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AULA 1 A meningite é definida como uma inflamação das meninges, membranas que envolvem o encéfalo (cérebro, bulbo e cerebelo) e a medula espinhal. É uma infecção que ataca a pia-máter e o aracnoide (leptomeninges) e se estende pro espaço subaracnóide. A inflamação pode ser causada por vírus, bactérias, protozoários, fungos e menos frequente algumas drogas. ● A meningite ou a sua suspeita é uma emergência médica. ● Todas as meningites são de notificação compulsória. 🩺 Meningites bacteriana são menos comuns que as virais, porém apresentam maior morbidade e mortalidade. TRÍADE DA MENINGITE Febre alta Dor de cabeça Rigidez de nuca MENINGES As meninges são três membranas que protegem o cérebro e a medula espinhal. Dura-máter: A "mãe dura" é a camada mais externa e resistente. Ela é espessa e fibrosa, fornecendo uma proteção robusta ao sistema nervoso central. Aracnoide: Localizada abaixo da dura-máter, a aracnoide tem uma aparência de teia de aranha (daí o seu nome). Abaixo dela fica o espaço subaracnóideo, que contém o líquido cefalorraquidiano (LCR). Pia-máter: A "mãe suave" é a camada mais interna e delicada. Ela adere diretamente à superfície do cérebro e da medula espinhal, seguindo todas as suas curvas. AGENTES ETIOLÓGICOS VIAS DE TRANSMISSÃO ● Via respiratória: gotículas, secreções orais e nasais ● Fecal-oral: ○ Enterovírus ● Por continuidade: mastoidite, otite média, sinusite, tromboflebite dos seios venosos intracranianos. ● Cateteres com acesso ao SNC ● Via direta: fraturas, defeitos no fechamento do tubo neural ● Via pouco comum: infecção umbilical, aspiração de líquido amniótico, contaminação via transplacentária. Sofia Dutra OUTROS CONCEITOS Encefalite: É uma inflamação do encéfalo. Mielite: É uma inflamação da medula espinhal. Encefalomielite: É a inflamação combinada do encéfalo e da medula espinhal. Meningoencefalite: É a inflamação que atinge tanto as meninges quanto o encéfalo. PRINCIPAIS AGENTES ETIOLÓGICOS POR FAIXA ETÁRIA FAIXA ETÁRIA AGENTES Neonatos ( 60 anos) Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis, Listeria monocytogenes Adultos maiores de 60 anos e crianças menores de 1 ano são mais susceptíveis. Tratamento empírico: A estratificação dos agentes bacterianos por faixa etária é importante para a escolha dos antibióticos e para a indicação de quimioprofilaxia MENINGITES VIRAIS ENTEROVÍRUS Agente etiológico: o Coxsackie B e o Echovírus. ● Os enterovírus são os principais agentes causadores de meningite viral. Transmissão: via fecal-oral, com os vírus crescendo no trato intestinal. Patogênese: Após um curto período de incubação (aproximadamente 7 dias), o vírus se espalha pelo sangue (viremia) e tem tropismo pelo Sistema Nervoso Central (SNC), onde infecta as meninges. Quadro clínico: A infecção pode se manifestar de várias formas, incluindo meningite, encefalite, encefalomielite e mielite. ● Os sintomas podem incluir dor de cabeça, frequentemente acompanhada de sintomas semelhantes aos de um quadro gripal. Epidemiologia: Crianças são mais suscetíveis a esta infecção, que ocorre principalmente durante o verão. CAXUMBA (Paramyxovirus) Agente etiológico: Paramyxovirus. ● O vírus da caxumba pode causar meningite ou meningoencefalite. Sofia Dutra Transmissão: via respiratória, através de gotículas. Quadro clínico: geralmente autolimitada e benigna. Incidência: Ocorre em 15% dos pacientes com caxumba. HERPESVIRIDAE Agente etiológico: Herpes Simplex 1 e 2 (HSV-1 e HSV-2) Transmissão: contato direto com lesões, via oral e genital. Patogênese: O vírus invade o Sistema Nervoso Central (SNC) causando meningite e, em alguns casos, encefalite ou meningoencefalite. ● A meningite é autolimitada em imunocompetentes. ● A meningite recorrente é associada ao vírus Herpes Simplex 2 (HSV-2). Quadro clínico: Pode haver comprometimento do lobo temporal, confusão mental e convulsões, especialmente em