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1. Contextualização teórica. Funções dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho: do controle à interpretação, da cassação ao precedente.1 Embora haja exceções – as ações de competência originária, por exemplo –, a jurisdição prestada pelo Tribunal Superior do Trabalho advém, precipuamente, do exame de recursos. Recorrer, como a etimologia da palavra já revela, diz respeito a “fazer correr novamente”, sujeitar ao refazimento do curso já percorrido. Nesse sentido, recorrer de uma decisão judicial significa suscitar que o processo corra novamente para que, ao final desse recurso, uma nova decisão seja prolatada. Um recurso pode desempenhar três funções distintas: revisão, cassação ou interpretação. O objeto natural do recurso, no sentido etimológico acima referido, é a revisão do caso, nos limites propostos pelo recorrente. Recorrer é pedir ao Estado que, uma vez mais, faça seu pleito submeter-se ao procedimento necessário à prestação da tutela jurisdicional pretendida. Prende-se, portanto, com a revisão do caso.2 E uma tal revisão, vista em termos totais (revisar tudo), conecta-se com o duplo grau de jurisdição. O duplo grau de jurisdição sustenta-se em duas características antropológicas:3 a irresignabilidade e a falibilidade humanas. Quanto à primeira, é natural que o sujeito que venha a ser contrariado não se conforme com a contrariedade. Permitir que ele se insurja contra aquilo que o contrariou é, portanto, dar vazão a uma necessidade universal. Quanto à segunda, a sentença objeto de um recurso é sempre prolatada por um humano – naturalmente falível. 1 Texto-base para Nota Técnica do CI TRT4, elaborado por Gustavo Martins Baini (Assessor da Secretaria-Geral da Presidência). 2 FELICIANO, Guilherme Guimarães. A função revisora dos tribunais na perspectiva histórica e jusfundamental: o direito de recorrer. Origens e limites externos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 111, p. 101-121, jan./dez. 2016. 3 LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1965, pp.1-4 e 127-129, apud GRECO, Leonardo. Princípios de uma teoria geral dos recursos. Revista Eletrônica de Direito Processual (UERJ), v. 5, jan.-jun. 2010, p. 7. Ante a natural possibilidade de o juiz errar, é imperioso viabilizar uma segunda análise.4 Assim, a jurisdição prestada pelos Tribunais Regionais do Trabalho revela o exercício do duplo grau de jurisdição, proporcionando a revisão (no sentido visar novamente) o julgamento proferido pelo órgão ad quem, sendo autorizado a acessar o caso em toda a sua inteireza, examinando novamente os pedidos das partes por meio do recurso, e não propriamente a sentença que antes dele os examinou.5 Nestes casos, o tribunal desempenha função revisora: pedidos, causas de pedir, pressupostos processuais, defesas e exceções indiretas, provas, fatos, direito material alegado, direito não alegado, tudo pode ser livremente apreciado pelo tribunal. Quando um tribunal atua na função revisora, a devolutividade do recurso é ampla.6 Ou, o que é dizer o mesmo, o âmbito de cognoscibilidade do objeto recursal é extenso.7 Diferentemente da revisão é o julgamento de cassação. Na cassação, o objeto do recurso é antes a sentença do que propriamente o pedido. Sua finalidade é outra: em vez de revisar todo o caso, atentando aos traços antropológicos da irresignabilidade do sucumbente e da falibilidade do juiz, a cassação tenciona assegurar que o direito objetivo esteja bem aplicado. Em vez da tutela do direito subjetivo das partes, que é o objeto de atenção do tribunal de revisão, a corte de cassação visa à tutela do direito objetivo,8 uma 4 Não que um tribunal revisor não possa errar. Como é evidente, pode. Porém, há que se reconhecer que a possibilidade de revisão reduz as chances do erro, assim como, de outro lado, é preciso estabilizar a solução dada à controvérsia, sendo impossível admitir-se que, ante a falibilidade dos julgadores em grau recursal, recorra-se ad infinitum. 