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Arte Popular, Folclore e Cultura Brasileira ARTES VISUAIS UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 2 Créditos e Copyright Vanessa Laurentina Maia Crb8 71/97 Bibliotecária UNIMES Este curso foi concebido e produzido pela UNIMES Virtual. Eventuais marcas aqui publicadas são pertencentes aos seus respectivos proprietários. A UNIMES Virtual terá o direito de utilizar qualquer material publicado neste curso oriundo da participação dos alunos, colaboradores, tutores e convidados, em qualquer forma de expressão, em qualquer meio, seja ou não para fins didáticos. É proibida a reprodução total ou parcial deste curso, em qualquer mídia ou formato. A663a ARAUJO, Betânia L. D. Arte Popular, Folclore e Cultura Brasileira. Betânia L. D. Araújo. Santos: Atualizado por: Pio de Sousa Santana, 2023. 43 fls. Universidade Metropolitana de Santos, Artes Visuais, 2006. 1. Ensino a distância. 2. Artes Visuais. 3. Cultura Popular Brasileira. CDD: 745.5 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 3 SUMÁRIO Aula 01_Compreendendo o sentido de cultura .............................................................. 4 Aula 02_Início da identidade cultural brasileira .............................................................. 7 Aula 03_ Gilberto Freyre e Darci Ribeiro ....................................................................... 9 Aula 04_Cultura popular e cultura de massa ............................................................... 11 Aula 05_ Folclore ou cultura popular? .......................................................................... 13 Aula 06_ O que a escola pode aprender com a arte popular? ...................................... 15 Aula 07_ Técnica ......................................................................................................... 17 Aula 08_Estética .......................................................................................................... 19 Aula 09_Os nossos artistas populares ......................................................................... 22 Aula 10_Sem passar pela academia: aprendendo a Arte na vida e na rua ................. 24 Aula 11_ Museu Casa do Pontal ................................................................................. 26 Aula 12_As experiências de vida e o lugar de onde se vê ........................................... 31 Aula 13_Cultura dominante, cultura escolar e multiculturalismo popular .............. 33 Aula 14_Propostas didáticas da relação entre cultura popular e escola ............... 35 Aula 15_O currículo oculto. As culturas negadas e silenciadas no currículo. ............ 39 Aula 16_ A cultura cultivada ........................................................................................ 41 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 4 Aula 01_Compreendendo o sentido de cultura Palavras-chave: Cultura; indústria cultural; identidade; cultura popular. Em nossa primeira aula, abordaremos o conceito de cultura, bem como a origem do termo sob a ótica de Alfredo Bosi. Cultura, para muitos, pode significar apenas que alguém possui um jeito educado, ou seja, tem bons modos. Para outros, pode estar ligado ao fato de alguém ser formado e possuir diploma. E, ainda, para outros pode estar relacionado ao sentido de ser rico ou, pelo menos, aparentar ser. De qualquer maneira, muitos não cogitam a hipótese de o significado estar ligado à classe trabalhadora. Todavia, para a Antropologia, o sentido de cultura é muito diferente de tudo o que foi citado, pois reside na capacidade de atribuir significados às relações entre seres humanos. Todas as palavras carregam uma importância cultural. Isso significa que, ao estudarmos a cultura do século XXI, visualizamos vários acontecimentos da humanidade e vamos construindo relações entre a História e as nossas vivências, pois somos a consequência da História da Humanidade. Como todas as palavras, cultura carrega uma história de origem e evolução. A compreensão da cultura é de fundamental importância para todos os professores e, especificamente, para os professores de Arte ou estudantes do curso. O alargamento da experiência de cultura poderá interferir em nossa postura com relação aos alunos. Compreender o conceito de cultura em toda a sua profundidade é reconhecer que cada pessoa, cada aluno, possui uma cultura que doe o reflexo de seu país, sua região, sua família, e, finalmente, sua maneira particular de se colocar no mundo. Conhecer a cultura do outro é saber como este humano pode preencher nossas possíveis lacunas. A nossa vivência não basta. É incompleta. Conhecemos muito sobre nós ao compreender o outro, e esse deve ser um ato muito importante para a escola. A imagem a seguir pertence ao artista Fotógrafo Marc Ferrez. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 5 Figura 1 – Manino Índio de Mato Grosso Fonte disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Indian_boy.jpg acesso em 13 abr. 2023 Descrição de Imagem: A imagem de Marc Ferrez, é uma fotografia que tem o título de Manino índio de Mato Grosso, Brasil, foi feita em 1880. É a figura de um garoto de aproximadamente 4 anos de idade, com o peitoral nu. Ele tem pele morena, cabelos lisos cortado com franja, na cabeça do menino contém um cocar dividido em duas partes, cada parte fixada um pouco acima das orelhas, no pescoço há um colar de sementes, que dá 5 voltas no pescoço e em cada braço, bem na altura dos ombros, contém enfeite, que é uma espécie de bracelete com penas de pássaro. O menino está olhando para nós com uma expressão séria no rosto. Voltando ao assunto de cultura, é muito comum que a cultura popular seja absorvida pela cultura erudita, assim como a cultura erudita pode ser absorvida pela cultura popular num ciclo incessante. Com isso, a indústria cultural absorve as criações cotidianas e elabora um produto a partir de representações, sem se preocupar com as significações. Tal produto terá vida por pouco tempo, pois logo perderá a representação, e, então, um novo produto será criado, vendido e consumido, ao contrário da cultura criada pela comunidade e que resiste ao tempo. Pensando inicialmente sobre o conceito de cultura, Bosi afirma que a linguagem recebe as marcas das relações entre os fenômenos: As palavras cultura, culto e colonização derivam do mesmo verbo latino colo, cujo particípio passado é cultus e o particípio futuro é culturus. Colo significou, na língua de Roma, eu moro, eu ocupo a terra, e, por extensão, eu trabalho, eu cultivo o campo. Um herdeiro antigo de colo é íncola, o habitante; outro é inquilinus, aquele que reside em terra alheia. [...] Não por acaso, sempre que se quer classificar os tipos de colonização, distinguem-se dois processos: o que se atém ao simples povoamento, e o que conduz à exploração do solo. Colo está em ambos: eu moro; eu cultivo. (Bosi, 1993, p. 11) UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 6 A citação acima se refere à importância de resgatar a arte própria do povo, a qual está sempre relacionada a uma tradição. Embora muitos discordem, a tradição impulsiona as transformações populares, sendo que todas as inovações ocupam um papel social. A cultura é, portanto, o produto de tudo o que foi cultuado. Assim como a terra, citada por Bosi, também são patrimônios culturais as atividades populares, os valores intelectuais e morais, as linguagens, enfim, todos os aspectos expressivos que refletem as características de determinados grupos sociais. Assim como a terra tantas vezes cultuada, a cultura é o que perdura e o que, de alguma maneira, está sempreCultura escolar; currículo; identidade; origem. Santomé nos diz que toda vez que fazemos uma intervenção escolar é para preparar os alunos para serem cidadãos ativos de uma sociedade solidária e democrática. A mudança deve apontar para a construção da cidadania. A elaboração do currículo escolar e da disciplina deve prever isso. De que maneira se pode contemplar a cultura brasileira e a cultura do aluno? Quem é ele? O que traz de sua origem? Quais são as histórias e fazeres ocultos de cada família? O currículo democrático prevê que o aluno tenha direito a falar e expressar as suas opiniões. Os alunos precisam tomar decisões sem medo de opinar, mesmo quando a sua opinião é diferente do professor. Existem muitas vozes ausentes na seleção da cultura escolar. Ao analisar as propostas curriculares das escolas, Santomé descobriu a ênfase em propostas das culturas hegemônicas. Fala-se muito em grupos minoritários. Sabemos que, em São Paulo, há muitos descendentes de migrantes e, mesmo assim, as suas culturas não são reconhecidas pelo currículo escolar. A luta pela identidade nacional deve apontar para a solidariedade, o respeito e a valorização das diferenças. Não dá para aceitar programas de governo que excluam a diversidade cultural, o qual coloca uma única cultura como suprema e superior. A criação de uma consciência de superioridade é a base de ideias e ações racistas. A cultura infantil também não é contemplada. As crianças precisam estudar a si próprias, mas também precisam se posicionar sob outras óticas temporais e geográficas a partir de estudos sobre: a infância pobre, a infância na guerra, crianças torturadas etc. O posicionamento diante de realidades distantes e variadas será uma prática muito significativa. É muito válido simular esse contato com o mundo, ainda que não seja factual, para que saibam se proteger e saber onde estão inseridos. É preciso fazer com que o aluno perceba, desde cedo, que não há conhecimento fragmentado. O exemplo das crianças em guerra pode ser discutido e trabalhado do ponto de vista histórico, geográfico, matemático (estatístico), biológico (orgânico / UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 40 impactos ambientais), psicológico, ético, social, econômico etc., ou seja, um único tema pode gerar um trabalho amplo e completo, o que resulta na ampliação do olhar do indivíduo, que, às vezes, é limitado. Tudo isso fará com que o aluno perceba as relações de sentido entre as disciplinas. O trabalho poderá ser feito por meio de várias linguagens como textos verbais e não verbais: desenhos, mapas, poemas, tirinhas, filmes, músicas ou engenhocas. Outra questão que precisa ser repensada é a inclusão, isto é, o privilégio de viver o diferente. A inclusão não é tolerância, porque não basta aceitar o outro já que não há outro jeito. Trata-se de uma ideia de que só é possível reconhecer-se quando se conhece o outro. Por mais que os professores apontem um posicionamento neutro, a sala de aula não mostra esta neutralidade, porque o professor faz escolhas e as escolhas são sempre políticas, passam por uma decisão pessoal, uma maneira de compreender o mundo, uma maneira política de agir. O professor pode silenciar acontecimentos históricos. A história dos dominantes pode se repetir e apagar a história dos grupos marginalizados e sem poder. Como olhar para o Brasil e enxergar as culturas camponesas e indígenas? Como criar relações solidárias no meio de fortalezas? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 41 Aula 16_ A cultura cultivada Palavras-chave: Cultura cultivada; arte popular; cultura escolar; cultura popular. Estudar Cultura Brasileira e Arte Popular é, antes de tudo, acreditar que os estudantes precisam aprender a desenvolver as suas poéticas pessoais e isso significa produzir o diferente. A prática de cópia de objetos culturais, bidimensionais ou tridimensionais, é considerar que os indivíduos não possuem cultura e que, portanto, precisam copiar o que outras pessoas foram capazes de produzir. Porém, os estudantes carecem de repertório. É muito comum dizermos que os estudantes não sabem produzir ou não lhe ocorrem imagens no cérebro que possam materializar. Então, surgem sempre as mesmas imagens de casinhas com o sol e algumas flores. A escola deve alimentar o repertório do estudante. Nada melhor do que aproximar, sempre que possível, os estudantes dos objetos culturais. Ao invés de copiar uma peça de Mestre Vitalino, modelando igualmente na argila, que tal ensinar o estudante a aprender a ver o seu entorno escolar e familiar, e, partindo desta observação, passar a produzir as suas próprias modelagens levando em conta a sua maneira tão especial de ver? A arte da criança é influenciada pela cultura. Segundo Iavelberg (1997) a criança tem autonomia para trabalhar artisticamente, porém o faz de “maneira cultivada”, olhando o seu entorno, e como as pessoas produzem. Quando conversamos sobre Cultura Popular e cultura escolar, refletimos sobre a relação entre mestre e aprendiz, que é própria da Cultura Popular, mas que na maioria das vezes não ocorre na escola. De fato, o mestre na Arte Popular conta com uma quantidade pequena de aprendizes. Muitas vezes, o encontro se dá entre um aprendiz e o seu mestre. Na escola, a grande quantidade de alunos atrapalha o acompanhamento mais individualizado. Freinet, educador francês, organizava a sua turma em grupos segundo a observação do conhecimento que se sabe por conta própria e do conhecimento que só se sabe com a ajuda do outro, que poderá ser o professor ou um amigo da turma. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 42 Acompanhar um grupo por aula, com a combinação da própria turma, poderá ajudar a r e t o m a r essa relação mestre e aprendiz dentro da escola. Vamos observar outra proposta para as oficinas do processo criador. Essas oficinas são diferentes do ateliê, onde as crianças produzem livremente sem acompanhamento. Na oficina do processo criador, o aluno é assistido e orientado: As oficinas de fazer pessoal cultivado, ou oficinas de percurso, não podem ser suprimidas das aulas de arte, pois os produtos das crianças teriam como ponto de partida apenas imagens produzidas por outros. Os alunos também querem e podem criar suas imagens a partir da experiência pessoal, vivência, aprendizagem, escolha temática, influência, relação com a natureza, escolha de linguagem, escolha técnica, motivação interna e/ou externa, cujo epicentro é o próprio sujeito criador – ou seja, trabalhos em que o próprio aluno se dispõe a realizar a tarefa. Tais observações didáticas de oficina de percurso coexistem com as orientações criadas com o objetivo de desenvolver a fruição significativa e o conhecimento sobre arte no âmbito prático e teórico. (Iavelberg, 2006, p. 62) Observa também que os estudantes devem fazer as suas escolhas, o que não ocorre na maioria das exposições: o professor é quem escolhe. O que poderia ser um processo criador, um trabalho de percurso pessoal, vira arte pedagógica. O desafio da escola é mostrar trabalhos que foram cultivados pelos alunos, com as suas escolhas de cores, formas, movimentos, isto é, um olhar bem pessoal sobre a realidade. Ao desenhar ou modelar em argila uma árvore da escola, de maneira que cada aluno pesquisador sente ou ande livremente para descobrir o ângulo que mais lhe interessar, acabaremos por ter uma produção totalmente diferenciada na qual cada aluno produziu um objeto cultivado por ele. O que a criança faz e como faz dependerá do local e momento histórico: as oportunidades de aprendizagem que recebe, as artes a que tem acesso, as suas ideias e a reflexão sobre o que produz. REFERÊNCIAS BOSI, Alfredo. Cultura brasileira e culturas brasileiras. Dialética da colonização.São Paulo: Companhia das letras, 1993. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pensar a prática. São Paulo, Edições Loyola, 1984. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 43 FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Global Editora e Distribuidora Ltda, 2016. GRIGNON, C. Cultura dominante, cultura escolar e multiculturalismo. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. IAVELBERG, R. O desenho cultivado da criança: práticas e formação de professores. Porto Alegre: Zouk, 2006. RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.relacionada à concretização dos anseios humanos. Espero que a aula de hoje tenha demonstrado um pouquinho de tudo o que nos espera ao longo do semestre. Procure pesquisar muito sobre a cultura diversificada do nosso país a fim de ampliar os olhares para toda a nossa extensão geográfica tão rica em termos de manifestação cultural. Sempre que possível, exponha suas opiniões por meio da tutoria. Tenho certeza de que suas contribuições enriquecerão, ainda mais, o processo do nosso curso. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 7 Aula 02_Início da identidade cultural brasileira Palavras-chave: Eurocentrismo; cultura brasileira; identidade; cultura popular. Caro aluno, nesta aula será apresentado às diversas concepções sobre cultura. Abordaremos ideias que foram construídas nestes últimos cem anos, dentro de um contexto histórico que legitimaram tais concepções. Ao longo da história sempre nos deparamos com ideias opostas entre si, como a cultura popular e a cultura erudita, a cultura nacional e a cultura estrangeira etc. A problemática de se abordar temas relacionados à cultura em geral e à brasileira, em particular, remete-nos ao encontro não de uma história da cultura brasileira (que, em função de sua extensão e complexidade, talvez seja impossível ser escrita), mas à história de um debate permanente sobre o próprio significado da expressão cultura brasileira. Diversas correntes do pensamento social brasileiro têm, ao longo do século XX, buscado definir quais seriam os traços formativos da cultura brasileira presentes na sociedade como um todo e refletidos nos indivíduos que, independentemente de seus traços, seriam portadores desta síntese nacional. Ausente no período colonial (1500-1822), pois não havia nação a se identificar que fosse portadora de uma cultura própria no período imperial (1822-1889). Dada a forte influência do eurocentrismo nos espaços acadêmicos e artísticos, foi no período republicano (1889 em diante) que uma reflexão aprofundada sobre o conceito de cultura brasileira se colocou para grupos e intelectuais brasileiros que, sob diferentes matizes ideológicos e políticas, lançaram-se ao desafio de qualificar um modelo para a cultura brasileira. Considera-se extremamente importante que um educador com formação nas ciências humanas tenha acesso a esse itinerário histórico que aborda, de forma sintética, os principais momentos e pensadores que buscaram “pensar o Brasil e sua cultura”. Dessa maneira, poderemos visualizar as questões que ainda permanecem atuais, pois refletem uma complexidade que não se dissolve com o tempo, mas traz à tona novas perspectivas e olhares. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 8 Era muito comum nos manuais didáticos de décadas passadas aparecer a “célebre” definição que atribuía a origem da sociedade brasileira ao conjunto das três raças originais: branca (portuguesa), negra (africana) e amarela (indígena). O povo brasileiro seria então a junção harmoniosa destes três elementos. Nos mesmos manuais eram ressalvadas as misturas decorrentes do contato racial: o mulato surgiu do contato entre o branco e o negro; do branco com o indígena surgiu o mameluco; do contato entre o negro e o indígena surgiu o cafuzo ou caboclo. E assim aprendíamos que a sociedade brasileira se formou a partir desta miscigenação generosa, que acomodou todas as diferenças, o que resultou numa cultura híbrida, harmônica, e procurou comportar os traços positivos adequados à “brasilidade” e à “democracia racial” Em sua obra Casa Grande e Senzala (1933), Gilberto Freire buscou enfocar a formação da subjetividade dominante na sociedade colonial brasileira e os seus desdobramentos, e concentrou sua pesquisa no exame das relações interpessoais estabelecidas sob a tutela do sistema senhorial escravagista. Para Freire, a sociedade brasileira originou de um transplante da sociedade portuguesa no novo mundo, mas foi resultado das particularidades que marcaram a colonização lusitana na América, onde o sincretismo cultural e a miscigenação racial foram marcos resultante da forma de dominação portuguesa. Sobre as bases da embrutecedora violência escravocrata forjaram-se, igualmente, uma subjetividade e sensibilidade própria que, fundindo elementos da cultura indígena e africana aos da cultura portuguesa dominante formaram-se as bases de uma cultura e identidade nacional que sobreviveu à própria ordem escravocrata e foi enriquecida pela levas de imigração subsequentes. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 9 Aula 03_ Gilberto Freyre e Darci Ribeiro Palavras-chave: Cultura; evolucionismo; identidade; raça. Nesta aula, entraremos em contato com alguns teóricos que muito ajudaram a construir algumas definições importantes quanto aos aspectos sociais. A Casa Grande significava para Gilberto Freyre uma totalidade social: A casa grande, completada pela senzala, representa todo um sistema econômico, social e político: de produção (a monocultura latifundiária); de trabalho (a escravidão); de transporte (o carro de boi, obangue, a rede, o cavalo); de religião (o catolicismo de família, com capelão subordinado ao pater famílias, culto dos mortos etc); de vida sexual e de família (o patriarcaismo polígamo); de higiene do corpo e da casa (o tigre, a touceira de bananeira, o banho de rio, o banho de gamela, o banho de assento, o lavapés); de política (o compadrismo). Foi ainda fortaleza, banco, cemitério, hospedaria, escola, santa casa de misericórdia amparando os velhos e as viúvas e recolhendo órfãos (Freyre, 2016, p. 23). Devemos contextualizar o pensamento freiriano na década de 1930 em meio a teorias racistas que acusavam a miscigenação como fator de degeneração cultural dos povos e nações. Gilberto Freyre se colocou contrário ao evolucionismo e à ênfase dos fatores étnicos e da influência do meio, além de ter negado a degeneração supostamente provocada pelo cruzamento racial ou pela ideia de que a pobreza resultaria da inferioridade biológica dos desfavorecidos. Freyre valorizou a cultura brasileira e suas manifestações populares e ressaltou seus aspectos sincréticos criticando os preconceitos sobre a inferioridade dos negros, índios e mestiços. Defensor de uma concepção evolucionista e culturalista, Gilberto Freyre celebrava o cruzamento de raças e culturas e destacava as contribuições dos negros e árabes para a cultura brasileira, subvertendo a hierarquia racial e desafiando a pretensa superioridade dos brancos. Contrapondo-se às concepções românticas da formação social e cultural brasileira, Darci Ribeiro afirmou que a uniformidade cultural e unidade nacional não devem nos cegar para as disparidades, contradições e antagonismos que subsistem embaixo delas como fatores dinâmicos da maior importância. Destacou que: UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 10 essa unidade resultou de um processo continuado e violento de unificação política, logrado mediante um esforço deliberado de supressão de toda identidade étnica discrepante e de repressão e opressão de toda tendência virtualmente separatista (Ribeiro, 1999, p. 23). Para identificar aspectos relacionados à classe e raça na constituição do povo brasileiro vale destacar a análise feita a respeito do mulato, tido por ele como o mais brasileiro dos componentes de nosso povo: O mulato, participando biológica e socialmente do mundo branco, pôde acercar-se melhor de sua cultura erudita e nos deu algumas das figuras mais dignas e cultas que tivemos nas letras, nas artes e na política. Entre eles, o artista Aleijadinho, o escritor Machado de Assis, o jurista Rui Barbosa, o compositor José Maurício, o poeta Cruz e Souza, o tribuno Luís Gama; como políticos,os irmãos Mangabeira e Nelson Carneiro; como intelectuais, Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos. Teve, também, por sua vivacidade e pela extraordinária beleza de muitos deles resultantes do vigor híbrido, maiores chances de ascensão social, ainda que só progredisse na medida em que negava sua negritude. Posto entre os dois mundos conflitantes – o do negro, que ele rechaça, e o do branco, que o rejeita – o mulato se humaniza no drama de ser dois, que é o de ser ninguém (Ribeiro, 1999, p. 223). Para Sérgio Buarque de Holanda, nossas características herdadas dos iberos, a sobranceria hispânica, o desleixo e a plasticidade lusitanos, bem como o espírito aventureiro e o apreço à lealdade de uns e outros e ainda seu gosto maior pelo ócio do que pelo negócio. Da mistura de todos esses ingredientes resultaria certa frouxidão e anarquismo, a falta de coesão, a desordem, a indisciplina e a indolência. Mas derivariam delas, também, certo pendor para o mandonismo, para o autoritarismo e para a tirania. Darci Ribeiro procurou destacar: Nós, brasileiros, somos um povo em ser impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos oriundos da mestiçagem viveu por séculos sem consciência de si, afundada na ninguendade. Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico- nacional de brasileiros. Um povo até hoje em ser na dura busca de seu destino. Olhando-os, ouvindo-os, é fácil perceber que são, de fato, uma nova romanidade, uma romanidade tardia, mas melhor, porque foi lavada em sangue índio e sangue negro. (Ribeiro, 1999, p. 453). Vale uma reflexão: Nos últimos cem anos, pesquisadores como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Darci Ribeiro desenvolveram modos diferentes de entender a cultura brasileira. Quais seriam as convergências entre esses autores? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 11 Aula 04_Cultura popular e cultura de massa Palavras-chave: Cultura; indústria cultural; identidade; cultura de massa. [...] o alimento, o vestuário, a relação homem-mulher, a habitação, os hábitos de limpeza, as práticas de cura, as relações de parentesco, a divisão das tarefas durante a jornada e, simultaneamente, as crenças, os cantos, as danças, os jogos, a caça, a pesca, o fumo, a bebida, os provérbios, os modos de cumprimentar, as palavras tabus, os eufemismos, o modo de olhar, o modo de sentar, o modo de andar, o modo de visitar e ser visitado, as romarias, as promessas, as festas de padroeiro, o modo de criar galinha e porco, os modos de plantar feijão, milho e mandioca, o conhecimento do tempo, o modo de rir e de chorar, de agredir e de consolar (Bosi, 1993, p. 53). Veja que os modos, como diz Bosi, participam de uma forma de viver e um jeito de ser. Contrariamente, os jovens envolvidos pelo desejo do consumo repetem a padronização da televisão, acreditando que isso bastaria para ser feliz. O fast food, a calça de marca do momento, o “ficar”, a dupla jornada da mulher e, simultaneamente, a crença na Moda Emo, o Axé Music, o Funk, o cigarro de marca, as novas gírias que evitam frases mais completas, o modo de ir ao shopping, a maneira de abrir um pacote de salgadinho e mascar o chiclete, o desconhecimento do tempo, o modo de agredir, as cores de roupa proibidas são paralelamente a cultura popular, ou seja, ações da cultura de massa produzidas pela indústria cultural. A cultura de massa tem sido uma resposta às tendências culturais que emergiram com o surgimento das tecnologias. Antes das tecnologias, a sociedade convivia com a cultura popular que se opunha à erudita, mas a chegada do rádio, por exemplo, possibilitou a interação das diversas identidades culturais. O produto da cultura de massa se deu em função de questões econômicas favoráveis aos produtores e ao público diverso. Logo, os investimentos passaram a ser maciços, o que elevou os índices de difusão dentro e fora do país. A crítica cumpre o seu papel de tentar chamar a atenção para produções em que o fazer artístico seja original, inovador e criativo. No entanto, a mídia é a grande representante da cultura de massa, uma vez que veicula valores compartilhados pelo grande público, e atinge os mais variados meios sociais, geopolíticos e econômicos. Nesta aula, conheceremos o ponto de vista de Bosi, o qual afirma que a cultura popular implica em diferentes modos de viver: UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 12 A cultura de massa entra na casa do caboclo e do trabalhador da periferia, ocupando- lhe as horas de lazer em que poderia desenvolver alguma forma criativa de autoexpressão: eis o seu primeiro tento. Em outro plano, a cultura de massa aproveita- se dos aspectos diferenciados da vida popular e os explora sob a categoria de reportagem popularesca e de turismo. O vampirismo é assim duplo e crescente: destrói- se por dentro o tempo próprio da cultura popular e exibe-se para consumo do telespectador, o que restou desse tempo, no artesanato, nas festas, nos ritos. Poderíamos, aqui, configurar com mais clareza uma relação de aparelhos econômicos industriais e comerciais que exploram, e a cultura popular, que é explorada. Não se pode, de resto, fugir à luta fundamental: é o capital à procura de matéria-prima e de mão de obra para manipular, elaborar e vender. A macumba na televisão, a escola de samba no Carnaval estipendiado para o turista, são exemplos de conhecimento geral (Bosi, 1993, p. 