigurações nas relações de poder da sociedade, mas 
também o próprio discurso reconfigura-se por meio da 
multimodalidade e pelas modernas formas de distribuição digital 
da linguagem, pois essas inovadoras práticas discursivas on-line 
e off-line têm contribuído para essa reconfiguração neste 
contexto globalizado, ao lado de um mundo colorido que deixou 
em segundo plano o preto e o branco para incorporar cores, 
imagens, sons e movimentos aos discursos multimodais. 
Ademais, o uso pela sociedade contemporânea de 
avançados instrumentos tecnológicos e informatizados fez mais 
pela linguagem do que acelerar a sua velocidade transformadora, 
marcou de modo irreversível os seus contornos, reconfigurando-
a, desenhando outros gêneros e diferentes padrões discursivos, 
dando-lhe nova feição e novas práticas. Por essa razão, o sujeito 
atual, um sujeito dividido, multifacetado, necessita de teorias da 
linguagem que o ensinem a lidar com as diferentes formas do 
discurso contemporâneo, para que, então, o sujeito dessa 
sociedade visual esteja habilitado para o pleno exercício 
discursivo crítico que os diferentes domínios da vida pública e 
privada exigem de todos nós, os legítimos agentes de mudanças 
sociais. 
 
 
 
 
 
 
MULTIMODALIDADE E 
EVENTOS DE LETRAMENTO 
2ª PARTE 
 
 
 
 
 
43 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
2. A MULTIMODALIDADE NOS EVENTOS DE 
LETRAMENTO 
 
Josenia Vieira 
 
 
 
No que concerne à multimodalidade e ao letramento, 
pretendemos discutir as novas perspectivas para os textos 
multimodais presentes nos eventos e nas práticas sociais de 
letramento nos diferentes discursos. Ressaltamos que a 
composição textual multimodal tem alimentado as práticas 
sociais, cuja riqueza de modos de representação utilizados 
incluem desde imagens, até cores, movimento, som e escrita, 
haja vista a existência frequente de eventos híbridos de 
letramentos, constituídos por composições com linguagem 
verbal, com linguagem visual e com linguagem corporal, marcas 
preponderantes do discurso contemporâneo. 
Ora, essa posição teórica abre possibilidades para a 
realização de estudos de letramento, direcionados a outros 
gêneros multimodais que contemplem diferentes modalidades 
discursivas que não as presentes na leitura e na escrita 
tradicional. O argumento forte em defesa desse ponto de vista é 
o de que ser iletrado em linguagem visual denuncia 
vulnerabilidade social e baixo empowerment do sujeito. 
Nesse intuito, usaremos como suporte teórico para a 
discussão a Teoria do Letramento (TL), defendida por Street 
(1995, 1996), além de Kress (1996) e da Teoria da 
Multimodalidade do Discurso (TMD) com a proposta de Kress e 
van Leeuwen (2001, 2006 [1996]) e de van Leeuwen (2005). 
44 Introdução à Multimodalidade 
Essa proposta se baseia em estudos das semioses sociais, que 
envolvem tanto as teorias linguísticas quanto as teorias sociais, 
em uma perspectiva transdisciplinar, para tratar do gênero 
multimodal como um processo decorrente de migrações 
midiáticas do discurso. 
A esse respeito, Kress, Leite-Garcia e van Leeuwen 
(2000) ponderam que, se os seres humanos produzem e 
comunicam significações em vários modos semióticos, então 
somente o uso da linguagem verbal se tornaria insuficiente para 
concentrar a atenção de quem está interessado na produção e na 
reprodução social de significados. Logo, se, em essência, os 
textos são multimodais, será impossível ler significados 
representados apenas por um modo linguístico. 
Desse modo, a Teoria do Letramento Visual, associada à 
Teoria Multimodal do Discurso, constitui relevante abordagem 
sociossemiótica das comunicações visuais e dos novos gêneros 
multimodais que poderão ser utilizados em diferentes espaços 
sociais, inclusive na sala de aula. 
A essa altura da discussão, caberia perguntar: qual o 
interesse da Teoria da Multimodalidade em desenvolver estudos 
sociais do uso da linguagem? A principal resposta da TMD é de 
que as investigações no campo da multimodalidade integram os 
estudos da Semiótica Social e da Teoria Crítica, sendo um de 
seus objetivos principais desenvolver o empowerment, o 
fortalecimento das pessoas comuns, pois, como defende van 
Leeuwen (2005), todos os sistemas semióticos são sistemas 
semióticos sociais. E, como tal, desempenham relevante papel na 
sociedade já que a descrição e os estudos derivados da Teoria 
Social contribuem para que o sujeito possa incorporar maior 
poder de discernimento a respeito do mundo multimodal, 
45 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
manifesto principalmente pelos gêneros multimodais, veiculados 
pelos meios midiáticos circundantes. 
Na sequência, examinaremos as categorias possíveis de 
serem utilizadas para proceder a uma análise multimodal, 
seguindo os passos estabelecidos por Kress e van Leeuwen 
(2006 [1996]). 
2.1 A ANÁLISE MULTIMODAL EM AÇÃO 
Para levar a efeito a análise multimodal, é necessário que 
tratemos dos modos semióticos, que descrevem como as 
semioses podem representar a verdade do mundo real; como as 
imagens constroem a realidade; como elas recortam o mundo e 
como intencionalmente podem omitir detalhes. 
Nesse sentido, só o gênero humano é capaz de criar 
mundos simbólicos, modificando-os por meio do discurso e, 
intencionalmente, por meio do uso de categorias estabelecidas 
pela gramática visual, conforme Kress e van Leeuwen (2006 
[1996]). Decerto a posição ocupada pela humanidade é de 
destaque em relação às demais espécies, pois só os seres 
humanos são capazes de modalizar um dado sentido, ou até 
mesmo de potencializá-lo. 
Assim, em contextos multimodais, as imagens 
transformam-se em referências diretas ou indiretas da realidade 
física e social, sendo necessária uma escolha seletiva, tendo em 
vista que as sociedades usam imagens como um modo de 
legitimar argumentos e fatos relatados e descritos, entretanto não 
podemos ignorar que as imagens usadas pelas diversas mídias 
contribuem com a identificação das formações ideológicas 
construídas nesses diferentes espaços midiáticos e também 
podem revelar a manipulação de ideologias que pode ocorrer na 
46 Introdução à Multimodalidade 
seleção das imagens mostradas e também naquelas que foram 
expurgadas ou ocultadas. 
Então, para a análise de discursos multimodais, 
carecemos iniciar pelo “modo”, que, na Teoria Multimodal do 
Discurso (KRESS e VAN LEEUWEN, 2001) constitui parte dos 
estudos focados na Linguística Funcional (HALLIDAY, 1994). 
A categoria “modo” identifica a participação dos atores nos 
processos discursivos. Assim, um enunciado como Maria 
comprou uma camisola constrói um sentido diferente daquele 
existente em Maria deve ter comprado uma camisola, que, por 
sua vez, será diferente de Maria deve comprar uma camisola. E, 
mesmo que os sujeitos ou atoresdo discurso sejam idênticos nos 
três enunciados, pois foi a Maria quem comprou a camisola, mas 
a relação de participação e de comprometimento entre anunciar o 
fato de que Maria, o agente, e o objeto, a camisola, é modalizada 
de modos diferentes. A essa maneira especial de enunciar o 
discurso é que Halliday trata como modalidade gramatical, cujo 
preenchimento categorial pode se dar pelo uso de recursos 
discursivos modalizadores, como os adjetivos e os verbos 
auxiliares. 
Em contrapartida, no discurso multimodal, quando há 
imagens, a modalização realiza-se pela combinação das cores 
entre si, pelos usos de tons claros e escuros, pela escolha de 
sombra e luz, ou ainda pelo uso de alto e baixo relevo, pela 
escolha do modelo de tipografia, de iconografia, ou modo de 
combinação, ou arranjo. 
Em face da discussão, cabe uma pergunta: como as 
imagens são distribuídas e combinadas para marcar a 
modalidade? Há alguma regra pré-estabelecida? É possível 
responder a essas e a outras questões com base nos estudos de 
47 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
Kress e van Leeuwen (2006 [1996]), que nos oferecem uma 
gramática do design visual, na qual descrevem critérios que 
podem nos ajudar a classificar taxionomicamente o que eles 
denominam de escalas, dividindo-as em escalas de detalhes, de 
plano de frente e de fundo, de dimensionalidade, de sombra e 
luz, de matizes, de intensidade de cores, de brilho, de cores puras 
ou híbridas, de quantidade de cores, de luminosidade e, por 
último, escala de elementos tipográficos. Passaremos, a seguir, a 
detalhar mais essas escalas. 
 