5 Para uma perspectiva invertida a essa, observando a necessidade de tomar a sentença em primeira consideração para examinar o recurso, cf. CLAUS, Ben-Hur Silveira; LORENZETTI, Ari Pedro; FIOREZE, Ricardo; ARAÚJO, Francisco Rossal de; COSTA, Ricardo Martins; AMARAL, Márcio Lima do. A função revisora dos tribunais: a questão do método no julgamento dos recursos de natureza ordinária. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, n. 84, jul/dez de 2011 6 Sobre a ampla devolutividade dos recursos de natureza ordinária – os quais, no Brasil, oferecem-se aos tribunais que desempenham a função revisora –, cf. BAINI, Gustavo M.; ARAÚJO, Francisco Rossal de. Requisitos formais do art. 896, § 1º-A, da CLT: Fundamentação vinculada e devolutividade restrita como chaves para admissibilidade do recurso de revista. Revista LTr, v. 12, dez. 2021, p. 1.413. 7 Isso é o que determina o art. 1.013 do CPC e a Súmula n. 393 do TST (e, indiretamente, o item III da Súmula n. 422 do TST). 8 MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e Precedente: dois discursos a partir da decisão judicial. Revista de Processo, v. 206, p. 61-78, 2012. espécie de salvaguarda do direito contra decisões judiciais antijurídicas, por assim dizer. Na verdade, é exatamente com esse propósito – proteger a lei contra os juízes – que a Cour de Cassation da França Revolucionária nasceu.9 A cassação teria lugar quando a decisão judicial contivesse uma “contravention expresse au texte de la loi”.10 Ora, o remédio de uma sentença que contraria a lei não seria a revisão do caso, mas a anulação da decisão “contraventora”.11 A função cassacional não resulta das necessidades derivadas do duplo grau de jurisdição, mas das necessidades derivadas do controle político das decisões judiciais. A experiência com o Conseil des Parties do ancien régime, órgão vinculado à nobreza e, por assim dizer, ao Poder Executivo, composto por juízes ocupados de assegurar os interesses do monarca, levou os revolucionários burgueses, com os ideais do État légal, a estabelecer um equivalente para a solidificação do seu novo paradigma de juridicidade – não mais o monarca, mas a lei.12 Assim, a Cour de Cassation não era um órgão vinculado aos – amigos do rei e, portanto, indignos de confiança – juízes, mas ao novo Poder Legislativo, pois “el legislador tiene todos los atributos y todos los fueros del mando, el juez es un mecanismo de obediencia”.13 Quando o juiz “desobedecesse”, sendo necessária a cassação da decisão ilegal, ninguém melhor do que o próprio legislador a fazê-lo. Superadas, no paradigma do atual Estado Constitucional, as adversidades entre o poder político do monarca e o da lei, a Corte de Cassação 9 Embora se atribua, tradicionalmente, o modelo de corte de cassação à França Revolucionária, há quem vislumbre antecedentes ingleses a esse modelo. Cf. NIEVA-FENOLL, Jordi. A origem inglesa da cassação francesa. Revista de Processo, v. 311, ano 46, pp. 335-351, São Paulo: Ed. RT, janeiro de 2021. 10 Art. 3º do Decreto novembro-dezembro de 1790. 11 “Anular uma decisão não é julgar; assim, a cassação não forma parte do poder judicial, mas emana do poder legislativo” (Sessão de 24 de maio de 1790 da Rev. Francesa – EMILE CHENON, Origines, conditions et effets de la cassation, París, 1882, p. 67, apud VALLS, Francisco de A. Condomines. El recurso de casación en materia civil. Barcelona: Bosch, 1978.p. 22) 12 ALVIM, Teresa Arruda. Questão de fato e questão de direito nos recursos para tribunais superiores. Revista de Processo, v. 332, ano 47, pp. 329-360, São Paulo: Ed. RT, outubro de 2022, pp. 331-332. 