65). Diante de tudo o que foi colocado, percebe-se que a exploração do público em massa está muito ligada às questões da lucratividade, ou seja, a cultura passa a ter um objetivo muito mais comercial do que artístico. A maioria da população dedica seu tempo livre a um entretenimento produzido pela chamada indústria da cultura, ou seja, a um pseudo lazer, pois o público visa consumir os lançamentos da mídia que, muitas vezes, é só um produto a ser explorado de maneira comercial para, depois, cair em esquecimento. Um bom exemplo de tudo isso é o fato de que a maioria do público elege determinado artista pelos meios de comunicação, como a televisão ou o rádio, mas não se dirige a um teatro para vivenciar o fazer artístico, e isso ocorre em vários outros setores, inclusive esportivos. Há uma certa passividade em tudo isso. As pessoas têm modificado seu comportamento em função das influências da cultura de massa. Hábitos familiares e valores estão ficando submersos. O lazer que se obtém mediante os meios de comunicação é algo solitário, unilateral, embora as tecnologias se esforcem para promover interação virtual. No Brasil, a homogeneização da cultura de massa apresentou um processo mais lento em função das grandes disparidades sociais. Procure pensar a respeito de todas essas questões. O mundo em que vivemos agrega diversas inovações, mas é importante manter vivo o percurso histórico das culturas de um modo geral. Depois de apresentar a cultura, Bosi nos conta como a cultura de massa entra, inclusive, na casa do caboclo: UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 13 Aula 05_ Folclore ou cultura popular? Palavras-chave: Cultura; folclore; identidade; cultura popular. Estudaremos cultura popular e folclore em duas aulas, porque seu universo é bastante amplo. Há autores que utilizam apenas o termo cultura popular, mas há outros autores que utilizam o termo folclore. Este material compreende que as atribuições que se fazem ao folclore são da natureza da cultura popular. Portanto, apesar das diferenças conceituais entre os autores, tomaremos para nós, mais adiante, apenas o termo cultura popular, pois a palavra folclore carrega sentidos pejorativos. Muitas vezes, o termo folclore étido como uma manifestação culturalmente inferior ou pitoresca. O termo, inclusive, passou a ser utilizado em frases feitas como “isso é apenas folclore!”, utilizadas quando não há certeza do que as pessoas falam: Você se recorda da primeira vez em que ouviu a palavra folclore e para que ela foi usada? O termo soa muitas vezes como mera, fantasia, algo irreal, imaginário. O folclore, na escola, resume-se, muitas vezes, a pintar o saci-pererê ou decorar as figuras lendárias da mitologia brasileira que nada significam para os estudantes, os quais não estabelecem relações entre as personagens e as propostas de atividades de desenho e pintura. A palavra vem do neologismo inglês folk-lore (saber do povo). Há quem diga que cultura popular não é folclore. Para Cavalcanti (TVE Brasil), não é importante saber o que é e o que não é folclore. O mais importante é saber que folclore é um campo de estudos. Estudiosos pesquisaram, ao seu tempo, elementos da cultura de maneira diferente, inicialmente os “causos” e a oralidade, depois as músicas e, mais tarde, os “folguedos”. Segundo Câmara Cascudo, em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, o folclore envolve técnicas e processos utilitários valorizados pela emoção além da razão. As novas experiências seriam incorporadas pelo coletivo, e, por mais que pareça que um grupo sempre atue e pense de uma determinada maneira, tudo é renovação. O autor sugere que o folclore atribui aos artefatos e fórmulas populares uma quarta dimensão. Desta feita, não só conserva, depende e mantém os padrões, mas remodela. A UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 14 cultura na descoberta do novo, abandona o que não interessa, abandona o que se esvaziou de motivo. Finalmente, considera que o folclore estuda a solução popular na vida em sociedade, e cada grupo humano construirá um folclore distinto de outras organizações. Para Brandão (1984, pp. 20,21), as festas, os “causos”, os mitos, as rezas, as bonecas de pano e narrativas antigas são o folclore cuja marca é que ninguém sabe quem é o autor. O termo é polêmico. Segundo Brandão, há aqueles que consideram que a cultura e o folclore são sinônimos, mas para outros não existe folclore, existe apenas cultura popular. Observe que Câmara Cascudo define folclore como a cultura popular tornada normativa (1960, p. 24). Complementa ainda que, quanto à grafia, a palavra folclore, com letra minúscula, significa modos de saber de um povo e Folclore, com letra maiúscula, significa o saber erudito que estuda o saber popular. Para Gramsci, o folclore é muito especial: Para ele e para todos os seus seguidores, o folclore é uma cultura de classe. Por oposição à Filosofia, que é o modo de saber das classes dirigentes, Gramsci considera o senso comum como o modo de saber das classes subalternas no interior de uma sociedade desigual. A diferença entre um modo de saber, de compreender, explicar o mundo, e a própria ordem social não é apenas quantitativa. Não é uma questão de escala. A diferença é qualitativa (Gramsci apud Brandão, 1984, p. 101). Para o italiano Gramsci, a ideia de folclore agrega novos sentidos. Ele percebeu que o folclore seria o modo de pensar dos trabalhadores em oposição à Filosofia, conhecimento acadêmico dos dominantes. Para este autor, a maneira de pensar do trabalhador, ao que intitula senso comum, diferencia-se da ordem social imposta pelos dirigentes em qualidade e não quantidade. O folclore seria, então, a maneira de se opor à própria morte nesse caos em que vivemos. É uma cultura de classe que se opõe à cultura oficial. A palavra folclore assumiu compreensões muito distintas, ora como curiosidade, ora como algo a não ser levado a sério. Para os autores Brandão e Gramsci, folclore é sinônimo de cultura popular e é a única forma que os trabalhadores têm para se opor à opressão dos dominantes: criando as rodas de conversas e mantendo vivas as suas histórias, isto é, a cultura como experiência de solidariedade e identidade. Vale uma reflexão: Como as escolas em que você estudou trataram o folclore? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 15 Aula 06_ O que a escola pode aprender com a arte popular? Palavras-chave: Cultura; escola; identidade; arte popular. Com esta aula, damos início à segunda unidade. Procure desenvolver o hábito da pesquisa para enriquecer ainda mais os seus estudos. Ao usar o termo arte popular, precisamos compreender que este possui sentido na sociedade dividida em classes sociais, ou seja, em dominantes e dominados. Se a sociedade não fosse dividida em classes, não haveria arte popular, pois esta não teria como se opor à outra arte. A separação entre o fazer e o saber na nossa sociedade fundamenta, na cultura e arte populares, a maneira como as pessoas veem essas duas manifestações, ou seja, se de um lado a sociedade reúne apenas pessoas que executam, de outro reúne as pessoas que determinam o que deverá ser feito. Assim aplicam esse sistema a todos os contextos. É preconceituoso esperar que o artista popular atue neste sistema. Acontece que a cultura e a arte popular são os únicos mecanismos que o trabalhador tem para neutralizar os comandos do poder. Saber e fazer não estão separados. Ao contrário, o artista popular projeta e executa a sua obra do começo ao fim. Nesta obra, ao contrário do trabalho assalariado, o artista une os dois conhecimentos que não podem ser separados: o fazer e o pensar. Por mais que um homem construa uma casa que, porventura, venha a desabar, ele sempre possui a capacidade de projetar. Faz a sua escolha, prevê para o futuro o que ainda não existe, sonha, elabora, propõe, muda os planos, escolhe os materiais e experimenta. O João de Barro, ao contrário, produz casas que não caem, mas, como todo animal, não tem a capacidade do projeto e isto é o que diferencia o homem do animal. Lima e Ferreira (TVE) propõem que antes de pensarmos quem são os artistas populares, precisamos responder às questões: Para descrever esse universo, portanto, o termo arte popular não pode ser utilizado como expressão de uma categoria explicativa a priori que, como tal, aponta uma realidade homogênea. Ele abriga realidades diversas e particulares, pois é preciso desvendar para a compreensão do real significado das expressões artísticas e culturais que aí residem. Uma das abordagens possíveis é aquela que, atentando UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 16 para as categorias imanentes aos próprios sujeitos sociais, busca entendê-los a partir de seu próprio discurso, isto é, com base em suas visões de mundo, a construção de suas redes de relações sociais e no sentido que atribuem a suas vidas, ações e representações. É fundamental, então, considerar a forma como os artistas definem seu cotidiano, se veem enquanto agentes sociais e constroem, por meio de categorias próprias, suas identidades. Exemplificando, é necessário saber o que leva o mestre titeriteiro Zé Lopes, de Glória do Goitá, cidade da zona da mata pernambucana, a confeccionar mamulengos com madeira e tecido e, com eles, encenar um espetáculo narrando uma história que o tempo consagrou, ou de sua própria criação, para uma plateia reunida na feira semanal, num largo de igreja em dia de festa, que pode ser a do padroeiro de uma cidade do interior do país. Que sentido tem essa espécie de ritual para aqueles que são atores e público? Que público e que história estão ali? Quando respondemos a questões como essas, damos mais um passo na direção do significado que tem a arte popular para aqueles que a produzem e para aqueles que a consomem no cotidiano de suas vidas no Brasil de hoje. Assim, apesar de a sociedade de classes separar ato de projeto, é na cultura e arte populares que o homem faz o seu projeto e o executa. Aqui definimosem que sentido usamos a diferença entre fazer e saber. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 17 Aula 07_Técnica Palavras-chave: Cultura; materialidade; técnica; tradição. Você já observou na sua família, ou mesmo no bairro, pessoas capazes de produzir objetos artísticos sem nunca ter ido à escola? Os artistas populares não buscam fora o seu material, pois a matéria-prima da sua arte é o seu entorno, ou seja, materiais naturais como barro, graveto, palha, areia, folhas, sementes ou tintas naturais que causam no artista um profundo conhecimento de domar a natureza, domar o material e respeitá-lo em suas possibilidades, porém tentando superá-lo, fazendo experimentações químicas, descobrindo novos tons e propondo novas relações de elementos na produção do novo. A criatividade e a permanência de expressão são duas marcas da Arte consequentes da Arte Popular. Se por um lado o artista popular elabora novas relações de elementos naturais e cria um novo objeto cultural, por outro lado, desenha em suas obras uma continuidade expressiva que faz, de seu trabalho, um trabalho único, reconhecendo-o por onde quer que vá. Mestre Vitalino era um exemplo desta arte: modelando cenas costumeiras em miniaturas de cerâmica pintadas, o mestre criou um estilo próprio que se tornou reconhecido mundialmente. Para nosso pesar, uma legião de imitadores produz aos montes as mesmas cenas criadas pelo mestre em pequenas miniaturas. Desta maneira, praticamente findou-se a arte de Mestre Vitalino, a não ser por aqueles que possuem a peça ou museus que resguardam algumas obras. Começamos aqui uma grande polêmica: como a arte popular pode permanecer criativa e sem cópias? A escola será capaz de, um dia, acabar com a prática da cópia e descobrir a prática da criação? Os alunos migrantes nordestinos, por exemplo, trazem um repertório de modelagem em barro. O que é possível fazer para que os alunos nascidos em São Paulo aprendam com estes alunos migrantes? A técnica, ou seja, o saber fazer uma peça, traz uma história de luta. A relação entre a cultura indígena, africana e europeia não foi tranquila. As histórias dessas três culturas transmitidas de forma exaltada e bela no início da formação do Brasil Colônia são eufemismos românticos cuja finalidade é apagar um passado de lutas sangrentas. Uma série de oposições e de dominação ocorreu, principalmente, porque a presença do branco aqui no país exigia muita produção e riqueza. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 18 Africanos foram obrigados a trabalhar de acordo com o modo de produção do branco, o que resultou em brigas e, consequentemente, em modificações nesse modo de trabalhar. O especialista em teoria e história da música, Mikhail Evgenievitch Tarakanov (Unesco, 1986) pensava sobre os diversos movimentos que ocorreram com a invasão da indústria cultural na arte popular. Percebeu que, ao passo que a arte popular perde espontaneidade, há um movimento de resistência muito importante que faz com que mais pessoas passem a conhecê-la: Como consequência deste poderoso movimento de apropriação do folclore, a criação popular tende a perder a sua espontaneidade e continuidade formal para se transformar num objeto de aprendizagem e de ensino. Felizmente também surge a tendência inversa, que busca conservar a autenticidade, em especial por intermédio da montagem de espetáculos fiéis sob todos os aspectos ao espírito das festas populares. [...] Por fim, surgem novos gêneros que mergulham suas raízes na tradição oral [...] As obras-primas da arte folclórica atingem um público cada vez maior [...] e o familiarizam com os diversos estilos nacionais, favorecendo o contato entre as cento e tantas nações que compõem nosso país (Tarakanov, 1986, TVE). O texto aponta para a cultura popular como a prática do saber e do fazer que atua nos dois conhecimentos que são inseparáveis, apesar da sociedade de classes separá-los. Problematiza interferências da indústria cultural na arte popular. Vale uma reflexão: Por que deveríamos considerar o termo Artes Populares? Você conhece os artistas populares em sua cidade? Já pensou em documentar as artes que produzem a fim de estudá-las? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 19 Aula 08_Estética Palavras-chave: Beleza; estética; filosofia; poética popular. Esta aula propõe o estudo do conceito de estética para pensarmos sobre a estética da Arte Popular e o movimento modernista como um movimento que, na década de 1920, modificou a maneira de pensar a cultura brasileira. Não dá para discutir o que é estética sem pensar que passa por uma apreciação. O julgamento que se faz quanto ao bom gosto ou mau gosto pode ser aprendido e amplo, pois pode ir ao encontro de significativas experiências ou, ao contrário, fechar-se em preconceitos. A palavra estética tem origem grega e significa sentir, perceber. É a parte da Filosofia que estuda o belo e a arte. Mais do que isso, estuda o julgamento e os sentimentos estéticos. De caráter dogmático, a estética pode ser substituída por uma filosofia da arte voltada para a poética, a fim de descobrir as regras de uma ação criadora. Cada obra possui uma estética e uma concepção de belo. Ocorre que uma estética poderá se opor às outras estéticas no sentido de superioridade e negação. Isso faz com que a cultura perca novas significações. Governos totalitários utilizaram, por exemplo, a representação realista como maneira de documentar, ainda que uma falsa realidade, assumindo esta estética e negando outras. As estéticas da arte popular foram negadas, no Brasil, durante toda a nossa História. Um exemplo disso é o Museu do Ipiranga cuja fachada é europeia, ou seja, não corresponde a uma representação brasileira. Para Luigi Pareyson, a estética não pode seguir o juízo de valor, tampouco ditar normas à obra. É a poética e não a estética o determinante na produção de uma obra. É o plano de trabalho (Pareyson apud Sangiovanni). Em sua produção, o artista pensa na poética e não na estética. Para entender a estética da Arte Popular é importante perceber as técnicas e a maneira como foram construídas, quais os fazeres artísticos de que se alimentaram. Para entender é necessário observar as corporações de artífices. As corporações de artífices eram compostas por diferenças profissionais: companheiro, aprendiz, oficial e, por final, mestre. Cada grupo tinha o juiz de ofício UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 20 que era nomeado pela Câmara Municipal. Em Portugal, assumiam uma característica mais religiosa do que de oficina e, segundo Frota, por tal motivo, tornaram-se mais frouxas e descaracterizadas abrindo brechas para incluir modos de fazer de diversos grupos culturais presentes no Brasil colonial. Ainda essa abertura possibilitou o uso de matéria-prima brasileira. As técnicas centenárias que índios e africanos tinham sido mescladas junto aos conhecimentos dos mestres de obra portugueses, que, por sua vez, já traziam uma tradição luso-oriental moçárabe, isto é, técnicas experientes com os climas quentes do mundo árabe. Cultura e arte popular: o modernismo A elite intelectual brasileira olhou para a arte popular pela primeira vez a partir do Modernismo, na década de 1920. Muitos esforços de Mário de Andrade e dos artistas modernistas contribuíram para o começo de um acervo de arte popular. Mário de Andrade foi um colecionador do nosso país. Dispondo do dinheiro do seu trabalho, investia na compra das artes brasileiras. Colecionou diversas obras e também desenhos que crianças faziam para ele em praças públicas. É possível apreciar este acervo no IEB– Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Com o modernismo, os brasileiros passaram a aparecer nas telas, bem comoas suas significações culturais e a paisagem do país. O Teatro Municipal de São Paulo, no Anhangabaú, foi o espaço da Semana de Arte Moderna de 1922 e das novas discussões sobre a cultura brasileira. O modernismo não aconteceu por acaso. Os artistas construíram condições para que pudesse ocorrer. As vanguardas parisienses valorizaram a art nègre e a estilística alemã e espanhola releram o barroco, segundo Bosi. Basta lembrarmos que Picasso descobriu as máscaras africanas e as mulheres passam a ser retratadas com a expressividade da máscara. O barroco negado passou a ser lido e descoberto. Essas questões fizeram os artistas modernistas pensarem a arte e a cultura popular do seu país, no caso o Brasil, a representação do povo, a maneira de viver, lutar e trabalhar. Houve a documentação de famílias que andavam na terceira classe do trem, do pequeno menino com o rosto triste que deveria vender frutas navegando numa canoa, as danças e os balões, as festas e a paisagem. Grupo de artistas que descobriam o Brasil em suas representatividades. Criaram a ideia de antropofagia, aquele que, ao invés de copiar as regras estrangeiras para se fazer poesia, artes plásticas ou música, propunha “engolir” as técnicas UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 21 estrangeiras para criar algo novo, um novo brasileiro. Foi sugerido que uma produção manual fosse reconhecida como artesanato, sem distinção entre erudito e popular. Minha proposta é que reservemos o termo artesanato para nos referir ao processo de produção do objeto, à tecnologia que, predominantemente executada com as mãos, dá forma ao objeto, independentemente de sua origem erudita ou popular. Assim, tanto a rendeira de bilro quanto o oleiro ou o escultor consagrado para realizar seu trabalho lançam mão de uma tecnologia em que a manualidade é da maior importância. E isto é artesanato. Assim, ao falar sobre a matéria-prima com que o objeto é confeccionado, ao descrever as etapas do processo de feitura desse objeto, passo a passo, estamos transitando no domínio do artesanato (Brandão, 1984, TVE). Nesta aula, estudamos sobre a estética. Haverá tantas estéticas quantas culturas existirem. Quando a artificialidade da mídia dita uma estética, destrói a pluralidade de culturas de que a escola e o mundo precisam. Finalmente, Brandão sugeriu que o artesanato signifique para nós uma atividade manual de qualquer cultura e não somente da cultura popular. Vale uma reflexão: Em sua opinião, qual é a estética que a televisão considera? E quanto à escola? Qual é a estética da Arte Popular? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 22 Aula 09_Os nossos artistas populares Palavras-chave: Cultura; artistas; identidade; cultura e produção popular. Vamos conhecer alguns dos artistas populares. É fundamental que você elabore o seu acervo de pesquisa pela Internet sobre esses artistas. Eles se encontram em todos os estados, porém a matéria-prima utilizada dependerá sempre da região em foco. Você poderá ainda pesquisar os museus de arte popular, cultura brasileira, folclore, artistas populares e investigar se os artistas pesquisados já possuem algum site particular com as suas obras. É importante também estar atento às possíveis exposições de arte popular da sua cidade que possam ocorrer. Neste caso, é fundamental guardar as propagandas e materiais da exposição. Outra importante ação é observar se há documentações dos artistas locais, e, se não houver, por que não organizar um grupo de pesquisadores que documentarão os artistas populares da cidade? Existem alguns procedimentos científicos para coletar dados, maneiras de entrevistar, observar o trabalho do artista e outras tantas questões. Você poderá pedir auxílio a alguém que já esteja na área. Os artistas utilizam diversos materiais, mas isso irá depender da sua especialidade. Há aqueles que usam areia, vidro, madeira, graveto, palha, folha, aliás, a variedade de matéria-prima é o que não falta. Portanto, construa o seu acervo pesquisando sobre alguns artistas. O Brasil possui muitos artesãos anônimos do barro. No Nordeste, era comum ver mulheres produzirem cerâmicas utilitárias nos sítios. Em famílias muito grandes, a dona da casa convidava a ceramista quando percebia que a louça estava diminuindo em função das quebras. Então, oferecia a casa para que a ceramista dormisse por vários dias. Retirando o barro do próprio terreiro, a ceramista produzia panelas, copos, potes e todas as peças solicitadas pela dona da casa. Produzia sempre em maior quantidade do que fora pedido, porque muitas peças rachavam enquanto inicialmente secavam debaixo do sol do sertão nordestino. Depois iam para a queima. Terminado o trabalho, após semanas, a ceramista seguia viagem para um outro sítio onde repetiria o mesmo ofício por encomenda. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 23 Nem todos estão no anonimato. Existem os ceramistas conhecidos. Estão espalhados em todo o Brasil, mas há lugares (Nordeste e Minas Gerais) onde há uma maior concentração destes artistas populares. Antônia Leão nasceu, em 1914, na cidade de Tracunhaém, Pernambuco. Quando era criança brincava com barro e modelava bichinhos. Os pais eram louceiros e vendiam as suas produções (moringas, jarras, panelas) nas feiras livres. O frade Luiz a incentivou a estudar cerâmica. A maioria das suas peças são santos: Santo Antonio, São Francisco e Nossa Senhora. • Forma de produção: Queima das peças em forno a lenha, monoqueima, sem esmaltação. Nuca, nascido em 1937, também de Tracunhaém, produz peças com Maria, sua esposa. • Modo de produção: Apresentação final em terracota, portanto sem esmaltação, queimada em forno a lenha. Produzindo peças altas, Zezinho, nascido em 1939, não queima a peça por partes. Cada peça é inteiriça. A família trabalha juntamente com ele produzindo a massa e a queima das peças. Tornou-se ceramista ao conhecer as peças de Lídia Vieira (1911-1974). • Modo de produção: É preciso ter bastante cuidado com a secagem das peças antes de queimar para que não rachem; usar tintura de café torrado com açúcar, pois dá brilho às peças e uma tonalidade mais forte. Maria Amélia, nascida em 1924, foi influenciada pelo pai louceiro. Veja o que ela diz sobre ele: “dos bons, um mestre; entendia de tudo do ofício”. • Modo de produção: queima sem esmaltação. Baé – Manoel Leão Machado Betinho – Carlos Roberto Gomes da Silva apresenta cerâmicas com temas e formas diferentes dos artistas locais de Tracunhaém. A maior parte é representação erótica. Procure ficar atento aos artistas de nosso país. Há produções muito significativas e que retratam a cultura de nosso país. Até a próxima aula! UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 24 Aula 10_Sem passar pela academia: aprendendo a Arte na vida e na rua Palavras-chave: Cultura acadêmica; autodidata; identidade; cultura popular. Das artes visuais, a arte naif é uma representante da arte popular. Os naifs são autodidatas e as suas pinturas não se ligam a nenhuma escola. A força das suas pinturas está em poder pintar sem regras acadêmicas ditadas pelas escolas. Criam a sua própria maneira de se expressar, e são conhecidos também como artistas ingênuos. Há uma harmonia presente em suas pinturas que, apesar de não seguir uma regra acadêmica, mostra que há uma regra no interior da tela. Outro exemplo de arte, no caso versada cujos artistas são populares, é o cordel, uma das artes populares antigas que aqui chegou com os colonizadores. Data da Idade Média, quando a Europa produzia o cordel. No nordeste brasileiro, o cordel sempre foi uma grande tradição. A palavra remete a cordão, um varal em que os folhetins ficavam encaixados. Conta histórias reais ou fantasiosas.Às vezes não se sabe ao certo se é verdade ou criação. O cordel é veiculado em um livreto de poucas páginas. A capa apresenta uma imagem impressa, o que é objeto de nosso interesse. Essa imagem é a xilogravura, ou seja, uma imagem desenhada e cortada num taco de madeira, que, depois de detalhada, recebe tinta preta para revelar o título da história. Dentro do livreto há uma poesia que conta um fato sucedido. Antonio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa do Assaré, cordelista, filho de pequenos proprietários rurais, nasceu em março de 1909. Aos cinco anos, com a morte do pai, Patativa passou a trabalhar duramente com a enxada, mas já versava. Ainda na infância, perdeu a visão de um olho, devido ao chamado “mal d´olhos”. Poeta analfabeto, certa vez contou que criava um verso de cordel e passava a repetir até decorar por inteiro. Então, seguia para a criação do próximo verso. Tinha uma secretária que datilografava as poesias e as respostas às cartas escritas por pessoas do Brasil e do mundo. Cresceu ouvindo histórias, literatura de cordel e ponteio de viola e, aos dez anos, foi participar de peleja com cantadores no Pará. Voltando consagrado. Patativa, ave que vive na caatinga, e Assaré, município onde o poeta nasceu, deram a ele o nome artístico. Com a poesia Triste Partida, cantada por Luiz Gonzaga, UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 25 tornou-se conhecido a partir de 1950. Poesia e música contam os dramas do nordestino obrigado a abandonar a sua terra por causa da seca. Todo nordestino jamais abandonaria o seu torrão querido, não fosse a crueldade da natureza e o desvio de verba pública. Mas Patativa procurava apresentar o nordestino como ele é: um bravo. A bela e triste poesia conta em detalhes o sofrimento: a saída da terra da qual é senhor do seu trabalho e a chegada à cidade para trabalhar na terra dos outros: “Meu Deus, meu Deus. Setembro passou. Outubro e Novembro. Já tamo em Dezembro. Meu Deus, que é de nós, Meu Deus, meu Deus. Assim fala o pobre. Do seco Nordeste. Com medo da peste. Da fome feroz. Ai, ai, ai, ai. A treze do mês. Ele fez experiência. Perdeu sua crença. Nas pedras de sal. Meu Deus, meu Deus. Mas noutra esperança com gosto se agarra. Pensando na barra do alegre Natal. Ai, ai, ai, ai. Rompeu-se o Natal. Porém barra não veio. O sol bem vermeio nasceu muito além. Meu Deus, meu Deus. Na copa da mata buzina a cigarra. Ninguém vê a barra. Pois a barra não tem. Ai, ai, ai, ai. Sem chuva na terra. Descamba Janeiro, depois fevereiro. E o mesmo verão. Meu Deus, meu Deus. Entonce o nortista, pensando consigo, diz: “isso é castigo, não chove mais não”. Ai, ai, ai, ai. Apela pra Março. Que é o mês preferido. Do santo querido. Senhor São José. Meu Deus, meu Deus. Mas nada de chuva. Tá tudo sem jeito. Lhe foge do peito o resto da fé. Ai, ai, ai, ai. Agora pensando, ele segue outra tria. Chamando a famia, começa a dizer. Meu Deus, meu Deus. Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo. Nós vamo a São Paulo viver ou morrer. Ai, ai, ai, ai. Nós vamos a São Paulo. Que a coisa tá feia. Por terras alheia nós vamo vagar. Meu Deus, meu Deus. Se o nosso destino não for tão mesquinho. Cá e pro mesmo cantinho nós torna a voltar. Ai, ai, ai, ai. E vende seu burro, o jumento e o cavalo. Inté mesmo o galo venderam também. Meu Deus, meu Deus. Pois logo aparece feliz fazendeiro. Por pouco dinheiro lhe compra o que tem. Ai, ai, ai, ai” Patativa do Assaré. Apesar da fama, Patativa nunca abandonou o seu passado de simples camponês. Patativa faleceu em 2002. Leia mais sobre Patativa e sobre outros tantos poetas da nossa literatura que se esforçaram em elaborar, com linguagem escrita, o retrato social desse país. Cada organização sintática e cada palavra revelam o estilo do autor, que busca transmitir a abstração da poesia por meio de recursos linguísticos que lapidam tudo o que é, aparentemente, estranho. A arte da palavra tenta tornar belo até o que não é agradável aos olhos e às convenções sociais. E aí reside a poesia. Essa busca pelo poético só encontra destino no receptor, que precisa estar atento aos recursos de musicalidade e significação para reconhecer em si a sensação da poesia que não é concreta como é o texto. A poesia reside no ser ao manifestar as sensações causadas por determinada temática. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 26 Aula 11_ Museu Casa do Pontal Palavras-chave: Cultura; museus; Estados brasileiros; cultura popular. Nesta aula, entraremos em contato com o Museu Casa do Pontal, o qual possui cerca de oito mil peças de arte popular brasileira: esculturas, bonecos, entalhes, modelagens e mecanismos articulados. As peças se apresentam em materiais variados como barro, tecido, areia, alumínio, madeira, ferro, miolo de pão, palha e arame. Conta com duzentos artistas populares de todas as regiões brasileiras. São peças que datam da metade do século XX aos dias atuais. Jacques Van de Beuque reuniu quase todo o acervo para criar o museu que fica no Rio de Janeiro, no Recreio dos Bandeirantes. Após o falecimento de seu fundador, o museu permanece atualizando-se com viagens de pesquisa para aquisição de obras dos artistas populares. Jacques Van de Beuque, francês, cursou Belas Artes em seu país até a II Guerra Mundial, quando passou a militar com outros jovens a favor da resistência francesa. Foi preso diversas vezes, enviado para os campos de trabalhos forçados, em Kiev, na Alemanha. Ao fugir, Cândido Portinari o orientou a vir ao Brasil. No Brasil, apaixonou-se pelos objetos feitos por pessoas simples. Começou a visitar vilas e povoados, a fazer grandes amizades com estes artistas populares e adquirir objetos para o Museu. Sabemos que o Brasil tem um grande grupo de artistas populares. Abaixo, colocamos apenas uma parte composta pelos artistas populares cadastrados no Museu do Pontal. O Museu separa as peças por temáticas: • ALAGOAS Maceió – Benedito José dos Santos e Genésio de Melo Palmeira dos Índios – Ruin de Beca Viçosa – Nilson (soldado) UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 27 • BAHIA Cachoeira – Cândido Bahia, Louco, Otávio e Tamba Salvador – Mestre Didi e Og Sales Santa Maria da Vitória – Mestre Guarani Fortaleza – Edgar Freitas Juazeiro do Norte – Alex, Antônio, C.A.M.,Celestino, Cícera Cândido Lira, Cícera Fonseca da Silva (D. Ciça), Cícero Antônio, Cícero Ferreira, Cícero Simplício, Deildo, Diomar Freitas Dantas, Edson, Francisca Lopes, Hércu-les, Índio (Antonio Nunes da Silva), José Maurício dos Santos, Manoel Flandreiro, Manoel Graciano, Marcos, Maria Cândido Monteiro, Maria de Cândido Lira, Nilo, Nino, Pedro Boca Rica, Severino, Zezé de Juazeiro, Zumira. • DISTRITO FEDERAL Planaltina - Selvino • GOIÁS Goiânia – Antonio Poteiro Pirenópolis – Lunildes e Maria de Beni • MARANHÃO São Luís – João Cancio, Laurindo e Nhozim. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 28 • MATO GROSSO Cuiabá – Clínio de Moura • MINAS GERAIS Belmiro Braga – Antônio de Oliveira Cachoeira de Brumado – Adão de Lourdes Divinópolis – GTO Prados – Antonio Julião e Itamar Julião Vale do Jequitinhonha – Ana do Baú, Cícera Candida, João Alves, João Pereira, Madalena, Noemisa, Isabel Mendes da Cunha, Ulisses Pereira Chaves, Dona Pedra, João Alves, Dona Mundinha. • PARANÁ Curitiba – Laurentino • PERNAMBUCO Águas Belas – Nhô Caboclo, Amanda, Amaro Rodrigues, Amaro Vitali-no, Antônio S.S., Antônio Rodrigues, Berenice, Carmélia, Clóvis, Elias F. Santos, Elias Vitalino, Ernestina, Heleno Manuel, Horácio, Inês Rodrigues,Ivonete, João José, João Vitalino Filho, José Otávio, Lauro Ezequiel, Leo-nino, Luiz Antônio, Luiz Galdino, Manuel Antônio, Manuel Eudócio,Manoel Galdino, Manuel Bitalino, Maria de Caruaru, Maria Otilia, Marlietete, Mes-tre Vitalino, Nina, Sebastião Ezequiel, Severino Vitalino, Socorro, Vavá, Zé Alves, Zé Amâncio, Zé Cacoclo, Zé Ciço e Zé Rodrigues. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 29 Bezerros – Braz e José Apolônio Carpina – Sólon Goiana – Euladio, Ivanildo e Zé Carmo Garanhuns – Porfírio Recife/Olinda – Adriano, Antônio Barbosa, Benedito, Bigode, Capitão Pe-reira, Cariri, Joel, José dos Santos São Benedito do Sul – Benedito da Silva Tracunhaém – Antônia Bezerra Leão, Antônia Vieira, Baé, José Antonio Vieira, Lídia Vieira, Maria Amélia, Regina Vieira, Severina Batista, Zé Antô-nio, Zezinho Tracunhaém • PIAUÍ Teresina – J. Freitas e Mestre Expedito Valença – Mestre Dezinho • RIO DE JANEIRO Niterói – Adalton e Sônia Nova Iguaçu – Dadinho São João do Meriti – Jonjoca • SANTA CATARINA Florianópolis – Marta São José – Zequinha UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 30 • SÃO PAULO São José dos Campos – Eugênia da Silva e Mudinha Taubaté – Alice, Domingos, Eduardo, Idalina, Kátia, Luíza, Meire, Padeiro Oliveira e Tina. • SERGIPE Aracajú – Amadeu Nossa Senhora da Glória - Véio Os artistas populares, em sua maioria, são anônimos, produzem as suas peças para sobrevivência e não se preocupam em fazer um nome. Alguns artistas da cerâmica apresentam uma mesma maneira de queimar a peça: sem esmaltação e se orientando por técnicas diferentes de simbolismo. Estes artistas vivem e trabalham em Pernambuco. Vale uma reflexão: Qual é a importância dos artistas populares para o país? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 31 Aula 12_As experiências de vida e o lugar de onde se vê Palavras-chave: Cultura; arte local; cotidiano; cultura popular. A Arte Popular, como já dissemos, está voltada para os materiais do entorno do artista. Artistas ainda não populares, em algum tempo da vida, utilizaram materiais, para eles, significativos. É a emoção no processo da arte. O artista plástico Miró levava para Paris punhados de terra da Catalunha, onde estava afetivamente ligado. Assim, mantinha viva as recordações deste lugar pela cor, pelo cheiro e textura. Antes de qualquer coisa, a arte chegava a nós pelos sentidos. Estética é isto: perceber pelos sentidos. Pense: quais seriam os seus materiais? De que maneira a sua experiência de vida estaria num objeto cultural produzido por você? Uma tese sobre teatro possui uma capa branca e o título em branco. Você deve imaginar: por que alguém perderia tempo imprimindo um título branco sobre uma capa dura branca? Muito bem, a tese era sobre teatro e, se mal me recordo, o título era O lugar de onde se vê. O mais interessante é que não se consegue ler a capa de qualquer lugar, apenas do lugar em que o espectador assiste a um teatro, ou seja, sentado. É sentado que se assiste ao teatro e se consegue ler o título da pesquisa: branco sobre branco. Isso acende um questionamento: por que as crianças são recriminadas e os adultos são aplaudidos quando manifestam uma inovação provocadora? Procure valorizar as manifestações artísticas dos seus alunos. As crianças têm uma capacidade de imaginação extremamente superior à dos adultos. Quanto maior for o estímulo, melhores serão os resultados, e você, enquanto professor, deverá promover a mediação entre o aluno e suas descobertas e conquistas. Procure orientar o aluno, mas não se esqueça de valorizar suas produções. Sala do Artista Popular Esta aula é, na verdade, um convite a um “passeio” por nossa riqueza artística. O repertório cultural do professor precisa ser construído a cada dia. Portanto, é preciso conhecer e valorizar as manifestações artísticas de cada região do nosso país. Espero UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 32 que seja, antes de mais nada, prazeroso e significativo, e que essa prática seja constante ao longo do nosso curso e de toda a sua vida enquanto docente. A Casa - Museu do Objeto Brasileiro, em parceria com o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular do IPHAN, apresentou uma exposição virtual comemorativa dos 20 ANOS DA SALA DO ARTISTA POPULAR, uma importante contribuição para a divulgação, documentação e exposição de produções referenciais nas áreas do artesanato e design e suas confluências. Criada em 1983, a Sala do Artista Popular é um espaço de exposições que tem por objetivo difundir a arte popular e o artesanato produzidos nas diversas regiões do Brasil. Mais de uma centena de exposições foram realizadas e isso constitui um amplo panorama da produção artesanal brasileira. O antropólogo Ricardo Gomes Lima selecionou 20 mostras para a criação e desenvolvimento dessa apresentação virtual, que é um valioso resgate cultural da arte popular brasileira. Clique aqui para visitar: Para ver o Arquivo da Sala do Artista Popular e a biblioteca, acesse http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=50 Acesso em 26 mar. 2023 Aproveite os momentos de visita aos sites para apreciar as obras, fazer anotações e questionamentos. Observe a expressividade das cores, os materiais utilizados, tente reconhecer e identificar as culturas de cada região do país. Faça uma análise do panorama sociocultural e econômico, e, se possível, mande seus comentários para a tutoria. http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=50 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 33 Aula 13_Cultura dominante, cultura escolar e multiculturalismo popular Palavras-chave: Cultura dominante; multiculturalismo; identidade; cultura popular. O título acima é referência a um texto de Claude Grignon, diretor de pesquisas