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Tratamento cirúrgico das lesões patológicas orais Capítulo 23 Hupp Abordagem cirúrgica depende de diagnóstico histopatológico prévio → evita condutas excessivas (p.ex., tratar cisto como carcinoma). Objetivos cirúrgicos básicos ➢ Erradicação da condição patológica ○ Remover completamente a lesão - evitar células remanescentes → recidiva. ○ Extensão da cirurgia varia conforme a biologia (carcinoma exige ressecções amplas; cisto não). ➢ Reabilitação funcional ○ Planejar reconstrução antes da excisão: enxertos, fixação, perdas de tecido mole, reabilitação protética/odontológica, preparo do paciente. ○ Defeitos vão de mínimos (hiperplasia fibrosa) a extensos (hemimandibulectomia). Lesões císticas/pseudocísticas Cisto: cavidade patológica revestida por epitélio com fluido/material mole. Origem: odontogênica (epitélio dental) ou fissural (epitélio preso na fusão embrionária). Inflamação pode disparar proliferação (p.ex., cisto periapical). Recidiva: fragmentos de membrana cística remanescentes → por isso a remoção completa do revestimento é crucial. Ceratocisto: comportamento mais agressivo e maior recidiva. Clínica: geralmente assintomáticos, detectados em RX de rotina; podem expandir/afinar cortical, deslocar dentes (até ramo/côndilo/seio). Palpação: expansão com “ressalto elástico”; flutuação se perfurar a cortical. Radiografia: imagem radiolúcida com halo esclerótico (osteíte condensante); unilocular (mais comum) ou multilocular (ceratocistos/ameloblastomas). ➢ Reabsorção radicular é incomum → se presente, suspeitar de neoplasia. ➢ Todo material cístico deve ir para histopatologia (raro potencial ameloblástico/maligno). Opções de tratamento para cistos gnáticos Enucleação ➢ Remoção integral (idealmente em peça única, sem romper). ➢ Elegível por conta da camada de tecido conjuntivo fibroso entre o epitélio e parede óssea da cavidade cística. ➢ Indicação: qualquer cisto removível com segurança, sem sacrificar estruturas. ➢ Vantagens: exame histopatológico de toda a peça; ato terapêutico definitivo; sem cavidade aberta para irrigação. ➢ Desvantagens: em casos com risco (proximidade de estruturas nobres, risco de fratura, dentes a preservar), pode ser desfavorável → considerar marsupialização. ➢ Técnica/nuances: ○ Acesso ( janela óssea quando necessário), cureta grande com face côncava voltada para o osso; manter pressão intracística (evita ruptura). ○ Inspecionar cavidade, irrigar, remover resíduos, regularizar bordas; fechamento primário. ○ Follow-up radiográfico: reparo ósseo 6–12 meses. ○ Periapicais: se dente irrestaurável, remover e enuclear via alvéolo; se restaurável, endodontia + controle; se persistir/expandir → cirurgia periapical. Marsupialização (descompressão/Partsch) ➢ Cria janela para cavidade oral/seio/nasal; esvazia conteúdo; mantém epitélio cístico in situ → reduz pressão, diminui o cisto e permite neoformação óssea. ➢ A única parte do cisto a ser removida é o pedaço retirado para a confecção da janela. ➢ Raramente usada como único método de tratamento ➢ Indicações-chave: ○ Preservar estruturas vitais (evitar fístula oroantral/oronasal, dano a NAI, desvitalização de dentes úteis). ○ Acesso difícil à totalidade da lesão. ○ Guiar erupção (cisto dentígero). ○ Pacientes debilitados (procedimento mais simples/curto). ○ Cistos muito grandes (risco de fratura se enuclear direto). ➢ Vantagens: simples, fácil execução; poupa estruturas. ➢ Desvantagens: deixa tecido patológico; exige higiene/irrigação diária por meses; amostra parcial para histo. ➢ Técnica/nuances: ○ Aspirar antes; janela ≥ 1 cm; enviar o retalho cístico da janela para histo, também se envolver o osso; inspecionar parede (áreas espessas/ulceradas → suspeitar displasia/neoplasia → considerar enucleação ou biópsias adicionais). ○ Suturar parede cística à mucosa se possível; se não, tamponar com gaze (10–14 dias). ○ Possível abertura para seio/nasal em casos maxilares extensos. Combinação em estágios: Marsupialização → Enucleação tardia ➢ Após redução do volume e neo-osso, enuclear com menor morbidade e acelerando a cicatrização completa. ➢ Indicações: mesmo raciocínio da marsupialização; também quando a cavidade não diminui mais ou difícil higienização; necessidade de examinar toda a peça histopatologicamente. Enucleação + curetagem ➢ Útil quando há membrana residual aderida (p.ex., ceratocistos); maior agressividade local. ➢ Após enuclear o cisto/tumor, remove-se 1–2 mm de osso da periferia da cavidade (cureta ou broca irrigada) para eliminar remanescentes epiteliais e reduzir recidiva. ➢ Indicações principais ○ Ceratocisto odontogênico (CO): ■ Comportamento local agressivo, epitélio com alta atividade mitótica, cápsula frágil e “cistos satélites” → recidiva 20–60%. ■ Conduta mínima: enucleação + curetagem agressiva. ■ Recidiva: reavaliar acesso; se inacessível/agressivo → ressecção com margem ~1 cm. ■ Acompanhamento prolongado (recidivas tardias). ○ Qualquer cisto recidivado após remoção “completa”. ➢ Vantagens ○ Remove remanescentes epiteliais → menor chance de recidiva. ➢ Desvantagens/Riscos ○ Mais destrutiva para osso e estruturas vizinhas. ○ Pode lesar polpas (desvascularização) e feixes neurovasculares → parestesia/dor. ➢ Técnica (passo a passo) ○ Enuclear a lesão e inspecionar a cavidade (relações anatômicas). ○ Curetação/ fresagem periférica de 1–2 mm em toda a circunferência, com irrigação estéril. ○ Cautela máxima junto a raízes dentárias, canal mandibular, forames, assoalho sinusal. ○ Lavar e fechar por planos. Checklist de Campo (cirurgia de cisto gnático) Pré-operatório Confirmação diagnóstica: clínica + RX (PAN/TC se necessário) + planejamento de biópsia. Avaliar proximidade: NAI, seio maxilar, raízes, cortical (risco de fratura). Decidir técnica: Enucleação × Marsupialização × Estágio combinado. Consentimento: explicar tempo de reparo (6–12 m), possibilidade de procedimentos em 2 tempos, necessidade de irrigação domiciliar (se marsupialização). Materiais: lâmina #15, curetas grandes, pinça-goiva, peça cirúrgica, irrigação, suturas (Vicryl®/seda), frascos com formalina 10%. Intra-operatório Aspirar lesão intraóssea antes (descartar vascular). Acesso seguro ( janela óssea quando indicado). Enucleação: cureta côncava para o osso; manter parede íntegra; inspecionar/remover resíduos; regularizar osso; fechar por planos. Marsupialização: janela ≥1 cm; enviar fragmento para histo; fixar parede cística à mucosa ou tamponar com gaze 10–14 dias; instruções de irrigação. Sempre enviar material para histopatologia (peça íntegra quando possível). Pós-operatório Analgesia + orientações de higiene (irrigação em marsupialização). Radiografias seriadas (3, 6, 12 meses). Monitorar: recidiva, parestesia, deiscência (se abrir, conduzir por 2ª intenção com curativo e trocas seriadas). Planejar reabilitação (protética/implantes/enxertos) quando indicado. “Quando usar o quê?” Cenário Enucleação Marsupialização Estágio: Marsup → Enucl Cisto pequeno, acesso fácil, longe de estruturas nobres Preferir — — Cisto muito grande com risco de fratura/desvitalização Considerar depois Preferir Frequente Necessidade de preservar NAI, dentes úteis, evitar fístula Risco ↑ Preferir Frequente Cisto dentígero com dente a erupcionar Se seguro Preferir (guia de erupção) Possível Acesso difícil a toda a membrana Risco de remanescente Preferir Frequente Paciente debilitado Cirurgia longa desfavorável Preferir Possível Necessidade de peça completa para histo Melhor opção Amostra parcial Fazer após redução Achados que orientam conduta / pegadinhas Achado Interpretação / Conduta Radiolúcida com halo esclerótico Padrão típico de cisto Multiloculação Suspeitar ceratocisto/ameloblastoma; considerar curetagem ampliada Reabsorção radicular presente Pense em neoplasia Expansão com ressalto elástico Afinamento cortical; cuidadona manipulação Flutuação Perfuração cortical; atenção ao acesso Parede com espessamento/ulceração Suspeita de displasia/neoplasia → biópsias adicionais/enucleação Persistência da cavidade após marsupialização Indica enucleação tardia Recidiva após enucleação Procurar resíduos de membrana; reentrar com curetagem Dicas rápidas que caem em prova ➢ Sempre aspirar lesão intraóssea antes de entrar no osso (descartar vascular/cística). ➢ Enviar todo material para histopatologia (mesmo marsupialização – o retalho da janela). ➢ Ceratocisto: maior recidiva → considerar enucleação + curetagem e seguimento longo. ➢ Reabsorção radicular incomum em cisto → suspeitar tumor. ➢ Planejar reabilitação antes da ressecção. ➢ Não confundir conduta oncológica agressiva com cistos simples (diagnóstico sempre antes). Princípios cirúrgicos para tumores da maxila/mandíbula Modalidades cirúrgicas (espectro de agressividade) ➢ Enucleação e/ou curetagem: contato direto com a lesão; indicada para benignas não agressivas. ➢ Ressecção (sem instrumentação direta na lesão): ○ Marginal/segmentar: retira a lesão preservando a continuidade óssea. ○ Parcial (espessura total): remove segmento com perda de continuidade (ex.: hemi-mandibulectomia). ○ Total (ex.: maxilectomia/mandibulectomia). ➢ Ressecção composta: osso + tecidos moles adjacentes com ou sem esvaziamento cervical; típica de malignas. Exemplos (tendência de tratamento) Enucleação/curetagem: odontoma, tumor odontogênico adenomatoide, cisto odontogênico calcificante/queratinizante, cementoblastoma, fibroma central cemento-ossificante/ossificante, osteoma/osteoma osteoide/osteoblastoma, granuloma eosinofílico, hemangioma (selecionados), etc. Ressecção marginal/parcial: ameloblastoma, mixoma odontogênico (fibromixoma), tumor odontogênico epitelial calcificante (Pindborg), tumor odontogênico escamoso, odontoma ameloblástico. Ressecção composta/oncológica: malignidades primárias intraósseas, sarcomas, carcinomas que invadem os ossos gnáticos, linfomas (em protocolos específicos). ➢ Observação: conduta final é individualizada ao caso (histologia, extensão e fatores do paciente). Fatores que orientam a escolha ➢ Agressividade biológica / histopatologia (principal determinante). ➢ Acessibilidade anatômica e relação com estruturas vitais. ➢ Maxila × mandíbula: tumores maxilares tendem a crescer silenciosamente em espaços paranasais → pior prognóstico. ➢ Tamanho e espessura óssea envolvida: quando possível, preservar borda inferior da mandíbula (ressecção marginal); se todo o espessamento comprometido → parcial. ➢ Intraóssea × extraóssea: perfuração cortical e invasão de partes moles pioram prognóstico e ampliam margens. ➢ Duração/ritmo de crescimento (lesões lentas podem permitir condutas mais conservadoras). ➢ Plano reconstrutivo (deve ser pensado antes da exérese). Técnica — ressecções ➢ Margens ósseas: idealmente ~1 cm além do limite radiográfico. ➢ Marginal (continuidade preservada): facilita reconstrução (ganho de crista/alvéolo). ➢ Parcial (continuidade perdida): requer contenção/placa de reconstrução e planejamento reabilitador mais complexo. ➢ Se houver perfuração/invasão de partes moles: realizar excisão supraperiostal do tecido envolvido. ➢ Avaliação de margens intraoperatórias por congelação quando disponível (cirurgia hospitalar). Tumores malignos orais Estadiamento ➢ Feito antes do tratamento para: ○ selecionar a melhor estratégia; ○ comparar resultados. ➢ Pode incluir exames de imagem, sangue e exploração de sítios à distância. Modalidades terapêuticas ➢ Cirurgia, radioterapia, quimioterapia ou combinações (equipes multidisciplinares). ➢ Radioterapia: fracionamento + múltiplos feixes para poupar tecidos; mais efetiva em células de alta proliferação. ➢ Quimioterapia: frequentemente multidrogas; atenção a anemia/neutropenia/trombocitopenia. Lesões benignas de tecidos moles ➢ Geralmente tratadas por biópsia excisional simples (fibroma, granuloma piogênico/periférico, papiloma, verruga vulgar, mucocele, hiperplasias inflamatórias). ➢ Raspagem/polimento de dentes adjacentes quando houver fator local (placa/cálculo/trauma) para evitar recidiva. Reconstrução ➢ Planejar imediatamente (ou em segunda fase) visando função e estética. ➢ Quanto maior a perda (especialmente com perda de continuidade), maior a necessidade de placas, enxertos e/ou retalhos e de integração com reabilitação protética/implantes (quando possível). Em uma frase Tumores mais agressivos exigem ressecção com margem e planejamento reconstrutivo antecipado, enquanto a conduta definitiva sempre se ancora no diagnóstico histopatológico e nas relações anatômicas do caso. Tratamento cirúrgico das lesões patológicas orais Objetivos cirúrgicos básicos Lesões císticas/pseudocísticas Opções de tratamento para cistos gnáticos Checklist de Campo (cirurgia de cisto gnático) Pré-operatório Intra-operatório Pós-operatório “Quando usar o quê?” Achados que orientam conduta / pegadinhas Dicas rápidas que caem em prova Princípios cirúrgicos para tumores da maxila/mandíbula Modalidades cirúrgicas (espectro de agressividade) Exemplos (tendência de tratamento) Fatores que orientam a escolha Técnica — ressecções Tumores malignos orais Estadiamento Modalidades terapêuticas Lesões benignas de tecidos moles Reconstrução Em uma frase