13 VALLS, Francisco de A. Condomines. El recurso de casación en materia civil. Barcelona: Bosch, 1978, p. 22. ainda possui a função de controle.14 No entanto, não mais das decisões que representem uma “contraventionexpresse au texte de la loi”, mas das que à lei confiram “fausse intérpretation” ou uma “fausse application de la loi”.15 Ou seja, embora já não se considere que os juízes precisam ser controlados por causa da sua fidelidade a algum poder político contrário à lei, ainda se reconhece a necessidade de controle da dispersão do significado do direito interpretado pelos juízes.16 Em uma interessante perspectiva da teoria dos precedentes, o processo possui duas finalidades: uma subjetiva e particular, outra objetiva e geral.17 O fim clássico do processo judicial é assegurar o direito subjetivo das partes que invocam o Judiciário. Esta é a sua feição subjetiva: a tutela dos interesses particulares das partes. Porém, a transformação do perfil da Corte de Cassação que se está tentando demonstrar, sugere que o processo pode acumular uma função objetiva: controlar as diferentes interpretações possíveis do direito objetivo (nomofilaquia e uniformização) e formar e estabilizar precedentes. Esta seria sua feição objetiva: a tutela do interesse geral de toda a sociedade em que o Direito seja íntegro, estável, coerente. Portanto, a Corte de Cassação, que nasce com uma vocação nomofilática, de defender o direito objetivo, passa a desempenhar uma função uniformizadora, de reduzir as variações dos significados possíveis do direito objetivo.18 14 PROTO PISANI, Andrea. Il ricorso per cassazione in Italia. Revista de Processo, Ed. RT, vol. 241/2015. p. 361-367. 15 MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes - recompreensão do sistema processual da Corte Suprema. 3. ed. São Paulo: RT, 2017, pp. 44-5, 64-5. 16 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffrè, 2011. MITIDIERO, Daniel. Precedentes – da persuasão à vinculação. 5. ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023, parte I. 17 MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas – do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: RT, 2014, pp. 27 e ss. MITIDIERO, Daniel. A tutela dos direitos como fim no processo civil no Estado Constitucional. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, ano 26, n. 87, 13-214, 2015, pp. 131 e ss. MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e Precedente: dois discursos a partir da decisão judicial. Revista de Processo, v. 206, p. 61-78, 2012. 18 Teresa Arruda Alvim, com base em Calamandrei (La cassazione civile) é quem bem observa que as funções nomofilática e uniformizadora desempenhadas pelas Cortes de vértice, hoje cumulativamente, surgiram sucessivamente no tempo, demonstrando, ainda, a travessia do Reno do modelo cassacional, desembocando em uma Alemanha culturalmente diversa da França Revolucionária e contribuindo para esse desenvolvimento. Cf. ALVIM, Questão de fato e No perfil original, a cassação pressupõe que a interpretação do juiz tem um caráter meramente cognitivo, como se interpretar fosse um ato de descoberta de um significado preexistente (na lei) e, ao pronunciar a sentença, o juiz apenas fosse a boca pela qual a lei resolveria a demanda – na célebre formulação de Montesquieu. O desvirtuamento desse significado representaria uma “contravention expresse au texte de la loi”. Já no perfil posterior, a cassação assume a interpretação judicial não como uma extração bruta e impessoal do significado objetivamente embutido na lei, mas como uma construção lógico-valorativa, na qual o intérprete faz escolhas e constrói, argumentativamente, o resultado semântico do signo interpretado. Ao proferir a sentença, o juiz atua como um mediador entre a lei e o caso concreto. Neste caso, o risco não é, propriamente, de que os juízes “desobedeçam” à lei, mas de que, interpretando-a, alcancem normas jurídicas distintas, com prejuízo à segurança jurídica, à isonomia e, em última instância, à própria legalidade. A cassação, nesse sentido, visa “el preservar de la pureza de la norma, declarando su verdadero sentido.”19 Em ambos os perfis, o papel da Corte de Cassação é de controle da interpretação judicial. Entretanto, a transformação do perfil da Corte de Cassação – da nomofilaquia à uniformização – vem demonstrando que o controle da interpretação judicial é, ele mesmo, mediado pela interpretação – interpretação da própria Corte de Cassação acerca do significado do direito.20 Ou seja, reconhecendo-se que o Direito tem uma natural propensão à dispersão, seja pela equivocidade dos textos pelo qual é vazado, seja pela vagueza das normas que tais textos representam,21 o controle uniformizador passa a ser visto como, ele próprio, uma interpretação do Direito. Admitindo-se questão de direito…, pp. 330-334: “Ao que parece, a preocupação principal que deu origem à cassação francesa, i. e., o temor de que os juízes fizessem as vezes do legislador, na Alemanha tomou forma de encontrar uma solução para a desuniformidade da jurisprudência.” (p. 334). 19 VALLS, El recurso de cassación, p. 26 e 31. 20 No desempenho de funções judiciais específicas. Para maiores aprofundamentos, cf., sobre todos: TARUFFO, Michele. Il vertice ambiguo – saggi sulla cassazione civile. Bologna: Il Mulino, 1991. Ver, também, BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. A função dos tribunais superiores (1999). Sentença e coisa julgada (1979). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. CALAMANDREI, Piero. La cassazione civile: disegno generale dell’istituto. Torino: Fratelli Bocca Editori, 1920. 21 Sobre o caráter duplamente indeterminado do direito, dada a equivocidade do texto e a vagueza da norma, cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare, pp. 39-62. que a lei não carrega a inteireza dos significados (normas jurídicas) que dela se podem desenvolver, as Cortes Supremas – já agora sem a função cassacional no seu nome – assumem uma nova função, a saber, a de fornecer interpretações do Direito que servirão como paradigma de uniformização. Não mais com um perfil de controle, como um jardineiro que poda as ervas daninhas, mas de desenvolvimento do significado do direito, como um que planta flores. Assim, na transição do perfil das Cortes de vértice de Cassação para o de Precedentes, as Cortes Supremas passam a ser consideradas não mais como tribunais de controle, mas de interpretação;22 não se resumindo a anular as decisões “ilegais” e reenviar ao tribunal julgador (ou mesmo substituir-se a ele),23 mas fornecendo significados normativos à lei; não mais atuando retrospectivamente e caso a caso, mas prospectivamente, desenvolvendo o significado do direito e aumentando a densidade semântica dos textos legais, fornecendo inputs que guiem a interpretação dos juízes e tribunais revisores de maneira a reconstruir, a partir da lei, o sistema jurídico. As Cortes Supremas passam, portanto, a exercer o papel de produzir precedentes, com toda a carga teórica que esse modelo carrega. Uma nova compreensão da teoria da interpretação do Direito encaminha uma nova função da decisão da Corte Suprema. Não mais cassar, mas atribuir autoritativamente sentido à lei. Em lugar de, apenas, conservar o direito legislado, passar, a partir dele, ao desenvolvimento do sistema jurídico – adscrever significado aos textos normativos interpretados à luz dos casos concretos. Em suma, em vez de anular uma decisão que forneça uma interpretação desuniformizada, promover a interpretação uniformizadora da lei por meio de precedentes. A função da Corte de Cassação, nesse perfil transformado, é o meio através do qual o Judiciário contribui para reduzir a vagueza da norma e 22 Como bem demonstra o subtítulo da obra de MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. 3. Ed. São Paulo: RT, 2017. 23 GERALDES, António Santos Abrantes. Cassação ou substituição? Livre escolha ou determinismo legislativo? In: SOUSA, Miguel Teixeira de; COSTA E SILVA, Paula; PINTO, Rui (coord.). As recentes reformas na acção executiva e nos recursos. Coimbra:Wolters Kluwer e Coimbra, 2010. plurivocidade do texto. Nos contornos do caso concreto, o Judiciário interpreta o texto normativo e o aplica, afirmando-o concretamente e definindo o seu significado. Esse movimento densifica o direito objetivo, tornando-o mais cognoscível, previsível. É inevitável que as instâncias ordinárias, por serem múltiplas, produzam decisões variadas, pois é praticamente impossível impedir a dispersão a respeito do significado da interpretação do Direito, duplamente indeterminado que é. Por outro lado, a instância extraordinária, por ser composta por um único Tribunal, tem a possibilidade de conferir unidade à interpretação do Direito. Com efeito, por encontrar-se no seu ápice, o Tribunal Superior do Trabalho constitui a Corte de Precedentes por excelência do sistema judiciário trabalhista, já que tem à sua disposição a prerrogativa de examinar controvérsias oriundas de todo o país e a seu respeito estabelecer o Direito. Essa posição panorâmica no sistema judiciário nacional é estratégica para a promoção da Unidade do Direito, favorecendo a segurança jurídica e o tratamento isonômico dos jurisdicionados em âmbito nacional.24 Assim, ao julgar um recurso, o TST, como Corte de Precedentes, deve ter interesse primário na interpretação do Direito (o foco é “a tese” jurídica assentada no acórdão recorrido) e apenas secundário no caso concreto.25 Essa é a justificativa teórica para a incidência de um dos principais óbices ao seguimento do recurso de revista. A Súmula n. 126 do TST (editada há mais de 30 anos) impede a admissibilidade do recurso de revista interposto “para reexame de fatos e provas”.26 Ora, o motivo pelo qual o TST não reexamina fatos 24 Ressaltando a ineficácia nomofilática do recurso avulso e denunciando a inércia do TST quanto à instauração de incidentes de recursos de revista repetitivos, cf. PRITSCH, César Zucatti. Manual de prática dos precedentes no processo civil e do trabalho – uma visão interna das Cortes. 2. ed. Leme: Mizuno, 2023, p. 371 e ss. 25 BAINI, Gustavo M.; ARAÚJO, Francisco Rossal de. Requisitos formais do art. 896, § 1º-A, da CLT: Fundamentação vinculada e devolutividade restrita como chaves para admissibilidade do recurso de revista. Revista LTr, v. 12, dez. 2021, p. 1.417. 26 Aqui não será abordada a espinhosa discussão acerca da imbricação das questões de fato e de direito. As defesas das concepções unitária e dualista não cessam. Sobre todos, conferir CASTANHEIRA NEVES, Antônio. A distinção entre a questão-de-facto e a questão-de-direito e a competência do Supremo Tribunal de Justiça como Tribunal de “Revista”. In: Digesta – escritos acerca do Direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. V. 1º. Coimbra: Coimbra, 1995, pp. 483 e ss. Em uma visão renovada, vale a pena conferir ALVIM, Questão de fato e questão de direito… Cabe destacar, apenas, que as Súmulas n. 7 do STJ e 279 do STF, congêneres à Súmula n. 126 do TST, referem apenas “provas”, e não “fatos”. Parece ser mais e provas é que a sua função não é rejulgar o caso, mas verificar se a interpretação do direito objetivo realizada pelo Tribunal Regional se sustenta. O recurso de revista, portanto, serve para submeter ao TST apenas a quaestio juris, os “efeitos jurídicos” dos fatos assentados no acórdão recorrido. O TST apenas mediatamente julga o caso. O interesse imediato do TST é a tese jurídica assentada no acórdão recorrido, isto é, a interpretação do julgador a quo sobre o direito objetivo aplicado.27 O TST não é uma Corte Revisora e nem de Cassação, mas uma autêntica Corte de Precedentes.28 A transição da redação originária da Súmula n. 221 do TST, de 1985, para o seu cancelamento em 2012, confirma a transformação do perfil cassacional para o interpretativo do TST. Antes do seu cancelamento, o item II da Súmula assentava que “Interpretação razoável de preceito de lei, ainda que não seja a melhor, não dá ensejo à admissibilidade ou ao conhecimento de recurso de revista com base na alínea "c" do art. 896 da CLT. A violação há de estar ligada à literalidade do preceito.” Ou seja, o TST admitia que houvessem várias interpretações do mesmo dispositivo de lei, desde que fossem “razoáveis”. Contudo, essa tolerância causava o risco de prestação jurisdicional regionalizada, com diferenças na distribuição do direito entre os diversos Estado da federação – ou mesmo dentro do mesmo estado – dando lugar a que a relação capital-trabalho, no Brasil, não tivesse um ordenamento jurídico, mas vários. Isso ressalta a importância de uma interpretação unificada do Direito, já que, “em nosso país de dimensões continentais, é necessária uma última interpretação do direito material e processual do trabalho diante das flagrantes adequado dizer que o TST não reexamina provas que levaram à conclusão sobre fatos, do que dizer que o TST não reexamina fatos e provas. Por exemplo, dizer que “o adicional de insalubridade não é devido pelo manuseio de álcalis cáusticos dissolvidos em produtos de limpeza” é diferente de dizer que “não havia manuseio com álcalis cáusticos na relação de trabalho”. Embora ambas as afirmativas digam respeito a fatos, a primeira pode ser revista pelo TST. A segunda, não. 27 MIESSA, Élisson. CARDOSO, Jair Aparecido. Recurso de revista repetitivo. In: In: PRITSCH, César; JUNQUEIRA, Fernanda; HIGA, Flávio; MARANHÃO, Ney (coord). Precedentes no processo do trabalho - teoria geral e aspectos controvertidos. São Paulo: RT, 2020, p. 627. 28 Como já no título afirmou na (já célebre) obra, resultado de profícua pesquisa de mestrado recentemente defendida perante a UFRGS, PRITSCH, Cesar Zucatti. O TST enquanto Corte de Precedentes. Paradigmas de Cortes Supremas e o Tribunal Superior do Trabalho. Leme: Mizuno, 2023. Um paralelo com essa afirmativa e seus desdobramentos pode ser observado na também célebre e pioneira obra de MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes – recompreensão do sistema processual da corte suprema. 4. Ed., São Paulo: RT, 2019. diversidades culturais e socioeconômicas existentes entre os Estados brasileiros.”29 Dado o caráter normativo da interpretação jurídica30 da Corte de Precedentes, o papel do TST, portanto, não é o de funcionar como uma terceira instância para apreciação do caso, nem como uma instância de mero controle das interpretações variadas, mas é formar, confirmar e reformar precedentes.31 29 SCHIAVI, Mauro. Ideias para uniformização da jurisprudência do TST e aprimoramento da transcendência. In: PRITSCH, César; JUNQUEIRA, Fernanda; HIGA, Flávio; MARANHÃO, Ney (coord). Precedentes no processo do trabalho - teoria geral e aspectos controvertidos. São Paulo: RT, 2020, p. 645. No mesmo sentido, MALLET, Estêvão. Do recurso de revista no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 201. 30 “Desde o momento em que se percebeu que o texto não se confunde com a norma e que a norma não é o objeto, mas o resultado da interpretação, chegou-se à conclusão de que ou a interpretação dada ao direito pelo Supremo Tribunal e pelo Superior Tribunal de Justiça era encarada como algo dotado de normatividade ou, então, o princípio da igualdade se esfumaça em uma abstração irritante em um sistema indiferente à imensa maioria de casos concretos idênticos ou semelhantes cotidianamente julgados de maneira diferente.” SCHIAVI, Mauro. Ideias para uniformização da jurisprudência do TST e aprimoramento da transcendência. In: PRITSCH, César; JUNQUEIRA, Fernanda; HIGA, Flávio; MARANHÃO, Ney (coord). Precedentes no processo do trabalho - teoria geral e aspectos controvertidos. São Paulo: RT, 2020, p. 653. 31 BAINI, Gustavo M.; ARAÚJO, Francisco Rossal de. Requisitos formais do art. 896, § 1º-A, da CLT: Fundamentação vinculada e devolutividade restrita como chaves para admissibilidade do recurso de revista. Revista LTr, v. 12, dez. 2021, p. 1.418.