Figura 2: Revista Veja, edição de 6 de abril de 2005 
Fonte: http://freakshowbusiness.com 
48 Introdução à Multimodalidade 
A foto de capa da revista narra a morte de João Paulo II, 
mostrando-o com uma expressão de enorme sofrimento, em 
contraste com a grandeza da fé sugerida pelo título. Enquanto a 
fé é tratada como grande, a imagem do Papa de modo contrário, 
revela-o como extremamente humano em sua dor. A pergunta 
aqui é por que razão foi colocada esta imagem e não outra entre 
as centenas de fotos disponíveis do Papa em momentos mais 
voltados para a fé? Essas formações de sentido construídas por 
meio de outras semioses é que nos chamam a atenção e precisam 
ser mais estudadas, para entendermos os meandros dos textos 
multimodais. 
Assim, como a construção do sentido deve ser a resposta 
a ação de um princípio integrador do uso dos vários recursos 
semióticos, considerando que todos os recursos utilizados devem 
operar significados visando a um sentido maior, diante dessa 
capa, cuja escolha do retrato do papa foi tão negativa, cabe a 
pergunta: As incongruências na construção do sentido da capa 
foram inocentes ou deliberadas? Houve intencionalidade 
ideológica contrária à fé cristã? Sem entrar no mérito, essa capa 
é um exemplo do que é possível construir ou desconstruir em 
termos de sentido no discurso multimodal. 
2.2 ESCALA DE DETALHES 
Com relação à escala de detalhes, cabe a pergunta: há um 
número específico de semioses para a composição de textos 
multimodais? O produtor do texto deve se submeter ao uso de 
um certo número de detalhes ou pode usá-los livremente? Já 
quanto ao plano de frente e ao plano de fundo, a pergunta a ser 
feita é: estes dois planos estão combinados entre si para a 
produção do sentido ou não há articulação entre eles? Para 
investigar a escala de dimensionalidade, deve-se examinar se as 
49 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
imagens estão representadas em mais de uma dimensão. 
Quantas? Em duas ou em três? 
Por sua vez, na análise da escala de sombra e luz, 
devemos observar como são representados os contornos dos 
objetos quanto ao uso da sombra e da luz. A pergunta possível 
pode ser: a luz foca, destaca o quê? O ponto mais iluminado é 
efetivamente o mais relevante na informação a ser dada? Com 
referência à escala de matizes, o pesquisador multimodal deve se 
preocupar com o exame das gradações de cores presentes na 
composição da imagem, examinar se há muitas cores. Com 
relação ao exame da escala de intensidade das cores, devemos 
investigar se as cores utilizadas são opacas ou intensas, frias ou 
quentes. Os pesquisadores de composições multimodais deverão 
se concentrar em buscar o motivo, a razão de envolver 
determinada informação em cores frias e outras em cores 
extremamente quentes. Mas, principalmente devemos nos 
concentrar na análise das cores no que toca aos significados, às 
crenças representadas e às ideologias que tais cores podem 
agregar ao sentido do texto. 
No que concerne ao exame da escala de brilho no texto 
multimodal, devemos nos ater ao estudo do uso das cores com o 
propósito de identificar não só se há cores brilhantes ou foscas, 
mas também para perceber que tipo de informação merece o uso 
de uma cor brilhante ou fosca. No que tange ao estudo da escala 
de cores puras ou híbridas, devemos analisar se as cores usadas 
nos textos multimodais são puras ou se resultam de combinações 
cromáticas. Além disso, devemos identificar o propósito 
subjacente a essas escolhas. 
Quanto à análise da quantidade de cores, o que deve ser 
examinado centra-se no exame das cores: se elas são 
50 Introdução à Multimodalidade 
monocromáticas ou policromáticas? Por que motivo foram 
escolhidas estas cores e não outras? Para o estudo da escala de 
luminosidade, devemos observar como se apresentam os 
ambientes representados nos textos multimodais. Pendem para o 
claro ou para o escuro? Por fim, no exame da escala de 
tipografias, é o momento de analisar detalhadamente as fontes e 
os tamanhos dos elementos tipográficos utilizados na 
composição do texto. Por que certas informações estão em caixa 
alta e outras em baixa? Qual a razão para que algumas delas 
sejam veiculadas em fontes extremamente grandes e outras em 
fontes pequenas? Como os aspectos tipográficos ocupam lugar 
relevante nas composições multimodais, pretendemos 
aprofundá-los mais no item a seguir. 
2.3 A AÇÃO DOS ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS NA 
CONSTRUÇÃO DO SENTIDO 
Da mesma forma que Kress e van Leeuwen investigam as 
cores nas composições multimodais, a escolha tipográfica 
também pode ser estudada nesse tipo de composição segundo as 
funções da linguagem de Halliday (1994). A seleção do desenho, 
do tamanho e da cor das letras pode ser analisada com base nas 
funções ideacional, interpessoal e textual. Desse modo, o 
tamanho, o tipo e a cor das letras selecionadas para a 
composição do texto multimodal desempenham relevante papel 
na construção do sentido potencial do texto. 
Quanto ao estudo do papel dos elementos tipográficos no 
plano multimodal, vale ressaltar ainda que a tipografia agrega 
um componente diferencial. O sentido é visualizado no âmbito 
da lógica tipográfica principalmente pela mediação do uso das 
formas da letra, que estabelece, juntamente com a cultura, a 
possibilidade de leitura das formas linguísticas de um texto 
51 Josenia Vieira e Carminda Silvestre 
multimodal. Desse modo, o nome de um jornal ou de uma 
revista escrito em cores ou em preto e branco; em letras grandes 
ou pequenas, é identificado inicialmente pela perspectiva 
ideacional, trazendo sinais multimodais para que o leitor possa 
fazer uma leitura do significado a respeito da mídia referida. É 
moderna? É mais tradicional? 
Logo, o estudo das dimensões da letra, sob a ótica da 
função interpessoal, pode significar muitas coisas, entre elas, 
audácia para convencer o leitor sobre a verdade, sobre as 
injustiças. A bem da construção do sentido, o design das letras 
de um jornal, de uma revista ou de documento impresso revela 
demasiado sobre o significado potencial do texto que será lido. 
Por essas razões, os elementos tipográficos selecionados para a 
escrita de um texto exercem papel relevante na leitura do sentido 
final a ser construído pelo leitor. 
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