crianças. Tratamento: aciclovir intravenoso. Prognóstico: A meningite viral por herpes tem um bom prognóstico, exceto quando se manifesta como encefalite, que é potencialmente fatal. VARICELAS - ZOSTER Agente etiológico: do vírus Varicela-Zoster (VZV), que causa a catapora. Transmissão: via respiratória Patogênese: Embora seja uma complicação comum da catapora, a reativação do vírus (como no herpes zoster) pode levar à meningite sem a presença de lesões cutâneas. Incidência: É uma causa menos comum de meningite viral em comparação com outros agentes. MENINGITES BACTERIANAS ● Neisseria meningitidis (diplococos gram -) → fazer isolamento ● Pneumococos (cocos gram +) ● Haemophilus influenza (cocobacilo gram -) → fazer isolamento ● Listeria Monocytogenes (20% dos casos em RN) ● Estreptococos beta agalactiae e bacilos gram - em RN ○ O Streptococcus agalactiae pode colonizar o trato genital das mulheres e pode ser detectado no terceiro trimestre da gravidez através de um teste de cotonete. MENINGITE MENINGOCÓCICA Início abrupto. Classificação: A Neisseria meningitidis é classificada em 12 sorogrupos, de acordo com a composição antigênica de sua cápsula polissacarídica. ● Os sorogrupos A, B, C, Y, W e X são os principais responsáveis pela ocorrência da doença invasiva e, portanto, de epidemias. Reservatório: Ser humano, sendo a nasofaringe o local de colonização do microrganismo. Transmissão: via respiratória e contato direto de pessoa para pessoa. Período de Incubação: de 3 a 4 dias, podendo variar de 2 a 10 dias. Sofia Dutra Período de Transmissibilidade: persiste até que o meningococo desapareça da nasofaringe, o que geralmente ocorre após 24 horas de antibioticoterapia adequada. ● O paciente precisa ficar em isolamento respiratório por 24 horas. Vacina: ● Vacina meningocócica conjugada C protege contra a doença invasiva causada pelo sorogrupo C. ● Vacina meningocócica conjugada ACWY também está disponível e é indicada para adolescentes. FISIOPATOGENIA A patogênese da meningite meningocócica envolve a entrada da bactéria no Sistema Nervoso Central (SNC) por meio de diferentes mecanismos: 1. Disseminação Hematogênica: O meningococo pode se disseminar pelo sangue, atingindo e invadindo diretamente as meninges, que se tornam inflamadas. ● Trombose: No sangue, a bactéria pode causar trombose. 2. Mecanismo "Cavalo de Tróia": A bactéria pode se esconder dentro de macrófagos para atravessar a barreira hematoencefálica e entrar nas membranas. Uma vez lá dentro, a infecção pode se espalhar para outras células, como neutrófilos, astrócitos e micróglia. QUADRO CLÍNICO A resposta inflamatória à infecção por meningococo pode levar a um quadro clínico grave, que inclui: 1. Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD): manifestando-se como petéquias (na pele e na conjuntiva), equimoses e hemorragias. ● Estes são sinais de uma infecção disseminada por meningococo. ● A CIVD pode causar necrose de extremidades. 2. Meningococcemia: quadro rápido de choque hipovolêmico devido ao aumento da permeabilidade vascular, podendo levar à morte em 24 horas. ● A meningococcemia pode causar um rash (erupção cutânea) petequial ou purpúrico. ● Mais de 50% dos pacientes têm petéquias na apresentação. Petéquia vs. Lesão Exantemática A diferenciação pode ser feita através do teste do copo (teste de tumbler). - Lesão Exantemática: A lesão desaparece (fica pálida) sob digitopressão. - Petéquia/Púrpura: A lesão não desaparece sob digitopressão.Sofia Dutra SINAIS DE ALERTA NA DOENÇA MENINGOCÓCICA Isquemia: Em casos fulminantes, pode ocorrer púrpura, isquemia de membros e óbito em poucas horas. Sinais de toxemia: quadro grave de prostração, sinais de toxemia, exantema e/ou petéquias, sufusões hemorrágicas e hipotensão, com ou sem meningite. DOENÇA MENINGOCÓCICA - PROGRESSÃO DOS SINTOMAS ATÉ A MORTE EM 24H PNEUMOCOCO Início abrupto. Transmissão: por contiguidade Vacina: Com a introdução da vacina, a taxa de isolamento se manteve estável mas reduziu nos sorotipos das vacina. ● Vacina pneumocócica conjugada 10-valente: Ela faz parte do Calendário Nacional de Vacinação da Criança no Brasil. ● Vacina pneumocócica polissacarídica 23-valente (VPP23): É indicada para pacientes imunossuprimidos, portadores de doenças crônicas e a população indígena com mais de 2 anos de idade Patogênese: a bactéria passa de uma infecção próxima ao SNC (contiguidade), como otites médias, mastoidites, sinusites, tromboflebite dos seios venosos intracranianos para as meninges. HEMÓFILOS Início abrupto. Agente etiológico: O tipo B do Haemophilus influenzae (Hib). Vacina Pentavalente: Protege contra Haemophilus influenzae tipo b (Hib), além de difteria, tétano, coqueluche e hepatite B. ● Impacto da vacinação: A introdução da vacina conjugada contra o Hib a partir do ano 2000 causou uma queda de 90% na incidência de meningites por esse agente. Doenças associadas: meningite, septicemia, pneumonia, epiglotite, celulite, artrite séptica e osteomielite. Sofia Dutra TUBERCULOSE MENÍNGEA Início subagudo. Agente etiológico: Mycobacterium tuberculosis. Resposta imune: A resposta imune a essa bactéria é predominantemente celular (linfócitos), diferentemente de outras meningites bacterianas, que têm uma resposta neutrofílica. Transmissão: vias respiratórias, via aerossol. Fisiopatogenia: 1. A infecção começa nos pulmões após a aspiração do bacilo, formando um complexo primário. 2. O processo pode parar nesse ponto e se tornar uma infecção latente ou evoluir para uma disseminação hematogênica (pelo sangue). 3. Se houver disseminação, o bacilo pode chegar ao Sistema Nervoso Central (SNC) e causar meningite. 4. Uma vez no SNC, ele invade astrócitos e os espaços aracnóide e subaracnóide, iniciando um processo inflamatório lento e intenso. 5. A inflamação pode levar à obstrução de vasos → AVC. QUADRO CLÍNICO Período de incubação: 2 a 10 dias Meningite: difícil diagnóstico, pode ter sinais e sintomas inespecíficos principalmente em crianças menores Tríade: febre + cefaleia + rigidez de nuca ● Febre: persistente e pouco responsiva a antitérmicos. ● Cefaleia (90%): intensa, pouco sensível a analgésico. ● Vômitos: em jatos e resistentes aos antiemético.s Pode apresentar também: ● Fotofobia , diminuição da acuidade visual, diplopia ● Sensação de mal estar, palidez ● Crise convulsiva ● Alteração do nível de consciência (irritabilidade, torpor, sonolência, confusão mental, coma) ● Petéquias ou púrpuras ● Coma ● Óbito SINAIS DE IRRITAÇÃO MENÍNGEA Rigidez de nuca: fazer o movimento enquanto estiver distraindo o paciente. Sinal de Kernig: resposta em flexão da articulação do joelho, quando a coxa é colocada em certo grau de flexão, relativamente ao tronco → levanta a perna e ele dobra o joelho Sinal de Brudzinski: flexão involuntária da perna sobre a coxa e desta sobre a Sofia Dutra bacia, ao se tentar fletir a cabeça do paciente DEFINIÇÃO DE CASO Suspeito: paciente que apresente sinais e sintomas de meningite Confirmado: Caso suspeito com diagnóstico laboratorial e epidemiológico confirmados. DIAGNÓSTICO 1. Colher a história clínica e epidemiologia (idade, sexo, fatores de risco) 2. Exame Físico: Procurar os sinais de meningite → rigidez de nuca, Kernig e Brudzinski. 3. Diagnósticos Laboratoriais ● Punção Lombar: Coleta do líquido cefalorraquidiano (LCR). ● Exame do LCR: ○ Macroscópico: aspecto do LCR (transparência e coloração) ○ Microscópico: citológico e microbiológico ○ Bioquímico: proteínas e glicose 4. Exames de Imagem: Realização de tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RMN) do cérebro. Quando suspeitar de doença meningocócica? Quando o paciente apresentar sinais de toxemia aguda, petéquias e/ou equimoses e/ou sufusões hemorrágicas na pele e/ou conjuntivas. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL - Hemograma e bioquímica: ● Aumento do PCR; ● Consumo dos fatores de coagulação → quadro mais avançado. ● Distúrbios metabólicos; ● Leucocitose ou leucopenia ou leucócitos normais - Glicemia: para comparar com a glicorraquia (o normal é que seja ⅔ da glicemia) - Gasometria - Coagulograma: avaliar sinais de CIVD - Hemocultura - Líquor cefalorraquidiano (LCR): recomenda-se a punção lombar, salvo contra-indicações, como ● Evidência de aumento da pressão intracraniana no exame físico → importante para que a realização do procedimento não cause herniação de amígdalas cerebelares ● Infecções superficiais em local da punção Sofia Dutra ● Em caso de dúvida realiza-se a tomografia computadorizada de crânio antes. DIAGNÓSTICO PELO LCR O líquor normal é límpido e incolor, como “água de rocha”. Meningite Bacteriana: ● Células: Aumentadas (centenas a milhares) com predomínio de neutrófilos, exceto na meningite tuberculosa, onde há aumento de linfócito ● Glicose: Diminuída, pois a bactéria consome o açúcar para se multiplicar. O nível de glicose no LCR corresponde a ⅔ da glicemia ● Proteínas: Aumentadas. A meningite tuberculosa apresenta o maior aumento de proteínas, com valores muito altos, enquanto a glicose pode estar normal ou diminuída, e os leucócitos geralmente são menores que 1000 Meningite Viral: ● Células: Aumentadas (5 a 500 células/mm³), com predomínio de linfócitos DIAGNÓSTICO POR IMAGEM A tomografia computadorizada (TC) de crânio e a ressonância magnética (RM) de crânio são os principais exames de imagem utilizados no diagnóstico de meningite. ● Auxiliam a identificar complicações como abscessos cerebrais, hemorragias e tumores. TRATAMENTO TRATAMENTO INICIAL Isolamento: Na suspeita de meningite, o paciente deve ser mantido em isolamento respiratório. Com os resultados e confirmação com LCR: ● Meningococo e Hemófilo → O isolamento respiratório pode ser retirado após 24 horas de antibioticoterapia adequada. Sofia Dutra ● Vírus da caxumba → isolar enquanto durar o aumento das parótidas ou até 9 dias do início da doença Adequação Volêmica: reposição de líquidos. Deve-se usar uma veia calibrosa, e se possível, uma via central, ● Monitorando a pressão arterial, pulso, frequência cardíaca, débito urinário e nível de consciência. Corticoterapia: O uso de dexametasona é recomendado para reduzir o processo inflamatório. O tratamento deve ser iniciado 30 minutos antes da 1º dose do ATB ou concomitantemente com a primeira dose de antibiótico. ● Dexametasona: ○ Crianças e adolescentes: 0,6 mg/kg/dia EV ○ Adultos: 6 mg - 12/12 hs - EV ● Na meningococcemia não dá tempo de esperar os 30 minutos. TRATAMENTO EMPÍRICO TRATAMENTO MENINGITE BACTERIANA TB MENINGOENCEFÁLICA MENINGITE VIRAL ● Antivirais ● Aciclovir (herpética) endovenoso – 14 a 21 dias QUIMIOPROFILAXIA DOS CONTACTANTES Recomendado aos comunicantes que tiveram contato em até 10 dias do início dos sintomas: ● Pessoas que moram no mesmo domicílio ● Contatos de instituição fechada (orfanato, presídio, albergue, acampamento) ● Pré-escola ou creche ● Exposição direta às secreções do doente (beijos, utensílios) ● Profissionais da saúde ● Gestantes ● Aviões (vôos com mais de 8 horas de duração) - Rifampicina: ● 1 mês a 12 anos: 10 mg/kg/dia (máx 600mg/dia) –12/12h VO por 2 dias ● > 12anos: 600 mg/dia – 12/12h VO por 2 dias Sofia Dutra - Ceftriaxone ( 12 anos = 250 mg ) = dose única IM - Ciprofloxacina (somente adultos = 500mg) = dose única VO Rifampicina aumenta a metabolização → tem muita interação medicamentosa estimulando a metabolização das drogas COMPLICAÇÕES ● Edema cerebral ● Hidrocefalia ● Empiema subdural ● Hipertensão intracraniana ● Herniação cerebral ● Paraliasia de nervos cranianos: Paralisia abducente decorrente de compressão ou inflamação do 6º nervo craniano ● Abcesso cerebral ● Trombose venosa ● Acidente vascular cerebral ● Surdez neurossensoria ● Epilepsia ● Déficit motor ● Atraso no DNPM VACINAÇÃO ● Vacina pneumocócica ● Pentavalente: Vacina haemophilus ● BCG ● Tríplice viral ● Meningocócica C ● Meningo ACWY Sofia Dutra