no Departamento de Economia e Sociologia do INRA, França, que consta no livro Alienígenas na Sala de Aula. Este ensaio comenta que a diversidade é uma das características essenciais das culturas populares, porém a diversidade diminui por ação da escola. Há uma uniformização da vida. Por exemplo, a maior parte das escolas, por meio do ensino de leitura e escrita, prioriza o escrito e nega a oralidade, tão comum nas culturas populares representadas pela roda de “causos”. A escola, segundo Grignon, não concebe a oralidade independente da escrita, ou seja, podem-se falar coisas desde que estejam escritas de alguma maneira. Há um sotaque dominador que deve prevalecer. Assim, todos os sotaques devem se tornar sotaques-zero, o que configura a intolerância à diversidade das falas populares (Grignon In Silva, 1995, p. 19). Assim, a escrita e a arte baseiam-se na norma culta e não na expressão popular oral da qual os alunos fazem parte. Ocorre nas grandes cidades o desaparecimento das línguas regionais. A cultura escolar interioriza a ideia de superioridade dos saberem gerais e universais sobre os saberes particulares e locais. A escola impede a autonomia das culturas populares e coloca a cultura dominante como padrão, que é o chamado monoculturalismo, ou seja, uma só cultura determinante acima de todas as outras e que dita as regras básicas. As culturas populares possuem autonomia simbólica e geram os seus próprios sistemas de significações. Não precisam, então, da cultura do dominante para existir. O que se pode fazer para que a escola resolva este dilema? Grignon sugere que a escola utilize o conhecimento científico para desenvolver a capacidade reflexiva e crítica, servindo-se deste conhecimento para a autonomia da cultura acadêmica em UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 34 relação à cultura dominante. A assimilação da cultura acadêmica não pode romper com a cultura de origem do aluno. Por fim, a escola deve levar em conta os conhecimentos que os alunostrazem de suas culturas e saber combiná-los com o conhecimento dos livros. Só então teremos um conhecimento verdadeiro. Procure refletir sobre isso. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 35 Aula 14_Propostas didáticas da relação entre cultura popular e escola Palavras-chave: Cultura; ensino de arte; escola; cultura popular. Na construção deste material tivemos a preocupação de trazer os debates mais recentes sobre a temática da disciplina Arte Popular, e Cultura Brasileira. Faremos uma breve introdução a algumas características da cultura popular que podem ser contempladas e são necessárias dentro do ambiente escolar. A roda As danças circulares de todos os povos trazem a ideia de unidade. É muito importante olhar no rosto de todos e poder contar ou simplesmente ouvir. É na roda que se descobre que há a troca, e se constrói conhecimento. A roda é o tratamento para a doença causada pela escola: passividade, conformismo, timidez. As primeiras rodas dão trabalho, mas, aos poucos, tudo se acerta. É na roda que estão todos desarmados. Para Gerson Flávio, do Centro Nordestino de Animação Popular, a roda é o tratamento para libertar do movimento de controle, pois deixa-se de lado a perseguição de ideias e escolhas para voltar-se à valorização das diferenças e diversidades. O círculo quebra as filas da sala de aula, filas de desconhecimento do outro, pois não é preciso olhar nos olhos do colega para lhe dizer algo. Elaboração de um mapa cultural da escola e do entorno Você poderá construir um mapa totalmente desenhado pelos alunos. Ele pode ser um mapa cultural da sala de aula, em que conhecemos as genealogias dos alunos. Eles poderão, inclusive, trazer parentes que queiram ensinar algo para a turma. É muito importante que o aluno tenha a sua história contemplada na escola. Você vai desenvolver maneiras muito legais para fazer isso. Poderá também construir o mapa cultural do bairro e da cidade, registrando no mapa, junto aos alunos, os artistas que são descobertos e saem do anonimato para vocês. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância Oriente os seus alunos para que aprendam a pesquisar sobre a história deles: o porquê do nome, sobrenome, qual é o local de origem da família e porque mudou de lugar. Ensine os seus alunos a desenhar uma árvore genealógica, registrar os pratos típicos, criar um dicionário próprio, escrever as maneiras diferentes de como cada família faz um determinado prato, as músicas de que as pessoas mais velhas da família gostam, e, ainda, registrar as histórias mais antigas da família, a história do bairro, entrevistar vizinhos ou pesquisar fotos. Isso é só o começo da proposta. Você poderá ampliar muito mais com a sua vivência e, afinal de contas, com a sabedoria da sua cultura popular. Peça para que tragam uma peça muito importante da família e contém a sua história. Vidal e Silva fala sobre as inúmeras possibilidades de trabalhos pedagógicos, e apresenta um conjunto de objetos artesanais aos alunos a fim de que eles os identifiquem e descrevam. Em um segundo momento, é possível pedir para que pesquisem sobre a matéria-prima utilizada, as técnicas de confecção, quem faz o objeto, quem o usa, a sua função, o seu significado, o simbolismo da cores, os aspectos estéticos (não utilitários), o estilo tribal ou o estilo de um artesão particular. Também é importante trabalhar o respeito ao artesão e ao objeto elaborado, segundo critérios estabelecidos, bem como as diferenças de estilo entre subgrupos da mesma tribo, e pensar se o uso do objeto é cotidiano, ritualístico ou para comercialização. Outra possibilidade é a visita a museus onde existam coleções etnográficas em exposição. Infelizmente, no Brasil, a museologia referente aos povos indígenas nunca foi devidamente apoiada nem pelos sucessivos governos nem pelas universidades. Os dois grandes projetos de museus, um em Brasília e outro no campus da Universidade de São Paulo, infelizmente, nunca chegaram a se caracterizar, apesar das muitas promessas. Fica, assim, uma lacuna lamentável e especialmente grave frente à considerável produção de artefatos e manifestações artísticas indígenas no Brasil. Sendo assim, muitos objetos são encontrados em coleções dispersas e mal documentadas ou são simples- mente vendidas a colecionadores, às lojas da FUNAI e turistas. 36 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 37 O Museu da Pessoa Imagine uma grande rede de culturas e histórias. Imagine a história de cada aluno e da sua família contemplados em registros. Para o Museu da Pessoa isso é possível como maneira de resgatar a história social a fim de valorizar grupos e indivíduos agentes da transformação. Memória em mim mora As mudanças socioculturais das sociedades colocaram em crise as formas de de transmissão e reelaboração da memória social. Expressão usada por Erotilde Honório Silva (Universidade de Fortaleza), Museu da Pessoa Edmir Perrotti. Em Memória na Educação cita Walter Benjamin para explicar que as narrativas de experiência não encontram eco fácil em nosso tempo por muitas razões. Uma delas é uma crescente competição existente entre os grandes e poderosos discursos: Mídia, Estado, Escola, Ciência e Mercado. Se a crise é uma realidade incontornável, também é verdade que as pessoas não conseguem brotar significados apenas das experiências vividas. A sabedoria acumulada dos mais velhos e a interrogação necessária aos mais novos criam o trânsito de significados. A Estação Memória é um espaço de trocas simbólicas que funciona desde 1997 na Biblioteca Infanto-juvenil Álvaro Guerra, e é um projeto que integra a Universidade de São Paulo e a Prefeitura, segundo Perrotti. Os alunos e nós, professores e futuros professores, precisamos pertencer à escola. Este pertencimento passa pela história e pelas maneiras de produzir. O indivíduo, contemplado em sua história, acredita que tem como ajudar, perceber que pertence a um grupo. Assim é possível construir uma identidade: conhecendo o outro, o grupo e se reconhecendo no outro. A única importância de estudarmos Cultura Brasileira e Arte Popular no curso de licenciatura em Artes Visuais é criar uma interface entre essa disciplina e a Educação. Poderíamos estudar apenas a cultura como especulação e curiosidade, mas a ampliação deste conhecimento só é possível na relação entre cultura e educação, ou seja, precisamos dizer que a natureza do nosso curso está na escola. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 38 Certa vez, perguntaram ao cartunista Henfil o que o inspirava a elaborar tirinhas sobre o Brasil com tanta clareza de ideias. Ele respondeu que é necessário pegar o bonde da história. Terminamos nossa aula dizendo que é importante que a escola viva a arte e a Cultura Popular de fato, sem mentiras nem enganações, indo aonde o artista está, trazendo o artista para dentro da escola, revendo seu tempo, mudando a maneira de ocupar o espaço, ouvindo mais os alunos, e, até mesmo, dispensando o recurso da escrita. Trazer os familiares para a escola, deixar que contem “causos”, histórias, que tragam pratos típicos de alguma região e contém a sua história, que ensinem a produzir um artefato, enfim, são descobertas interessantes que farão a diferença. Deste modo, será possível construir uma escola com memória. Vale uma reflexão: Pense na maneira de contemplar a cultura do aluno, a cultura do seu entorno e do país que, de certa forma, modifique o seu aluno para que ele seja mais feliz e conhecedor da sua história por meio de histórias para fazer e contar. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 39 Aula 15_O currículo oculto. As culturas negadas e silenciadas no currículo. Palavras-chave: