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Revista LOGOS, n. 16, 2008. AS ABORDAGENS PEDAGÓGICAS RENOVADORAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E A AUTONOMIA: algumas reflexões FERNANDES, Anoel Rede pública estadual LETPEF - UNESP, Rio Claro Mestrando em Educação, História, Política e Sociedade - Puc-SP. RESUMO O propósito desse estudo é realizar um levantamento bibliográfico sobre como os autores da Educação Física Escolar adeptos das abordagens Desenvolvimentista, Construtivista, Saúde Renovada, Sistêmica, Crítico- Superadora, Crítico-Emancipatória e a baseada nos PCNs tratam do tema da aquisição da autonomia durante a fase de escolarização básica, utilizando como recurso metodológico a revisão bibliográfica das obras mais importantes desses autores. Após a revisão proponho algumas reflexões em torno da aquisição da autonomia, sendo que os resultados nos apontam que independente da abordagem pedagógica aderida pelo professor, as vivencias autônomas devem estar presentes nas aulas. Palavras-chave: Educação Física; abordagens pedagógicas; autonomia. INTRODUÇÃO A Educação Física Escolar vem numa constante busca de romper com os modelos tradicionais que permearam esta área de estudo até meados dos anos de 1980. Darido (2003) destaca que é nesse momento que a Educação Física passa por um período de valorização dos conhecimentos produzidos pela ciência. A partir desse enfoque dado à Educação Física, enquanto ciência com corpo próprio de conhecimento, começam a surgir algumas abordagens pedagógicas da Educação Física Escolar. Conforme Darido (2003) todas essas abordagens tem algumas divergências, mas possuem um ponto em comum, todas estão em oposição à vertente tecnicista, esportivista e biologicista até então predominantes na Educação Física Escolar. Dentro dessas abordagens há vários discursos tentando justificar a importância da Educação Física na escola, outros se apoiando em áreas diversas como a Antropologia, a Psicologia, a Sociologia e também a Biologia. Embora com embasamentos teóricos diferentes, todas as abordagens apresentam significativas contribuições para a Educação Física Escolar. Outro ponto comum entre algumas abordagens é a referida busca pela autonomia dos alunos nas aulas de Educação Física, autonomia esta que não deve ficar somente nas aulas, mas sim formar o indivíduo que vai usufruir no seu tempo livre dos conteúdos aprendidos nas aulas de Educação Física para toda a vida. Essas abordagens pedagógicas possuem visões um tanto quanto diferentes com relação à aquisição da autonomia, sendo que esse trabalho não se aterá a 3 Revista LOGOS, n. 16, 2008. discutir quais dessas abordagens devem ser consideradas como ideais, e sim, considerar as vivências autônomas nas aulas como uma possibilidade de uma formação para a autonomia. OBJETIVO O objetivo desse estudo é realizar um levantamento bibliográfico sobre como os autores da Educação Física Escolar adeptos das abordagens Desenvolvimentista, Construtivista, Saúde Renovada, Sistêmica, Crítico- Superadora, Crítico-Emancipatória e a baseada nos PCNs tratam do tema da aquisição da autonomia durante e após a fase de escolarização básica, sendo que a escolha dessas abordagens se deu por serem as mais propositivas em seus textos a tratarem a questão da formação para a autonomia, e posteriormente propor algumas reflexões sobre Educação Física na escola e autonomia METODOLOGIA Conforme Marconi e Lakatos (2003), fez-se uso da técnica de pesquisa bibliográfica, utilizando as fontes bibliográficas do tipo de publicações, encontradas em livros, artigos, publicações avulsas, etc. Mais especificamente, como critério de escolha utilizou-se as obras de bases dos autores e, por conseguinte, seus trabalhos de desdobramentos das propostas. A AUTONOMIA E AS ABORDAGENS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR A Educação Física Escolar tem, atualmente, baseado suas perspectivas e propostas nas abordagens que surgiram visando uma mudança de concepção da área. Segundo Darido (2003), na busca de romper com os moldes tradicionais, surgem várias abordagens, algumas com enfoque mais Psicológico (Psicomotricista, Desenvolvimentista, Construtivista e Jogos Cooperativos), outras com enfoque mais sociológico e político (Crítico – superadora, Crítico – emancipatória, Cultural, Sistêmica, e baseada nos PCNs), e também biológico , como a da Saúde Renovada . Todos os autores que se desdobraram na difícil tarefa de apresentar novas propostas para a Educação Física Escolar desde meados dos anos 1980, estão sugerindo várias transformações de ordem didático-pedagógica. Porém, apesar de um número relevante de propostas, ainda é nítido a dificuldade de encontrar meios para que os discursos acadêmicos cheguem até a escola, e assim consigam atingir o centro da discussão que é o ensino e a formação do aluno. Na Educação Física Escolar, embora com enfoques bem diferenciados, cada um buscando a sua definição de acordo com a abordagem que defende, vários autores tem ressaltado a importância da busca pela autonomia durante e após os anos de escolarização nas diversas manifestações corporais. Sendo assim, explicitarei como alguns autores tratam do tema autonomia nas abordagens da Educação Física Escolar que são adeptos, destacando somente as abordagens que mais se propuseram a mencionar em seus textos a busca pela aquisição da autonomia. Abordagem Desenvolvimentista Tani et al. (1988) classificam que todo comportamento humano pertence a um dos três domínios: domínio cognitivo, domínio afetivo-social e domínio motor, 4 Revista LOGOS, n. 16, 2008. sendo que a maioria dos comportamentos existe a participação dos três domínios. Ao mencionar o posicionamento dessa abordagem na Educação Física Escolar, o autor nos afirma que: se a Educação Física pretende atender as reais necessidades e expectativas da criança, ela necessita, antes de mais nada, compreender as suas características em termos de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem, visto que a não observância destas características conduz frequentemente ao estabelecimento de objetivos, métodos e conteúdos de ensino inapropriados(TANI et al, 1988, p.135). Manoel (1994) sugere que para evitar os problemas de ordem motora, o patrimônio cultural da humanidade manifestado pelo esporte e a dança e outras habilidades, deve ser adaptado ao nível de desenvolvimento do aluno, sendo que o conhecimento da seqüência de desenvolvimento motor fornece subsídios essenciais para uma educação que vise à formação de um ser com autonomia e capacidade integrativa na sociedade. Tani (2005) ressalta que uma importante função da Educação Física Escolar é a transmissão aos alunos de conhecimentos relacionados à prática de atividade física quanto à sua função biológica, enfatizando que a possibilidade de praticar atividade física autonomamente facilita a adoção de um estilo de vida saudável. Abordagem da Saúde Renovada Guedes (1997) e Nahas (1992) dão enfoque da importância a uma Educação Física Escolar voltada para a saúde, relacionam a importância dos conhecimentos práticos e teóricos de atividade física, aptidão física e saúde, para o aluno entender os benefícios advindos da prática motora e utilizá-los por toda vida. Os defensores dessa abordagem enfatizam que no final de sua escolarização básica, os alunos deverão ser capazes de auto-avaliar todos os componentes da aptidão física relacionada à saúde, conhecer os testes que dão subsídios para verificarem sua condição física,interpretar os resultados e saber como usar estes testes no planejamento de um programa pessoal, tendo dessa forma autonomia para avaliação e preparação de seus próprios treinos. Abordagem Construtivista Freire (1989) afirma que a Educação Física na escola deve privilegiar o conhecimento que a criança já possui através do resgate da cultura infantil, valorizando as experiências dos alunos e sua cultura. O aluno constrói o seu conhecimento a partir da interação com o meio e através da resolução de problemas, onde o jogo tem papel privilegiado como conteúdo e estratégia de ensino. Freire e Scaglia (2003) entendem que é impossível estender a autonomia para todos os aspectos da conduta humana, admitindo que o fato de alguém ser inteligente em determinado contexto não garante que o mesmo aconteça em outros, mesmo assim acreditam que valha a pena investir na formação da autonomia, ainda que seja em um único contexto, é preciso que a educação das pessoas seja diversificada o suficiente para que elas possam ter entre si comportamentos autônomos, de modo que cheguem a uma idade madura com uma atitude geral de autonomia. Estes autores destacam, ainda, a relação entre autonomia e tomada de consciência e a necessidade de que essas atitudes possam se estender a outros contextos, pois a tarefa da educação não se 5 Revista LOGOS, n. 16, 2008. extingue no plano restrito da escola. Para isso, os professores têm de dominar conhecimentos de metodologia que permitirão a passagem de um contexto a outro. “A ponte entre a escola e outros ambientes, assim como entre os vários ambientes escolares, só pode ser feita por meio da tomada de consciência” (FREIRE e SCAGLIA, 2003, p.117). Ao discutir sobre a forma de ensinar e como o conhecimento deve ser apropriado pelo aluno, Freire (2005, p.5) “propõe uma forma de educar que produza conhecimentos que se incorporem à vida do aluno, abrindo-lhe possibilidade de ser livre, de decidir, de integrar aos jovens, recursos que os levem à condição madura de cidadãos autônomos”. Abordagem Sistêmica Conforme Betti (1991, p, 139) “o processo ensino-aprendizagem em Educação Física foi concebido como um modelo de polaridades composto de variáveis pedagógico-didáticas e sócio- psicológicas, que formam um contínuo definido por dois pólos”. Ao analisar o modelo de polaridades e suas variáveis, pode-se observar um pólo com influências dos antigos métodos da Educação Física (Método Francês 1930-1950; Método Desportivo Generalizado 1950 e Método Esportivo 1970-1986), dando ênfase ao conteúdo formal, estilo de ensino baseado no comando, a finalidade é o resultado, a competição, a resolução de conflitos se dá por meio de controle externo, as regras são rígidas e a vitória é o objetivo central. Obviamente esse discurso da Educação Física Escolar já deveria ter sido superado, pois não apresenta uma proposta com os objetivos educacionais que estamos buscando, contudo devemos nos perguntar: “Será que essa prática pedagógica ainda não está de alguma forma presente na Educação Física atual? Será que essa relação de ensino- aprendizagem desenvolve a autonomia dos alunos?”. Para responder essas questões recorrerei ao próprio Betti (1991), que propõe para a Educação Física Escolar uma relação de ensino-aprendizagem no pólo contrário desses métodos, onde as variáveis pedagógico-didáticas e sócio- psicológicas visam um modelo de personalidade que desenha um homem crítico, criativo e consciente, e os instrumentos disponíveis no processo ensino-aprendizagem para acionar tais propostas é a polarização em torno da ludicidade, controlo interno, não- formalidade, cooperação, flexibilidade de regras, solução de problemas e honestidade. Betti (1992) nos coloca que entre os objetivos da Educação Física na Educação Básica encontra-se “a formação do cidadão autônomo que vai usufruir partilhar, produzir, reproduzir e transformar as formas culturais de atividade física (o jogo, o esporte, a ginástica, a dança...)” (p.285). Abordagem Crítico - Superadora A abordagem crítico-superadora desenvolvida por um Coletivo de autores enfatiza que: os temas da cultura corporal (o jogo, o esporte, a ginástica e a dança), devem compor um programa de Educação Física, com os grandes problemas sócio- políticos atuais como: ecologia, papéis sexuais, saúde pública, relações sociais do trabalho, preconceito urbano, distribuição de renda, dívida externa e outros (SOARES et al.. 1992, p.102). Resende e Soares (1997) concordam com os elementos que devem compor a Educação Física e ressaltam que 6 Revista LOGOS, n. 16, 2008. cabe à escola socializar os indivíduos com o patrimônio científico e cultural produzido historicamente pela humanidade, de modo que os homens possam adquirir autonomia necessária para sua interação na sociedade. Ao enfatizarem as funções específicas da escola destacam que a escola norteada pelos pressupostos de uma educação crítico-superadora: deve selecionar os conteúdos clássicos necessários à formação do cidadão autônomo, crítico e participativo, para que este possa participar, intervir e comprometer-se com os rumos da sociedade possível, diante do momento histórico (RESENDE e SOARES, 1997, p.29). Quando os autores apresentam os objetivos gerais da Educação Física na Educação Básica, colocam que o ensino da Educação Física na perspectiva da cultura corporal tem como objetivo geral possibilitar aos alunos a vivência sistematizada dos conhecimentos da cultura corporal, balizado por uma postura crítica, no sentido da aquisição da autonomia. Abordagem Critico - Emancipatória A abordagem Crítico - Emancipatória enfatiza que o ensino nesta concepção deve: ser um ensino de libertação de falsas ilusões, de falsos interesses, e desejos que são construídos nos alunos a partir de conhecimentos colocados à disposição pelo contexto sociocultural onde vivem visão esta originária de um mundo regido pelo consumo, pelo melhor, mais bonito e correto. Assim o ensino deve confrontar-se pela libertação destas falsas visões de mundo, libertar-se da coerção imposta por parte do professor e do conteúdo que se ensina. Essa libertação no sistema escolar deve ser pelo esclarecimento e pelo desenvolvimento de competências como a auto- reflexão, que possibilita uma libertação livre da coerção (KUNZ, 1994, p.115-116). Kunz (1994) nos esclarece que o conteúdo principal do trabalho pedagógico da Educação Física Escolar é o Movimento Humano, devendo enquanto estratégia didática passar pelas categorias de trabalho, interação e linguagem. Quanto aos objetivos primordiais de ensino propõem o desenvolvimento de competências como a competência comunicativa, a competência social, e a competência objetiva. Na competência social desenvolve-se pela tematização das relações socioculturais do contexto em que vive, dos problemas e contradições dessas relações, os diferentes papéis que os indivíduos assumem numa sociedade, no esporte e como esses se estabelecem para atender diferentes expectativas sociais. Para a competência objetiva vale que o aluno precisa receber conhecimentos e informações, precisa treinar destrezas técnicas racionais e eficientes, precisa aprender certas estratégias para o agir prático de forma competente. Na competência comunicativa destaca que a linguagem verbal é apenas uma das formas de comunicação do ser humano, sendo que as crianças comunicam-se muito pelo seu se - movimentar, pela linguagem do movimento. Quando ressalta os conteúdos da Educação Física Escolar (KUNZ, 1994, p.101)afirma que “não se elimina o interesse do movimento que é específico do Esporte, da Aprendizagem motora, da Dança, ou das atividades lúdicas enquanto conteúdo específico da área, porém coloca- se o estabelecimento dos objetivos para desenvolver a competência de autonomia”. 7 Revista LOGOS, n. 16, 2008. Toda essa mudança proposta por Kunz está extremamente ligada à busca do cidadão autônomo, autonomia esta que deve ser enfatizada durante as aulas de Educação Física, através de situações de ensino onde as aulas não sejam uma mera reprodução do esporte de rendimento, e sim vivências que visem a problematização ao invés de um interesse técnico que visa exclusivamente o rendimento. Abordagens baseadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) no seu Documento de Introdução, o sentido da Autonomia se dá como: uma opção metodológica que considera a atuação do aluno na construção dos seus próprios conhecimentos valoriza suas experiências, seus conhecimentos prévios e a interação professor-aluno e aluno-aluno, buscando essencialmente a passagem progressiva de situações em que o aluno é dirigido por outrem a situações dirigidas pelo próprio aluno , salientando que a autonomia não é um estado psicológico geral que, uma vez atingido, esteja garantido para qualquer situação, podendo uma pessoa ter autonomia em determinados campos e outros não, sendo necessário então que a escola busque sua extensão aos diferentes campos de atuação. (BRASIL,1997,p.94 – 95). No documento, (BRASIL, 1998) destinado ao ensino de 5ª a 8ª séries, propõe-se uma visão da Cultura Corporal de Movimento baseada nas três dimensões dos conteúdos: conceituais, procedimentais e atitudinais. Essa classificação de conteúdos corresponde às seguintes questões: dimensão conceitual (o que se deve saber); dimensão procedimental (o que se deve saber fazer) e dimensão atitudinal (como se deve ser). Os conteúdos estão organizados em três blocos articulados, sendo assim divididos: um bloco com os Esportes, Jogos, lutas e ginásticas; outro com Atividades rítmicas e expressivas; e outro com os Conhecimentos sobre o corpo. Ao propor a busca pela Autonomia a proposta dos PCNs (BRASIL,1998), pauta-se na ampliação do olhar da escola sobre o objeto de ensino e aprendizagem da cultura corporal de movimento. Essa ampliação significa a possibilidade de construção pelo aluno, de seu próprio discurso conceitual, atitudinal e procedimental. Em vez da reprodução ou memorização de conhecimentos, a sua recriação pelo sujeito por meio da construção da autonomia para aprender. Quanto aos objetivos da Educação Física o documento, destaca que os alunos deverão conhecer os limites e possibilidades do próprio corpo de forma a poder controlar algumas de suas posturas e atividades corporais com autonomia e a valorizá-las como recurso para melhoria de sua aptidão física. A prática da Educação Física na escola poderá favorecer a autonomia dos alunos para monitorar as próprias atividades, regulando o esforço, traçando metas, conhecendo as potencialidades e limitações e sabendo distinguir situações de trabalho corporal que podem ser prejudiciais (BRASIL, 1997). Educação Física e Autonomia: algumas reflexões Todos os autores e documentos mencionados tentam explicar a sua linha de pensar e propor a Educação Física na escola, como também explicam a referida busca pela autonomia nas diversas manifestações corporais. 8 Revista LOGOS, n. 16, 2008. Embora cada um dos autores citados parta de pressupostos teóricos diferentes, discutam e enfatizem a busca pela autonomia de acordo com suas proposições um tanto quanto diferentes, vale refletir se as intenções da conquista da autonomia não estão ficando restritas às argumentações teóricas, pois nos parece claro, que embora tenha uma base teórica reformulada a Educação Física na escola ainda sofre algumas influências da escola tradicional. Resende (1995) ao mencionar a questão das influências nas novas tendências da Educação Física na escola afirma que: existe um grupo com intenções renovadoras relacionado ao movimento de críticas às tendências pedagógicas manifestadas no ensino da Educação Física Escolar, mas cabe ressaltar que essas tendências, fundamentalmente inspiradas na aptidão física e no desporto de alto rendimento, ainda são predominantes no contexto da prática profissional em questão (RESENDE,1995,p. 72). Embora já tenha passado mais de uma década dessa afirmação, não devemos despreza-la, pois essa prática pedagógica ainda está presente nos meios educacionais atualmente. Crum (1993), afirma que há duas ideologias na Educação Física estruturadas a fim de ganhar respeito e reconhecimento no mundo da educação, uma ideologia biologicista centrada na formação do corpo e outra a ideologia pedagogicista, que leva facilmente as aulas de educação Física com caráter de recreio supervisionado ou de entretenimento. Certamente essas duas ideologias reconhecidas por Crum (1993) não facilitarão a aquisição da autonomia, pois com formação atlética (via biologicista) e recreio supervisionado (via pedagogicista), não levará o aluno a um conhecimento real dos conteúdos de Educação Física, o que certamente dificultará que o aluno se torne praticante ou apreciador crítico das diferentes manifestações corporais. Entendendo que o objetivo da Educação Física na escola é inserir os alunos nas diversas manifestações da cultura corporal de movimento, formando o aluno que vai ter autonomia para usufruir o seu tempo de lazer em benefício da sua qualidade de vida, ser crítico quanto ao consumismo, dentre outros aspectos, temos claro que vale a pena investir na aquisição da autonomia durante os anos escolares. Isso nos leva a alguns questionamentos como: O que torna o aluno autônomo? Que situações didáticas e metodológicas podem auxiliar na aquisição da autonomia? Será que somente o acesso a diferentes práticas corporais torna o aluno autônomo? Todo o trato com o termo “aquisição da autonomia” se dá em torno do aluno que vai através de um processo de ensino e aprendizagem apropriar–se de um novo conhecimento que ainda não tinha, ou seja, a passagem de um estágio de observação ou reprodução para um estágio de produção e criatividade. Ao destacar sobre a passagem da heteronomia para a autonomia, Piaget (1975) afirma que: um indivíduo estará, por exemplo, no estágio da autonomia no que se refere á prática de determinado grupo de regras, permanecendo a consciência dessas regras ainda mais eivada de heteronomia, de mesma forma que a prática de outras regras mais refinadas: portanto, não poderíamos falar de estágios globais caracterizados pela autonomia ou pela heteronomia, mas apenas de fases de heteronomia 9 Revista LOGOS, n. 16, 2008. e de autonomia, definindo um processo que se repete a propósito de cada novo conjunto de regras ou de cada novo plano de consciência ou de reflexão (PIAGET,1975,p. 75). Boaventura (2007) nos esclarece que muitas vezes o professor reforça a heteronomia dos alunos, quando ele (professor) centra demasiadamente as decisões e menciona que o professor deve estar atento mediante atitudes autoritárias, procurando sempre educar visando às decisões e atitudes democráticas, dando ênfase à participação de todos, contribuindo assim para o desenvolvimento do cidadão pleno e autônomo. Freire (1996, p. 94), sabiamente nos diz que “o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdade, entrepais e filhos, é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia”. Percebe–se, portanto o papel do professor como mediador do conhecimento, em oferecer situações durante as aulas que venham estimular os alunos no processo de aquisição da autonomia, nas diferentes manifestações corporais que tenham sido trabalhadas nas suas aulas, no entanto, as relações de ensino e aprendizagem e as vivências autônomas oferecidas pelo professor podem ser de grande validade na conquista desta. Darido et al. (2005) ao mencionar algumas situações que podem favorecer a autonomia nos coloca que: a autonomia dos alunos pode ser estimulada quando o professor lhes oferece possibilidades de escolherem os times, definirem os agrupamentos, distribuí-los pelo espaço, participarem da construção e adequação de materiais, da elaboração e modificação de regras, enfim quando estimula o aluno a participar das discussões e reflexões em aula (DARIDO et al.2005,p. 40-41). Torna-se relevante, portanto refletir sobre a relação professor-aluno, pois as situações didático-pedagógicas utilizadas pelo professor, podem colocar o aluno como participante ativo ou mero coadjuvante nas aulas. As relações e situações pedagógicas proporcionadas em aula serão determinantes no tipo de alunos que iremos formar, ou seja, se o professor for o centralizador do saber e os alunos meros repetidores de movimentos, dificilmente esses alunos serão autônomos nas manifestações corporais aprendidas na escola. CONSIDERAÇÕES FINAIS Se a Educação Física tem suas funções na escola, parece que fica claro que uma das principais é tornar o aluno autônomo nas diversas manifestações corporais. Para que isso ocorra, as aulas não podem ser repetições mecânicas de movimentos, nem o professor como o centralizador do conhecimento, onde os alunos são reprodutores de seus ensinamentos. Nessas situações não há espaço para criação, não há situações- problemas, não há discordância, não existe o diálogo como forma de mediar conflitos, enfim só existem situações padrões a serem reproduzidas. Logicamente esse modelo de aula, não é o que favorecerá a conquista da autonomia para o individuo poder usufruir os conteúdos aprendidos nas aulas de Educação Física, por isso, as aulas devem promover vivências coletivas que estimulem o desenvolvimento autônomo dos alunos nas diversas manifestações corporais. 10 Revista LOGOS, n. 16, 2008. La Tayle (apud. PIAGET, 1992, p.62), afirma que “para favorecer a conquista da autonomia, a escola precisa respeitar e aproveitar as relações de cooperação que espontaneamente nascem das relações entre crianças”. Essas relações de cooperação, dificilmente terão lugar num ambiente de coerção e de transferência de conhecimento, no que Freire (2005) afirmou ser uma educação “bancária”, onde o educador deposita e transfere os conhecimentos e valores para os educandos. Ao posicionar-se sobre a relação professor-aluno e autonomia Freire (1996) destaca que a autonomia vai se constituindo de várias decisões que vão sendo tomadas, sendo que uma pedagogia para a autonomia deve estar centrada em experiências estimuladoras da decisão, e em experiências respeitosas de liberdade. As vivencias autônomas proporcionadas pelo professor, através de uma relação professor-aluno onde o aluno possa ser o centro do processo ensino-aprendizagem, que estimule o aluno a refletir sobre suas ações, que não aponte modelos prontos para serem reproduzidos, e sim, situações problemas a serem resolvidas, podem auxiliar os alunos no processo de aquisição da autonomia. Parece-nos claro que as vivências autônomas realizadas nas aulas, talvez não mostrem os resultados imediatos, e não tenha como mensurar esses resultados por não acompanharmos a vida das pessoas depois do período de escolarização, mas também nos parece bem claro que só se conquista autonomia se a oportunidade de exercê-la for estimulada, cabendo dessa forma ao professor proporcionar situações facilitadoras para a aquisição da autonomia durante o período de escolarização. As abordagens pedagógicas da Educação Física escolar possuem divergências na forma de abordar a questão da conquista da autonomia, no entanto, independente da abordagem que o professor seja adepto, as vivencias autônomas proporcionadas durante as aulas tornam-se de grande validade para a formação do aluno, sendo este o grande desafio da Educação Física Escolar: promover vivencias autônomas visando a formação de indivíduos autônomos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BETTI, M. 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